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Cordel-->História do Boi Mansinho e do Beato Zé Lourenço -- 10/09/2003 - 02:02 (m.s.cardoso xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
História do Boi Mansinho e o Beato Zé Lourenço (Cordel)
Paulo Nunes Batista*

Eis aqui mais uma estória
Feita da história, afinal:
É romance sertanejo
Exemplo nacional
Do heroísmo camponês-
Provando, mais uma vez,
A Injustiça Social.

Padim Ciro em Juazeiro,
Zé Lourenço em Caldeirão,
Santa Dica em Lagolândia,
Pau de Colher – todos são-
Com o Conselheiro em Canudos
Transes sangrentos e agudos
Da alma crente do Sertão.

Zé Lins, em “pedra Bonita”,
Nos mostrou o sebastianismo,
Outros autores estudam
Misticismo, fanatismo-
Penitentes e beatos
Raízes dos mesmos fatos
Que geram o cangaceirismo.

De Portugal veio a lenda:
Dom Sebastião, um rei,
Morto em Alcacer Quibir
Defendendo a sua grei,
Milagrosamente, um dia-
Vivo e forte – voltaria
Para implantar nova lei...

Faria um grande reinado
Sem sofrimento, sem pobre,
Pois – todo mundo seria
Sadio, feliz e nobre...
Governando um mundo novo,
Traria paz para o Povo,
Com beleza e muito cobre...

Esse Dom Sebastião –
Para o povo português-
Viria, ressuscitado,
Governar com justas leis...
O Povo – sofrido – aguarda,
Sempre, a Justiça, que tarda
E até hoje não se fez!...
E o Povo – no mundo inteiro-
Só quer a justiça, a Paz –
O Reino de Amor do Cristo
Que o Bem e o progresso traz
Para todos... que – os tiranos –
Com seus reinos desumanos,
Governam com Satanás...

Nossos irmãos lusitanos
Esperanças ainda têm
De que Dom Sebastião
Regresse, um dia, do Além,
Vencendo as trevas da morte
E à frente do povo, forte,
seja Imperador do Bem!...

Esse ideal navegou
Com os colonizadores
E veio para o Brasil,
Onde os pobres, sofredores-
Sem paz, sem terra, sem pão –
Vêem Dom Sebastião
Como um dos seus Salvadores...

Pois – o Povo sempre espera
Por um Salvador, um Guia,
Um Líder, um Comandante
Que imponha a Justiça, um dia,
Sonha. – o Povo Brasileiro-
Com um profeta, um Cavaleiro
Que acabe com a Tirania!

A Tirania da Fome,
Do sofrimento da Massa –
Que faz tudo – e não tem nada!
Um governante que faça
Um governo sem engodos,
Com – bem-estar para todos,
Sem escolher credo ou raça...

E é esse sebastianismo
Que aduba o pé da Esperança
Da grande massa explorada,
Que sonha – e nunca se cansa
De esperar possa – a justiça-
Tirar o trono à Cobiça
E entronizar a Bonança...

Manifestações sebásticas
Da população aflita
Aparecem em Pernambuco-
E há sangue em Pedra Bonita...
Canudos e Juazeiro
Com um Padrinho...um Conselheiro
Em quem o Povo acredita...

Em Goiás, em Lagolândia,
Eu conheci Santa Dica
E escrevi a sua história
Que é de emoções muito rica,
A História do Boi Mansinho,
Que era “o boi de meu Padrinho”,
Agora contada fica.

Nos anos mil e oitocentos
E cinqüenta , nos sertões
Do Nordeste do Brasil
Padres faziam sermões
Pregando, nos arraiais,
Sobre as penas infernais,
Nas ditas “santas missões”.

Convenciam os sertanejos
Sobre os suplícios do inferno-
Punham neles o terror
Do tal “sofrimento eterno”
Por pecados cometidos.
(poucos a isso dão ouvidos,
nos nossos dias modernos...)

Quase todo mundo sabe
Que inferno não pode haver
Pior do que ver um filho
À mingua de pão morrer...
Enquanto no palacete
O que sobra do banquete
Se dá para o cão comer...

Porém, há mais de cem anos,
Pelos sertões do Nordeste,
Esses padres missionários
Pregam o castigo celeste:
Só merecia indulgências
Quem fizesse penitências
Com sacrifícios “da peste”...

Quem não quisesse queimar-se
Nas fogueiras infernais,
Tinha de sofrer na Terra
Espancamentos brutais...
Muitos padres se açoitavam
E, com chicotes, sangravam
Em “gozos celestiais”...

Alguns devotos fanáticos,
Para os padres imitarem,
Vestiam batinas pretas
Para em conjunto rezarem
E, com chicotes na mão
Faziam a flagelação-
Se batiam até sangrarem...

Nu’a mão tinham o rosário
E na outra mão o chicote
Com vidro e pregos nas pontas-
Tome peia no cangote...
As costas, na punitiva,
Acabam em carne viva
Ponto sangue a cada bote...

Viviam esses penitentes
A rezar em campanários.
À noite usavam capuz.
Nunca largavam os rosários.
Uns partiam, decididos
A conseguir “convertidos”,
Arranjando sectários.

Imitavam os sacerdotes
Nessa peregrinação.
Não tendo padres, dos mortos
Faziam a encomendação.
De rosário, de batina,
Iam pregando a “doutrina”
Do Inferno e da Lei do Cão!...

O negro José Lourenço
Chega um dia a Juazeiro
Com a família: o seu pai,
Lourenço, que era romeiro,
Foi procurar com o Padrinho
Padre Cícero – um caminho,
Um conselho, algum roteiro...

Pois, levava algum dinheiro
E queria trabalhar
Na lavoura. Padre Cícero
Aconselhou-o a arrendar
Em Baixa Dantas, no Crato,
Uma terra para o trato,
No que o ia avalizar.

E no Sítio Baixa Dantas
Zé Lourenço se instalou
Com seu pai. A mãe e irmãos
Lá na cidade deixou-
Visita-los sempre ia
Na Rua Santa Luzia,
Onde uma casa comprou.

Até então, Zé Lourenço
Padre Cícero não vira.
Mas, a convite da irmã,
Que ra beata, assistira
A um sermão do sacerdote,
Que era contra o tal chicote
Que o fanatismo instituíra.

Mas, as palavras do Padre,
De Zé Lourenço na mente
Só despertaram atenção
Para o efeito diferente:
Dali saiu Zé Lourenço
Bem curioso e propenso
A ser, também, penitente...

Zé Lourenço, dali
Foi ao Horto, em Catolé,
Pra ver a tal cerimônia
Dos fanáticos da fé,
E achou, ouvindo os benditos,
Os tais açoites – bonitos!...
Vejam a coisa como é!...

Um velho Decurião
Comandava a penitência.
Entre rezas e benditos
A gente, com violência
Ali se chicoteava...
Tudo pra ver se alcançava
De Deus alguma indulgência...

Fascinado pela cena
A que assistiu lá no mato,
Nasceu naquele momento
José Lourenço, o Beato.
A Ordem dos Penitentes
Recebe um dos mais valentes,
Que passa a sue líder nato.

Morreu Lourenço, seu pai,
E Zé Lourenço assumiu
A direção dos trabalhos
Nas terras que adquiriu
Lá no Sítio Baixa Dantas.
E as colheitas foram tantas
Que sua fama subiu.

Padre Cícero gostavas
De Zé Lourenço, em quem via
Um lavrador dedicado
Ao trabalho que fazia,
Esforçado diligente.
Que era ele um penitente
O Padre ainda não sabia.

Um dia o Padre mandou
Chamar Zé Lourenço, e disse:
-José, ganhei um garrote
que eu só queria que visse:
é zebu, da melhor raça.
Quero que um favor me faça:
Trate dele, com meiguice!

-Pois, foi Delmiro Gouveia,
meu amigo, o coronel,
quem me deu esse presente-
e eu quero lhe ser fiel.
Esse boi vai ter, aqui,
Na zona do Cariri,
Um importante papel.

- Vamos zelar esse boi,
Que é de subido valor
E vai nessa região,
Ser touro reprodutor.
E – conclui o Sacerdote-
Pra tratar desse garrote
Eu escolhi o Senhor!

Zé Lourenço, ouvindo aquilo,
Ficou quase deslumbrado.
Disse: - Poi bem, meu Padrinho,
Pode ficar descansado.
Só quero que me abençoe,
Que eu vou cuidar desse boi
Como nunca foi cuidado!

Logo espalhou-se a notícia.
Era em mil e novecentos.
Verdadeira procissão
Foi seguindo, a passos lentos,
O garrote do Padrinho,
Que chamaram de Mansinho
Com os mais gentis tratamentos.

De tanto ser alisado
Ficou bem “Mansinho” o bicho.
Todo mundo ali tratava
O boi com todo o capricho.
No lombo desse garrote
Nunca encostou um chicote,
Nem berne, nem carrapicho...

Devotos do Padre Cícero
Vendo o boi, diziam assim:
-Ninguém viu coisa mais linda
do que “o boi do meu Padim!”
Esse boi parece um anjo!
Tem o jeito de um arcanjo
E o olhar de um Serafim!...

Certo dia, um lavrador
Pega um feixe de capim:
Trouxe – debaixo do braço-
Para “o boi de meu Padim”.
Mas...o caro Boi Mansinho
Virou pra lá o focinho,
Achou o presente ruim...

Ora, isso foi a conta
Pra que corresse a notiça...
-O Boi enjeitou capim!
E o fogo logo se atiça...
-Esse Boi só sendo Santo!...
Para aumentar mais o “encanto”
Pro boi rezaram uma missa!...

A verdade é que “Mansinho”
Pra capim tinha o seu fraco.
Mas...enjeitara o capim
Com catinga de sovaco...
Daí, pra que se consagre
O boi – faltava “um milagre”
Pra acabar de encher o saco...

Não demorou quase nada
“o milagre” apareceu:
alguém fez uma promessa,
disse que “O Boi” atendeu...
Começou a adoração-
Por todo aquele sertão
Logo a notícia correu...

E o povo – fanatizado–
(que Deus do céu me perdoe!)
pra toda e qualquer doença
comprando remédio foi
-remédio santificado-
ali mesmo fabricado
com mijo e bosta do Boi!...

Remédio pra dor de corno,
Para espinhela caída,
Arroto choco, dordóe,
Bate-bate, estremecida,
Dor-que-arresponde-nas costa:
Basta um chá feito da bosta
Do Boi – que é santa bebida!...

Para izipa, dos-nos-vão,
Frouxidão, escarlatina,
Bexiga, gota-serena,
Sarna braba, perna fina,
Ânsia no peito, ferida:
É só botar na comida
Do Boi a sagrada urina!...

Para levar-se o “Mansinho”
Para o Sítio Baixa Dantas,
Foi a maior procissão
Que se viu, em meio a tantas...
Alguém gritou do seu canto:
-Me abençoa , meu Boi Santo!
Seguido de mil gargantas...

Sendo o boi do Padre Cícero,
O levita milagreiro,
Tinha de fazer milagres-
Curava até pelo cheiro...
“Mansinho”, além de formoso,
era santo e milagroso!...
Era a voz do povo inteiro!...

O Padre, sabendo disso,
Não gostou da presepada.
Mandou buscar Zé Lourenço,
Deu-lhe uma prensa danada.
Lhe disse: - Em nome de Cristo,
Vocês me acabem com isto!
Boi não é santo nem nada!...

Mas, o povo, acostumado
A adorar o Boi Mansinho,
Não ouviu o Padre Cícero-
Seguiu no mesmo caminho...
Clamavam em meio do pranto:-
Como não pode ser Santo
Sendo o Boi de meu Padrinho?!

E aí que entra na história
Seu Floro Bartolomeu-
Político quengo-fino
Entre os que a Bahia deu.
Padre Cícero atendia
Ao que Floro lhe dizia...
Foi aí que “o boi morreu”...

Diz Floro: - Mata-se o boi
E se prende Zé Lourenço!
Esse é o único remédio
Pro caso, segundo eu penso,,,
Foi o garrote de raça
Morto no meio da praça,
Deixando o povo suspenso...

Floro é quem vendeu o Boi
E exigiu de quem comprou
Que matasse o Boi na praça-
Se fez como combinou:
Na vista de toda a gente...
E esse povo penitente,
Vendo o Boi morto, chorou...

O Boi foi morto na praça
Bem defronte da Cadeia,
Onde Zé Lourenço, preso
Na situação mais feia,
Ouvia o Povo clamando
E a qualquer hora esperando
Entrar como o povo na peia...

Foi “mansinho”, esquartejado,
Para o açougue conduzido
E logo ao povo da praça
Era os pedaços vendido:
Todos queriam levar
Para casa e ali provar
Do que Santo tinha sido...

O açougueiro que matou
O “mansinho” milagreiro-
Um tal de João Araújo-
Ganhou lá o seu dinheiro...
Mas, foi infeliz, coitado,
Pois, também morreu matado
Na profissão de açougueiro...

Zé Lourenço em Baixa Dantas
Prosseguiu por sua vez
Pregando e com penitências.
No ano de 26
O Capitão João de Brito
Achou um preço bonito-
Da fazenda se desfez.

Foi, na venda dessas terras,
Junto, o pedaço arrendado
Por Zé Lourenço, que, assim,
Achou-se desempregado.
Foi morar em Juazeiro,
Tentando ganhar dinheiro
Trabalhando de alugado.

Padre Cícero, sabendo
De Zé Lourenço o valor,
Ofereceu pra ele ir
Trabalhar de agricultor
Num terreno em terras ditas
Caldeirão dos Jesuítas,
Nos conta o historiador.

Foi assim que o Zé Lourenço
Se mudou pra Caldeirão
Com diversos outros homens
Para trabalharem o chão.
Zé Lourenço conhecia
O lugar, que era – sabia-
Terra boa pra algodão.

Caldeirão se situava
No meio de varias serras,
Cercado de chapadões.
O Beato ocupa as terras
Sem nem pensar que mais tarde
A Prepotência, covarde,
Contra ele faria guerras...

Os homens de Zé Lourenço,
Com a força dos braços rudes,
Nas terras do Caldeirão
Fazem barreiros e açudes.
E quando as chuvas chegaram
As águas armazenaram,
Armazenando virtudes...

Ali tudo era de todos-
Não existia Patrão...
Reinava um socialismo
Espiritual, cristão.
Todos ali trabalhavam
E uns aos outros se ajudavam,
Nas terras do Caldeirão.

Guardavam os víveres no
Celeiro comunitário.
Toda semana, as famílias
Recebiam o necessário
Ou mais, pra sua despesa.
Não havia safadeza,
FOME...latifúndio...

A fama do Caldeirão
Se espalhou sertão afora.
E era só chegando gente
À procura de melhora-
Gente sem terra, com fome,
Que o Latifúndio consome,
Chupa o sangue e manda embora!

No deserto de Injustiças
Caldeirão era um oásis:
Todos viviam felizes-
Velhos, moças e rapazes,
Homens, mulheres, meninos-
Sem rapinas nem sequazes...

Na Seca de 32
As vítimas do flagelo-
Centenas de camponeses-
Buscaram esse lugar belo:
No Caldeirão do Beato
Lhes dispensaram bom trato,
Embora o viver singelo.

Todos viviam felizes,
Sem ladrão e sem polícia,
Sem ladrão e sem polícia,
Sem coronel, cangaceiro,
Exploração nem malícia-
Do capitalismo, os lodos...
Ali – tudo era de todos!
Corria o mundo a notícia.

E mais de três mil pessoas
No Caldeirão já viviam.
Eles mesmos fabricavam
Tudo aquilo que podiam-
Foices, enxadas, tecido,
Peças de ferro batido:
Suas riquezas cresciam...

No ano de 34
Padre Cícero morreu.
A inveja dos coronéis
Contra o Caldeirão cresceu.
No ano de 36
O coronelismo fez
Uma que o cão concebeu...

Dia 9 de setembro
De 36 – vai ficar
Como mancha inapagável
Da Polícia militar:
Capitão Cordeiro Neto
Foi com seus homens direto
Pro Caldeirão destroçar...

Zé Lourenço se encontrava
Em outra localidade.
E o Beato Severino
Tavares, na qualidade
De pregador, foi detido:
Considerou-se ferido
Sem sua dignidade.

Solto, prometeu vingar-se.
Zé Bezerra, um capitão,
Mais o Sargento Anacleto,
Um cabo e um soldado- são
Mortos em luta|: Os Beatos,
Trabalhadores pacatos,
Lutaram de armas na mão...

No dia 11 de maio
De 37 – chegou
Comandante Zé Macedo,
Que o lugar bombardeou:
Invadiu o Caldeirão
E à sua população
Sem piedade metralhou...

Quem escapou da metralha
Morreu pela baioneta-
Velhos, mulheres, crianças...
Difícil é que se cometa
Outra mais triste chacina
Como em terra nordestina
Viu um dia este planeta!...

Aviões jogaram bombas
Pra não ficar nem semente...
Onde havia um arraial
Ficaram cinzas, somente...
Milhares de lavradores
Morreram...: foram os louvores
Para a Polícia “Valente”...

Zé Lourenço não morreu
No fogo da aviação,
Mas vários anos depois
No sítio dele – União.
Com seu poder façanhudo
A Polícia queimou tudo
Quanto havia em Caldeirão!...

Só o POVO organizado
(cada vez mais me convenço!)
poderá contar vitória
contra o terrorismo imenso
do Latifúndio daninho...
É a História do Boi Mansinho
E o Beato Zé Lourenço!...
(Ana´polis-GO, 29-07-1988)
(*) o autor deste cordel tem dados biográficos noutros trabalhos, publicados aqui na usina por maria do socorro Cardoso xavier.


















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