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Artigos-->música, pintura e o romance marco zero -- 04/10/2011 - 11:45 (Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Música, pintura e o romance Marco Zero





Resumo



O presente artigo trata da presença da música e da pintura dentro do romance Marco Zero. Ainda pouco estudado, esse romance, que é o maior de Oswald de Andrade, articula engajamento social com experimentação narrativa e consciência de linguagem. A narrativa, muito marcada pela militância de Oswald junto aos comunistas, tem dois personagens que debatem pintura e é permeada por canções. Ambos aspectos do romance ainda aguardam estudos mais aprofundados.



Palavras-chave: romance, música, pintura, narrativa, modernismo



1. A pintura



O escritor, jornalista e dramaturgo Oswald de Andrade (1890-1954) entrou para a história da literatura brasileira por sua vasta obra: poesia, romance, teatro, polêmicos manifestos, criação de jornais, participação na grande imprensa. No entanto, nem toda sua obra costuma ser avaliada positivamente. Após ter vivido um ostracismo no final da vida, valorizado somente por um pequeno grupo de escritores amigos, dentre os quais os concretistas, Oswald de Andrade voltou a ser debatido a partir dos anos 60 e 70 em diante. No entanto, determinados aspectos de sua ficção permaneceram pouco estudados. Marco Zero I e II são dois bons exemplos de obras oswaldianas que foram objeto de poucos estudos acadêmicos. No decorrer dos embates entre inúmeras vozes em Marco Zero, a pintura e o romance foram revalorizados e a música foi colocada num pólo oposto por ser silêncio e recolhimento. Para criticar a música e afastar-se dela (diferente, portanto, de Mário de Andrade), nos diálogos dos personagens Jack e Ciro, foi citado o personagem Settembrini, que afirmou sobre a música em A Montanha Mágica:



A música? Representa ela tudo o que existe de semi-articulado, de duvidoso, de irresponsável, de indiferente(...). Aparentemente a música é toda movimento, e contudo suspeito nela o quietismo. Permita que eu leve a minha tese ao exemplo: tenho contra a música uma antipatia de caráter político. A música é inestimável como meio supremo de produzir entusiasmo, como força que faz avançar e subir, mas só para pessoas cujos espíritos já estejam preparados para os seus efeitos. Porém, é indispensável que a literatura a preceda. Sozinha, a música não é capaz de levar o mundo avante. Para a sua pessoa, meu caro engenheiro, ela representa indubitavelmente um perigo. Isto verifiquei ao chegar, na sua fisionomia (MANN, 2000, p. 156-157).



Assim sendo, Thomas Mann é apenas um dos autores citados em Marco Zero, romance onde trata-se a tradição literária de forma anarquicamente lúdica. A oposição entre concepções diversas de arte foi patente no embate entre os artistas Jack de São Cristóvão e Carlos de Jaert; ao contrário do que pensou parte da crítica a respeito de MZ (abreviação que vamos usar, nesse artigo, para Marco Zero), nenhum dos dois é “porta-voz” do autor empírico. A narrativa possui tanto engajamento social (Carlos de Jaert) quanto experimentação modernista (Jack de São Cristóvão). Jack, engenheiro, defende a arte moderna, faz a apologia de Cézanne e de Van Gogh, aos quais Carlos de Jaert opõe o Douanier Rousseau, esclarecendo sua relação com a representação e apresentando um de seus temas:



Amanhã vou começar um quadro. Uma cena que vi na estrada quando vinha para cá. Uma mulher enorme, opilada, levando no braço uma criancinha de dois quilos. Ao lado o homem amarelo, em farrapos, com um galo de briga. Sabe qual o título? Mudança. (ANDRADE, 1974, p. 140)



Na passagem acima, acreditamos que não se trata da narrativa falando dela própria. Essa passagem não representa uma justificativa para os assuntos e as linguagens do romance. Seria antes um diálogo onde as duas posições (engajamento e experimentalismo) estariam buscando se chocar, para, produzindo teses e antíteses, chegarem a novas sínteses :



_ (....) Mas as artes verdadeiramente políticas e sociais como a pintura e o romance voltaram à sua normalidade que é ensinar. _Graças à Rússia Soviética! _exclamou o engenheiro soltando uma gargalhada faustosa.

_ Não_interveio o pintor._ Mas graças a um grande livro, o maior livro do século XIX, graças a O Capital, de Carlos Marx (...). O romance depois de Marx deixou as lamúrias psicológicas de Sthendal, de Balzac, de Flaubert para tomar posição frente aos problemas do homem e resolvê-los. Como o quadro! Há uma volta à parábola. O romance passa a moralizar...Como um evangelho... (ANDRADE, 1974, pp. 234-235)



MZ, embora não tivesse lamúrias psicológicas, não é um romance que segue a descrição acima. Ele não moraliza claramente (o narrador é que deveria fazer esse papel e não faz), não tem intertextualidade clara com o evangelho ou trechos que possamos descrever ou analisar como parábolas. A narrativa como um todo abrange as posições Carlos de Jaert e Ciro de São Cristóvão, tanto que elas aparecem representadas por tais personagens. Por isso, podemos dizer que não se deve procurar nesses personagens um “porta-voz” autobiográfico nem uma voz do autor biográfico dentro da narrativa. São vozes que se somam a uma grande discussão que não se submete a nenhum maestro autoritário.)

MZ foi um romance em que vários elementos característicos da forma épica se fizeram presentes: a universalidade e a amplitude do material envolvido; a presença de vários planos; utilização do princípio da representação plástica, em que homens e acontecimentos agem, na obra, quase por si mesmos. A contradição da forma do romance reside precisamente no fato de que o romance, como epopéia da sociedade burguesa, é a epopéia de uma sociedade que destrói as possibilidades da criação épica. MZ resolveu essa questão dando sinais de que narraria a epopéia da guerra de 32, para depois, quando deveria dar tratamento épico, partir para a sátira e a paródia, o humor e o trocadilho, negando-se a fazer a criação épica com o referido material e ambicionando surpreender o leitor .

Tanto a épica quanto o romance devem revelar as peculiaridades essenciais de uma dada sociedade por meio da representação de destinos individuais, das ações e dos sofrimentos de seres humanos individualizados. O objetivo de MZ parece ser o de acabar com o aparente impessoal e casual choque de interesses para criar situações em que a luta recíproca seja concreta, clara e típica e não apareça como um choque casual, a fim de que, da sucessão dessas situações típicas, se construa uma ação épica realmente significativa: inventar caracteres típicos em circunstâncias típicas, essa seria a essência do realismo no romance.

Em MZ, os diálogos de Jack de São Cristóvão e Carlos de Jaert percorreram os principais temas que atormentavam as vanguardas das três primeiras décadas do século e que desaguariam na concepção de arte participativa e social dos anos 30. Referindo-se à crise de representação do pensamento e da arte, tais preocupações decorriam da dissolução de formas culturais e valores mais estáveis, advinda da velocidade do avanço capitalista nas sociedades ocidentais.

Neste trecho, Jack de São Cristóvão personifica a vanguarda modernista brasileira e assume a defesa de suas tendências expressionistas e cubistas sem conteúdo político explícito. Carlos de Jaert, ao contrário, busca outra inspiração pictórica: a representacional, pedagógica, sustentada na idéia de povo e informada pelo movimento muralista mexicano. Siqueiros foi então acusado por Jack de produzir uma arte demagógica.

A intenção da narrativa, podemos supor, é justapor essas posições para sincretizá-las, fundi-las, buscou encontrar a síntese entre as duas posições: as experiências modernistas e arte social engajada. Assim sendo, Carlos de Jaert é um personagem, como muitos nesse romance, que representa um determinado ponto de vista e introduz uma teoria. Embora possamos aproximar Jango e Leonardo Mesa ( um fazendeiro e um jornalista simpatizantes do comunismo), por exemplo, a narrativa teria se identificado mais com a ideologia dos dois se tivesse escrito um romance narrado do ponto de vista de algum deles. No entanto, tal não ocorreu, o romance foi escrito de um ponto de vista distanciado mesmo em relação a esses personagens. Mesmo eles, em sua opção pelo comunismo, são lançados na obra para serem expostos, criticados, analisados.



2. Música



A antropofagia teria como local principal a boca, espaço próprio da devoração. Talvez por isso, a devoração presente em MZ apresentou tendência a incorporar a oralidade na fala. Os estudos que buscam investigar culturas orais e não escritas emergiram, sistematicamente, no início dos anos 1960. Oswald de Andrade esteve, ao escrever sua ficção, na vanguarda da valorização dos relatos orais, buscando vestígios daquilo que se convencionou denominar oralidade primária: MZ trouxe melodias, cantos, danças, festas religiosas e músicas, ainda preservados oralmente e transmitidos de geração a geração. Alguns exemplos:



Mijares de famílias

Se van a Buenos Aires

Porque non tienen em su pátria

Quien los ampare! (...) (ANDRADE, 1991, p. 87)



Nesse caso, trata-se da transcrição de canções trazidas ou criadas pelos imigrantes para narrarem seus infortúnios. É muito curiosa a incorporação da música num romance em que existiu pelo menos um personagem, Carlos de Jaert, que primou por criticar a música e citou outro crítico da música, o personagem Settembrini em Montanha Mágica. Essa incorporação da oralidade primária também nos fez lembrar o trabalho similar realizado por Mário de Andrade como musicólogo e folclorista. Vejamos mais exemplos dessa oralidade primária colhidos em MZ:



Dinheiro e amizade

Pesando numa balancia

O dinheiro nunca chega

Onde amizade nunca alcança!



Inda hai gente que diga

Que amizade vale mais

Porque não considera

O bem que o dinheiro faiz.

(...) (ANDRADE, 1991, p. 241)



Num romance com clara influência do marxismo, essa canção acima serviu para ilustrar uma discussão entre mendigos que surgiu na porta de uma igreja. Apesar do absurdo do local e da total alienação a que os mendigos estavam submetidos, a conclusão a respeito do poder do dinheiro e das distorções que ele gera na vida social nos pareceram significativas: “—Pode até não gostá da gente. Mas, vendo dinhero na mão, dá comida, posada, tudo!” (ANDRADE, 1991, p. 241).



Depois que perdeu o Miranda

Oi a Lina como anda!

Não bebo pinga

Não bebo nada

Bebo sereno da noite

Orvaio da madrugada!

(...) Eu tinha confiança

Nos reis de França

(ANDRADE, 1991, 250, 254).



A partir da observação do tratamento dado ao folclore e à música, podemos dizer que MZ é um romance onde a ordem é dissolver barreiras. Misturam-se afirmações, negações e sínteses, não necessariamente nessa ordem. A música, embora negada por um personagem, permeou toda a narrativa. Exemplifiquemos com amostras recolhidas de Chão:



Vamos todos beber

Enquanto temos ideal

Que embalar bebês

É muito banal

Ba-a-nal!...(É uma canção de estudantes do Koenigsberg que eu traduzi, mamãe!) (ANDRADE, 1974, p. 121)



Num baile no barracão da tulha de café, ouve-se, ao som da “sanfoninha convidativa e do grave violão”, vozes que cantam:



Salvai da morte

Curai o doente

Livrai da peste

Que vem de repente! (ANDRADE, 1974, p. 161)



Quando a música foi criticada, no entanto, não existiu lugar para a “sanfoninha convidativa”:



Chegaria mesmo a dizer que a música é espaço... Isto é, a música é a única arte espacial e, portanto, a única arte objetiva. –A música e a arquitetura! – aparteou Jack. – Ela toca dentro de nós o que temos de substantivo e imutável, o que temos de estrela, de rocha, de mar... E por isso todos nós deixamos de ser políticos diante da música. Por isso Lênin fugia da música para não se perturbar, para não se comover... (ANDRADE, 1974, p. 232)



Curiosamente, em MZ, romance muito conhecido entre a crítica justamente por ser político, a música e a pintura se fizeram presentes na narrativa, registradas nos diálogos dos artistas, palestras e debates estéticos, assim como nas festas, na porta das igrejas, na boca de tipos populares. E assim, nesse ponto, a narrativa fugiu de Lênin e da dialética para aproximar-se da música.



3. Bibliografia:



ANDRADE, Oswald. Marco Zero I – A Revolução Melancólica. São Paulo: Globo, 1991.



___________________. Marco Zero II -Chão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.



MANN, Thomas. A Montanha Mágica. Rio de Janeiro: Ed: Nova Fronteira, 2000.







Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior, graduado em Filosofia na UFMG, mestre em Estudos Literários (UFMG). E-mail: lucio@bdonline.com.br. Mantenho um blog: revistacidadesol.blogspot.com

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