Usina de Letras
Usina de Letras
153 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62213 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50606)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140798)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->CRONOLOGIA -- 07/02/2003 - 20:22 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
fernando



Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das estações A seguir e a olhar.
Toda a paz da natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
...
(O guardador de rebanhos, poema I, de Alberto Caieiro)
CRONOLOGIA



Segundo a obra de Ricardo Timm , no início do século há uma crise no pensamento ocidental que se resume na crítica das noções de tempo e espaço, sistematizados num corpo unificado de teorias capazes de explicar o mundo. Nesse sentido, poetas, filósofos e outros criadores se interrogam sobre a questão da razão como um espécie de lente que nos inibe de percebermos a realidade viva das coisas, sua complexidade e sua beleza.
No texto Sentido interior, Fernando Pessoa escreve A poesia encontra-se em todas as coisas – na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade (...) há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro (...) Há para mim – havia – um tesouro de significado numa coisa tão ridícula como um a chave, um prego na parede, os bigodes de um gato.

Na sua obra, Pessoa começa questionar o sentido de realidade que nós temos, conceito esse vulgarizado, onde os objetos são meros utensílios dentro de um esquema que os ordena Hierarquicamente, dos mais aos menos importantes.
Pode-se dizer que Caieiro, na poesia IX de O Guardador de Rebanhos, questiona a supremacia da explicação ou da razão sobre a realidade mesma:

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho ‘e os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e com os pés
E com o nariz e com a boca

Fernando Pessoa, na sua tese sobre o sensacionismo, afirma que a base de toda a arte ‘e a sensação, não se restringindo a um empirismo inglês. Sensação para o autor, não é o oposto de reflexão, emoção e memória. Desse modo ele quebra com o paradigma analítico decartiano que divide rigorosamente corpo e mente, e com o paradigma romântico, que valoriza a emoção acima e em oposição a razão. Seu sensacionismo fala que a passagem da mera emoção para a emoção artística se dá por um jogo de racionalização dos conteúdos internos e externos da experiência. Mas essa razão não conflituosa como mundo nem lhe obscurece o sentido com preconceitos científicos ou filosóficos. Sua teoria da sensação passa por três estágios: a sensação pura e simples, a consciência dessa sensação, que lhe dá um valor estético e intelectualização que lhe proporciona poder de expressão.

Sua sensação engloba o movimento para o exterior, negando o puro subjetivismo e a Tautologia do eu racional, e o movimento para o interior transposto em recordação dos objetos análogos e sensação do estado de alma em que se sente a sensação, assim como a sensação primitiva da personalidade que a sente.

No texto Sensacionismo, Fernando Pessoa distingue três tipos de personalidades, a Aristocrática, para quem todas as coisas valem pela beleza que tenham ou que possam ser delas extraídas, a classe média, em que o enfoque central ‘e a política e a plebéia, em que o interesse central é a matéria e a economia.

Segundo Pessoa, é inútil se tentar ser um aristocrata quando se nasceu um plebeu ou alguém da classe média, sendo só esse primeiro um artista. Sua atitude portanto é ao mesmo tempo de distanciamento da emoção pura e simples quanto do abandono da intelectualidade fria nutrida apenas pela tradição:

Não basta abrir a janela
Para ver os campos o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as ‘arvores e as flores.
‘Eh preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
(...)
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca ‘eh o que se vê quando se abre a janela.
(...)
(p.67)

Caieiro, visto por Ricardo Reis, era um pagão, pois em cada verso seu reside a despreocupação das nossas coisas passageiras, um curioso e original desprezo do transitório, obtido por um ascetismo estético e não moral; `a grega antiga, os olhos postos na beleza que não passa e esquecendo em ela o mundo contingente e volúvel. (Obra em prosa, p.118.)
...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como um malmequer,
Porque eu vejo. Mas não penso nele.
Porque pensar eh não compreender...
O Mundo não se faz para pensarmos nele
(Pensar eh estar doente dos olhos
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo....

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo na Natureza não ‘eh por que saiba o que ela eh,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que eh amar...
...
(p. 17-18)

Alguma semelhança há entre a obra de Caieiro, que rasgou a névoa crista que encobre a natureza e as emoções que nascem dela e a obra de Nietsche, no sentido em que este critica a subjetividade crista baseada numa mentalidade de escravos, na racionalidade subjetiva socrática, que obscurece o fenômeno em detrimento da sua explicação e a obra de Heideggert, que visa o abandono da metafísica tradicional pela volta ao ideal pré socrático de observação do ser, natureza.

O trabalho de Fernando Pessoa, através do Heterônimo Alberto Caieiro está consonância com as tendências filosóficas e artísticas do inicio do século, onde a teoria do tempo e espaço são questionadas por Einstein, Freud com sua crítica do eu único centrado na vontade pessoal e racional, Picasso e as vanguardas questionando a percepção da realidade e o sentido da arte e os filósofos como Bergson enfatizando uma concepção intuitiva de filosofo.


BIBLIOGRAFIA

GONÇALVES, Robson Pereira. O sujeito Pessoa: literatura & psicanálise. Santa Maria: Ed. UFSM, 1995.
PESSOA, Fernando Antônio Nogueira. Obra em prosa. Rio de janeiro: Nova Aguilar, 1998.
PESSOA, Fernando. Alberto caieiro, Ricardo reis & Bernardo Soares. Seleção de textos de António Manuel Couto Viana. Edição comemorativa do cinqüentenário da morte do poeta. Lisboa: Editorial Verbo, 1985.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui