Quase me afoguei ontem à noite
No mar de nossas paixões.
Deitado na cama, vazia de ti,
Eu ali
Boiava no oceano, distraído...
Quando veio teu pegar macio
Me arrastando ao meio-fundo,
Braças abaixo, para o mundo
Das pernas-de-moça, corvinas,
E garoupas (todas bem femininas,
Para enlouquecer o nadador)
Com seu enlevo sedutor,
Pois não nasceu ainda
Quem não já tivesse provado
Numa noite na vida
Um amor assim, bem salgado.
Num instante
O sal da água na boca,
Mil bolhas na escuridão,
O frio na medula retesada,
Um arrastão
Às profundezas. Avassalador.
E como não pude, nem ninguém,
Resistir às forças desse amor
Que toda noite me tira o sono,
Larguei-me ao abandono,
Ao teu “vem cá, meu bem!”.
Deixei-me então carregar
Arrebatado,
Um perfeito alucinado.
E dizer que naquele momento
Eu flutuava...
Distraído te mirava,
Minha namorada!
Mirava teu espelho na morada
Do firmamento,
Bem desligado das mazelas
Dessa vida insossa que levo.
Chegaste doce, e salgada,
Do silêncio azul-esverdeado
De tuas profundezas.
E bem na hora certa!
Pois a cada dia que passa
Mais e mais tua ausência me aperta.
O ar a rarear,
Pulmões lancinando,
Eu quase me entregando
Àquele doce afogar:
Eras tu ali, toda lânguida, toda Iara,
Sereia longe da areia a me afagar.
Respirei teu beijo oxigenado
Como o boca-a-boca do afogado.
Corpos enroscados emergiram
Num balé de nado sincronizado:
Eu e tu, dois golfinhos no cio
Chegando à tona sem frio,
Sorvendo numa alegria incontida
O ar cálido da vida.
Então, bêbados de pura paixão,
Namorados vivendo aquele Agora,
Continuamos nosso boca-a-boca
Noite afora.
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