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Contos-->Cerebral Vestibulares -- 12/07/2000 - 12:17 (Marsal Sanches) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cerebral vestibulares

Beatriz estava ali, na sala de espera, há quase trinta minutos. Dali a pouco seria a vez dela. Engoliu em seco. Transpirava, apesar do ar condicionado. Sua mãe, ao seu lado, parecia partilhar de sua preocupação. Dali a pouco, a porta se abriria e uma enfermeira viria chamá-la.
Tudo acontecêra depressa demais. Ela já estava no final de seu terceiro ano consecutivo de cursinho. Não era fácil passar no vestibular para medicina. Mas ela precisava passsar. Não podia fazer mais um ano de cursinho. E achava que estaria bem preparada.
Mas a data do vestibular se aproximava. E Beatriz percebia, com temor, que as informações se embaralhavam em sua memória. Ondulatória. História do Brasil. Trigonometria. Literatura portuguesa.
Então, seu pai havia chegado em casa entusiasmado. Um amigo lhe falara da Cerebral Vestibulares:
-Trata-se de um método novo, Bia. Quem me falou foi o Fortunato. Parece que o filho dele conseguiu entrar na faculdade de engenharia graças a eles.
-Mas qual é o método? Aulas de reforço?
-Ele me disse que o próprio pessoal nos explicaria melhor. Estou com o telefone aqui. Amanhã mesmo vamos marcar um horário.
-Não sei, não - opnou a mãe, cética. Confio mais nas coisas tradicionais. Aulas, noites em claro. Acho que nada substitue o estudo.
O pai de Beatriz ficou irritado:
-Esta menina já foi reprovada três vezes. Você quer que ela faça cursinho pelo resto da vida? Vamos pelo menos ver como é este novo método.
No dia seguinte, foram. Pai, Mãe e Filha. Beatriz achou esquisito não ver nenhuma placa, balcão ou secretaria. Ao invés disso, a moça que atendeu à campainha os conduziu a uma sala com sofás e música ambiente, a mesma onde ela se encontrava agora. Cinco minutos depois, uma das portas se abriu e um homem alto e grisalho, de terno cinza, os convidou a entrar em seu escritório.
-Sou o Dr Lineu - disse, com voz cavernosa- Acho que nos falamos pelo telefone.
-Sim, doutor - adiantou-se o pai de Beatriz - Esta aqui é minha filha.
-Olá, Beatriz. Você está animada?
-Mais ou menos.
-Entendo. Realmente, o vestibular é uma instituição absurda. Imaginem vocês, cobrar treze anos de estudo em um ou dois dias de prova.
O homem apontou para uma tela grande na parede da direita.Apertou um botão, que acionou um projetor de slides.
-Foi pensando nisso que nós, um grupo de profissionais especializados, criamos a Cerebral Vestibulares. Uma saída especial, para pessoas especiais.
-É alguma coisa tipo programação neurolinguística?
-Não, minha querida .É muito mais efetivo. Veja isto.
O primeiro diapositivo mostrava um cérebro em corte longitudinal. Com uma vareta, o Dr Lineu apontou determinada região do lobo frontal:
-O volume de matéria é muito grande, e as diversas possibilidades tornam impossível preparar um estudante adequadamente pelos métodos tradicionais. A aprovação torna-se uma questão de sorte, e não de conhecimento.
Fez uma pausa e olhou para Beatriz, que não conseguia desviar o olhar da projeção.
-O que nós propomos é a utilização de um facilitador.
O slide seguinte exibia algo semelhante a uma pastilha de freio.
-Esta é uma fotografia, ampliada , de uma criação única da Cerebral Vestibulares. O BM-414
-BM?
-Brain Microchip. Desenvolvido por engenheiros em nossos laboratórios, o BM-414 promete acabar com os problemas dos vestibulandos, definitivamente.
-Como?
O Dr Lineu respirou fundo. Sabia que havia chegado à parte mais delicada de sua exposição. Bebeu água de um copo que estava à sua frente.
- Além de mim, nosso projeto envolve um engenheiro eletrônico e um físico. Sou doutor em ciência da computação e ... neurocirurgião.
Beatriz abriu a boca para perguntar o que um neurocirurgião faria ali, mas o médico não lhe deu chance.
-Por meio de uma moderna técnica estereotáxica, nós implantamos no cérebro do candidato um de nossos microchips. Uma vez ativado, este microchip é capaz de amplificar em centenas de vezes a capacidade de fixação de conhecimentos de uma pessoa, bem como a de resolução de problemas matemáticos. O microchip já contém a programação exigia pelo vestibular. Química, Física, Biologia...A aprovação é garantida.
-O senhor deve estar brincando! - Beatriz levantou-se - Colocar um negócio dentro do meu cérebro? Tchau, mesmo. Pai, mãe, vamos embora.
-Sente-se, Beatriz - o rosto de seu pai estava lívido- Doutor, por favor perdoe a indelicadeza de nossa filha. Mas o senhor está falando de uma cirurgia cerebral.
-Uma pequena cirurgia, guiada por computador. O risco é mínimo. A taxa de complicações é inferior à observada em amigadalectomias. E o pagamento só precisa ser efetuado após a divulgação dos resultados.
-Mas, doutor,- interveio a mãe, em tom grave - o que vocês fazem é uma fraude. É ilegal.
-Minha senhora, o vestibular é injusto. Quantas pessoas subornam autoridades para conseguir uma vaga?
Lineu fez uma pausa e bebeu outro gole de água.
-É claro que, se a senhora não quiser que sua filha seja aprovada...
O pai interveio diplomaticamente:
-É claro que vamos ter que discutir o assunto entre nós, doutor. Ligarei depois.
-Eu compreendo. Apenas não demorem muito. O vestibular é dentro de um mês, e ela vai precisar de algum tempo para se adaptar ao implante.
Beatriz ainda sentia as pernas moles ao deixar a sede da Cerebral Vestibulares e entrar no carro. Manteve-se muda durante todo o trajeto de volta para casa, sendo nisso acompanhada pela mãe. O pai, por outro lado, falava sem parar sobre como seria quando ela fosse aprovada, e que lhe compraria um carro, e lhe pagaria uma viagem ao exterior.
As lembranças de Beatriz foram interrompidas pela chegada do Dr Lineu:
-Vamos, Beatriz? Está preparada?
-A-acho que sim.
Os acontecimentos seguintes se passaram muito depressa. E havia uma certa névoa pairando sobre tudo. Ela se lembrava de ter recebido um comprimido pré-anestésico. De ter visto o Dr Lineu de máscara e gorro cirúrgico. E aí, depois disso, tudo havia ficado escuro.
Quando recobrou a consciência, Beatriz estava num quarto, com a cabeça envolta em bandagens. Tudo estava embaçado, e ela sentia dificuldades para falar. Percebeu que sua mãe, ao seu lado, lhe sorria.
-O doutor disse que você irá mesmo se sentir meio estranha, mas que isso logo passará.
Faltavam três semanas para o vestibular.
***
-Papai! Eu passei!! Eu passei, papai!
Beatriz havia invadido o escritório de seu pai, trazendo nas mãos um jorna. Seu rosto estava todo pintado.
-Ora, ora, vamos ver isto.
-Aqui está, papai. Faculdade de Medicina de Vale Verde.
O pai a abraçou.
-Está vendo? Eu não disse que você conseguiria?
-Obrigada, Papai! Obrigada por insistir para que eu fizesse a cirurgia.
-Não foi nada, minha querida. Às vezes, os pais adivinham o que é melhor para seus filhos.
Tão logo Beatriz saiu, seu pai pegou o telefone e ligou para o consultório do Dr Lineu:
-Alô, Lineu? Eu estou ligando para te agradecer.
-É, eu vi a lista no jornal. Ela está contente?
-Muito. E não desconfia de nada.
-Ainda bem. Acho que ela entraria em parafuso se descobrisse que foi tudo uma encenação nossa, e que não existe nenhuma Cerebral Vestibulares. Imagine, implantar um microchip no cérebro dela.
-Depois que contei tudo para minha mulher, foi mais fácil convencer Beatriz. Eu te falei que conhecia minha filha, Lineu. Sabia que ela já estava bem preparada e que seu único problema era falta de confiança em si mesma. Só precisava de um empurrãozinho.

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