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Ensaios-->O Riso -- 21/01/2003 - 16:40 (José Mattos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O HUMOR FATOR INIBIDOR E OS ASPECTOS DO CÔMICO



Sumário

1.0 Introdução 04
2.0 Preliminares 06
2.1 O conceito de Humor para Bergson 06
2.2 Apresentação do contexto de publicação do Conto 07

3.0 Análise 07
3.1 O desvio do caráter de Morin 08
3.2 A caracterização da sociedade 09
3.2 A caracterização do indivíduo 10
3.4 O indivíduo X sociedade 11
3.5 O lado onírico e a teia do castigo 12
3.6 A emoção, inimiga do riso 15
3.7 Ser ou não ser cômico 17
3.7.1 A vaidade calcada na personagem de Labarbe 18

4.0 Script 21

5.0 O movimento 25
5.1 Tensão e elasticidade 26
5.2 O castigo 27
5.3 O riso e suas múltiplas facetas 29

6.0 Considerações Finais 33

7.0 Bibliografia 34


1.0 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo estudar o humor implícito no texto PORCO DO MORIN de Guy de Maupassant (1987), focalizando os diferentes aspectos da comicidade, investigando as personagens trazendo como luz o caráter individual de cada uma delas. Principalmente, por ser esse comportamento a válvula propulsora que desencadeia a punição imposta pela sociedade à luz da fundamentação teórica de Henri Bergson em O RISO. (1.980).
Assim, esse trabalho terá o intuito de desnudar os fatores norteadores que determinam a comicidade e, conseqüentemente, o castigo a ser aplicado ao infrator, aqui no caso, o que por desatenção ou por capricho vier a incorrer no desvio.
Apesar de se tratar de um texto hermético e o autor pincelar as personagens de uma forma muito sutil, podemos, com a persistência de um minerador experiente ir cavando as ironias e os desvios de caráter dissimulados por uma narrativa aparentemente imparcial e despretensiosa.
Sob esse panorama, desenvolveremos esse trabalho em três partes. A primeira chamaremos de preliminares onde nela apresentaremos algumas informações relevantes que sustentarão nossa análise, tal como o conceito de Humor de uma forma geral, porém, fundamentado nas teorias de Henri Bergson ( 1.980). E o contexto de publicação do conto. Na segunda parte, teremos a análise do texto propriamente dita, elucidada com inserções do texto original e/ou com paráfrases de partes da narrativa analisada, fazendo com que o texto e a análise comunguem em uma mesma linguagem, tornando nossa análise mais coesiva. Na terceira e ultima parte, apresentaremos brevemente nossa conclusão.
Como se trata da análise dos aspectos cômicos da narrativa O Porco do Morin, os quais serão discutidos segundo uma ordem subjetiva, isto é, tais aspectos serão analisados sem levar em conta a cronologia dos fatos da narrativa. Dessa forma essa análise explorará tais fatos sem obedecer a uma ordem sucessiva dos acontecimentos da narrativa.
Assim, em nossa primeira parte apresentaremos o conceito de Humor visto sob a perspectiva e observação de Henri Bergson. Ainda nessa parte haverá como forma de algumas intertextualidades que vêm assim, dar uma maior dimensão, alargar nosso ponto de vista sobre o assunto abordado.
Em sua segunda parte, nos ateremos à maneira com que o autor Guy de Maupassant trabalha o Humor em sua narrativa, aproximando-a as teorias de Henri Bergson. Assim, a Tônica de nosso trabalho será aplicar a teoria de Bergson à narrativa O porco do Morin, de Guy de Maupassant. Nessa perspectiva, estaremos conciliando os dois objetivos de nossa análise: a teoria e a prática, trazendo esses dois conceitos o mais perto possível de nossa realidade cotidiana, indo diretamente ao assunto proposto sem delongas ou meia-voltas.



2.0 Preliminares


2.1 O Conceito de Humor para Bergson
Não há comicidade fora do que é humano. Uma paisagem pode ser bela,
graciosa, sublime, insignificante ou feia, mas jamais risível. Riremos de um animal por surpreender nele uma atitude de homem, ou uma expressão humana. Já se definiu o homem como animal que ri. Poderia também dizer que é um afinal que faz rir. Essas observações do filosofo francês Henri Bergson abordam o humor no que ele tem de mais característico: ser próprio do homem.
Em seu livro, O Riso – ensaio sobre a significação do cômico, Henri Bergson, embora afirmando não se preocupar com a definição do cômico, procura o tempo todo defini-lo, encarando-o como algo vivo. Assim, as noções de movimento, vivo, mecânico e rigidez, dão toda a tônica do pensamento e da filosofia de Henri Bergson.
Em um conceito mais amplo, a teoria de Bergson está resumida em cinco leis que ele discorre sobre o cômico e suas nuances, porém, não cabe aqui menciona-las, porque fugiria dos objetivos primeiros deste trabalho.


2.2 Apresentação do contexto de publicação do Conto
O Porco do Morin é um conto do escritor francês Guy de Maupassant que figura no Clássico Globo BOLA DE SEBO E OUTROS CONTOS , o qual inicia-se na pagina 55 da coletânea entre outros 14 contos.
Por se tratar de uma historia curta, transcrevemos a narrativa na integra, para que se torne mais fácil o acompanhamento juntamente com nossa análise. Tratamos ainda de inserirmos durante a análise, fragmentos da narrativa para assim aproximarmos, narrativa, analise e leitor, todos postulados sob um mesmo ângulo de visão dos acontecimentos.

3.0 – Análise

Aqui, consiste a parte relevante do nosso trabalho. O objetivo principal da nossa análise é verificar, perscrutar de modo acintoso, pois, somente assim, usando dos mesmos artifícios do autor Guy de Maupassant, nos atuaremos de forma inversa: enquanto o autor usa de suas habilidades para esculpir suas personagens e lança mão de uma narrativa que não denuncia em primeira vista a verdadeira intenção das personagens, ou seja, ao lermos o texto de forma linear, não notaremos grande alarde no comportamento das personagens, pois a narrativa nos induz seguir em direção oposta ao que realmente representa. É necessário ir além do texto, é necessário transcendê-lo para notarmos a verdadeira intenção de cada uma das personagens que compõem a narrativa.
Sendo assim, cabe a nossa análise redirecionar o pensamento e a visão em relação ao texto. E aí, caminhando no contra-fluxo do texto iremos desvendando gradativamente a intenção real de cada uma personagens e a maneira como elas gravitam sobre o texto, denotando os desvios de caráter de cada uma das personagens, assim como a comicidade incrustada no comportamento. Teremos então uma visão às avessas da que a texto intencionalmente nos passa.

3.1 O Desvio do Caráter em Morin


“O cômico surgirá quando homens reunidos em grupo dirijam sua atenção a um deles” ( Bergson, 1980 p. 14)

A convergência traz em comum, uma mesma direção, um mesmo objetivo, as mesmas metas. Desta forma, quando e sociedade têm os mesmos ideais sociais e políticos, não sobra espaço para que ocorra o desvio. Assim, toda uma sociedade funciona em harmonia como uma grande equipe em competição, e que cada indivíduo sabe e executa sua função corretamente em sincronia com o restante da sua equipe (sociedade).
Por um outro lado, quando o indivíduo comete um deslize ou não consegue acompanhar a sincronia do grupo (sociedade), ele é imediatamente interpelado a justificar o seu desvio ante os demais componentes. Foi o que aconteceu com a personagem de Morin, não esteve atento para o comportamento que a sociedade em que vivia pregava, e foi traçado impiedosamente por essa sociedade, com seu desvio, Morin conseguiu chamar para si a atenção da sociedade que por sua vez voltaram a atenção para Morin, ficando frente a frente o infrator e seus inquisidores. E, a troça foi geral, escarnecedora, em todos os seguimentos da sua sociedade.
Assim o riso funcionou como instrumento de castigo, pois houve uma discórdia entre as duas partes: indivíduo e sociedade, uma quebra de protocolo. Esse processo de castigo que tem em seu bojo um objetivo de correção do indivíduo, afim de que após o reparado esse desvio, esse indivíduo volte a compor a sociedade em um todo.

3.2 A Caracterização da Sociedade

Se o indivíduo é parte de uma sociedade, e a união de todos os indivíduos caracterizam essa sociedade, é válido observar que a união desse primeiro elemento (indivíduo) caracteriza um segundo elemento, que é a formação da sociedade.
Assim sendo, sociedade é o agrupamento de indivíduos entre os quais se estabelecem relações econômicas, políticas e culturais. Numa sociedade existe unidade de língua e cultura e seus membros obedecem a leis, costumes e tradições comuns, unidos por objetivos que interessam ao conjunto, ou às classes que nele predominam. Em sentido estrito, confunde-se com a comunidade política que vive num estado nacional e seus limites são as fronteiras políticas e geográficas do estado.
A idéia de sociedade pressupõe um contexto de relações humanas no qual ocorre a interdependência entre todos e cada um de seus componentes, que subsiste tanto pelo caráter unitário das funções que cada membro desempenha como pela interiorização das normas de comportamento e valores culturais dominantes em cada comunidade. (1)


3.3 A Caracterização do Indivíduo
Como atitude geral, o individualismo valoriza a liberdade pessoal, a autoconfiança, a privacidade e o respeito pelos outros indivíduos e opõe-se à tradição, à autoridade e a todas as formas de controle sobre o indivíduo, especialmente quando exercidas pelo estado.
Teoria filosófica segundo a qual cada pessoa deve usufruir a máxima liberdade e responsabilidade para determinar seus objetivos, escolher os meios de alcançá-los e agir de acordo com tais pressupostos, o individualismo sustenta a autodeterminação, a auto-suficiência e a liberdade irrestrita do indivíduo.
Como filosofia, o individualismo compreende um sistema de valores, uma teoria sobre a natureza humana e a aceitação de certas configurações econômicas, políticas, sociais e religiosas. Seu sistema de valores pode ser sintetizado em três proposições: (1) todos os valores são antropocêntricos, isto é, experimentados -- embora não necessariamente criados -- por seres humanos; (2) o indivíduo é um fim em si mesmo e tem valor supremo, sendo a sociedade apenas um meio para a realização dos fins individuais; e (3) todos os indivíduos são, em certo sentido, moralmente igual, expressando-se essa igualdade na assertiva de que nenhum indivíduo pode ser tratado apenas como meio para o bem-estar de outrem. (1)


3.4 O Indivíduo X Sociedade
Sendo a sociedade um conjunto de indivíduos organizados que visam à consecução de objetivos comuns, a tendência é de que o indivíduo não venha a incorrer em algum desvio que venha a corromper essa harmonia, esse tratado, pois a sociedade determina seus modos de socialização.
O que pode parecer um absurdo para outras sociedades não diz o mesmo para os integrantes dessa primeira sociedade. Isso quer dizer que a opinião de outras sociedades não importa, outras culturas não terão peso sobre essa primeira. O que realmente pesará será o comportamento do indivíduo situado nessa sociedade venha a agredir a cultura, o comportamento desta sociedade, ferindo-a com seus desvios de caráter comportamental.
Neste caso a sociedade se mobilizará e condenará tal comportamento individual que venha divergir do objetivo coletivo, e a narrativa de O Porco do Morin, a qual trata nossa análise, o personagem Morin vem ilustrar com clareza o castigo sofrido após cometer atos condenados pela sua sociedade. Atos asses que infringiram um tratado moral cultuado pela coletividade.
Já, a sociedade dificilmente vem a incorrer nesse desvio, pois, por ser qualquer mudança de comportamento de interesse de sua maioria determinante, e mesmo que essa sociedade determinante venha a impor-se de maneira arbitrária em relação a um indivíduo de seu meio, dificilmente esse indivíduo conseguirá reverter esse processo.
E poderá acontecer que, por ventura esse indivíduo ou minoria venha a revoltar-se contra a sociedade, acontecerá o que Bergson denomina a inversão.
Mas isso dificilmente acontecerá, pois o indivíduo estará tão debilitado; como podemos observar o estado de espírito de Morin, que não terá determinação nem moral para rebelar-se.

3.5 O lado Onírico e a Teia do Castigo

Bergson chama-nos a atenção para o fato de que: “Não desfrutaríamos o cômico se nos sentíssemos isolados(...) O riso parece precisar de eco”. Observando então sob esse prisma, a decadência moral de Morin foi justamente quando a comunidade em que estava inserido tomou conhecimento de suas atitudes e começaram os ataques em conjunto, toda a artilharia pesada, toda a sociedade em harmonia disparando contra Morin.
Tudo isso, graças a alcunha que Labarbe atribuiu-lhe, o chefe da estação do fenal dês Charentes; assim que se pôs em conhecimento do caso do Morin esbravejou:

“Você é um sujo, um porco, ninguém se porta dessa maneira”.

Fica aqui, nesse diálogo, caracterizado o início de todo o tormento do Morin, ou seja, o início da sansão que a sociedade lhe imporá a seguir, pois, a partir desse diálogo Morin será estigmatizado pela alcunha de “porco”, conotando evidentemente a sujeira de seu ato de um comportamento não condizente com as normas de sua sociedade. Ou seja, a sua atitude em tentar agarrar a moça dentro do trem não é um comportamento aceito dentro de sua sociedade.
O resultado dessa primeira reprimenda de autoria de Labarbe, Morin sentiu vir por terra toda sua postura de dignidade, todo o prestigio que gozava até então perante sua comunidade, talvez até conquistado com grande determinação e anos de dedicação, viera agora por terra. Cairá a sua mascara, revelara enfim sua personalidade.
Voltou-se contra essa sociedade mostrando o seu racional verdadeiro, quebrando todos os princípios contratados, rasgando a máscara e deixando-se mostrar pelos seus atos.

“Você sabe o que são, para um comerciante da província, quinze dias de Paris. É de por fogo nas veias. Todas as noites espetáculos, o acotovelar das mulheres, uma continua excitação do espírito. Dá para endoidecer. Não vê mais que dançarinas de maiô, colos, pernas e tudo isso quase ao alcance da mão, sem que ouse ou possa tocar-lhe. Mal prova, uma ou duas vezes, algum prato de qualidade inferior. E parte enfim, com o coração ainda abalado, a alma agitada, e uma comichão de beijos na boca” (O PORCO DO MORIN p. 1)



Aqui a sociedade em que Morin faz parte não ficou devendo nada aos galos de João Cabral de Melo Neto. Como um riso sozinho não tece um castigo, a sociedade assim o fez, teceu aos poucos a sua teia de castigo, com paciência e persistência. Rindo aqui, ironizando acolá, escarnecendo logo adiante, perfazendo dessa forma, de um lado, um plano horizontal no modo de tecer sua teia e, de outro, um plano vertical, pois o riso não permaneceu estagnado uma faixa etária em que pairava Morin e seus correlacionados, ou seja, as pessoas pertencentes a mesma faixa etária, não foi coisa somente de adultos, mas alcançou a verticalidade no momento em que crianças começaram a participar do castigo, com seus risos debochados, e pilhérias aos cantos e esquinas, concluindo, assim, os quatro pontos da teia, não deixando espaço para onde Morin pudesse refugiar-se. Para todos os lados que almejasse, não haveria guarida. Sua última salvação seria a morte como saída.


3.6 A Emoção, inimiga do riso

Para Bergson, “o maior inimigo do riso é a emoção”. Isso vale dizer que não riremos de uma pessoa a qual nos inspira piedade, portanto, para que aconteça o humor exige-se uma certa anestesia das emoções, um distanciamento, uma imparcialidade. Labarbe demonstra, logo no início da conversa com Morin, uma certa piedade com a situação em que se encontra o desastrado sonhador, mas logo se isenta desse sentimento e retoma a posição anterior, que é de crítica e repressão, apoiado com o coro da mulher de Morin que vocifera em plenos pulmões “esse porco do Morin? Aí está ele!”. Motivo a mais para o escárnio de Morin, pois até sua “mulherona, ossuda e cabeluda, maltratava-o sem repouso”.
Essa cena analisada com isenção de sentimentalismo é por si hilária. Imagine uma figura dessa andando pela sala como um brucutu, vestida em pele de animais com a cabeleira toda despenteada, rosnando e dando sopapos em Morin? Dificilmente sentiríamos algum pesar em relação a Morin. Seríamos invadidos por enorme ataque de riso, somente de imaginar a cena daquela mulherona, ossuda e cabeluda espancando Morin como se ele fosse uma marionete. Seria uma marionete agredida por uma mulher remanescente da época das cavernas.

Verificamos, então, que houve apenas alguns momentos de afeição entre Labarbe e Morin. Esses momentos são caracterizados no instante em que Labarbe confessa ter sentido pena do Morin e aceitou o seu caso.
Nesta linha de raciocínio, observando com maior atenção, notamos que se trata de um instante de transição, de movimento, onde Labarbe desliza entre dois planos: o plano da isenção, do amortecimento, deixando que o sentimento aplaque o lado humorístico da história para, logo em seguida, afastar-se quase que bruscamente em direção ao plano do castigo, do escárnio, do riso. Esse afastamento acontece de uma forma brusca, seria como se Labarbe, deixando levar-se pelo instinto de afeição, esquecesse o grau de complicação, o valor depreciativo do ato em que se metera Morin. As lamúrias do Morin amorteceram por instantes a razão de Labarbe que, condoído pelo estado lastimoso de Morin, inclinou-se em seu socorro, mas, quando em um instante de desatenção desse amortecimento, a razão dos fatos assomou-se de súbito à porta do pesar, espantando para longe qualquer indício de solidariedade. É quando, num sobressalto, Labarbe move-se para o afastamento, deixando entre si e Morin espaço para a ação da indiferença e da insensibilidade, escarnecendo, sem piedade, o “porco do Morin”,






3.7 Ser ou não ser Cômico.

Segundo Bergson; 'pouco importa um caráter ser bom ou mau: se é insociável, poderá vir a ser cômico(...) não importa a gravidade do caso: grave ou leve, poderá nos causar riso, desde que ache um modo de não nos comover' (BERGSON. 1.980. P. 77).
Podemos ressaltar que o autor cria para o personagem Morin um panorama de insociabilidade: um com enormes dificuldades de relacionamento, um sujeito introspectivo, principalmente quando tomado pela emoção. A própria humildade pode tornar-se um fator de insociabilidade, o que para Bergson poderá vir a ser cômico. Tornando, assim, sua teoria bem clara e objetiva: tudo que foge à normalidade tende a tornar-se cômico. Um sujeito que anda sobre as mãos, torna-se cômico pois, o normal é caminhar sobre os pés, e o cômico está na forma estranha que essa silhueta se projeta diante dos nossos olhos, a forma que ela adquire, o que Bergson denomina de a 'comicidade das formas' o que quer dizer que: se a comicidade está no homem, e se somente o homem é risível, o cômico se estende por todas as formas que ao homem é possível apresentar.
Admitamos que se formos descuidados, corremos o risco de não acharmos nada engraçado nesse texto, pois, em primeira vista e superficialmente, observamos em Morin um desastrado e azarão, que se deu mal em sua primeira aventura, e seríamos tomados pelo que Bergson denomina comoção. Ficaríamos penalizados com os acontecimentos desastrosos que se sucederam na aventura frustrada de Morin. O beijo que poderia ser a válvula propulsora de todo aquele encantamento de aventura, acabou por tornar-se o responsável pela derrocada do nosso Morin. Assim, criaríamos antipatia pelos que o troçam sem piedade, principalmente os amigos, excomungaríamos a mulher pelo comportamento agressivo e o suposto amigo Labarbe por comportar-se com o intuito de interesses próprios, extorquindo, inclusive, dinheiro, aproveitando-se da situação.





3.7.1 A Vaidade Calcada na Personagem de Labarbe

Bergson acredita não haver defeito mais superficial e mais profundo que a
vaidade. E, ainda define como um fruto da vida social, pois é uma admiração de si calcada na admiração que se crê inspirar aos outros, é ainda natural, mais universalmente inata que o egoísmo, porque sobre o egoísmo a triunfa sempre, ao passo que só pela reflexão chegamos a vencer a vaidade. ( Bergson pág. 89). Olhando sob esse prisma, notamos em Labarbe as colocações feitas por Bergson: a narrativa nos mostra efetivamente que a personagem de Labarbe é um homem extremamente vaidoso e sem nenhum traço de humildade:


Bem sabia eu que não era a mesma coisa, pois me chamavam em toda a província “o belo Labarbe”. Eu tinha trinta anos, então, mas perguntei: Por que?”
Ela ergueu os ombros e respondeu: “Ora! Porque o senhor não é tão idiota como ele”. Depois acrescentou, olhando-me de soslaio: “nem tão feio”.
Antes que ela pudesse fazer um movimento para evitar-me, eu lhe havia plantado um beijo na face. Ela saltou para um lado, mas muito tarde. Depois disse: “O senhor também não faz muitas cerimônias, não? Mas não recomece!” (O Porco do Morin Pág. 60)


Percebemos que a personagem de Labarbe, ao contrário da personagem de Morin, apresenta-se como uma figura pedante, atrevida e astuta. O narrador faz questão de denunciar as diferenças entre as suas personagens: Labarbe em contraposição à Morin já que Labarbe usou de todos os pretextos, inclusive a mentira para aproximar-se de Henriette, e, quando no desespero do momento despachou: : “mademoiselle, faz um ano que eu a amo!” (p. 61), sendo que não há indício desde o início da narrativa que denuncie que Labarbe conhecia Henriette ja há algum tempo: soube que a mulher ultrajada era uma moça, Mlle. Henriette,(p.58).
O que denuncia o fato de não haver um conhecimento de Labarbe em relação a moça em algum momento anterior, é que a moça não morava na pequena cidade antes de obter seu diploma de professora em Paris e viera apenas passar as férias na casa dos tios. Percebemos aí, um dos desvios de Labarbe “a mentira”. Mentira que se contrapõe à atitude de Morin, que mesmo cometendo o desvio, em nenhum momento omitiu sua atitude de tentar beijar Henriette.
Outra denúncia importante na narrativa é o fato de Labarbe ser bem mais velho que Henriette. Ela tinha 19 anos, ele, 30 ou seja, há uma larga experiência em favor de Labarbe, e que ele a usa de todas as maneiras para conquistar a moça. Afinal, Labarbe pairou pela narrativa como um verdadeiro lobo em pele de cordeiro: extorquiu dinheiro de Morin e como um verdadeiro Dom Juan disfarçado de negociador, aliciou a pequena Henriette; como Iago (Shakespeare, Otelo), conseguiu persuadir todos a sua volta, passando-se assim como um verdadeiro bom caráter(p.69), saindo ileso em toda a trama, enquanto Morin apenas pela intenção frustrada acabou pagando um alto preço pela sua atitude.
Essa antipatia com o personagem Labarbe se acentuaria ainda mais quando, ao final, o leitor descobre nele um político, um homem de jogadas premeditadas, um verdadeiro calculista. Labarbe, assim como Iago em Otelo, de Shakespeare, foi argumentativo e usou de artimanhas para conseguir seus intentos: para inicio ele (Labarbe), na primeira oportunidade em que Morin veio ao seu encontro a procura de socorro, recebeu como palavra amiga uma tremenda de uma bronca “Você é um sujo, um porco.” (p.57) derrubando por terra ainda alguma dignidade que poderia haver em Morin àquela altura dos acontecimentos.
Uma vez fragilizado em dores e arrependimentos, Labarbe não teve dificuldades nem ressentimentos em “tomar-lhe” os mil francos, mesmo estando Morin acamado, doente de emoção e de pesar. O próximo passo foi convencer seu amigo Rivet a acompanhá-lo até a casa da moça. Deu a volta também em Henriette, usando do lado emotivo para fazê-la mudar de idéia a respeito do Caso do Porco do Morin, ainda usando desse fator de intimidade para seduzir a pequena Henriette de 19 anos com os seus já experientes 30 anos. Enfim usou da persuasão para manipular a todos ao seu redor. Labarbe demonstrou a habilidade de Iago em Otelo para conquistar a confiança dos que o rodeavam e depois os manipulava conforme seu interesse, usufruindo-se de cada ato seu, sabendo explorar com perfeição cada ponto fraco em suas vítimas.


4.0 Script

Se recorrermos ao início da narrativa de O PORCO DO MORIN a teoria de Bérgson, 'o cômico exprime antes de tudo certa inadaptação particular da pessoa à sociedade', notaremos que nesse trecho desenvolve-se um gatilho que vai desencadear aqui toda a narrativa. Há nele um aspecto bem nítido de duas realidades sociais.
De um lado, um homem simples, interiorano, dono de uma humilde loja de miudezas, que diríamos representar aqui o nosso Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato, que, fustigado o instinto, inclina-se lentamente para o desvio e encontra-se de repente açoitado pela fantasia, perde por momentos o conceito de morais e bons costumes que norteiam sua sociedade.

Para TRAVAGLIA (1990:76), 'Um texto pode ser considerado humorístico se as duas condições seguintes são satisfeitas:' (...) o texto é compatível, em seu todo ou em parte, com dois 'scripts' diferentes(...) são opostos em um sentido especial(...) Seguindo esse raciocínio, notamos nitidamente esses dois elementos que caracterizam o 'script', aqui, no caso sexo/não sexo.
Morin vê-se apanhado de surpresa e deixa-se embalar pelo deslumbramento que a cidade de Paris lhe proporciona.
Todas as noites espetáculos, o acotovelar das mulheres, uma continua excitação do espírito. Dá para endoidecer'.(O Porco do Morin p.55 ).
Se o Script nasce do acontecimento do paradoxo, quando duas realidades distintas se sobrepõem, aqui podemos caracterizar dois pontos que denotam esse script: O caipira do Morin morador e mercador de uma pequena vila que antagoniza com o script da cidade grande. No primeiro plano o script A: a vila onde mora Morin; no segundo plano o script B: a cidade grande, Paris. Assim esses dois elementos caracterizam um script.
O segundo script colocamos de um lado Morin, com seu desejo de sexo e de outro lado a moça que não compartilha desse plano. Morin sexo,não sexo, a moça.
Ainda seguindo esse raciocínio de script, Sírio Possenti vem reforçar a idéia do script: 'uma relação de oposição entre os dois scripts superposta compatível com o texto”. Portando se os scripts têm que se caracterizar nos textos, poderemos buscá-lo sem muito trabalho no texto O Porco do Morin. Numa oposição entre Morin e Henriette.
Morin, o infrator, o desviado se contrapondo ao comportamento de Henriette que, educada e meiga, queria apenas ser cortez com Morin e nada mais. Enquanto que, por outro lado, Morin já com a cabeça cheia de fantasias, interpretou o sorriso de Henriette como um convite sedutor.
De um lado, Morin, ansiando um desprendimento, tentando buscar um bálsamo para um relacionamento truculento, sonha com uma amante parisiense para cair na farra; braços macios e delicados, coxas roliças, desnudas e dançantes nos salões de Paris, que por si só, é um sonho para qualquer mortal. E os salões fumacentos e barulhentos ensurdecedores? Dá, sem dúvida alguma, a sensação de sonho, que verte latejante da alma embebendo por completo o corpo.
Embalado nessa sensação de soltura, de liberdade do corpo e da alma é impelido ao desvio, fator determinante em sua punição. Um componente que desperta a atenção no texto é o fato de Morin citar nomes como Danton e Mirabeau como referência de audácia, suscitando uma paridade situacional entre as personalidades citadas e seus feitos com sua atual situação, o que poderia se caracterizar a ocorrência dos scripts, pois, imaginou ele que seguindo a linha de comportamento de Danton ou Mirabeau, poderia ela romper com aquela angústia e alcançar seu intento, seu objetivo, a bela moça de aproximadamente 19 anos de idade. E se o script é superposição, esta aí um belo exemplo de script, pois, aqui o script de comportamento de Morin sobrepõe-se aos anteriores, criando, assim, uma forma de seqüência dos scripts. Mas, não abandonando ainda esse tema, notamos outra curiosidade interessante nesses dois personagens os quais Morin foi ancorar buscar escopo: Georges Jacques DANTON, destacado líder das massas parisienses, durante a época do terror, e acabou guilhotinado, conhecido pela sua facilidade com os discursos. Antes de morrer, pediu ao carrasco que exibisse ao povo sua cabeça decepada. Mirabeau, igualmente francês como Danton, e também um admirável orador, acabou preso e condenado à morte, por sedução e seqüestro.
Vejamos, Morin evidentemente não conseguiu o dom do discurso com ambos os compatriotas o que caracterizaria uma seqüência de sobreposições e efetivamente o script, mas o seu final, apesar de não ter ficado bem claro, o autor não se ateve às conseqüências que o levou à morte, mas deixa por conta do leitor fazer tais interpretações.
Sendo assim, trazendo à luz essa particularidade implícita, essa marca que o autor deixa no texto durante a narrativa, cabe-nos a prerrogativa de sugerir que o fator importante da morte de Morin foi troça, a sanção opressora da sociedade, e pelo seu desfecho: a morte de Morin, caracterizaria o script, ou seja a morte de Morin se sobrepõe às outras duas mortes, transparecendo, assim, uma seqüência superposta: Mirabeau, Danton, Morin, perfazendo o script em ordem cronológica dos fatos, além de elevá-lo evidentemente à altura de seus compatriotas. Alcançando, assim, mesmo que seja na interpretação do autor, uma forma de imortalidade, de sublimação ao comportamento de Morin.



5 O Movimento

O homem se desloca de um ponto X para um ponto Y e todo esse processo evidentemente denota movimento. E o movimento versus rigidez é a tônica do pensamento de Bergson. Ainda analisando sob a regência da batuta bergoniana observamos um desajustamento do personagem Morin perante a sociedade que se desenvolve desde a sua pretensa viagem à Paris: ponto X: que se desloca lentamente rumo ao ponto Y. Nesse percurso, quando Morin depara-se com a bela moça: 'puxa! Que criatura!' Inicia-se o movimento de transição, é quando o personagem procura encontrar meios de adaptar-se a outra realidade e acaba por adentrar a uma onda romanesca e fantasiosa.
Mas, o seu desencadear, certamente, foi o riso chamativo da bela moça, foi o gatilho que faltava para dar o início cômico e arrastá-lo daquela angústia e sofreguidão, investe-se dos ideais cavalheirescos do amor e sonha com os beijos de sua Dulcinea, a imagem da beleza no frescor da idade e na leveza de seus movimentos. Tornou-se assim, por momentos, a imagem clássica de Cervantes, mais um símbolo de lutas inglórias, puramente subjetivas e sem sentido, assim como passaram a ser qualificados de 'quixotescos' tantos os homens que se devotam a proezas mirabolantes e fantasiosos. ”Essa idéia de movimento suscita no real e passa ao imaginário, é nesse percurso que acontece o desvio e o passa a atuar em terreno onírico, a manipular a realidade, tornando-se alada a imaginação, como notamos no trecho a seguir:

aquele sorriso, era mesmo um sorriso discreto, o sonhado sinal que ele esperava. Assim dizia, aquele sorriso:

“Você é uma besta, um tolo, um palerma, em ficar aí plantado, como uma estaca, desde ontem à noite. Vamos, olhe-me, não sou encantadora? E você me fica aí uma noite inteira, com uma linda mulher, sem nada ousar, seu simplório!” (O porco do Morin p.57)


5.1 Tensão e Elasticidade


Podemos ainda caracterizar neste espaço o fator tensão e elasticidade, duas forças que, segundo Bergson, põem a vida em jogo. 'Toda rigidez do caráter, do espírito e mesmo do corpo, será pois, suspeita à sociedade” “(BERGSON. 1.980. p. 19). Toda sociedade tem suas normas e padrões determinados, isso resulta em uma conduta uniforme, sem extravagâncias, sem desvios. Tais normas e padrões exigem de todos os indivíduos componentes dessa sociedade, uma vigília constante para que não haja o desvio, o escorregão, o que chamaria a atenção sobre esse indivíduo. Morin não se ateve a essa atenção, não observou as normas que sua sociedade impõe, com isso expôs a sua natureza excêntrica ao julgamento e à sanção da sociedade que, munida do riso e do escárnio, infernizou-lhe a vida até a morte. O riso ocorre no caso para corrigir o desvio e tirar a pessoa de um sonho” (BERGSON, 1980, p 72) .




5.2 O Castigo

“Você é um sujo, um porco. Ninguém se porta dessa maneira”. “(Labarbe, P. 57).
Labarbe funciona como um autêntico verdugo, pois, o caso teria se resolvido sem a opinião calcada por Labarbe sobre o pobre do Morin. A sua opinião foi crucial para o descarrilamento do processo gradativo das troças, quando ele (Labarbe), livrou-se do amortecimento inicial “o riso é incompatível com a emoção” , pondo-se contrário à atitude de Morin, agredindo-o com a alcunha de “porco”, a qual Morin não mais se livrou até o fim de seus dias.
Em princípio, Labarbe comoveu-se com a situação de Morin, mas, logo em seguida, a piedade acabou-se, havendo, assim, uma mudança também do Script. Em primeiro ato houve o script do companheirismo: Labarbe apiedou-se de Morin. Script mudado logo em seguida: com Labarbe tomando outra postura, tornando-se o propulsor de toda a sátira imposta ao Morin. Tomou para o início do castigo de Morin. Labarbe foi um verdadeiro “Brutus” (assassino de César), acariciou-o pela frente e apunhalou-o pelas costas, alcunhando-o de “porco”.
Aí, rimos do Morin por ele ser comparado com um porco, não pela aparência física, mas pela conotação de sujeira, de atitude porca, de moral suja. O que para Bergson significa o desvio de caráter. Um castigo metafórico, a metáfora, nesse caso, é o recurso em que Labarbe apóia-se para impulsionar o castigo; serve como mola propulsora no inicio do castigo. Talvez, fosse em outra circunstância o castigo não teria se configurado com tamanha veemência, com poder tão contundente. Se se tivesse dito miserável, ordinário, ou qualquer outro adjetivo pejorativo ou de repulsa, não surtiria esse efeito mortal e não teria o efeito de comicidade, o escárnio e o riso não flutuariam pelas ruas encarnado em pessoas de diversas personalidades e diferentes faixas etárias. Essa conotação foi crucial para despertar riso, caso a alcunha fosse outra que não “porco”, a reação, com certeza, seria diferente; as pessoas não ririam ao cruzar com Morin pelas ruas e sim, teriam um comportamento mais hostil e de afastamento, tratando-o como um verdadeiro marginal. Mesmo porque a ofensa seria direta ao comportamento do , direto e seco: miserável, condenado etc. Mas, como houve a introdução da conotação através da metáfora “porco”, esse fator criou uma vertente contrária a primeira alternativa, as pessoas aproximavam-se de Morin para troçá-lo, para rirem de seu comportamento idiota e alienado.
Nota-se, nesse aspecto, duas faces a serem observadas que são o comportamento da sociedade em relação a cada situação. Há uma tendência a castigar os desvios através do riso. Torna-se mais prazeroso a quem castiga e surte mais efeito em quem está sendo castigado. Seguindo essa linha de raciocínio, caso Morin não tivesse apanhado em meio ao caminho a alcunha de “porco” insuflado por Labarbe, e sim, um outro adjetivo pejorativo diremos aqui “miserável” não teria ele sofrido a tal ponto. Primeiro porque o xingamento somente faria com que se criasse um certo afastamento entre ele e a sociedade e as pessoas não teriam esse credenciamento de aproximação para insultá-lo, o que ocorre com a alcunha de “porco”. Assim, a agressão e o insultamento, além de serem menos consistentes, criariam uma reação de autodefesa na personalidade de Morin que, ao ser deliberadamente xingado, poderia tanto revidar a agressão verbal, na forma em que recebera ou partir para o revide mais agressivo que poderia chegar às raias do embate físico, pois, por mais covarde e fraco que o ser humano possa ser, uma vez insultado, esse insulto poderá servir de alimento para seu revide. Considerando que cada ação provoca uma reação. Vale esclarecer que não implica aqui dizer que Morin não tenha reagido diante da situação, só que a forma como ele foi abordado e humilhado pela sociedade não coube outro recurso a não ser a de renúncia de seus direitos de circulação entre a sociedade.

5.3 Riso e Suas Múltiplas Facetas

O riso analisado sob prisma do nosso tema, traz consigo uma natureza de correção. Aventura-se em corrigir as falhas da humanidade, inibir os desvios e atuar como fator moderador em toda a sociedade. Percebemos ainda que o riso está intrínseco ao nascimento de cada sociedade distinta, pois cada sociedade tem um comportamento ímpar das demais sociedades, mesmo que essa imparcialidade não seja notada com grande destaque, a ponto de, às vezes analisadas no plano superficial, acabamos por incorrer no erro da comparação. Tendo toda a sociedade as suas particularidades e o riso a sua sutil leveza; deveremos tomar cuidado com os efeitos que provocam o riso de uma para outra sociedade.
Poderíamos comparar o formato do riso como a forma de um cristal, tamanha a sua capacidade de assumir as suas formas com divisas tão tênues que seria utopia tentar definir onde termina um determinado aspecto e começa o seguinte, queremos dizer com isso que o riso tem suas diversidades, e cada riso difere-se de um novo riso ou seja: cada riso pode trazer-nos uma definição diferente pela sua forma de expressão, e a cada uma dessas definições reagimos de maneira igualmente diferente.
A exemplos disso, podemos citar um “riso de choro” esse tipo de riso não quer absolutamente dizer infelicidade, assim como uma “gargalhada” não significa felicidade. Analisaremos as duas formas: um riso de choro pode denotar vários sentimentos; felicidade por a mãe ter encontrado um filho que há muito tempo não o via. Mas esse riso poderá tornar-se desesperador e carregado de súplica se essa mesma mãe perder um filho desastrosamente, inesperadamente, e denotará uma reação de não acreditar no que aconteceu, não acreditar no fato pela maneira abrupta do acontecimento.
Da mesma forma, a gargalhada, muitas vezes, poderá não ser o que aparenta ser: ao ver na rua um indivíduo saltitando e dando enormes gargalhadas, não significa evidentemente que esse individuo o tenha acertado na loteria ou conseguido aquele emprego de sua vida. Esse indivíduo poderá muito bem haver escapado de algum manicômio ou ainda estar celebrando de forma esgarçada a desgraça de algum desafeto.
Esses pequenos exemplos evidenciam apenas a tamanha sutileza do riso e a leveza com que ele tramita em meio a sociedade denotando suas múltiplas faces: cômico, irônico, feliz, triste, carrancudo, alegre, promissor, agourento, escarnecido entre outros tantos adjetivos que poderíamos ainda aqui enumerar.
Convém ficarmos infinitamente atentos às ações deste Senhor Riso Universal, pois pode denunciar formas de felicidade, afeto de senso de comunidade, mas não hesitará em puni-lo, sacrificá-lo e ridicularizá-lo perante seus semelhantes, com tais fatores, poderemos deitar ao paraíso e acordarmos em um inferno de Dante.
Mas, deixemos de espinafrar o riso, pois tem em seu favor a capacidade de inquirir a comunicação entre as pessoas ele é, na verdade, um exímio agenciador na construção de relações sociais e sempre causa uma boa impressão um sorriso de apresentação, e as pessoas presenteadas com esse sorriso de primeiro contacto certamente não o esqueceram facilmente. Mas, da mesma forma, ele poderá ser usado para excluir o indivíduo de uma sociedade, como aconteceu com Morin em O porco do Morin.
Como um agenciador, ele tem o poder de mobilizar a sociedade, criando, assim um senso comum entre os indivíduos que vivem em comunidade, já que sociedade requer reconhecer os mesmos interesses nos elementos sociais e culturais.
Se os indivíduos viventes numa mesma comunidade conseguem fazer uns aos outros rirem das mesmas coisas, é sinal de que existe um senso comum nessa sociedade, que todos estão sintonizados em um mesmo ideal. A maneira de ver e compreender as mesmas idéias e o comportamento uns dos outros atribui o elemento agregador desse sentimento de comunidade.
Essa ação não se delimita apenas ao fator estético do riso, mas facilita a compreensão dos conceitos e valores que funcionam como pano de fundo de cada expressão.
Labarbe, com certeza, não conseguiria ser rude com Morin, caso tivesse compartilhado com ele essa magia do riso em comum, ou seja, é muito difícil escarnecer alguém depois de ter com esse alguém momentos de prazer em comum, proporcionado pelo riso, pois, o riso contagia, mas é preciso estar em harmonia com a comunidade para podermos compartilhar esse momento especial.
Desse momento de superioridade, esse doce momento de poder é poder, porque o riso é a mais pura expressão de liberdade. Rimos logo depois de escaparmos de uma vaca brava e parida por sob uma cerca de arame farpado, mesmo que a metade da camisa permaneça pendurada à cerca, e a costa arda com o lanhado de arame, mesmo assim ainda rimos, rimos e escarnecemos a vaca por não nos ter apanhado; por não partilhar a mesma capacidade de raciocínio. Rimos com a camisa rasgada, as costas ardendo e se apossa de nosso ser, um sentimento incomum de liberdade e uma expressão de poder estampada no rosto.


6 Considerações Finais


Ao iniciarmos esse trabalho, dissemos que sua finalidade era estudar o Humor suas nuanças implícitas no texto O Porco do Morin um conto do escritor francês Guy de Maupassant, investigando a movimentação das personagens e suas intenções enrustidas, cristalizando as suas verdadeiras personalidades utilizando como foco observador a teoria de Henri Bergson em O Riso (1.980).
Algumas dificuldades tiveram que ser por nós vencidas. Não é fácil simplificar conceitos que por si mesmos são muito complexos. E, ao trabalharmos esses conceitos, corremos o risco de trunca-los ou faltar-lhes à fidelidade. Principalmente por ser Maupassant, um escritor sóbrio, de uma precisão rara, tivemos que nos mover constantemente em campos de assuntos aparentemente banais, pois o conto apresenta um caso de aparência corriqueira. Um incidente em um trem, entre o comerciante Morin e a professora Henriette que desencadeia toda a narrativa.
Para nós, a fase que mais chama a atenção é justamente a forma com que o autor camufla suas personagens, ficando a narrativa completamente imparcial aos acontecimentos. Portanto nosso desafio é mostrar que existe muito mais intenções e desvios de personalidade do que realmente aparenta o texto. E, é investigando mais de perto e com mais atenção que vamos aos poucos tirando a maquilagem desses personagens de denotando seu caráter verdadeiro. Assim descobrimos que o texto apresenta muito mais do que apresenta. O texto propõe uma reflexão sobre o comportamento do indivíduo e a sociedade em que habita.






7 BIBLIOGRAFIA


BERGSON, H. – O Riso: Ensaio sobre a Significação do Cômico. Trd. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

MAUPASSANT, Guy de. O Porco do Morin - Clássicos Globo - Editora Globo S.A. – Rio de Janeiro – 1987 - da obra BOLA DE SEBO E OUTROS CONTOS

TRAVAGLIA, Luiz Carlos – “Uma Introdução ao Estudo do Humor Pela Lingüística” em Revista de Documentação de Estudo em Lingüística Teórica e Aplicada (D.E.L.T.A), São Paulo, EDUC,Vol. 6, nº 1, 1990.

POSSENT, Sírio – “ Pelo Humor na Lingüística”, em Revista de Documentação de Estudo em Lingüística Teórica e Aplicada (D.E.L.T.A), São Paulo, EDUC,Vol. 7, nº 2, 1991.

(1) HAUAISS, Antonio. ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA DO BRASIL LTDA – Editora Britânica, São Paulo, 1996.
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