12 – MÚSICA CONTÍNUA
-compilações da obra de Joseph Kerman, por Coelho De Moraes –
a idéia é popularizar o tema ópera e as críticas sobre essa arte
No século 19 a ópera, especialmente na Itália e França, desenvolveu uma forte inclinação para se adaptar à forma da peça de teatro. A preocupação com a “continuidade” na ópera, tão características dos meados o século, pode ser vista como uma tendência para o fluxo ainda mais constante do drama literário; uma vez isso conseguido, o caminho estava aberto para a influência do teatro naturalista, o verismo. Muitos detalhes estruturais na ópera do século 19 correspondem a efeitos e recursos fundamentalmente literários.
Otelo de Verdi: só quando cai o pano ao final do Primeiro Ato é que a música, na verdade, cessa claramente. Não houve pausas para recitativos secco, não houve cadências para puxar aplausos, não houve desvios súbitos no fluxo musical. Todos os incidentes são amalgamados exatamente como o são, na peça, pelos versos ininterruptos; Otelo é, evidentemente, uma “ópera contínua”. A continuidade operística era um ideal universal da música do século 19, e Otelo e Falstaff são as realizações mais perfeitas da variedade não-wagneriana desse ideal.
A tendência do estabelecimento de uma convenção para toda a ação, em vez de uma dupla convenção, é literária em seu espírito naturalista num sentido bastante importante. Também altamente romântica, ao deixar implícito que todos os elementos da trama devem ser tratados com igual seriedade. Buscou-se o equilíbrio de vários modos, mas os pontos altos líricos ainda são evidentes, por mais cuidadosamente que as arestas sejam aparadas.
Gluck se determinara a elevar parcialmente a ação ao nível das árias, enobrecendo todos os recitativos.Conseguiu isso orquestrando o acompanhamento e às vezes amarrando-os com motivos e harmonias. Ao fazê-lo, descobriu que tinha de se limitar a ações que valessem a pena serem enobrecidas. Mozart enobreceu a ação retirando-a dos recitativos e trabalhando-a na forma de autênticas seções musicais, de conjuntos. Era um procedimento mais radical que o de Gluck, mas menos conclusivo no sentido de que Mozart aplicou esta técnica apenas nas partes mais importantes da ação.
A ópera italiana, na primeira metade do século 19 mostrou-se tão resoluta quanto a de cem anos antes em sua confiança no recitativo e na ária.
O recitativo era sempre acompanhado pela orquestra, fato que tornou as coisas no mínimo, mais bombásticas do que nunca, Ana medida em que os libretistas não conseguiam restringir o recitativo a sentimentos apropriadamente solenes.
Verdi, gradualmente, reduziu a extensão dos recitativos e os fundiu numa textura mais contínua. Em Rigolleto já não temos mais consciência de uma dicotomia e sim de um contínuo; em Otelo, de um contínuo extraordinariamente sutil. Isto foi conseguido com um método aproximadamente Gluckiano no recitativo, mas, principalmente, com uma nova técnica conhecida como “parlante”- o falado.
O parlante podia derivar com facilidade para uma ária ou coro, graças à organização musical da orquestra e, também, com igual facilidade, para o recitativo, graças às linhas vocais essencialmente declamatórias. O parlante de Verdi é sempre mais nervoso. O parlante irregular conseguiu finalidades dramática importantes e naturalistas.
Verdi e seu libretista Arrigo Boito resolveram a questão da continuidade cristalizando situações emocionais com regularidade, em seções ou tableaux líricos, em que a música pode ficar à vontade e contribuir de forma mais forte e inequívoca para o drama.