O SILÊNCIO.
Ricardo Oliveira
“... Embora fôssemos conversando a esmo, não havia uma ruga naquele silêncio. Ouvia-se o uivo do vento, na corrida do carro pela estrada; mas aquela tranqüilidade era inseparável do barulho do vento, dos ruídos do carro, da palavra falada. A mente não tinha lembrança de silêncios anteriores, daqueles silêncios que conhecera; não dizia: Isto é tranqüilidade .
Não havia verbalização, que é só reconhecimento de outra experiência algo semelhante.
Como não havia verbalização, o pensamento estava ausente.
Nenhum registro se fazia e por conseguinte o pensamento não tinha possibilidade de captar o silêncio ou pensar a seu respeito; porque a palavra tranqüilidade não é a tranqüilidade.
Sem a palavra, a mente não pode operar por conseguinte o experimentador não pode guardar coisa alguma, para gozos futuros.
Não havia processo de acumulação, nem havia comparação ou assimilação.
O movimento da mente estava de todo ausente.”
J. Krishnamurti COMENTÁRIOS SOBRE O VIVER , Editora Cultrix, SP.
Este trecho, extraído de uma das publicações das palavras de J. Krishnamurti nos envolve em profunda interação com um Conhecimento Universal.
Chamo a isto de CONSCIENTE COLETIVO.
Dentre as palavras que fazem parte do Consciente Coletivo, o “Silêncio” não se insere como uma palavra primitiva e sim, como uma palavra derivada do Ideograma CONHECIMENTO. Somente aquele que detém o Conhecimento poderá ouvir o silêncio... com todos seus sons, vibrações e significados. Krishnamurti, em sua colocação, demonstra seu Conhecimento. E, através dele, consegue verbalizar o conteúdo do silêncio.
O Ideograma VERBO é uma expressão que assenta neste conceito de Consciente Coletivo.
A simples menção no texto serve para nos alertar significados mais profundos numa expressão literal: “porque a palavra tranqüilidade não é a tranqüilidade”.
Com a chamada para que a expressão verbal não é a descrição “simples / literal” de um “significado / entendimento”. Ele, Krishnamurti, nos dá uma sinalização para que não nos limitemos em nosso Conhecimento.
Enfim, “silenciar” pode significar inúmeros sentimentos ou comunicar inúmeros eventos mas difere muito do “silêncio”. Como expressão, ele é um substantivo que podemos enquadrá-lo como, comum,aos olhos comuns, ou como “Silêncio”, um substantivo próprio aos olhos daqueles que já atingiram o Conhecimento.
Deixemos a expressão verbal “silenciar” exercer seus significados...
Enquanto ao Silêncio vamos mantê-lo em seu lugar próprio.
O Silêncio acredito ser a expressão de uma mente que, por conhecer, por perceber e estar naturalmente atenta, não provoca ruídos interiores.
Isto é uma expressão legítima do Silêncio.
Uma mente que não precisa produzir pensamentos, que não alimenta desejos, que não sente necessidade de possuir, de acumular, de assimilar, de comparar é uma mente que ouve tudo. Ouve, inclusive, o Silêncio. Não é um processo, uma técnica de meditação que nos levará até esta capacitação de percebimento.
Não há como estar atento mediante uma concentração.
É um desdobramento interior. Uma TRANSCENDÊNCIA em nossa linguagem mais usual é que nos possibilitará este encantamento.
Poderá nos levar a atingir um estado envolto, para muitos, em mistérios e magias.
Assim como no teatro japonês ( No ou Kabuki ) que tem por base a não palavra, manifesta-se, este Silêncio. Neste teatro, o conteúdo é só insinuado.
Precisa de que o espectador tenha atenção para as manifestações mímicas e ao significado.
Aqui vemos o Silêncio bem representado... Quando, utilizando uma expressão poética,
“Quando vês com os ouvidos / E, com os olhos, ouves... ” temos a capacidade de ver o Silêncio...
Quando temos o Conhecimento de que: “A verdade não é difícil e não permite a escolha entre duas coisas... ” podemos ouvir a Natureza...
Quando atingimos a Transcendência de qualquer de nossos limites, como no “Satori”, podemos perceber a Verdade... daí podemos interagir no Silêncio.
Quando desarmamos nossos espíritos... o Silêncio se manifesta ao nosso redor.
Podemos, então, olhar para tudo e para todos, como uma primeira vez.
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* Viver do Zen, de D.T.Suzuki.
** Shindji-mey ( o sinal de fé ), do terceiro patriarca Szosan, no Livro Zen, o budismo vivo no Japão, de Shuej Ohasama e Ang. Faust, com introdução de Rudolf Otto.
Ambos citados no livro O CAMINHO ZEN, de Eugen Herrigel, Editora Pensamento, SP.
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