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Artigos-->O DESMATAMENTO É CRIME -- 23/08/2011 - 15:28 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O DESMATAMENTO É CRIME



o TEXTO ABAIXO MERECE SER LIDO E SEU CONTEÚDO DEVE SERVIR DE REFLEXÃO.





Exemplo brasileiro

Marc Dourojeanni

09 de Junho de 2011



No Brasil hoje se percorrem centenas de quilômetros sem avistar árvores em regiões que, 40 anos atrás, eram muito arborizadas. crédito: Marc Dourojeanni

A inacabada saga da revisão da legislação florestal brasileira de 1965, lançada com força total em 2008, é uma fonte de lições para o resto de América do Sul. Lições que se derivam de fatos deprimentes e de outros que são exemplares, mas que em sua maioria, além de surpreendentes ou curiosas, são valiosas. Esta nota procura resumir os acontecimentos e explicar brevemente o que se aprende com eles.



O Brasil dos anos 60 não se parece muito ao atual. Por isso, o desgastado e remendado Código Florestal realmente precisava de uma revisão e de vários ajustes para se adaptar à nova realidade, inclusive porque muitas leis e outras decisões legais posteriores à sua promulgação já o haviam impactado e alterado em formas não particularmente orgânicas.



O fator desencadeante



Vegetação em processo de destruição. crédito: Marc Dourojeanni

O fator desencadeante da revisão atual do Código Florestal foi em grande medida a mudança, em 2008, da legislação ambiental de Santa Catarina, que reduziu drasticamente a proteção legal da vegetação florestal das beiras dos rios, das encostas e dos topos de morros. Essa foi uma decisão que atentou abertamente contra o Código Florestal e consequentemente contra a Constituição Federal, pois as leis estatais não podem modificar a essência da que é federal.

O pretexto usado foi o suposto “prejuízo que sofrem os pequenos agricultores por não poderem usar livremente suas terras” e por serem eventualmente obrigados a restaurar essa vegetação - se é que a eliminaram -, sob pena de multa. Os legisladores apoiados pelo governo do estado adotaram a nova lei sem nenhum voto contra. Isso foi vergonhoso, pois o fizeram apenas umas poucas semanas depois que chuvas excepcionais e má conservação da vegetação de morros, encostas e mata ciliar se combinaram para causar inundações e deslizamentos de terra de grandes proporções que deixaram morte e desolação em toda a região serrana do estado. Esse desastre se converteu em notícia internacional e provocou uma onda comovedora de ajuda popular às vitimas. Até estados nordestinos tão pobres como Piauí e Maranhão, que ostentam tragédias sociais que às vezes se comparam com as do miserável Haiti, enviaram ajuda ao europeizado, rico e desenvolvido estado de Santa Catarina.



Ou seja, o que motivou a Assembleia de Santa Catarina a atuar e também o que gerou o interesse dos políticos da bancada ruralista do Congresso Nacional para a revisão do Código não tinha nada a ver com preocupações sobre a coerência jurídica do texto ou sobre seus aspectos técnicos. Foi muito mais pragmático. Foi essencialmente o interesse de lucro unido ao temor de ter que responder por crimes e infrações ambientais acumuladas durante muitos anos. Na realidade, o Código Florestal foi ignorado por décadas e ninguém, nem os grandes investidores da agricultura intensiva de soja, nem os pecuaristas extensivos da Amazônia ou do Cerrado, nem tampouco os agricultores médios ou pequenos do Sul, cumpriram a lei. Todos avançaram sobre as matas ribeirinhas, sobre as encostas íngremes e sobre os topos dos morros. Pouquíssimos, se é que algum proprietário, respeitaram os limites de 20% ou 50% das áreas de florestas a serem conservadas. Mas, tudo mudou desde os anos 1990 quando diversas instâncias do estado brasileiro começaram a interessar-se mais seriamente pelo tema ambiental. Entre outros, o Ministério Público descobriu o tema e não só inquietou a proprietários, mas também pressionou autoridades do setor ambiental a fazer cumprir a legislação. Alguns estados obrigaram proprietários a registrar as reservas legais em livros públicos, com o que ficou mais difícil esconder os danos. Algumas multas e ações legais bem divulgadas, assim como declarações cada vez mais contundentes das autoridades, somadas à procura mais frequente pelos culpáveis dos desastres naturais, foram um incentivo adicional e, assim, pela primeira vez, os proprietários rurais começaram a se preocupar pelas consequências de seu descaso com a lei e o sentido comum.

“Trata-se apenas de mais lucro mais fácil. Nada mais”

Quer dizer que, como foi mencionado, o que motiva aos que se opõem a manter as limitações à destruição da vegetação natural é, de uma parte, a busca de ganância expressada no uso irrestrito da maior extensão possível de suas propriedades e, de outra parte, o medo de serem obrigados a pagar multas por violações já cometidas da lei e a gastar mais dinheiro para recompor o que destruíram. Trata-se apenas de mais lucro mais fácil. Nada mais. Mas, os pretextos exibidos pela bancada ruralista e seus defensores públicos bem pagos, entre eles alguns dos principais semanários nacionais, são muitos: Exagero dos “ambientalistas” que, “como sempre”, se opõem ao desenvolvimento; fomento de miséria no campo, pois aceitar essas regras implica que “os agricultores pobres não teriam terra suficiente para cultivar”; quebra financeira imediata dos agricultores por pagamento de multas ou gastos de reposição da vegetação destruída e, claro, também não faltaram os que consideram que defender os solos e as águas é parte de outra conspiração do imperialismo americano e das organizações não governamentais internacionais.



O curioso é que até o Movimento dos Sem Terra (MST), antissistema por natureza, declarou que é mentira que essas normas empobreçam mais ou prejudiquem a pequenos agricultores. Mas não se precisa do MST para saber que os argumentos são fúteis. No Brasil, se há algo que não falta, é terra. A terra não falta nem sequer para os pobres. O “minifúndio” brasileiro seria um latifúndio em extensas regiões dos países andinos. De outra parte, os principais afetados pelas inundações e pelos deslizamentos de terra são precisamente os campesinos pobres. Eles são os que têm suas casas e cultivos arrasados pela água ou soterrados pelos deslizamentos de terra. Eles são os que choram os mortos. Mas eles também são uma parte da massa ignorante que se deixa arrastar e impressionar pela propaganda dos latifundiários e de seus políticos assalariados que compram a mídia escrita, falada e televisada.



As pretendidas modificações ao Código Florestal não se limitam, na verdade, ao meio rural como tal. E não são apenas os fazendeiros os que promovem mutilar a proteção das florestas. Também se apresentam para isso prefeitos que querem urbanizar as beiras dos rios e lagos e, especialmente, as empresas de construção civil que ganham dinheiro fazendo isso. O problema adentra áreas de influência dos prefeitos e suas câmaras municipais, que sempre procuram formas de aumentar a população para ganhar votos e aumentar o ingresso e, nas instituições citadinas como clubes que propõem transformar as ribanceiras de rios e lagos em áreas esportivas, como se um campo de futebol suprimisse o caráter protetor da vegetação das beiras. Quem circula os rios observa como os bairros marginais, com o apoio das autoridades municipais, avançam sem restrição sobre as margens. E, claro, esses são os mais afetados pelas inundações gerando enormes gastos anuais ao orçamento. Mas isso não importa.



O que está em jogo





O Código Florestal brasileiro, em sua versão original de 1965 já era exigente em matéria de proteção dos solos, em especial, mas não unicamente, contra a erosão hídrica. Criava, por exemplo, uma série de áreas de “preservação permanente pelo direto efeito da lei”, que protegem a vegetação natural de ribeiras de cursos d’água e lagos, lagoas e reservatórios, nascentes de água, topos de morros, montanhas e serras, encostas com declive superior a 45 graus, nas restingas que conservam dunas, etc. Também previa que uma porcentagem importante das propriedades com florestas permanecesse como reserva florestal (“reserva legal”). O Código determinou 50% para as localizadas na Amazônia, 20% para as do Centro-Oste, Sudeste e Sul e determinava condições ad hoc para as demais regiões. Isso era como se os legisladores tivessem tido, muito antes de lançarem alertas sobre o impacto das florestas nas mudanças climáticas, a premonição de que esse tema seria tão importante.



Mesmo com a lei severa, em 1989 foi feita uma reforma que incrementou os níveis de proteção da floresta nas propriedades. Por exemplo, foi ampliada de 5 a 30 metros em cada lado a extensão da vegetação natural a ser preservada em cursos d’água de até 10 metros de largura e assim sucessivamente, até 500 metros a cada margem para rios de mais de 600 metros de largura. Por outro lado, em 2001, a denominada reserva legal na Amazônia aumentou de 50% para 80%, condicionada ao Zoneamento Ecológico Econômico; a do Cerrado passou para 35% e nas demais regiões para 20%. Essas foram apenas as principais de uma série de modificações progressivas, tudo o que, logicamente, justificava renovar o Código Florestal, embora não para minimizar sua finalidade.

Embora algumas dessas medidas pudessem parecer exageradas, a maior parte delas, como o Código em seu conjunto, constituem um exemplo de medidas simples e contundentes que, se aplicadas, têm enorme importância ambiental, especialmente em um país como o Brasil, cujas características geológicas o torna muito suscetível a graves fenômenos erosivos surpreendentes em um país comparativamente tão plano. As recentes tragédias de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais, como outras no Nordeste e no Rio Grande do Sul, piores por sua magnitude que as que se registram em países andinos, são provas incontestáveis disto. Por essa razão, a maior parte das medidas estabelecidas no Código Florestal em vigência é absolutamente essencial para o Brasil e não deveria ser abrandada por nenhum motivo, menos ainda pelos que estão sendo utilizados por aqueles que querem minimizá-lo. Na decisão de expandir a área intocável de 50% para 80% na Amazônia pesou o reconhecimento de que isso seria um aporte substancial aos esforços mundiais para limitar as consequências do efeito estufa e que essas florestas, através de mecanismos financeiros cada vez melhor definidos, poderiam ser uma fonte importante de renda para os proprietários.



Ou seja, neste momento, tentar abrandar uma legislação que é essencial para prevenir desastres naturais em progressão quase geométrica e para contribuir para que o país cumpra seus compromissos e promessas frente ao mundo é, pelo menos, questionável.



Os fatos

“A sociedade civil, com base nas manifestações dos membros dessa comissão na qual também havia uns poucos membros do Partido Verde, seguiu de perto os debates”

Como foi dito, em lugar de produzir o esperado repúdio em nível federal e uma reação negativa no Congresso Nacional, a citada decisão da Assembleia de Santa Catarina foi acolhida por amplos setores políticos, iniciando a revisão do Código Florestal que agora está terminando. No começo foram poucas as personalidades públicas ou da sociedade civil que manifestaram preocupação pelo fato de que a desejável revisão do Código se origine por uma iniciativa anticonstitucional, pressagiando nada bom. Dalí em diante continuou aceleradamente o processo de revisão, impulsionado pela chamada bancada ruralista que, como seu nome diz, representa donos da terra e agrupa um grande número de membros de vários partidos, mas principalmente da direita e centro-direita, que são os mais numerosos tanto na Câmara de Deputados como no Senado. A Câmara criou uma comissão especial para esse fim e, provavelmente apenas para dissimular, nomeou como seu relator um destacado líder do Partido Comunista do Brasil. A sociedade civil, com base nas manifestações dos membros dessa comissão na qual também havia uns poucos membros do Partido Verde, seguiu de perto os debates que devido à insensatez da intenção de debilitar seriamente a legislação ambiental, chamaram poderosamente a atenção da sociedade.

Foram meses e meses de discussão mordaz na comissão, logo no plenário da câmara. O relator da comissão, aquele deputado comunista, se pôs escandalosamente a favor dos ruralistas e, em vez de renunciar ao cargo para não se ver na situação de apoiar a direita acirrada contra sua própria gente e em aberta contradição com a suposta ideologia de seu partido, persistiu em uma posição francamente insensata para quem pela responsabilidade tinha a obrigação de ser imparcial. As praças frente ao Congresso, em Brasília, se abarrotaram de manifestações de ambientalistas, índios e campesinos que se opunham ao aniquilamento do Código e de contramanifestações organizadas e financiadas pelos poderosos grêmios do agrobusiness nacional. A televisão e a mídia fizeram eco do tema por muitos meses seguidos, a maioria a favor das mudanças que atentavam contra o ambiente, outros contra. As últimas semanas do debate foram as mais virulentas, e claro, os ânimos exaltados dos honoráveis deputados chegaram aos insultos e às acusações recíprocas. Os ministros do Ambiente (ela, uma técnica independente) de um lado e o de Agricultura (ele, um destacado ruralista, obviamente) pelo outro, saíram defendendo suas posições e até houve intervenção mais ou menos direta da própria Presidente da República, aparentemente contra as reformas.



Aconteceu até o fato absolutamente inédito de que dez ex-ministros do Ambiente do Brasil, de partidos diferentes e opostos, visitaram o Congresso e a presidente da República, em defesa da conservação da versão do Código brasileiro que melhor protege os solos e as águas do país. A resposta dos ruralistas foi pretender organizar uma visita de outros tantos ex-ministros da Agricultura, o que ainda não se materializou. É evidente que as maiores instâncias científicas e acadêmicas do Brasil fizeram chegar à comissão, ao Congresso e ao governo nacional seus critérios em defesa de um Código que mantenha sua severidade. Argumentaram em termos de manejo de bacias hidrográficas, de fixação de carbono e de conservação da biodiversidade. Mas, nada comoveu os ilustres legisladores, entre os que existem um palhaço semianalfabeto e um ex-jogador de futebol que confessa a quem quer lhe escutar que não entende nada de nada, porém obviamente também votaram por cercear o Código.



No dia 24 de maio, depois de acalorados debates de última hora, a proposta que prejudica a floresta e o ambiente foi votada e aprovada por 410 votos a favor e apenas 63 contra. Os únicos partidos que se opuseram majoritariamente às pretendidas mudanças foram o Partido Verde (100%) e o Partido Socialismo e Liberdade (100%). Do Partido dos Trabalhadores, 63% votaram a favor das mudanças. A posição a favor da midiatização do Código ganhou em todos os estados do Brasil. Ou seja, isso foi uma esmagadora derrota do sentido comum.



Como ficou o Código?



O Código Florestal, agora entrando à revisão do Senado, continua sendo um texto legal melhor do que de alguns outros países, mas se comparado com o anterior, perdeu a maior parte de seus dentes e muito de sua crescente eficácia. Não somente reduziu drasticamente a extensão da mata ciliar que deve ser protegida, mas também permite a eliminação da vegetação natural e a continuação de agricultura perene já instalada. Permite a “atividade florestal” e a pastagem inclusive em ladeiras e topos de morros e, também, permite realizar plantações de lenhosas e agrosilvicultura em ribeiras de curso d’água. Quer dizer que, em principio, qualquer área de preservação permanente antes intocável agora pode ser explorada e utilizada de um jeito ou de outro. Outra mudança extremamente grave é que permite considerar as áreas de preservação permanente como parte da reserva legal, ou seja, de fato elimina parte considerável da superfície da floresta. Mas talvez o mais grave seja que agora admite que essas reservas legais possam ser exploradas, implicando obviamente sua degradação. Também elimina a obrigação de registrar publicamente as reservas legais, com o que o controle fica seriamente comprometido. Além disso, está o fato de que se exime a infratores do pagamento de multas e da obrigação de restaurar as áreas destruídas ilegalmente até julho de 2008.



O anterior é um resumo apertado das mudanças ao Código vigente agora, aprovadas na Câmara de Deputados. Não se mencionaram todas nem se entrou a explicar cada uma delas. Mas as novas normas são extremamente complexas configurando que, de fato, não será possível aplicá-las. Essa parece ter sido outra das intenções bem arrumadas dos legisladores ruralistas. Na verdade, seria necessário criar uma legião de profissionais altamente treinados e muito bem equipados para poder supervisar o que acontece no campo.

“Em termos gerais, essa decisão implica que nos próximos anos se desmatará ainda mais que antes em todas as regiões do Brasil”

Em termos gerais, essa decisão implica que nos próximos anos se desmatará ainda mais que antes em todas as regiões do Brasil. Somente o fato de reduzir a extensão das áreas de preservação permanente em cursos d’água e outras águas continentais será significativo, mas muito mais impactante será a medida de incluir as áreas de preservação permanente como parte das reservas legais. Em resumo, para muitos especialistas isso pode reduzir entre 30% a 50% a área total de florestas das propriedades e, pior ainda, essas áreas já não serão intangíveis. E, como também se prevê perdoar todos os que já eliminaram as florestas de suas propriedades, a situação é realmente extrema. A anistia proposta para os que ilegalmente cortaram bosques já provocou um enorme aumento do desmatamento na Amazônia, apenas nos primeiros meses deste ano. Na realidade, sabendo das propostas de anistia, os que ainda não haviam eliminado os bosques se apressarão em fazê-lo, para entrar nela. Eles sabem bem que o governo federal não tem capacidade para evitá-lo ou detectá-lo e que os governos estaduais estão a favor da eliminação de florestas. Por isso vão continuar desmatando a um ritmo maior.



As Lições



Não fazer leis que não se podem ser cumpridas: o Código Florestal de 1965 foi, em termos teóricos, uma boa lei que inclusive estava avançada em seu tempo. Leis florestais de países vizinhos, naquela época, nem consideraram ordenar que parte das florestas das propriedades rurais fosse estritamente protegida. Isso apareceu, timidamente, apenas nas leis dos anos 1970, mais ou menos, em legislações referidas ao ordenamento rural na Amazônia. Em troca sim existiam, como na do Brasil, algumas pautas relacionadas à proteção da vegetação natural de ribeiras de cursos d’água e encostas.



A agricultura domina a paisagem do Cerrado brasileiro. crédito: Marc Dourojeanni

Como foi comentado, todas essas disposições do Código brasileiro ou das leis florestais de outros países da região foram ignoradas até que, a partir dos anos 1990 o Ministério Público no Brasil começou a atuar cada vez com mais insistência. A ele se somaram algumas administrações florestais ou ambientais do governo federal e, especialmente, de alguns governos estaduais, como no caso de Minas Gerais. Tudo isso foi criando um entorno de intranquilidade entre os agricultores que até esse momento não haviam se preocupado com o assunto. Mas, há de se reconhecer que, apesar disso, as normas foram ignoradas pela imensa maioria dos agricultores. Em outros países, como o Peru, esses tipos de normas são letra morta em nível de propriedades e a proteção de beiras se faz essencialmente em termos de ações de reflorestamento e, a de encostas, mediante os chamados Bosques de Proteção, uma categoria nacional de unidade de conservação especial. Essas são alternativas interessantes, mas não suficientes para suprir as reais necessidades de proteção de solos e águas.

Refletindo sobre o assunto pode-se concluir que, levando em conta a modéstia do serviço florestal brasileiro dos anos 1960, talvez não se deveria ter incluído no Código medidas tão precisas e draconianas como as mencionadas. De fato, serem cumpridas era simplesmente impossível e ter leis que não se cumprem por longos anos é um convite ao descaso. É como facilitar a criação de um “direito adquirido”, criando situações social e economicamente irreversíveis. As leis, para que deem resultado como se espera, devem nascer com os recursos para sua aplicação. Uma lei é como qualquer outra decisão, deve ter os meios para executá-la. Se estes não estão garantidos, o resultado depende da sorte, que raramente favorece o apostador. Por tudo isso é irônico que o Código seja minimizado precisamente agora, quando começava a ser aplicado e a dar seus frutos.



Não exagerar: No caso do Código aconteceu algo muito mais grave e é isso o que, ao longo dos anos, apesar do incumprimento evidente e flagrante das normas, em lugar de ajustar o Código à realidade de sua aplicabilidade, ou seja, pondo mais ênfase em aplicá-lo do que em aumentar sua rigidez ou severidade, se fez o contrário. Foi aumentada significativamente a área que deveria ser protegida e, em um último esforço de perfeccionismo, se aumentou para 80% (com condições, é verdade) a área a ser considerada como reserva legal na Amazônia. Somando isso às áreas de preservação permanente, no caso em que houvesse cursos d’água na propriedade, isso realmente seria excessivo. Foram muitos os profissionais da área de recursos naturais e inclusive ambientalistas que consideraram que essa decisão implicava um desperdício do recurso solo e que era pouco técnica. Vários deles previram a reação que se produziu e que gradualmente se transformou no tsunami que se manifesta agora.

“O ambientalismo militante e sem cabeça nem sempre ajuda a causa ambiental”

A lição aqui é que o ambientalismo militante e sem cabeça nem sempre ajuda a causa ambiental. Ao contrário, costuma dar bons argumentos aos que, por interesses particulares, se opõem às medidas propostas.



Revisar leis é sempre um risco: Quando, desde o ponto de vista técnico ou jurídico, uma lei precisa de atualizações ou ajustes é necessário que quem promove essa revisão seja muito cuidadoso e meça bem suas forças no Congresso. No caso do Código Florestal brasileiro, embora fosse óbvia a necessidade de modernização, não era razoável desconfiar que a oportunidade fosse aproveitada de forma tão extrema para praticamente eliminar grande parte de sua finalidade. Claro que isso é parte do jogo democrático nas condições precárias em que funciona a democracia representativa. A esmagadora maioria de votos dos deputados para minimizar o Código não representa o que seria o resultado de um plebiscito sobre o tema, no qual com certeza a posição por manter os aspectos mencionados do Código teria recebido amplo apoio popular. Não é possível “comprar” os votos de dúzias de milhões de cidadãos.

“O Brasil tem dado, neste assunto, um exemplo extraordinário de como um tema que se poderia supor a priori que haveria passado despercebido, chegou a comover a sociedade”

Educação da sociedade: O Brasil tem dado, neste assunto, um exemplo extraordinário de como um tema que se poderia supor a priori que haveria passado despercebido, chegou a comover a sociedade. Na realidade, o debate se arrastou ao governo, ao congresso, aos partidos políticos e, claro, às muitas das esferas sociais incluindo campesinos, latifundiários do agrobussiness, ambientalistas, científicos, profissionais da área agroflorestal e, com certeza, a milhões de cidadãos brasileiros que em condições normais somente pensam nisso quando chove muito e começam a se preocupar com a água que sobe ou a montanha que treme e faz ruídos preocupantes.

Não está claro sobre como se produziu isso, mas sem dúvida a sociedade civil brasileira organizada teve muito a ver com esse fato. São anos e anos de abordagem desse tema e, evidentemente isso está começando a dar resultados. A discussão pública do Código Florestal tem sido, e tomara continue sendo, um fabuloso meio de educação da sociedade brasileira. Sabe-se bem quão difícil na América Latina é interessar o povo em temas de interesse ambiental ou em temas que são sobre o futuro. Todos sabem que a mídia escrita, falada e televisada prefere mil vezes temas banais. O Peru, por exemplo, já leva vários anos discutindo uma nova lei florestal para substituir a que foi revogada sem que nenhum cidadão comum saiba sequer que o país está sem lei há três anos1. Ninguém, no Brasil ou no Peru, presta verdadeira atenção aos às vezes excelentes programas que explicam como funciona a natureza e que oportunidades oferece ao desenvolvimento. Mas, graças aos ataques milionários e mordazes dos ruralistas, este tema não só chegou massivamente à televisão brasileira em “horários nobres”, mas também geraram ótimas respostas que, desta vez sim, marcaram os telespectadores.

Os escândalos ajudam a educar o povo. Não que nessa ocasião o volume educativo fosse de boa qualidade. Muito do que se observou, inclusive o que era a favor do Código, estava mal feito e deformava a realidade. Mas nunca antes se havia visto um tema ambiental todos os dias, três vezes por dia, durante semanas, nas noticias. As irracionalidades do deputado comunista que apoiou a direita apareceram reiteradamente na capa de revistas e na primeira página de jornais que de outra maneira nunca lhe teriam dado esse privilégio. Não importa que fosse apenas para atacar o Código e criticar os ambientalistas, os que foram acusados de vender a pátria e de serem inimigos do progresso. O importante é que tudo isso serviu muito para que hoje grande parte dos cidadãos saiba que existe uma correlação entre destruir florestas e sofrer inundações e deslizamentos. Que o que se faz se paga.



A união faz a força: O desempenho excepcional de Marina Silva e de seu Partido Verde nas últimas eleições gerais do Brasil têm, também, muito a ver com o debate em torno ao Código Florestal. A politização do tema ambiental fez que o tema ganhasse muitos simpatizantes e até adeptos, criando a massa crítica de opinião pública que, embora insuficiente, já se vislumbra claramente no Brasil. Se há uma lição brasileira que deve inspirar a outros países da América do Sul, é a formação de partidos políticos com amplos fundamentos ambientais. Foram líderes desse Partido Verde que levaram grande parte da batalha na Câmara de Deputados.



No processo de defender um Código Florestal adequado também foi notável a comunidade de pensamento e de ação entre segmentos da sociedade civil ambiental que, normalmente, tem discrepâncias esterilizantes. Os socioambientalistas e os ambientalistas e inclusive os que defendem posições mais extremas, neste caso tem demonstrado unidade, contribuindo muito para obter apoio político. Do mesmo jeito foi exemplar a união de ex-ministros do Ambiente, na maioria políticos de trincheiras que na Câmara votaram a favor das mudanças prejudiciais, para demonstrar que o interesse da nação deve superar o de grupos econômicos ou partidários.



Conclusão



Vegetação pouco conservada e afetada pela pecuária mal planejada. crédito: Marc Dourojeanni

Esse conto não terminou. Especula-se que no Senado, embora a mesma maioria domine, exista um pouco mais de sentido comum e se chegue a um compromisso que talvez não seja ideal para nExemplo brasileiro

Marc Dourojeanni

09 de Junho de 2011



No Brasil hoje se percorrem centenas de quilômetros sem avistar árvores em regiões que, 40 anos atrás, eram muito arborizadas. crédito: Marc Dourojeanni

A inacabada saga da revisão da legislação florestal brasileira de 1965, lançada com força total em 2008, é uma fonte de lições para o resto de América do Sul. Lições que se derivam de fatos deprimentes e de outros que são exemplares, mas que em sua maioria, além de surpreendentes ou curiosas, são valiosas. Esta nota procura resumir os acontecimentos e explicar brevemente o que se aprende com eles.

O Brasil dos anos 60 não se parece muito ao atual. Por isso, o desgastado e remendado Código Florestal realmente precisava de uma revisão e de vários ajustes para se adaptar à nova realidade, inclusive porque muitas leis e outras decisões legais posteriores à sua promulgação já o haviam impactado e alterado em formas não particularmente orgânicas.



Extraído de: http://www.oeco.com.br/













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