Usina de Letras
Usina de Letras
280 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62175 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50580)

Humor (20028)

Infantil (5424)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6183)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->A crítica e suas formas -- 23/10/2002 - 23:29 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CRÍTICA E SUAS FORMAS


Francisco Miguel de Moura
(Da Academia Piauiense de Letras)

Outrora a crítica era feita através dos jornais e suplementos, que dedicavam longos espaços aos escritores e críticos. Mas o mundo se transforma a cada dia e com ele os homens, os acontecimentos, as coisas. Assim, a crítica. Os poucos suplementos literários ainda existentes funcionam mais como página de cultura onde, em lugar de textos de crítica, colocam-se anúncios de restaurantes e boates, horóscopos e grupos de “roque”. Nalgumas capitais – Brasília é o melhor exemplo – não existe um cantinho sequer para os críticos e literatos. Nalgumas cidades e capitais esses espaços simplesmente desapareceram, dando lugar a colunas sociais. Resta aos escritores fundar seus jornais alternativos, suas revistas, seus espaços separados da grande imprensa. A universidade normalmente dispensa aos professores, mestres e doutores, algum espaço em revistas da própria ou de outras entidades. Ali eles fazem a crítica “universitária” – uma espécie de crítica intelectualista, com pretensão a científica, não muito apropriada ao leitor comum. Deste tipo de crítica falaremos mais adiante. Revistas de larga circulação no país como a “Veja” e “Isto é” dão um espaço diminuto à divulgação de livros e às chamadas resenhas, que nada mais são que anúncios classificados de livros, normalmente os chamados best-sellers. E nada mais.
De dois tipos de crítica acabamos de falar. Não é a crítica desejada, mas é a possível de ser feita hoje. Até bem pouco tempo nas chamadas “províncias” os jornais ainda dispunham de pequeno espaço para o crítico ou comentarista literário. Hoje todos estão imitando a grande imprensa, principalmente a importada. E daí, o que fazer? O que se faz. Revistas como “Literatura – Revista do Escritor Brasileiro” e “LB –Revista da Literatura Brasileira” têm prestado algum serviço à causa, embora com suas limitações, porque não entram no grande circuito empresarial por serem feitas amadoristicamente.
Está na hora, como diz Assis Brasil, grande crítico nacional, hoje, de as editoras e empresas do ramo tomarem vergonha e apresentarem condições melhores para que a literatura e a cultura circulem no Brasil. O Brasil precisa desenvolver-se em todos os sentidos, na distribuição da renda e na distribuição da educação e da cultura para todos.
E a crítica, o que é a CRÍTICA?
Esta é uma pergunta crítica. Temos que ser sinceros. De modo geral, CRÍTICA é aquilo de que todos nós precisamos, mas nem sempre gostamos quando a recebemos. No Dicionário do Aurélio, a primeira definição de crítica é esta:

“Arte ou faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular as de caráter literário ou artístico”.

Aqui temos, portanto, já dois tipos de crítica bem definidos: a literária e a artística. Há outros, mas fiquemos com estes. Para lembra um autor do ramo, o crítico literário Afrânio Coutinho, aquele que trouxe a nova crítica para o Brasil, citemo-lo, encerrando o questionamento do que seja a CRÍTICA:
“A crítica literária tem por meta o estudo da Literatura, dos gêneros, mas não é um deles. Ela os analisa, sem se confundir com eles. É uma atividade intelectual, reflexiva, usando o raciocínio lógico formal, procurando adotar um método rigoroso, tanto quanto o das ciências, porém de acordo com a natureza do fenômeno que estuda, o fenômeno literário, a obra de arte da linguagem. (...) Não é, em conclusão, um gênero literário, mas um conjunto de métodos e técnicas justamente de abordagem dos gêneros literários.”
A crítica tem uma longa história, desde que existe a literatura. Citem-se Horácio e Aristóteles, com seus tratados, Bellay (1549) e Boileau (1674), idem. Firma-se, portanto, no Renascimento quando faz repercutir as idéias do naturalismo e determinismo biológico, social e geográfico, e do biografismo, princípios que, no Brasil, teve a adesão de Sílvio Romero, nosso primeiro grande crítico, no século XIX e começo do século XX. Mas esse movimento começou com Saint Beuve e Taine, na França dos séculos XVIII e XIX.
A crítica literária, como é hoje, escolhe, lê, analisa, comenta, critica as obras literárias, emitindo juízos, isto é, julgando-as. São estes seus passos principais.
Mas precisamos saber também o que é Literatura, pois esta é o objeto da crítica. Nelly Novaes Coelho assim a define:

“A Literatura é um sistema de signos. Como o ser vivo é organizado em células, vísceras e funções, também a Literatura possui um corpo que é a matéria verbal: os signos que se organizam em frases, discursos, ritmos, imagens, melodias, estrofes, capítulos, períodos, etc. A tensão e espessura verbal correspondem a esse amálgama de signos e funções. O espírito que lhe dá existência real e significação é o do escritor. Mas o elemento imprevisível ou hipotético, que dá à obra o seu significado definitivo, é o leitor. Para um ‘leitor distraído’, não existem grandes obras... Daí difusão que está tendo hoje ‘a estética da recepção’. Sem um receptor alerta e preparado para receber a ‘mensagem’, nenhum emissor consegue se comunicar...”

Eis que, de acordo com a definição de Nelly Novaes Coelho, acabamos de encontrar os dois agentes mais importantes da Literatura: o escritor e o leitor.
Os elementos essenciais são a forma e o conteúdo, que não podem ser estudados separadamente, pois ao mexer-se com um mexe-se automaticamente com o outro.
O leitor seria o melhor crítico se possuísse cultura, erudição e jeito para escrever, ou seja, estilo. Ser crítico é difícil por que o crítico deve ter uma soma de conhecimentos acima da média dos leitores. Conhecimento não somente da teoria da literatura, como das teorias lingüísticas, estéticas e filosóficas, como das obras literárias e de outras tantas não- literárias: psicológicas, sociológicas, etc.
Absurdo é considerar que o crítico pode fazer uma crítica em profundidade de uma obra que não leu, apenas folheou. Não pode, não deve. Não é ético, pode falsear e mentir. Por isto o crítico deve ser pago pelo seu trabalho. Bem pago. Não falo daqueles fazem orelhas de livros ou resenhas para chamar a atenção do público distraído. Falo daqueles do batente, daqueles que ficam de sentinela, observando, lendo os autores e livros que saem, para em seguida escrever sobre os referidos acontecimentos, pronunciando-se a favor, contra ou nem tanto, mas sempre com argumentos, lógicos, convincentes, probatórios. Os críticos são os orientadores dos leitores de modo geral. É esse tipo de crítico que está em extinção, infelizmente. Mas continuam outros: aquele que não se renda à vaidade, aquele que não dá prefácio a todo e qualquer vivente que o procure, aquele que orienta os autores novos como devem agir, aquele que se recusa a dar prêmios literários a quem não merece – esses são os guardiães da Literatura, são os críticos, e a eles a Literatura deve muito. Os críticos nem sempre são bem vistos, às vezes são odiados. Mas a atividade crítica é extremamente necessária.
Críticos que se embaraçam em preconceitos, na biografia ou na residência ou na origem do autor, por exemplo, como vão chegar à obra? Nunca. Não são críticos de verdade. Ditos críticos, e não importa que sejam eles Álvaro Lins e Mário de Andrade, não reconhecem os escritores e as literaturas dos Estados. A pretexto de tudo, fizeram blague com o Piauí, por exemplo, citando Da Costa e Silva e Martins Napoleão. Mário de Andrade, contudo, elogiava o «Poeta da Saudade» mas Álvaro Lins desfazia da poética de Martins Napoleão. Claro que o bom poeta e, por extensão, o bom escritor, deve ter informação sobre o que é e o que não é literatura para não caírem nos localismos que os vão insular. É preciso ter talento, não fugir do essencial, não perder-se no cipoal das particularidades. Quem tem talento chegará à informação e à expressão necessárias. O talento é essencial. Nascer ou viver no Rio, em São Paulo ou no Nordeste, não. É apenas acidente.
O bom poeta municipal e o bom poeta estadual devem ser (na obra) iguais ou superiores ao poeta nacional, é evidente. No tempo em que Álvaro Lins e Mário de Andrade escreveram detratando os poetas do Piauí e, por tabela, escrachando as literaturas regionais - estava em moda fazer isto para aparecer de bom moço. Nacional, para eles, era quem nascia, ou vivia, ou publicava no Rio. E o Rio vivia seus últimos anos de Capital da República, a decadência já se sentia, tanto da Capital quanto do resto do País. Havia, também na época, uma onda de formalismo estabelecido pelos poetas da geração de 45, desesperados com o êxito dos escritores da geração anterior, onde se contavam Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e os romancistas da geração de 30: Graciliano Ramos, Jorge Amado, Raquel Queiroz, José Américo de Almeida, José Lins do Rego e tantos outros que descobriram o Brasil para os brasileiros e começaram a exportar nossas letras para o exterior - inicialmente para Portugal. O próprio Álvaro Lins veio de onde? Não foi de Pernambuco? Gilberto Freire tornou-se conhecido mundialmente sem sair de Recife, salvo para estudar. Quando Nelson Rodrigues disse que «depois de Copacabana, tudo é mato», claro que estava fazendo humor negro, como era do seu feitio. Não falava sério, senão renegar-se-ia. Ele e tantos outros foram de Pernambuco, do Norte e do Nordeste, levando sua língua, seus costumes, seus dialetos, seu modo de ser e de escrever. Quem criou o romance brasileiro, não foi o cearense José de Alencar? Bem, mas continuar falando nisto e citando nomes é repetir o «óbvio ululante». Para aqueles, como disse há pouco, ser nacional era ser carioca.
E hoje? Onde está o centro da cultura nacional? Em São Paulo, o centro econômico? Em Brasília, o centro político? Ou no Rio, o centro de quê? Da decadência, onde não se há de encontrar nenhum poeta de nome nacional, vivo e produzindo? Sim, encontraríamos João Cabral de Melo Neto, pernambucano, se não tivesse partido para “o outro lado do mistério”. Outros grandes poetas são paulistas ou paulistanos. Há outro grande, mas falecido recentemente - o Quintana - que residia no Rio Grande do Sul. É lá o nosso centro cultural? Ou em Minas, a terra da literatura em todos os gêneros, de Guimarães Rosa a Drummond, de Henriqueta Lisboa a Adélia Prado? O último grande poeta nacional foi ele, Drummond, que era poeta estadual de Minas e municipal de Itabira. Ele, ironizando, escreveu:
«O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isto o poeta federal
tira ouro do nariz.»
Que pena que os críticos e historiadores não entenderam nada de Carlos Drummond de Andrade e do seu poema. O centro literário e cultural do Brasil, hoje, é o Brasil todo. O Nordeste não precisa mais mandar escritores para o Rio, em busca de publicação de suas obras. No próprio Nordeste (Recife, Fortaleza, Salvador e até em Teresina/São Luís) estão os maiores parques gráficos, temos grandes jornais e recebemos, no mesmo dia, os periódicos de Rio/São Paulo/Brasília e dos demais Estados. E temos leitores, muitos leitores, embora precisemos de mais, muito mais e melhores.
Depois da geração de 45, que considero obscura e reacionária nos seus princípios e no seu fazer poético (com exceção de alguns nomes como João Cabral, Mário Faustino e nosso H. Dobal) - e foi mais uma geração de poetas - o Brasil mudou muito. E urge compreendê-lo. Muitas estradas foram construídas, muitos portos, muitos aeroportos. Rádios e televisões foram montadas, as redes de satélites, etc. Muitas escolas e universidades estão funcionando, cresceu o número de jornais, inclusive suas tiragens. Luís Fernando Veríssimo, filho do grande romancista Érico Veríssimo (outro grande escritor surgido nos anos 30 e não era carioca mas gaúcho) - repito, Luís Fernando Veríssimo disse, em uma de suas crônicas humorísticas, depois de examinar todos os defeitos das outras capitais e Estados brasileiros, que o Brasil verdadeiro ficava mesmo era no Piauí. A matéria centrava-se na descaracterização da nossa cultura. E ele tem razão. Melhoramos e pioramos, ao mesmo tempo. Se não nos cuidarmos, daqui a pouco não teremos mais Brasil, apenas uma colônia do exterior. Língua inglesa, costumes de Manhatan e Miami, e seremos várias ilhas da aldeia global. Tomara que eu esteja completamente errado.
Literatura é cultura, seriedade, bom humor como fizeram Machado de Assis, talvez o único grande escritor carioca que se tornou brasileiro, isto é, nacional. Literatura é bom estilo, boa língua escrita, e coragem, como a de Graciliano Ramos, das Alagoas, para a vida e para a arte. É criatividade e originalidade - que dependem de talento e trabalho, muito trabalho, e de uma quase obsessão pelo ofício.
Críticos que não têm capacidade nem talento ficam torcendo caminho, com desculpas. Vão ao passado, copiam o que outros disseram dos escritores antigos, fazem análise de texto como qualquer professor de nível médio. Dão uma volta pela gramática, pela história, discutem a vida literária - e deixam a literatura intacta, inclusive e principalmente a que se faz hoje, o aqui e o agora. Coitados. Há ainda pessoas dotadas para a crítica, mas não têm a coragem de se expor, para ficar de bem com todo o mundo. Não pode ser assim.
Há três tipos de crítica, levando-se em conta não a forma mas a matéria e a teoria dos gêneros literários. A mais antiga, chamada de crítica didática ou histórica, aquela que enfatiza o não-essencial da literatura – autor, bibliografia, biografia, vida literária, deixando e lado o essencial (forma/conteúdo/estrutura e capacidade de criar o novo). O segundo é a impressionista, a qual vê mais o de fora que o de dentro, não obstante passear pelos conteúdos e formas, com citações de autores muitas vezes alheios às letras. E um terceiro tipo, o mais moderno – o expressionismo. O crítico expressionista se baseia mais na obra que nas obras, tira tudo de dentro da obra, não precisa de comparações e quando as faz é elegendo certo método que condiga com o contexto. Seria a crítica estrutural sem a ideologia do estruturalismo. Expressionismo e impressionismo vêm da crítica de arte, com relação aos correspondentes na pintura, nas artes plásticas. Com relação à crítica acadêmica, que seria um quarto tipo, direi que se trata de uma crítica prática – aquela que se faz para galgar degraus na sua profissão de professor. Ela estuda o já consagrado. Eu digo: destilar sabedoria em cima do já descoberto não é vantagem. Bom mesmo, corajoso é mergulhar na selva selvagem da vida e lá descobrir os novos, os que serão os grandes nomes do futuro, os que estão gestando e estreando as obras primas do porvir. Neste sentido, Assis Brasil é o maior crítico brasileiro, aquele que não tem medo de procurar o novo e aponta-lo com convicção.
Discordo um pouco dos tratadistas atrás citados. A crítica é também literatura, uma forma especial de literatura, que não chega a ser um gênero. E ser crítico é ser escritor também, pois na crítica pode-se criar, construir, imitar, etc. É a criatividade dentro da área da linguagem intelectual. Como os cientistas também são criadores.
Seria a crítica um apêndice da literatura? Ou ela é a ciência da literatura?
Perguntas jamais respondidas coerentemente. A crítica é uma atividade mista tão necessária que dizemos que não lá literatura se não há crítica, se não há críticos. Dentro da crítica há muito o que fazer. Fora dela, os críticos se tornam cronistas e historiadores. Ou teóricos e lingüistas. Para que mais?

APL (lançamento do ensaio s/Moura Lima)
Teresina, PI, 26 de outubro de 2002.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui