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Ensaios-->Vidal de Freitas -- 20/10/2002 - 23:44 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VIDAL DE FREITAS, UM CLÁSSICO

Francisco Miguel de Moura
Escritor, da APL



1. Um pouco da biografia


Comemorando o centenário de nascimento de José Vidal de Freitas, levantamos um pouco de sua biografia, com a ajuda de alguns depoimentos falados e escritos, embora consciente de que “uma biografia é apenas um ponto de vista”, segundo o escritor Fernando Jorge.
José Vidal de Freitas nasceu em Oeiras, aos 15 de novembro de 1901, e faleceu aos 19 de junho de 1987, nesta Capital. Filho de Sílvio Dias de Freitas e de Ana da Costa Freitas, aos 2 anos de idade ficou órfão de pai, e ainda em Oeiras, para ajudar a mãe viúva, foi ajudante de indústria gráfica, começando muito cedo a exercitar a cabeça e as mãos, o corpo e a natural inteligência.
O centenário de seu nascimento foi no ano passado. A Academia Piauiense de Letras só vem de comemorá-lo este ano, um pouco tarde, é bem verdade. Porém, antes tarde do que nunca. É o reconhecimento de sua grande figura de acadêmico, professor, poliglota, magistrado e poeta – estas formas de ser e relacionar-se na sociedade que marcaram sua vida. A. Tito Filho o vê e o retrata assim: “Na sua vida de inteligência domina como poucos a palavra, sonora, castiça e eloqüente, instrumento de idéias decisivas e brilhantes.” José Lopes dos Santos vai mais além: “Vidal de Freitas é muito mais que magistrado e professor. Sua cultura polimorfa, abrangendo quase todos os ramos do conhecimento humanístico, inclui também as artes. É poeta e músico: como poeta, primoroso; como músico, exímio.” Manfredi Cerqueira também o exalta: “Foi, antes de tudo, um grande conciliador. Toda a sua atuação polivalente esteve concentrada num humanismo lúcido e comovente.”
Mas, neste ensaio – talvez o primeiro que é escrito e aparece depois de sua morte – não gostaria de referir apenas coisas intelectuais, racionais, por altissonantes que sejam, mas também fatos e lembranças ligados à vida sentimental, comum, do homem, da pessoa.
Com esta orientação, desloquei-me até a residência de D. Haidée da Rocha Freitas, a viúva de Vidal de Freitas, lá encontrando-a cordial e educada como sempre, lúcida e bem saudável.
De um pouco da fama de Vidal de Freitas eu tinha conhecimento, desde o tempo em que morava em Francisco Santos - Pi, na região de Picos, e nem pensava em sair de lá e ganhar o mundo dos escritores e intelectuais. Pelo que me contavam, sabia de Vidal de Freitas autoridade, o Juiz, e da sapiência, o mestre, este principalmente por sua ligação estreita com o Ginásio de Picos, do qual foi fundador e professor, e com o jornal “A Flâmula”, dirigido pelo que se tornaria depois historiador Ozildo Albano.
Depois, conheci-o pessoalmente no final dos anos 60 e começo dos 70, da centúria passada, ele já aposentado como professor de Direito e desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí, mas ainda com militância destacada nos jornais e revistas, vindo a entrar para a APL em 1973, e eu também escrevendo para os jornais, publicando meus livros e militando nos movimentos literários como o CLIP e a UBE, que ajudei a fundar.
Não sou bom de biografia, se o fosse já teria escrito a de meu pai, cujos documentos e informações venho juntando há anos. Mas “um biógrafo”, disse Menotti del Picchia, “pode ser um indivíduo mágico”. E continua:“Com uns fragmentos de lápide do templo de Al-Ubaid, umas tradições quase míticas da gente sumeriana e algumas hipóteses, é capaz de retratar o chefe da primeira dinastia de Ur, como Cuvier, de um osso fossilizado, reconstruía a estrutura de um brontossáurio.” Creio não ser necessário exagerar, no caso particular da vida de José Vidal de Freitas. Com as valiosas informações de D. Haydée da Rocha Freitas, talvez meu desempenho melhore.
Já em 1915, nosso homenageado estaria residindo em Floriano, com o avô materno, Manoel Martiniano da Costa, musicista de talento, matemático conhecido na cidade e sabedor de línguas estrangeiras, de quem receberia conhecimentos de português, latim e outros, além do encaminhamento para o trabalho no jornal “O Popular”, em cujo órgão chegou a noticiarista e redator-gerente. Não se sabe precisamente o ano em que seus estudos tiveram início, naturalmente em casa, como era comum naquela época. Historicamente, começam partir de Floriano, com seus 14 anos, sob as ordens do referido avô e com uma professora sua tia, de nome Aleluia Costa Azevedo, que não cobrava nada pelo que ensinava, pois fazia esse trabalho por “altruísmo e alegria espiritual”, segundo depoimento de Bugyja Britto.
De Floriano vai para Recife, vislumbrando melhor rendimento para sua inteligência e sua operosidade. Lá continuará no trabalho e no estudo e, paralelamente, ensinando. Foram dois anos de professor no Colégio Batista Brasileiro de Recife, e, em 1923 vai lecionar também no Colégio Americano Batista. Ali, referiu o Des.Manfredi Mendes de Cerqueira, no discurso de posse na APL, “abrindo-se-lhe outras portas à sua inteligência invulgar e competência comprovada, que lhe permitiram o acesso ao Colégio Batista de Gravatá, ao Seminário Batista de Recife e à Escola Normal junto ao Colégio Batista Brasileiro e Ginásio Pernambucano, hoje Colégio Estadual”. Daquele ano até 1935, Vidal de Freitas lecionaria português, história e língua inglesa nos colégios mencionados, onde, por algumas vezes, fora também diretor.
Terminado o seminário e por algum tempo tendo exercido a missão de pastor, forma-se em Direito, em 1936, na velha Mauricéia, e volta para o Piauí, para enfrentar as duras batalhas da profissão. Aqui, antes de entrar para a magistratura, é convidado pelo amigo Mirocles Veras, então Prefeito de Parnaíba, para exercer a função de advogado daquela municipalidade. Foi por pouco tempo. Por concurso, logo entra para a magistratura, sendo juiz nas Comarcas de Paulistana, Valença do Piauí, Corrente, Picos, Campo Maior e Teresina, onde chega a Desembargador e em cuja posição se aposenta.
Ao que me parece, talvez porque eu seja da região de Picos, onde foi juiz de 1945 a 1954, Dr. Vidal de Freitas ali marcaria mais sua presença do que nas outras Comarcas, embora em todas elas tenha exercido o magistério e nalgumas fundado colégio. Como foi dito, ajudou a fundar o Ginásio Picoense, que depois tomaria o nome de Colégio Estadual Picoense, ajudou a moçada a fazer o jornal “A Flâmula”, onde vim a colaborar pouco depois de sua saída de Picos, e ali, juntamente com D. Haidée, esposa, amiga e colaboradora, fundou uma escola particular durante os anos em que pertenceu à comunidade picoense, cuja escola passou, antes de sair, à conhecida educadora, Profª Dorinha Xavier.
Referi-me às Comarcas do interior, pois em Teresina foi juiz de uma das varas da Capital, de 1955 a 1965, quando alcançou a desembargadoria almejada, cargo que exerceu até aposentar-se em 10 de julho de 1965. E mais: é aqui que obtém o grau de doutor em sua especialidade e exerce o magistério superior, na antiga Faculdade de Direito do Piauí. Além disto, colabora na imprensa e é eleito membro da Academia Piauiense de Letras, glória a que aspiram os intelectuais e homens de letras do nosso Estado.
Do seu consórcio com a primeira mulher, D. Laura Gonçalves, de quem viria a divorciar-se, teve 5 filhos. Já com a segunda esposa, D. Haydée da Rocha Freitas, foram apenas 3 filhos: Myrtes Maria de Freitas e Silva – advogada e defensora pública; Ana Clélia de Freitas – médica e escritora; e José Vidal de Freitas Filho – juiz em Água Branca – PI.


2. Um pouco do acadêmico


Na Academia, ocupou a cadeira 28, patroneada pela primeira poetisa piauiense, Luísa Amélia de Queirós Brandão, substituindo a Elias de Oliveira e Silva. Do elogio acadêmico de Bugyja Britto, também um oeirense dos bons, ao recebê-lo em 21 de maio de 1973, na Casa de Lucídio Freitas, ouvem-se ainda estas palavras:
“A vossa carreira de magistrado está ligada à carreira de professor, e, nesta, tendes sido um arauto, um paladino, um pastor. De professor de grau primário a secundário, e deste a superior, de professor de entidades particulares a órgãos do poder público, culminastes essa vossa atividade como mestre da Faculdade de Direito do Piauí, onde vós vos doutorastes e conseguistes a cátedra após brilhante concurso. E terá parado, aí, essa atividade nobre e árdua? Não! Porque através de outra continuais a espalhar o saber a quem vos pede ou necessita. É o latim, é o inglês, é o francês, é o espanhol, não só diretamente – de mestre a aluno – mas através de traduções dessas línguas para o português; todos, nesta Capital, conhecem a vossa capacidade preceptora nessas traduções e como excelente examinador de concursos de cargos na administração estadual e federal.”
Hoje a cadeira é ocupada pelo Desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, que, em virtude de suas qualidade de intelectual e de homem honrado, honra a tradição dos anteriores ocupantes, com seu saber jurídico e filosófico e seu excelente relacionamento sócio-cultural.
Já aposentado e acadêmico foi como conheci Vidal de Freitas. Ele, sempre que nos encontrávamos – e não foram poucas vezes, inclusive na própria Academia, quando lancei meu livro “Universo das Águas”, em 1979 – então me dizia:
– “Você merece entrar para a Academia. Candidate-se na próxima vaga. Que não seja a minha, pois, quero ainda votar em você.”
Como acadêmico, José Vidal de Freitas escreveu e publicou um livro denominado “Perfis Acadêmicos”, 1977, que não seria bem o exemplo ilustrativo da sua arte, quer aquela de aura clássica, quer aquela de feição romântica ou talvez moderna, tendo em vista que quase todo repleto de versos de ocasião e concebidos já no ocaso de sua vida intelectual. Em todo caso, como “quem foi rei, é sempre majestade”, de lá retiramos o soneto para si próprio, que dá a medida do versejador hábil e consciente das limitações humanas, por isto que às vezes no tom irônico, próprio dos espíritos desprendidos, filosóficos:

“Da plêiade de imortais fazendo parte,
Ouso tentar insólito perfil,
Sem do Azevedo a sátira gentil,
Do Milton Chaves, firme engenho e arte.

Há por aí quem diga, até que farte:
- Tem profunda cultura, ampla e sutil.
(Certo, leio os fascículos da Abril,
Ainda que a arriscar impenso infarte...)

O que sou? Mero juiz aposentado,
Deslembrado e o menor papel-queimado,
No que tange à correta e sã cultura.

Há quem me julgue bom, porém gagá,
Outros me dizem mau, de índole má,
Enigma para os Sábios da Escritura.”

Salvam-se o soneto transcrito e um trabalho crítico que colocou, de entrada, estudo literário importante, dentro daquele estilo da crítica filológica tão comum em sua época e tão praticada pelos estudiosos de línguas, a respeito de Esmaragdo de Freitas. Produziu Vidal de Freitas muitos outros trabalhos daquele tipo, tentando esgotar com exemplos de poetas e poemas, as maneiras mais justas de considerar a metrificação clássica.


3. Um pouco do poeta Vidal de Freitas



Sei que publicou dois livros na área do Direito, “O Descanso Semanal” e “Direito Sem Ação”, mas não os li. Também, se o fizesse, pouco saberia dizer sobre eles, pois meu conhecimento na área do direito é quase nulo.
Entrementes, como poeta temos algo a comentar. Sua estréia se deu com o livro “Contradição”, em 1943, um opúsculo de 112 páginas que trazia o selo das Oficinas Gráficas do “Jornal do Comércio”, de Recife, órgão onde trabalhara como redator, em 1935.
José Vidal de Freitas praticou a metrificação do tipo parnasiana, mas aceitava – assim está nos seus trabalhos críticos – também a do tipo romântico. Não cremos que haja unidade no seu livro, mesmo porque, se houvera, o título perderia o sentido. Nem mesmo com relação ao subtítulo que lhe deu: “Estes versos de dúvida e de fé”. São 2 poemas iniciais, 48 sonetos (a grande maioria em decassílabos, rimados) e 3 poemas denominados salmos (repercussão de sua educação evangélica e até da atuação como pastor). Nesses poemas, especialmente nos sonetos notam-se influências de Camões, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Raimundo Correia, B. Lopes, Pe. Antônio Tomaz, Da Costa e Silva, Martins Napoleão etc. Certamente foram concebidos em vários momentos e refletem tanto sua vivência familiar diária, quanto sua vida social e intelectual, assim como às vezes definem a dúvida, que não na deixa claramente exposta, muito menos não vitupera – uma dúvida comportada.
Vários sonetos de José Vidal de Freitas foram lançados em antologias, no Piauí. O primeiro, conheci-o através de Félix Aires, na sua Antologia de Sonetos Piauienses, 1973, editada sob os auspícios da Academia Piauiense de Letras, pelo Centro Gráfico do Senado Federal – Brasília. Nele, o antologista acolhe o soneto “Rejeitado”:

Crucificado como um criminoso
Da mais ínfima espécie, um vil escravo,
Sofre Jesus, na intrepidez de um bravo,
As agruras do transe doloroso.

Embaixo, a turba freme de ódio e gozo,
Vendo o sangue a jorrar de cada cravo,
E, depois de provar do fel o travo,
Morre o meigo rabi, terno e bondoso.

Por que sofreu assim, pungentemente,
O filho de Jeová, onipotente,
Sem brados de revolta de ninguém?

É que ao mundo aviltou tanto o pecado,
Que o próprio Cristo foi crucificado,
Porque na terra “andou fazendo o bem.”

O poeta e crítico literário J. Miguel de Matos, em sua Antologia Poética Piauiense, Artenova, Rio, 1974, começa com o soneto “Oeiras” e segue com “Metamorfose” “No Lar”, “Preferência”, “Filhinha Ausente” “Descendo o Parnaíba” e o próprio “Rejeitado”. Já o soneto “Descendo o Parnaíba” foi colhido por Cinéas Santos, na antologia “O Rio”, 1980, por ele organizada. Também na “Antologia da Academia Piauiense de Letras”, 2000, Wilson Carvalho Gonçalves, seu organizador/editor, escolhe o mesmo soneto “Rejeitado”, talvez por causa do apelo religioso que ele contém. Seria o caso de reproduzir “Descendo o Rio”, sobre uma viagem do poeta descendo o Parnaíba, assunto tão do gosto dos piauienses. Entretanto é necessário mostrar outras faces do poeta Vidal de Freitas, como o fez J. Miguel de Matos.
Trazendo outros títulos para mostrar sua verve poética mais ou menos romântica, sem nenhum vislumbre de ocasionalidade, é possível que daí se apure melhor o universo lírico de Vidal de Freitas. “Segredo” seria uma dessas facetas, um desses momentos de seu doce lirismo.

Há muito, D. Edir, sofro a incerteza
De um segredo cruel, que me tortura,
E, embora ao peso desta desventura,
Não ouso confessar-te com franqueza.

És linda, tens dos lírios a beleza
E como os céus és divinal e pura.
Tens essa ingênua e doce formosura
Dos painéis imortais da natureza.

Contemplo-te de longe, a custo e a medo,
E de te ver minha alma não se cansa.
Deves saber que um desengano cedo

É pior que esperar sem segurança.
Por isto, não te digo meu segredo,
Com medo de perder minha esperança.

O soneto “Saudades” se sobressai pela técnica, composto que foi em alexandrinos, uma das formas mais difíceis. Poeta que não sabe fazer um soneto (decassílabo) não provou que é poeta, eis que é voz corrente aqui e alhures. Mas o poeta que é capaz de escrever um bom soneto em alexandrino, esse é um grande poeta. Assim, era Vidal de Freitas:

Saudades desse amor, sofrer imenso e fundo
Que os restos de meu ser aos poucos leva ao nada.
Saudade da ventura, a ventura sonhada,
Naufragando no mar das ilusões, profundo.

As dores de minha alma eu conto-as por segundo
E, guardando no peito a saudade magoada
De um tempo mais feliz, minha vida cansada
Eu levo a soluçar, de rastros pelo mundo.

De tudo guardo nalma um pouco de saudade:
Dos lábios que beijei, fremente de desejos,
Dos amores que tive em minha mocidade.

Porém, o que em minha alma acorda mil lampejos
De esperança, de fé e amor e de saudade,
É a lembrança feliz e eterna de teus beijos.

Por que não mostrar também um pouco do seu fazer poético fora do soneto?
É bom. Vidal de Freitas abre seu livro com um “Porquê”:

Ninguém suponha ao ler estes meus versos,
Que eu me julgue das musas bafejado,
Pois, lâmpada de Diógenes à mão,
Percorri campos, vilas e cidades
E algumas vezes encontrei um homem,
Amigo honesto e desinteressado,
(Este mundo ainda presta),
Porém
Nenhuma fonte de Hipocrene achei,
E o cavalo lendário que montei
Foi sempre Rocinante.
Mas resolvi fazer uma surpresa,
Graça sem gosto,
A quem
Lendo este lindo poema introdutório,
Tiver coragem de ir adiante e ler
Estes versos de dúvida e de fé.


4. Um pouco do crítico e pensador:


Com o título de “Introspecção e Poesia”, Vidal de Freitas publicou um artigo no jornal “O Cometa”, de Oeiras – Pi, agosto de 197l, em que constata ter encontrado cerca de 800 decassílabos perfeitos no romance “Rio Subterrâneo” de O.G. Rego de Carvalho. E acrescenta: “Não é como acontecia com Humberto de Campos que escrevia prosa premeditadamente adstrita ao metro, ao ritmo e à rima, embora não parecesse à primeira vista (...) “M. Cavalcante Proença, prefaciando uma das edições do grande livro de Euclides da Cunha, escreve parênteses para mostrar ao leitor um traço característico de estudo euclidiano: o ritmo.”
Pelas citações feitas dos versos encontrados por Vidal de Freitas no artigo mencionado, em “Rio Subterrâneo”, versos decassílabos são a normalidade, tanto que é possível encontrar seqüências inteiras. A uma delas Vidal de Freitas denominou de A “Fumaça”:
“dança ao sopro do vento, e traz até
o corredor o cheiro de resinas,
essências e perfumes da floresta
distante que a madeira inda conserva...”
Outros 38 decassílabos formando seqüências diferentes, Vidal de Freitas mostra no seu artigo, aliás, um soberbo artigo. E conclui:“Naturalmente não se cogita de rima, pois que isto é poesia espontânea, natural, que O. G. Rego escreve sem nem sequer em tal pensar.”
Acreditamos que escreveu muitos artigos de crítica, mas não sabemos quantos autores e obras criticou. Um grande leitor, sem dúvida, ele foi. De literatura clássica mesmo. E mesmo sem a constância na crítica, sem aquela organização necessária para o exercício, foi um bom comentador literário, pesquisador paciente e criativo, sobretudo dos aspectos gramaticais e lingüísticos. Pelo seu perfil, a normalidade é que suas leituras fossem variadas em assuntos e autores.
Sobre seus trabalhos publicados, levantei uma bibliografia mínima. Não me foi possível pesquisar em profundidade. Do contrário, talvez tivesse encontrado muitos artigos e ensaios dos que espalhou por aí. Por sorte, dei de cara com um estudo seu que me deixou fascinado. Não é propriamente literário, mas histórico-sociológico, ou filosófico, sobre a história e seu inter-relacionamento com a linguagem. Está na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí”, nº 5, de dezembro de 1974. Título: “Tentativa de Filologia Comparada na História do Piauí”. Logo no parágrafo inicial, Vidal de Freitas coloca conceitos que concordam com a renovação dos estudos da história:
‘”Não é fácil exagerar a importância da íntima relação entre a linguagem e a história, esta naquele sentido filosófico de, não apenas catalogar fatos cronologicamente, donde o nome de crônicas, mas também no de concatená-los, analisá-los, diagnosticá-los, e mesmo sobre eles prognosticar, levando isto a conclusões irrecusáveis.”
Foi o que ele tentou fazer no trabalho mencionado, sobre a História do Piauí, tomando por base autores como Karl Vossler, Rask, William Jones, Franz Bopp e Frederico Diez, gramáticos e lingüistas de um lado, e João de Barros e Odilon Nunes, historiadores, do outro, justamente para contestar os que ainda não acreditam que Domingos Jorge Velho veio para o Piauí antes dos irmãos Afonsos, “e aqui lutou, estabeleceu-se e permaneceu por muito mais tempo do que qualquer deles dois, mesmo o Julião, que aqui continuou após haver o Mafrense transferido domicílio e residência definitiva para Salvador, Bahia.”
O arrazoado de Vidal de Freitas tem a língua falada de Domingos Jorge Velho como fulcro, por ser igual ao que se falava (e ainda se fala) no Piauí. Primeiramente, mostra as palavras, numa série exaustiva: candiêro – lamparina, caninana – mulher má, catinga – mau cheiro, corgo – pequeno riacho, calombo – inchação, cumbuca – cabaça, entre muitas outras, todas conferindo com o “Dialeto Caipira”, de Amadeu Amaral. Em segundo lugar, acrescenta que, mais importante é a sintaxe, pelo que seria suficiente acentuar as expressões – “a pessoa que eu vinha com ela” e “ele trouxe estas frutas para mim comer” entre muitas mais que têm sido escutadas no piauiense (ou piauiês), e não apenas do caboclo mas também dos pracianos e até escritas nos jornais por pessoas consideradas cultas. E conclui Vidal de Freitas que são “particularidades da região em que mais deve ter influído a permanência de Domingos Jorge Velho e de seus paulistas, de tal maneira irmanados com o gentio...”


5. Conclusão:


Não resta dúvida de que Vidal de Freitas era tão moderno quanto pode ser uma pessoa que se envolve com os clássicos, com os estudos da língua materna (assim como de outras línguas). Moderno, podemos dizer também, pelo romantismo de muitos dos seus versos e seus temas, pela preferência sobre sua pátria, sua religião, sua terra e sua gente, chegando até o intimismo. Profundo conhecedor da ciência do direito mas também da linguagem e do estilo, não poderia deixar de ser um clássico – é nossa conclusão. O depoimento do poeta Hardi Filho confirma em parte as qualidades apontadas:
“Vidal de Freitas, magistrado ilustre, inteligência lúcida e uma das maiores culturas do Estado. Honra-me a sua consideração. Orgulham-me as suas demonstrações de apreço e incentivo, inclusive perfilando-me em um soneto bem composto, prova de reconhecimento para com a minha modesta produção literária. Admiro de muito não só o seu saber, também o exemplo de grandor moral humano que ele é. Sensibilizado e grato ao amigo, copio aqui o soneto inédito que me passou às mãos pessoalmente.”

O ESTRO MULTIFORME DE HARDI FILHO

Tão lírico, espontâneo, alma canora,
Hardi Filho ama e canta aquilo que ama,
Pois lhe arde no peito aquela flama
Cujo luzir sorri, suspira e chora.

Linda como os primeiros tons da aurora
Que asinha o estro ousado asas inflama,
A musa enternecida endeusa a dama
De seus sonhos e a quem, feliz, adora.

Como é domiciliar seu romantismo
E venusto, telúrico, expressivo
Por ter assim o coração e a mente!

Muito é de ver no seu filosofismo
Em que é o amor o cálido motivo
Que inda o há de laurear condignamente.

Talvez este tenha sido o último poema de Vidal de Freitas, no qual o homenageado, poeta Hardi Filho, vê com razão uma espécie de premonição a seu respeito. Bom para os dois. O poeta Vidal de Freitas, clássico no soneto e clássico em tudo o que fazia, transmuta-se naquele que é o verdadeiro ser do poeta: o profeta.
Finalizando, lamentamos o lapso de não o ter incluído entre os escritores da segunda geração acadêmica de “Literatura do Piauí”, ao lado de Luiz Lopes Sobrinho e Esmaragdo de Freitas, entre outros. Poeta que, muito mais como mea culpa, aqui proclamo ser um dos nossos clássicos sonetistas, sendo também o ameno lírico, o sentimental amante da família, dos amigos e da terra em que nasceu.
_________________
Bibliografia:

1. Do autor:
Freitas, José Vidal de - Contradição - Poemas. Ed. Oficinas Gráficas do Jornal do Comércio, Recife, 1943;
Freitas, José Vidal de - Perfis Acadêmicos - Poemas. Ed. da APL/COMEPI, Teresina, 1977;
Freitas, José Vidal de - O.G. Rego de Carvalho, Introspecção e Poesia – Artigo. In “O Cometa” (jornal), Oeiras – Pi, agosto de 1971;
Freitas, José Vidal de – Tentativa de Filologia Comparada na História do Piauí. Artigo. In “Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí”, nº 5, Teresina, dezembro de 1974.
2. Dos outros (consultada e citada):
Aires, Félix – Antologia de Sonetos Piauienses. Antologia poética. Ed. Academia Piauiense de Letras/Senado Federal, Brasília – DF, 1973;
Britto, Bugyja - Orações Acadêmicas – Discurso. In “Revista da Academia Piauiense de Letras”, APL/COMEPI, Teresina, 1º semestre de 1980;
Cerqueira, Manfredi Mendes de – Posse na APL – Discurso. In “Revista da Academia Piauiense de Letras”, Edição da Academia, Teresina, 1988;
Gonçalves, Wilson Carvalho – Antologia da Academia Piauiense de Letras. Antologia comentada. Edição do Autor, Teresina, 2000;
Hardi Filho, Francisco - O Dedo do Homem. Notas de diário. Sem indicação de editor ou gráfica, Teresina - Pi, 2000;
Jorge, Fernando – Vida e Poesia de Olavo Bilac. Biografia. T. A. Queiroz, Editor, São Paulo, 1992 – 4ª edição.
José Neto, Adrião - Dicionário Biográfico. Biografias. Gráfica Halley S.A., Teresina – Pi, 1995;
Matos, J. Miguel de - Antologia Poética Piauiense. Antologia comentada. Editora Artenova, Rio, 1974;
Santos, Cinéas - O Rio. Antologia poética. Edições Corisco, Teresina – Pi, 1980.

Teresina, 4 de abril de 2002.
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