Quem porventura analise e estude os pensadores do
último terço do século XIX, constatará dum modo
muito mais claro, e quiçá bem melhor do que em
qualquer outra parte, o sentido da História da Fi-
losofia.
Para que alcance num ápice o desiderato a que me
proponho, vou aqui abordar um filósofo que esteve
um tanto e quanto à margem da corrente central da
sua época, dotado de mentalidade discrepante em
autêntica filosofia que ultrapassa o limite da es-
colaridade vigente, de tal modo que nem parece
tratar-se dum filósofo que, por isso, foi mal com-
preendido. A visão do seu pensamento resultou em
veemente e fecunda filosofia e só deveras se reve-
lou em pleno século XX.
Estou a referir-me a Kierkegarde (1813-1855), pen-
sador dinamarquês, cuja influência então pouco vi-
sível foi todavia eficaz e prolongada. Viveu em
Copenhague, atormentado pela problemática religio-
so-filosófica que tendia, em manifesta contradic-
ção, ao idealismo alemão.
Apelava ao Cristianismo, no seu caso através da
teologia protestante, intentando compreender o ser
do Homem constituído no conceito de angústia, que
colocou em relação ao pecado original, e na qual o
Homem se sente isolado, o que o induziu a conceber
uma antropologia, determinada pela ideia da exis-
tência, apesar do seu carácter assistemático e de
um perigoso irracionalismo que deixou algum estig-
ma nos seus seguidores.
Kierkegarde marginalizou a 'eternização' hegedia-
na, porque esse pensamento abstrato e 'sub specie
aeterni' deixa de lado a existência, isto é, o
próprio ser de qualquer humano, inclusive o do
pensador abstrato.
O filósofo considerou que a existència e o movi-
mento não podiam ser pensados, porque se pensam
ficam isolados, eternizados e portanto abolidos.
Como o que 'pensa logo existe', a existência é
estabelecida ao mesmo tempo que o pensamento.
Elevado a sistema no próprio seio da fuilosofia
actual o núcleo mais vivo da metafísica de Kier-
kegarde considera-se de maturidade superior.
A cerca de século e meio da sua morte, perante o
esmorecimento dos credos religiosos na ribalta dos
actuais pensadores, persuado-me que a existência
humana virá essencialmente a coordenar-se sob a
égide e interacção do movimento e o espírito poé-
tico, o que permitirá, quanto ao meu humilde pare-
cer, encarar a existência conformadamente e até
esperançadamente considerar a morte fatalidade
cúmplice. Terá então a humanidade dado um grande
salto sobre a montanha que impede o pleno alívio
espiritual quando o fim se aproxima.
Movimento + Poesia - reafirmo - são o meu deus e a
minha deusa. Não tenho mais endeusamentos...