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Artigos-->Poeta ou Poetisa? -- 17/02/2002 - 00:35 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


POETA OU POETISA?

Alguns dados sobre uma questão singular



João Ferreira





1.Estado da questão.



Trinta anos atrás seria uma questão de lana caprina, ou uma questão sem importância debater o emprego do termo “poetisa”num sentido pejorativo. A questão não tinha valor entre pesquisadores, salvo em alguma honrosa exceção.Em 1961, o Dicionário complementar da Língua Portuguesa de Augusto Moreno, em sua sétima edição, era muito claro: Poeta (do latim poeta e do grego poietés): que ou aquele que faz versos. Poetisa (de poeta): mulher que faz versos Não havia o preconceito de achar que “poetisa” era a mulher que fazia versos ou escrevia poesia de menor qualidade. Era comum usar o termo poetisa apenas como feminino de “poeta” sem olhar a qualidade. Ainda tenho uma edição da História da Literatura Portuguesa publicada em Coimbra em 1914, da autoria de Mendes dos Remédios, publicada em Coimbra em 1914, onde se usa o termo poetisa como adjetivo substantivado aplicado às mulheres que escreveram poesia. Ao tratar da Poesia da Escola Arcádica abre um título: Duas Poetisas. “Entre os cultores da Poesia que brilharam neste século[XVIII]poetisas” e,ainda em parte do imediato, figuram duas senhoras não menos insignes que muitos dos seus contemporâneos – a Viscondessa de Balsemão, cuja obra está quase inteiramente inédita, mas que bem merecia a consagração da publicidade e a marquesa de Alorna, a decantada Alcippe cujas Obras Poéticas revelam um finíssimo espírito de uma esmerada cultura, como a podiam ter as mais viris inteligências do Renascimento tanto das belas letras como nas sciencias.”.

2. Debate.

Para essas pessoas gostaria de mostrar que há toda uma tradição clássica tanto no mundo greco-latino quanto no mundo ocidental que contraria essa ideia de uso pejorativo do nome poetisa.Para entendermos melhor isto, ajudará traçarmos um breve perfil da história do uso do termo” poetisa” . Rapidamente entenderemos o que cultural e criticamente significam os conteúdos de “poetisa” quando nos referirmos à mulher que produz versos ou à autora de poesia.

Entre os gregos, a figura do poeta era representada pela palavra “poietès” que significava autor, produtor, criador. Poeta era o que produzia linguagem poética. No latim, a palavra “poeta” era o nome atribuído ao escritor que compunha poesia. Na cultura grega o termo “poietès” valia tanto parao o homem como para a mulher. Ser “poeta” era “fazer”, “produzir” e compor versos. Os latinos tinham ao lado da palavra Poeta, inspirada no grego, a palavra “Poetis, poetidis”, com o significado de poetisa.No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado e no Dicionário Etimológico Nova Fronteira de Antonio Geraldo da Cunha, o termo Poetisa é apresentado como tendo seu primeiro uso registrado em língua portuguesa em 1813. Por sua vez, Caldas Aulete em seu Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, assim como António de Morais Silva em Grande Dicionário da Língua Portuguesa, como também Michaelis em seu Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, e Aurélio em Novo Dicionário da Língua Portuguesa, registram o nome de poetisa e dão a essa palavra o significado unânime de “mulher que faz poesias”. Aurélio dá-nos um detalhe gramatical de morfologia extremamente útil para simplificar a compreensão do termo: “poetisa, feminino de poeta”.,

Por sua vez, Francisco Silveira Bueno no Grande Dicionário Etimológico e prosódico de Língua Portuguesa não faz senão confirmar toda a tradição anterior:”Poetisa –mulher que faz poesias”. É esta uma tradição de significação e história semântica acessível e clara. Da mesma forma que os latinos que possuíam já o termo feminino poetis, idis(=poetisa), as línguas neo-latinas e anglo-saxônicas não deixaram por menos. Os Franceses registram a palavra Poète(poeta) para designar o poeta-homem e poétisse(termo que ascende ao século XV) para designar o poeta-mulher. Mas criaram ao lado de poète-poétisse um terceiro vocábulo que é o de poétesse (poetisa já em sentido pejorativo). Na língua italiana, há a palavra poeta(poeta) e poetisa(poetisa), para indicar respectivamente poeta-homem e poeta-mulher. Em espanhol, além da palavra poeta (poeta masculino), é empregada paralelamente a palavra poetisa no sentido de “mulher que faz versos ou tem numen poético. A Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-americana, publicada pela Espasa-Calpe, em Madrid, apresenta o verbete Poetisa, mostrando as várias línguas em que esse termo é usado e define poetisa como: “Mulher que compõe obras poéticas e é dotada das faculdades necessárias para compô-las” e como “mulher que faz versos”

Em língua inglesa, há os termos de poet (poeta) e poetess (poetisa). Por sua vez, no alemão, estão claros os termos Dichter (poeta-homem) e Dichterin (poeta-mulher).

Como o leitor pode ver, ao acompanhar esta informação, sabiamente, as línguas ocidentais já ficaram esses conceitos há muito tempo.E há um detalhe importante. Fixaram os conceitos do exercício autêntico de compor versos, para o que criaram os nomes reverentes de poeta e poetisa. E paralelamente criaram toda uma terminologia para detonar os maus versejadores.

Este aspecto torna-se mais importante em nosso meio uma vez que existem puristas radicais que ainda pensam que o termo “poetisa” tem um sentido pejorativo. Uma pálida razão, em tempos remotos, pode ter dado a eles a base para pensarem assim. Pode essa corrente ter sido gerada pelo reflexo do significado do termo “poétesse” em França, termo realmente pejorativo. Mas o bom intelectual não fica a meio do caminho. Segue em frente. E se seguir em frente, entre os próprios franceses, além de “poète” encontra o termo “poétisse”, que significa a mulher que “compõe versos”, tal como acontece em todas as línguas neo-latinas e anglo-saxônicas que vimos acima.

Para responder à objeção de que poetisa tem um sentido pejorativo, interessa dizer a essas pessoas preocupadas com o uso indevido do termo que há maneiras de qualificar versos de baixa qualidade ou as mulheres más-versejadoras. Há termos apropriados que a história já consagrou.

A primeira observação a ter em conta é a de que a história evolutiva da língua ganha no decurso do tempo sua própria sabedoria e equilíbrio semântico. A sabedoria da história nos mostra como todas as literaturas criaram paralelamente termos apropriados para nomearem as figuras que desvirtuam os conceitos puros da poesia. Por outras palavras, a história nos mostra como há termos adequados para nos referirmos aos maus poetas. Esses termos são nomes pejorativos. Os italianos criaram os nomes de poetastro que é o “poeta péssimo”, e poetuccio e poetuzzo, de que se servem para pejorativamente indicarem os maus poetas. Poetastro entrou nos vários dicionários de Língua Portuguesa e significa exatamente o “mau poeta”. Os franceses têm o vocábulo poetereau, que é o poeta de água doce.

É bem natural que no uso quotidiano, leitores e versejadores se encontrem com uma variedade enorme de poetas que expõem seus versos. Muitas vezes são poetas onde a qualidade é inferior ou nula. Se quisermos qualificá-los, podemos lançar mão do termos clássico de poetastro e, com a criatividade que os falantes sempre têm,podem ser usados termos como poetinha, na linha do poetuccio italiano, termos que serão inteiramente justos para os versejadores de má qualidade. De destacar que a totalidade de nossos dicionários e da tradição jamais lançou a suspeita pejorativa contra o termo “poetisa”.

A título de conclusão, há legitimidade em empregar com naturalidade o termo poetisa para nos referirmos às ativas mulheres que gostam de compor poesia. Sabemos a vitalidade que a poesia feminina tem hoje em nossos países de língua portuguesa. Em nome dessa vitalidade e qualidade poética, podemos falar de nossas poetisas. Das que constroem um competente e lindo mundo poético. E quando quisermos falar das decadentes, ou das incapazes ou desvirtuadoras do verso, sem talento ou inspiração, temos também linguagem adequada: podemos falar de “poetinhas” em sentido pejorativo, da mesma maneira que falamos do poetastro quando nos referirmos aos homens.

Se tivesse de dar uma resposta a um aluno que me perguntasse sobre a liceidade do uso do termo poetisa, eu diria sem pestanejar: “está limpo”. E completaria: o termo é apenas o feminino de poeta, formado de maneira similar ao de pitonisa, sacerdotisa, papisa e diaconisa, que são os femininos de piton,sacerdote, papa e diácono.

Se porém, alguém nas esquinas tentar meter confusão, teremos a paciência de lhe repetir o que acabamos de discutir neste texto. Falaremos para essas pessoas que na realidade as coisas são bastante claras na análise cultural cujos tópicos apresentamos aqui. Agustina Bessa Luís classifica Florbela Espanca de grande poetisa na monografia que escreveu sobre ela.O termo é empregado e reconhecido também pelo grande poeta José Régio, biógrafo e crítico de Florbela. E Cecília Meirelles é dita nossa poetisa no Brasil. Nandinha Guimarães, numa série de estudos e de análises da poética contemporânea feminina publicados em Usina de Letras, fala, entre outras, de Gilka Machado como poetisa. É um termo em uso, portanto. Usemo-lo sem receio. Embora, claro está, não possamos deter a dinâmica do usuário da língua, que nem sempre conhece a história das palavras nem muitas vezes tem vontade de se ater aos conceitos filologicamente racionais.



João Ferreira

Brasília

16 de fevereiro de 2002

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