ESFOLANDO-TE
Lílian Maial
Ainda não sabes
enquanto sonhas,
se quando chamam-te pelo nome,
és outro que não tu.
Nada sabes de amanhãs,
que mal consigas hoje.
Teus dias estão contados
à tua revelia.
Sorri, estás vivo!
Seja lá o que isso signifique.
Olhos abertos,
faróis de neblina,
poster de oficina.
Perdes tempo e pensamento.
Deverias estar com os pés no riacho,
com os cabelos ao vento,
com o corpo imerso em Deus
(ou o nome que decidires dar a ti).
Se me vês como sou,
enxergas a ti mesmo,
e nada mais diria.
Isso deixa-te feliz,
com a sensação de conhecimento
e plenitude.
É preciso algo que iluda,
que confunda,
que borre as imagens no espelho.
Nada fazes do que pensas.
Deixas passar
(não é mesmo tua responsabilidade).
Todos os dias são os melhores
apenas por o serem,
somente por estares nele,
e nada mais.
Que venham os problemas,
as dores,
amores,
prazeres,
livros,
discos,
beijos,
queijos
(e vinhos).
Que venham carinhos,
desassossegos,
desemprego,
fome,
urubus,
governo,
família.
Que venha tua filha
com o dedo em riste
apontando o caminho.
Quer saber?
Que venha teu ninho,
teus braços,
teu cio,
teu enigma,
teu medo da vida,
que te levitarei,
como um buda,
um cristo,
ou um zumbi,
qualquer fé em si,
a atravessar comigo,
em mim,
os mares violentos,
as noites de solidão,
os versos sem talento,
as notícias sem alento,
a dor do teu irmão,
a carência de entendimento,
a vil constatação
de que tudo não passa
de um pesadelo.
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