----- Sabes que, minha Querida Amiga Milene, numa
primeira e espontânea análise, parecerá que a 'amizade' já não existe na nossa roda de convivência quotidiana e se começa a entrar em dúvida efectiva sobre as pessoas que ainda nos sorriem. Concordarás que o complexo mundo em que nos embrenhámos tende cada vez mais a diluir os sentimentos fraternos que alicerçavam o edifício humano.
----- Vivemos uma época em que tudo se negoceia, tudo, do físico ao espiritual, submetidos permanentemente à diabólica pressão do mercado consumista e sobretudo esmagados pelos interesses económicos que enformam gigantescos polvos dominantes.
----- As políticas de competição estendem-se a todos os domínios da nossa vida e impedem que o espaço das relações pessoais amigas e sinceras se estabeleça com naturalidade. O movimento hodierno impõe mudanças bruscas e contínuas que nos obrigam também a imediatas e constantes adaptações aos diversos e inovadores (!) sistemas que se nos vão deparando.
----- Surgem-nos assim novos interesses, novas necessidades, novos encontros e novas relações que nos modificam o comportamento sem mesmo percebermos que estamos a mudar.
----- Por exemplo, em Itália, desde há muito que a palavra 'amizade' assumiu definitivamente um significado assaz negativo, sobrecarregado de privilégios ilegítimos, de recomendações indignas, de descarado e esconso favor tácito.
----- Para se conseguir um emprego, para alugar uma casa, para dar entrada num hospital, enfim, são necessárias recomendações de teor interesseiro. Seguindo-se o procedimento burocráticamente normal, não se consegue nada, ou consegue-se: o aviso chega com o destinatário já morto. Ninguém logra um milímetro de satisfação objectiva se não for titular de poder social.
----- É preciso passar-se à frente dos outros, usem-se as artimanhas que se usarem; iludir a lei, corromper e ser corrompido. Acaba-se assim a negociar a 'amizade' e a dar um outro sentido ao sentimento que dantes significava dádiva e entrega feliz.
----- Talvez por isso, Amiga e Querida Milene, à sombra da nova mentalidade que mais e mais se implanta, haja quem intente subverter a AMIZADE que temos vindo a edificar entre nós, haja quem mofe, que confunda, que atice a fogueira das paixões perversas, atacando inconscientemente os critérios universalistas e de mérito em que a amizade autêntica se fundamenta. Os mentores da indiferença e da hipocrisia assolam a nossa vivência e desumanizam o tecido social onde nos inserimos.
-------------- Se a amizade é a flor
-------------- Que trago no pensamento,
-------------- Guardo-lhe o nome em louvor
-------------- Do nome que está lá dentro!
------------------ Torre da Guia -----------------