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Ensaios-->34. PEQUENOS-GRANDES DÉBITOS -- 30/06/2002 - 04:06 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Esta irmã que vem apresentar-se para o tratamento sabe qual é a função do relato verdadeiro que lhe é pedido, para que o trabalho a realizar-se possa vir a ser o mais eficaz possível. Não foi uma só vez que estive acompanhando estas sessões em que as pessoas relatam suas vidas para receberem em troca influxos energéticos capazes de recuperá-las para a luz.

Não compareci antes por achar que minhas dívidas eram inexpressivas e, por isso, passíveis de superação sem este tratamento mais intensivo. Entretanto, como o tempo está passando sem que meu estado se recomponha pela forma que pretendia, resolvi atender ao chamamento dos irmãos socorristas, apresentando-me.

Informei-me exatamente o que se pretendia de mim, tendo eles dito que só boa vontade e disposição para firmar o compromisso de acompanhá-los para instituição de benemerência, onde se exige disciplina e força de vontade para suplantar os verdadeiros horrores que se instalaram no fundo do coração, por causa do remorso pelos fatos que contrariaram as normas do bem viver, especialmente os relativos às demais pessoas do meu convívio.

Sendo assim, não será difícil referir-me a mim mesma como pessoa mediana em tudo: nos desejos, nas aspirações, na inteligência, na capacidade de realização, não me tendo destacado em nada na vida. Agi em concordância com as diretrizes sociais e não ofendi as leis em nenhum grave tópico que me visse às voltas com a polícia, principalmente porque, sendo do sexo feminino, não tendo necessidades financeiras, pude levar a vida de mansinho, formando no lar na companhia de meus pais e, depois de casada, regularmente, em conjunto com o esposo e os filhos.

Houve uma época em que freqüentei a igreja evangélica, mas não gostei da companhia daquelas pessoas, porque exigiam de mim certa postura física que achava pouco inteligente. Não me deixavam usar pintura nem calças compridas, cortar o cabelo e coisas assim. Eu não estava habituada com essas restrições e, no começo, fingia atender, mas sempre que precisava comparecer a alguma festa, punha batom e ruge e rezava para não encontrar ninguém conhecido. Na verdade, consegui fazer passar alguns anos assim, até que houve a necessidade de me arrumar um pouco melhor e, aí, cortei os cabelos. Na festa, foi tudo bem, mas, ao regressar, não deu certo a trança que pretendi fazer, de modo que perceberam que estava fingindo e me acusaram de estar em pecado contra Deus.

Não via maldade naquilo e, quando o pastor me disse para voltar ao templo só depois que o cabelo estivesse comprido, achei que estava havendo abuso de autoridade e nunca mais compareci à assembléia para rezar. O meu pobre marido, contudo, no começo, ficou muito atrapalhado, porque me havia pedido para não ir à festa e depois sofreu muito por me ver de cabelo curto. Quando inventei a trança falsa, se pôs a chorar, pedindo que não fizesse isso, que seria a sua desonra. Mas deu no que deu e até que achei bom, pois minhas filhas não gostavam de se ver de vestidos compridos, já que desejavam freqüentar a sociedade dos pescadores. Mas isso escondido, pois as infelizes não tinham condição de reclamar.

Aí tentei levá-las comigo, pois a vida em casa foi tornando-se um inferno. Não que o coitado do infeliz me atirasse qualquer palavra de desagrado; mas é que seu silêncio me dizia que não estava contente em ter de conviver com uma “pecadora”. Resolvi sair e levar os filhos, mas se opôs, dizendo que estava arruinando-lhe a vida e que não tinha mais a perspectiva de ir para o céu. Para resumir, arrastei as duas mais velhas comigo e nunca mais pude ver os três mais novos. Um dia, fiquei sabendo que se juntara a outra crente da comunidade, a qual estava esperando filho. Não me magoei com isso, mas rompi a proibição de me encontrar com os mais novos, só que não consegui arrastá-los comigo, pois estavam de cabeça feita. Disse uns impropérios contra o “covardão”, como achava que era na época, e nunca mais me preocupei com as crianças.

A minha teimosia, contudo, não me favoreceu. Eu, que tanta falta sentia das festas, acabei cansando-me de aturar as pessoas mais jovens e tive um triste fim, na companhia de um senhor que se atreveu a levar-me para viver com ele. Não era a mesma taciturnidade do anterior, mas a alegria era barata; não se falava em outra coisa senão em que o time venceu o jogo, ou se bebia até se embriagar e outras discussões tolas, com ameaças de pancadarias.

Minhas filhas, quando viram que ia perdendo-me nas orgias da matéria, pediram perdão ao pai verdadeiro e me deixaram sozinha junto ao grande mundo do pecado. Até que foi bom para elas, que conseguiram reequilíbrio e casamento frutuoso junto a trabalhadores pertencentes à seita que eu abandonara.

Certa feita, fiquei muito doente e estive à beira da morte durante várias semanas. No hospital, conheci pessoas bondosas que iam rezar pelos que estavam muito mal. Um dia, o padre me pôs na mão um terço com crucifixo e fiquei abestalhada com a necessidade que tinha de ouvir alguém dizer que Deus gostava de mim e que ia receber-me no paraíso. Naquela hora, achei tudo muito bonito, mas, quando me vi do lado de cá, recusei-me a acompanhar o anjo que foi buscar-me, com medo de ficar inutilmente gozando as delícias do céu, quando tinha cinco filhos que necessitavam de mim.

No começo, perambulei pelo etéreo, meio tonta, acreditando que jamais iria encontrar-me com aqueles que tanto amara. Não suspeitei que meus pais estivessem disponíveis para me receberem e, por isso, recusei-me a entender o que me diziam a respeito deles. Eu queria mesmo era acusar-me por ter perdido a vida, ficando absolutamente sozinha naqueles últimos anos. Não queria ouvir falar em nada; só me interessava em ir à procura de meus filhos, embora tivesse muito medo de me encontrar com meu marido, que sabia estar velhinho, na companhia da terceira esposa, pois a segunda faleceu no parto, não permitindo que lhe dessem o soro sangüíneo salvador. Morreu de religião mal administrada.

Mas não vou ser eu quem irá fazer a crítica da instituição cujos deveres e obrigações não fui capaz de suportar. Durante os primeiros tempos no etéreo, até que me voltava contra mim mesma, chamando-me de pecadora e irresponsável; mas, quando finalmente pude encontrar os meninos, aí fiquei mais tranqüila, pois percebi que rezavam muito por mim; não da boca para fora, porque foram proibidos pelo rigor da crença, mas no íntimo do coração, porque sentiam saudade. Esse sentimento tão puro causou-me muita dor, porque aí pude perceber quão estúpida fora ao trocar a companhia daqueles seres pelas ilusões do mundo. Apesar de tudo, entretanto, após ter sofrido bastante com esses remorsos, conforme disse no começo, aí foi possível reatar comigo mesma, de modo a poder aceitar o que os espíritos amigos me vinham dizendo há muito tempo.

Eis-me pronta para realizar as tarefas que me forem atribuídas, pedindo que acreditem na minha honestidade de propósito, esquecendo que um dia fui instável, não tendo sido fiel aos compromissos com a congregação religiosa. Acho que isso aconteceu porque cresci na fé católica e passei para outra religião, porque o rapaz que me convidava para sua vida era bonito e alegre. Depois que achei que deveria partir para o mundo é que se transformou. Parece que tudo está voltando à minha memória e as tristezas ameaçam dominar-me. Terei sossego algum dia?

Pedem-me para recordar-me das orações que repetia e para rezar convictamente, com o pensamento firme na bondade de Jesus e na presença misericordiosa do Pai. Se conseguir concentrar-me, devidamente, receberei aquelas vibrações a que fiz referência e serei guiada para o local do tratamento.

Sendo assim, peço aos irmãos que tenham um pouco de paciência, pois quero deixar registrado o meu agradecimento a todos e a este que vem reproduzindo-me a fala, orientando-me as expressões para que se coadunem com o meu modo de ser, de forma a tornar o mais honesta possível a manifestação. Devo dizer-lhe que muito do que escreveu tirei de sua própria cabeça, pois não me via segura para a comunicação pelo sentimento de temor que se apossou de mim. Vejo que me libertei e que consigo expressar-me desenvoltamente. É como quando saí da religião e me atirei nos braços da vida. Tenho a sensação da liberdade, mas não sei o que fazer com ela, pois não adquiri conhecimentos para demonstrar o valor do que estou sentindo. É demais complicado para mim, por isso acho que prefiro rezar a prece que me pedem, para receber as orientações que pretendo seguir à risca. Não me considerem desobediente por ter prolongado esta última etapa da conversa e aceitem forte e comovido abraço de agradecimento.

Ia dizendo o meu nome, mas me pediram para calar-me, pois não é bom que seja investigada por alguém que possa ter-me conhecido. Aceito a recomendação e encerro a minha parte.

Fiquem todos com Deus, em sua paz e amor!


Comentário

A irmãzinha deixou de narrar alguns eventos mais fortes que a obrigaram a permanecer no etéreo, durante os doze anos que intermediaram o momento de sua morte, até que lhe foi possível rever a família. Não seremos nós quem irá desvendar o mistério, mas não podíamos deixar de passar a informação, para não se crer que a só decisão de abandonar a religião ou a família possam ter as graves repercussões do tremendo remorso que a corroeu. A justiça de Deus não é cega como a dos homens, no sentido de ferir a quem não vê. Tudo o que nos ocorre, em qualquer fase da existência, está correlacionado às atitudes e pensamentos. Por isso, é bom não se iludir com o fato de se estar seguindo os preceitos desta ou daquela confraria; se o coração não participar com gosto dos atos de benemerência e da necessidade de fazer crescer o amor às pessoas, de nada adiantará deixar os cabelos e as saias compridas.

Nada do que poderíamos dizer seria mais expressivo que a narração da irmãzinha; é preciso, contudo, não estabelecer precipitados juízos de valor sem conhecer as circunstâncias que envolveram os acontecimentos psíquicos, e isso não ficou esclarecido em profundidade. Vamos, portanto, suspeitar de que o melhor seja cumprir os deveres, pois pode estar aí a chave da felicidade. Para isso, principiemos abaixando a cabeça diante do Pai, oferecendo-lhe contrita oração em agradecimento pela possibilidade de compreensão dos fatos da vida.

Fiquemos todos em suas mãos!

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