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Ensaios-->O. G. Rego de Carvalho -- 27/06/2002 - 22:21 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O. G. REGO E O ROMANCE SÓCIO-PSICOLÓGICO

Francisco Miguel de Moura
Escritor


É difícil falar sobre algum assunto ou problema sem estabelecer limites e parâmetros. No caso particular da literatura, sem estabelecer uma definição própria ou basear-se em alheia.
Definir o romance como? E por que romance socio-psicológico?
No livro «Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho», Artenova, Rio, em 1972, embora me abstivesse de definir o gênero, depois de algumas considerações e um pouco de frases bem humoradas que tentavam estabelecer limites, acrescentei que o romance atual é feito para o entretenimento. «Mas esse entretenimento obedece a uma escala de valores, de acordo com o público a que está destinado. Nem só de entretenimento vivemos - e o romance quer ser vivo. O escritor unifica um mundo extremamente variado, através de seus pensamentos, ideações e sentimentos. E esse mundo recriado deve ser transmitido. Mas esse novo mundo - o recriado - não pode ser um mundo igual ao das exterioridades: o autor, de posse de sua liberdade, deforma a realidade primeira, essa mesma realidade que o contém e que o modifica constantemente. A matéria do romancista lhe inclui e inclui o mundo que o contém. Poderá deixar de ser um compromisso?»
Nessa encruzilhada entre o homem e a sociedade, nesse fio de Ariadne situa-se o romance psico-social. Porque o homem, por mais isolado que seja, vive em sociedade. O homem é um ser eminentemente social. Esse tipo de romance é universalmente aceito, hoje, como o mais moderno. O.G. Rego de Carvalho inscreve-se nessa linha do romance socio-psicológico. Quem quiser, por exemplo, saber das relações familiares do Piauí, no começo do século, há que ler «Somos Todos Inocentes». E verificará com eram tidos e tratados os «aderentes», os parentes e as «crias de casa». Mas não só em «Somos Todos Inocentes». «Rio Subterrâneo» também oferecerá bons subsídios.
Com o pensamento individualizador da arte, fazendo supor que está definindo a poesia, o romancista Milan Kundera, mais conhecido no Brasil pelo seu pior romance, A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER , disse certa vez: «A única razão de ser do romance é dizer aquilo que apenas o romance pode dizer». Mas, noutra parte o autor de O LIVRO DO RISO E DO ESQUECIMENTO sentenciou que «o romancista desfaz a casa de sua vida para, com as pedras, construir a casa do seu romance.».
Seria Milan Kundera um romancista memorialista?
Seria O. G. Rego de Carvalho apenas um memorialista do romance?
O. G. Rego de Carvalho diria um pouco diferente de Kundera. Terminaria assim a frase supramencionada: «para construir a casa do seu sonho». Ficaria muito de acordo com o que o romancista de Oeiras disse noutro lugar e eu registrei em meu trabalho «Linguagem e Comunicação em O G. Rego de Carvalho»: «Tudo o que escrevo é projeção de mim mesmo: fantasia e um pouco de realidade».
Só que o romance europeu atual, e Kundera é tcheco, difere do romance americano, do sul-americano e do brasileiro em muitos pontos. O espaço social na América é bem visível. Não se trata de naturalismo nem de regionalismo. A coisa é muito mais séria e profunda do que se imagine. Pensemos, por exemplo, no caso de Faulkner, com o seu romance «Santuário». É que a sociedade está fervendo, anda em busca de si mesma, as transformações se tumultuam. Na Europa já se fala na morte da literatura. E não somente se fala como há teorizações. Roland Barthes, que é um linguista, propõe a ruptura das estruturas passadas através de uma nova forma de escritura, aquela do seu ensaio «Grau Zero da Escritura».
O «noveau roman» francês, embora já não seja tão novo, é uma proposta que ainda vigora, com algumas derivações. O romance-ensaio tipo «A insustentável leveza do ser» está muito em voga. Deve haver outras experiências de que ainda não tomamos conhecimento.
Até aqui, apenas sugeri mas não disse o que é romance. Não é necessário mais. Quem não sabe o que é um romance, está claro, não procurará ler romances. É uma coisa de gente culta. Não falo nos best-sellers, na subliteratura, não. Falo em literatura pesada mesmo. E tenho dito e repetido que quem nunca leu um bom romance não pode ser considerado um ser culto.
Para os europeus, a partir de Virgínia Woolf (1882-1941), o experimentalismo é o que conta. Romance é texto. Mas as experiências exacerbadas terminam «enchendo a paciência» do leitor. A partir daí, os críticos inventaram aquilo que chamam de estética da recepção. O leitor é o juiz. Infelizmente, o leitor brasileiro não pode ser o único juiz, porquanto não possui cultura. Depois, perguntamos: mas, que leitor? O de hoje, o de amanhã, ou o de sempre?
O problema é que a crítica militante desapareceu dos nossos jornais. Assim, os autores ficam à deriva, no mato sem cachorro. Salvo alguns felizardos que conseguem uma ou outra resenha. Na maioria dos casos, os autores de romances são os melhores críticos de seus colegas. O perigo é não degenerar no compadrismo.
Para nós, discípulo de E. M. Forster, o romance é uma história simples ou intrincada, isto é, com enredo, mas sempre uma história. Normalmente contém um ou vários casos de amor, diversos personagens (protagonistas, antagonistas e outros mais amorfos). Mas não só o amor e a morte empanam as relações vitais que entornam a ficção. Outras preocupações passeiam pela cabeça (e pela pena) do romancista. Tais são as viagens, as festas, as doenças, as desavenças, os enganos e desenganos. Romance sem história torna-se ensaio ou qualquer outra coisa, menos romance. É também texto, mas um texto no espaço e no tempo, com linguagem não-artística.
São, portanto, as categorias de espaço, tempo e estrutura que interessam primordialmente ao romancista.
Como já fiz uma análise completa de O. G. Rego de Carvalho, tendo por base «Aspectos do Romance», de E. M. Forster, pretendo descartar a volta àquele estudo em bloco. Texto, forma, literatura, como quer que seja chamado, é no tempo que o romance se realiza e se desenvolve.
Assim, já teremos aqui uma perspectiva para classificação: o romance no tempo.
O romance do passado: São todos os romances escritos até mais ou menos a última Grande Guerra, sejam históricos, psicológicos, folhetins, policiais, etc. Possuem técnicas muito parecidas.
O romance do presente: Talvez não sejam muitos porque o tempo presente é curto, muito mais curto que o passado. Mas a experiência do noveau roman francês não é desprezível. Nem os experimentalismos tipo Joyce e Woolf, quando, embora ficcionalmente, toda a ação (por pequena que seja) transcorre no presente ficcional do romance.
Romance do futuro: Na verdade, o futuro ainda não existe, o que há mesmo é o presente e o passado. Mas como romance é ficção, finge-se que ele existe. Há, por exemplo, os romances antecipadores, com base nas experiências científicas, a ficção científica. Esta quer ser antecipadora, mas o que ele faz são prognósticos com base no que existe no presente ou existiu no passado. Já bem recentemente, toma vulto, com a vulgarização do computador e dos meios de comunicação por satélite, o que se chama de realidade virtual. Essa talvez seja a forma em que a arte ficcional se transformará via INTERNET, deixando as formas tradicionais ao deusdará da sorte.
De qualquer forma, o romance finge que é vida, que é sentimento, que é real, e nesse fingimento está sua arte. E nessa arte está o homem e sua vida. Não pode, jamais, fugir ao real. Fabricará um real paralelo ou uma supra-realidade.
Qual é o real de O. G. Rego de Carvalho?
O real em O. G. Rego é Oeiras e seus símbolos (o Sobrado, a Fazenda, o Pé de Deus, o Pé do Diabo, etc.). É a infância e seus problemas. É a loucura e sua problemática ainda tão mal conhecida. Na classificação temporal acima expendida, o romance de O. G. Rego é um romance ainda do passado, especialmente SOMOS TODOS INOCENTES. Já os renovadores ULISSES ENTRE O AMOR E A MORTE e RIO SUBTERRÂNEO incorporam técnicas que estão em Joyce, como a corrente de consciência, o formalismo de Virgínia Woolf e alguma ressonância do noveau roman (isto é, a forma narrativa no presente e a humanização do homem através do discurso das coisas, dos objetos).
O cinema herdou do romance a plasticidade, a mobilidade e o interesse pelos meios tons, mas também guarda consigo um parentesco com a arte que lhe é anterior: a estrutura. É isto que se observa no romance moderno, psicológico por excelência: sua aproximação com a técnica de montagem cinematográfica. Tanto RIO SUBTERÂNEO é assim, ou seja, montável e desmontável, contendo várias possíveis leituras, que as partes podem ser lidas e relidas em várias ordens, o que não acontece nos seus livros anteriores. Foi em «Rio Subterrâneo» que O. G. Rego apurou essa técnica, incluindo nele alguns contos seus e tão bem que consegue convencer pela maestria com que o fez.
Muito mais do que o espaço, o tempo foi um aspecto que preocupou O.G. Rego de Carvalho. Como preocupa o homem moderno desde o século passado. De tal forma é assim que a chuva constante do romance de O. G. Rego, não produz enchentes que infernizem a população ribeirinha (pelo menos isto não está claro, não está informado). Mas ela produz ansiedade, tristeza e angústia nas suas criaturas, especialmente em Lucínio, o protagonista. E a ação real de RIO SUBTERRÂNEO pode estar acontecendo em vários anos ou, simplesmente, numa noite de insônia ou de transe do personagem Lucínio. Como pode ser um imenso pesadelo.
Isto é modernidade.
Sem falar no trabalho incansável com a linguagem.

SEMANA O. G. REGO DE CARVALHO
Teresina, 20 de março de 1997
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