Quando aporrinhado pelos que me queriam fazer de tolo, costumava gritar:
— Cuidado, amigos, porque vou me vingar!...
E não tinha vez em que não conseguia atingir o intento.
No espaço, entretanto, por mais que deseje reaver os meus direitos, que, a toda hora, são postergados, só ouço o ecoar de minha voz, sem repercussão em qualquer ato que possa ferir os adversários.
É estranho que assim aconteça comigo, pois é um horror o que passo nas mãos dos outros, sem poder dar o troco.
Agora que estou com estes seres bondosos, que trataram de mim com carinhoso cuidado, eu me sinto sem aversão pelas pessoas e demais entidades e não tenho vontade alguma de lançar o meu brado de guerra.
Sei que sou um pobre infeliz, rude demais para perceber a grandiosidade das coisas, só preocupado comigo mesmo, sentindo forte atração para continuar vagando pelos desertos espaciais, como se fora ali o meu “habitat”. Algumas vezes, temi sair de lá e não encontrar a mesma liberdade, apesar de constantemente me ver atacado pelos lobos ferozes, que me despedaçavam e contra quem não tenho poder de reação.
O interessante é que a luta me atrai, sem que, contudo, me vanglorie dela, pois estou em frangalhos e jamais obtive qualquer sucesso em que pudesse considerar-me vitorioso.
O pessoal daqui está dizendo-me que há muita contradição entre a lucidez com que exponho a minha condição de inferioridade com os castigos destinados a quem foi brutal ao extremo no trato com os semelhantes. Para quem sofre tantos entreveros, é bem claro que existem muitos inimigos, adquiridos em lutas para a obtenção de prioridades e poderes, a gerar injustiças e maldades.
É bem esse o meu caso, só que acontece que faz muito tempo desde que peregrinei pela Terra pela última vez. Já devo ter tido todas as reflexões possíveis a respeito de tudo o que fiz contra as leis e os homens.
Pedem-me para examinar o fato de que, se continuo brutalizado, quer dizer que meus inimigos perduram em condições de inferioridade a ponto de não terem, eles mesmos, progredido nada, conforme o tempo que tem decorrido para todos.
Não sei dos outros, mas quer parecer-me que a malta se renova. Certa vez, precisei fazer crescer os dentes, pois era a única forma de poder reagir à altura. Sei que não foi boa a atitude, pois aí os indivíduos tomaram estranhas formas humanas e, com cajados e varapaus, me bateram muito.
Dizem-me para contar o último crime de que me lembre. Pois me recuso a formular qualquer mau pensamento a meu respeito. Que direito têm vocês de exigir isso de mim? Só se for para o meu próprio bem...
Pois foi uma surra que dei em um dos meus filhos, pequeno ser indefeso. Bati tanto que ficou doente e morreu. Quando aqui cheguei, aguardava por mim com uma trempe, esperando-me para a desforra. De nada adiantou o meu grito de guerra.
É claro que me arrependo de lhe ter provocado a morte e ele sabia muito bem que eu havia pedido perdão ao seu espírito muitas vezes. Mas, mesmo assim, tinha maus pendores e não me deu chance alguma de justificação ou de reparação. Partiu logo para a agressão, dizendo que nunca havia obtido de mim qualquer carinho ou benquerença.
Acho que tudo ocorria comigo porque era guarda de cárcere e estava habituado a ver as coisas mais grosseiras. Lá precisava defender-me com muita rudeza, pois, se me apanhassem desprevenido, morria. Aliás, foi assim que acabei partindo, no fim, pois fui atacado e morto por uns indivíduos que me haviam jurado de morte.
Disse que não queria falar, mas agora parece que estou tendo um pouco de alívio. Como gostaria de poder ajudar o pessoal a compreender as minhas necessidades, para me darem o remédio certo para o tratamento!
Certa vez, um grupo tentou orientar-me, pedindo-me que aceitasse a sorte e propondo-me a acompanhá-los numas rezinhas mal feitas. Eu ia lá querer fazer papel de bobo? Eles queriam é rir de minha cara. Parti para a agressão, mas fui muito mal sucedido, pois ninguém encontrei em quem pudesse desferir os golpes. Acho que a turma tinha poderes para me ajudar e fui realmente tolo em não ter atendido.
Dizem que não estava tão preparado como me encontro agora. É possível. Por isso, não tenho vontade alguma de reagir e até contei o último crime. Acho que já posso conseguir o auxílio de que necessito.
Pedem-me que tenha bastante paciência e dizem-me que é meu filho quem está desejando refazer os laços de amizade. Acredito, porque eu é que me senti ofendido no fim, embora não devesse, porque o maior prejudicado foi ele.
Espero em Deus que nós possamos encontrar-nos em melhor situação, pois não estou conseguindo vê-lo dentre os diversos indivíduos que estão ao redor de mim.
Pois esse não é o meu filho. Não foi ele quem me perseguiu com o grupo de malfeitores. Não estou entendendo o que se passa...
Comentário
Depois de alguns minutos, o espírito acabou por reconhecer a entidade que vinha resgatá-lo com muito amor. Verdadeiramente, era o filho que fora espancado até a morte, mas não se tratava da entidade que se vingara. Ao contrário, conduzira o pai até o primeiro grupo de socorristas, pois de há muito via que o infeliz ser da erraticidade estava imerso em fantasias de vinganças a desafetos monstruosos, que criava na imaginação.
A última encarnação lhe fez muito mal, pois desperdiçou a oportunidade por atitudes de descalabro moral agudo. Não paga a pena relatar os diversos crimes que praticou. Basta dizer que se manteve em inércia consciencial por mais de quarenta anos, fazendo mais de duzentos que não progride um passo, onerando-se cada vez mais com os adversários.
Quando o fizemos imaginar se os demais não haviam progredido, chegou ao ponto que esperávamos: supôs que tudo se passava em sua mente culpada, em virtude de graves acusações, mas não aceitou, de imediato, o resultado do raciocínio. Terá muito ainda para crescer, para poder compor-se ao lado daqueles seres que o estão ajudando.
Vamos orar por ele, irmãos, para lhe dar o conforto íntimo necessário para enfrentar o próprio patrulhamento moral, já que tudo indica que irá passar por períodos de grande depressão psíquica, uma vez que adquiriu consciência dos males e é capaz de se arrepender. Grande passo é esse em direção ao caminho do Senhor. Se todos os humanos pudessem compreender a força que advém desse simples movimento da alma, teriam mais consideração pela realidade psicológica como veículo da salvação.
Em todo caso, pensamos ter vindo com esclarecimentos suficientes para enaltecer a dor e o sofrimento como alavancas para o progresso. O que não podemos admitir é a necessidade que muitos apresentam de volver à prática dos crimes e só isso pode explicar a razão daquele gesto de guerra. Fujamos, irmãos, da vindita; saibamos compreender as palavras do Cristo a respeito do perdão e façamos por imitar o Mestre em sua atitude de desprendimento no alto da cruz, pelo menos simbolicamente, metamorfoseando o ato de sangue em ato de profunda vontade de sacrificar os desejos impuros, à custa da sufocação das tendências ao mal, que formos capazes de surpreender na personalidade.
Contrariando o desiderato de deixar os exemplos da dor falarem por si, levamos as considerações a ponto muito avançado, para o que pedimos escusarem-nos os amigos, já que reflexões deste tipo qualquer mortal bem intencionado é capaz de fazer e quem não tem esse dom dificilmente se postará na companhia de nossos leitores. De qualquer forma, sufoquemos o grito de guerra, por amor a Deus e aos nossos irmãos.
Fiquemos todos com o Senhor!
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