Avança a nossa tarde para o fim.;
E o verso há de fazer-se, mesmo assim,
Pois nosso compromisso é muito sério.
Quem dera o nosso médium se atrevesse
A copiar um verso como esse,
Sem nele ver tão grande despautério!
Vamos deixar que o som nos impressione,
Como se dito fosse ao telefone,
Estando longe a voz do nosso amigo.
É como se, em quimérica conversa,
Alguém falasse inglês e o outro persa.;
É o mesmo se falasse só consigo.
Preste atenção, portanto, nas palavras,
Pois logo surgirão diversas lavras,
A comprovar que o tema vem do etéreo.
Esteja, mesmo, o verso bem composto,
Ou seja diferente do seu gosto,
P’ra nós há de ser sempre refrigério.
Por que não nos cansamos de informar
Que a tal poesia vem deste lugar,
Sem medo de ofender o caro médium?
É que a virtude que nós mais prezamos
Não é colhida nestes belos ramos,
Por mais seja intensivo o nosso assédio.
Os encarnados querem sempre mais
Destes que julgam seres imortais,
Acreditando a trova uma arte pura.
Mas, quando vêem que o verso esconde bem
Todo o trabalho que a escansão retém,
Deixam de lado o esforço da procura.
Todo trabalho feito com amor.
Como esta rima que já vou dispor,
Exige sacrifício da pessoa.
O nosso médium sabe que este verso
Vem de uma outra esfera do Universo,
Porém, trabalha firme e não destoa.
Mais tarde, irá reler o que escreveu,
P’ra perceber algum engano seu
E corrigir a tempo, por ter medo
De que possa mostrar que a turma nossa
Tenha a casca moral perversa e grossa,
Sabendo que o leitor acorda cedo.
Mas não têm importância certos erros,
Que não vão redundar em vis desterros,
Se, acaso, alguma vírgula nos falte,
Pois há de ser amigo quem nos leia,
A relevar a rima, quando feia:
Queremos, sim, que o tema nos exalte.
Perseverança, junto a esta mesa,
Irá mostrar, sem dúvida, a certeza
De que o leitor porá tento no verso.
Se fracassarmos num, faremos dois.;
O tempo há de estender-se mais depois,
Para provar que o bem é incontroverso.
Quando Jesus chamou os seus alunos,
Sabia bem que estavam tão jejunos
Quanto se pode estar aqui na Terra.
Mas insistiu, que o tópico da lei
É transformar o mundo em uma grei,
Para se amar co’o mesmo ardor da guerra.
Se o caro Mestre agiu com tanta garra,
O pobre verso nosso mais esbarra
Nas deficiências rudes do intelecto.
Se Jesus Cristo esteve aqui três anos,
Querendo desfazer os desenganos,
Cem anos vai durar nosso projecto.
Por que cem anos, pois não chegam trinta,
P’ra que o encarnado venha a ler e sinta
Que está na hora de acabar o mal?
Com tanto verso, o povo há de entender
Que quem verseja faz mais que o dever,
Julgando tudo isto natural.
Desprendimento, paz, amor, verdade,
A ver se algum leitor se persuade
De que fazer o bem é o principal.
Há de o jovem crescer e ficar velho,
Que vamos repetir este evangelho,
Com os preceitos todos da moral.
E alguém há de dizer que é muito pouco,
Pois há quem faça até ouvido mouco,
Estando do outro lado do mistério.
Aí, a cantilena modifica:
No etéreo, a rima pobre se vê rica,
Que o Senhor no-las dá por refrigério.
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