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Ensaios-->22. UM CASO DE AMOR -- 18/06/2002 - 05:53 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não primei na vida pela plenitude do bem, mas fui protagonista de um caso de amor, única prenda de que me orgulho.

Saí de casa cedo e bati a cabeça no mundo, para poder arranjar-me. Como não era dotado de muitos dons, apenas sofrivelmente consegui sobreviver, por meio do que arrecadava em pequenos empregos de serviçal. A sorte não me sorriu com casamento de dinheiro e eu me dizia:

— Jorge, meu filho, vê se te cuida...

E aí estendia a vontade para mais além e tudo ficava numa boa. Mas a vida tem seus altos e baixos e houve um tempo em que fiquei bastante doente. Por cuidados do meu patrão, fui internado num desses hospitais do governo, onde os doentes são amontoados, sem carinho e sem afeto.

Foi aí que conheci encantadora mocinha, enfermeira ou atendente, não fiquei sabendo direito na época, porque estava realmente passando muito mal. Não era, contudo, a moléstia que iria levar-me ao túmulo, mas me deixou transtornado.

Era ela quem vinha atender-me, dando-me a medicação no horário certo.

Eu, que nunca tivera nada assim na vida, fiquei maravilhado com a jovem e, febril, fazia planos miraculosos para o futuro. Não cheguei a me recuperar totalmente, quando deixou de me acompanhar. Foi um acréscimo de sofrimento que não sabia como aturar. A que a substituiu era feia e velha e não tinha a mesma delicadeza para tratar de mim. Mas sempre consegui vencer a doença e, um belo dia, eis-me fora do hospital.

Quis saber do paradeiro da mocinha, mas pouca informação obtive. Só fiquei mesmo sabendo o seu nome, que guardo no íntimo do coração (Marcela). Houve outra notícia que me deixou amargurado: era casada e tinha deixado o emprego.

Fiquei com aquela impressão de amor o restante da vida e, ainda agora, tremo de emoção ao relembrar aqueles momentos em que via aquelas feições por entre as brumas do sofrimento, terno anjo a tutelar-me a cura.

Pedem-me para referir-me a outros fatos. É verdade que morri cedo, antes de poder constituir família. Querem saber por que morri cedo ou por que não constituí família? Ambas as coisas. E se me negar a dizer? Estou à vontade para isso.

O escrevente está aguardando uma decisão. Pois vou dizer exatamente o que aconteceu comigo. Não sei se terei forças para a narrativa. Pois foi o caso que encontrei Marcela; nem foi muito difícil, pois fiquei sabendo que deveria comparecer para receber o restante do salário e fiquei rondando o local. No dia marcado, lá estava eu, pronto para assaltá-la com minha paixão.

Como gostaria de dizer que fugimos e que vivemos felizes para sempre! Pois foi o contrário. Fui repelido pela jovem, que não quis saber de mim. Ficou até muito admirada com minha insistência, porque, dizia ela, foram só duas ou três vezes que me havia dado o remédio, estando eu praticamente inconsciente.

Não houve jeito. Não se deixou envolver sentimentalmente e me afastei para nunca mais me encontrar com ela. Não fiquem imaginando que tenha feito algo disparatado, como persegui-la e, finalmente, matá-la. Isso quem ama não faz. Mas fiquei aborrecido e jamais me recuperei por ter levado aquele “não” na cara.

Hoje, curto a mágoa de me ter desgraçado por amor, pois, depois daquilo, dei de beber e larguei o emprego. Foi aí que me envolvi com drogas e com os crimes, porque não podia pagar o vício e precisava ter dinheiro para isso. Morri cedo, vítima de superdose de cocaína e fui enterrado como indigente.

O que me atemoriza nesta história é que não termina no túmulo. Se fosse vivo, escreveria de modo bem comovente. Faria um drama bonito e colocava uma cruz na sepultura modesta, pela mão carinhosa de algum amigo, e fim. Agora, do jeito que me encontro, não consigo terminar de forma a encerrar o mistério, sem revelar algo que estou tentando esconder. Disseram-me que não preciso dizer nada, mas acredito que, se deixar para trás algo tão importante, vá ter de voltar a este ponto crucial da existência, ainda com o peso de ter desejado passar por bonzinho.

Quando disse vida de crimes, realmente foi. Matei e roubei. E fumei maconha. E estuprei — justamente aquela que muito amava.

Penso que agora vão mandar-me embora, pois não correspondi à expectativa dos que me trouxeram aqui, na esperança de estarem tratando com alguém de certa importância, pois lhes dei a impressão de que era um pobre coitado arrependido por ter amado muito e de me ter suicidado moralmente, por não ter sido correspondido.

Dizem-me que sabiam desde o início quem era e o que fizera, pois estão na companhia de meus pais.

Santo Deus! Será que terei de aumentar a vergonha?... Não desejo ver o sofrimento dos velhinhos, que deixei para trás, longe, na cidadezinha de onde parti muito cedo. Sabem que nunca mais escrevi para casa para saber notícias deles?! No começo, até que recebia uns trocados, mas depois esse dinheiro não significava mais nada, diante do preço que pagava para me manter drogado.

Nunca fui preso e nunca precisei de advogados, mas o infortúnio me perseguiu, pois os malandros que estavam comigo não me ensinaram a livrar-me das drogas. Até desconfiei de que tinham colocado veneno, para ficarem com a minha parte do último assalto. Foi aí que me perdi nas trevas, na busca de persegui-los, o que fiz durante muito tempo.

Na verdade, não sei quanto tempo faz que deixei a Terra. Procurei a família que havia desgraçado, mas fui impedido sequer de chegar perto. Acho que desconfiaram os guardiães de quem eu era, pois me escorraçaram. Houve luta, mas saí perdendo, recebendo increpações de miserável, de ladrão e de assassino.

Mas estas coisas não vêm ao caso, pois, se meus pais estão aqui, já sabem o que fiz na vida. Terei agora de lhes pedir perdão e de lhes agradecer o fato de me terem providenciado ajuda, pois, se estou aqui, será por sua causa. Mas acho que os pais têm obrigação para com os filhos e, se abandonei minha casa, foi porque não conseguia viver naquela miséria.

Obrigam-me a dizer que estou exagerando, pois meu pai era professor primário e até recebia melhor salário que muita gente. Mas, com oito filhos?... O que sobrava para nós era muito pouco. Ele até queria que eu trabalhasse, mas eu era exigente e não respeitava os patrões que punham os filhos na escola. Enquanto meu pai cuidava das crianças, eles me maltratavam, mandando fazer isto e aquilo.

Sei que o pensamento era daquela época, quando a minha capacidade de reflexão era bem pequena. Mas a verdade é que meus pais não me deram nada especial, a não ser o fato de me porem no mundo. Isso não estava contratado?

Que o amor tem de ver com isso? Foi por me quererem bem que me deram a oportunidade? Mas que sentimentos tinha eu anteriormente? Que me lembre, gostava muito deles, que tinham boa dedicação para com todos os filhos, pois o pouco que possuíam distribuíam para todos. Eu talvez tenha chegado em má hora, pois era o caçula. Será que os mais velhos sofreram mais ainda? Pois todos os meus irmãos ficaram na cidadezinha. Eu é que não suportei a situação.

Não tenho mais nada para dizer, a não ser que invente. O que sinto é muita vontade de ir embora, mesmo que tenha de voltar para a escuridão de onde vim, porque não sei se poderei encarar os velhos, que devem ter sofrido muito ao saberem quem realmente fui.

Agora, no entanto, é tarde para lamentar. Se não consigo arrepender-me, é sinal de que não mereço ficar com vocês.

Desejo arrepender-me, mas não tenho essa força. Parece que nem sou eu mesmo que estou relatando esses casos, ou melhor, que os casos não correspondem à minha própria vida. Estou sentindo forte dor de cabeça e tudo começa a girar, como se estivesse prestes a desmaiar. Não consigo raciocinar direito e temo que não vá muito além.

Ah! Se pudesse internar-me de novo, e refazer tudo do ponto em que me encontrei com ela... Sei que não iria mais cometer todos os erros, mesmo que tivesse de retornar frustrado para o lado de minha mãezinha.

Está ela aqui para receber-me. Por favor, não façam isso comigo...


Comentário

Nosso assistido acaba de cair nos braços dos pais.

Não sabia definir o tempo que esteve na erraticidade, mas foram mais de trinta anos. Com esta informação, cremos que satisfizemos a curiosidade do leitor desejoso de conhecer o quanto de tempo é necessário deixar passar até receber socorro. Pois isto é muito relativo. O amigo até que ficou perambulando em sofrimento por muito pouco tempo. A intensidade do desespero, contudo, não era grande, de forma que pode considerar-se apaniguado por ter recebido o conforto da presença dos familiares, agora que irá ter de enfrentar a parte mais aguda dos dissabores da consciência culpada. Longe está o dia em que poderá dizer-se equilibrado e são. Há muitos débitos para serem saldados.

Sendo assim, pensamos ter desarmado possíveis cálculos, em função das perversidades que necessitem ser resgatadas. O que devemos acrescentar é que, para o devedor, o momento do pagamento é justamente aquele em que descobre a necessidade do reatamento afetivo com os seres que magoou. Enquanto perdurar a sensação de que haverá maneira de se subtrair ao “castigo”, não se deu a exata compenetração do que é a divina justiça. Esperamos que não seja esse o caso do caro leitor.

Oremos pelo pobre irmão desarvorado, que chora nos braços carinhosos dos pais; este, sim, verdadeiro caso de amor.

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