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Ensaios-->18. FRUSTRAÇÃO -- 14/06/2002 - 05:26 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Como gostaria de ser espírito protetor, encarregado de reger os destinos cármicos de criaturas bem felizes, normais seres humanos, que teriam em mim amparo para a realização dos objetivos da vida! Mas sou pobre ser inferior, indigno de prestar assistência a quem quer que seja, necessitando mesmo de auxílio dos irmãos que tanto trabalho tiveram para me trazer até aqui.

Admiro muito este corpo de experimentados servidores do Senhor, pois eu mesmo fui um não há muito tempo atrás, pois, sacerdote da igreja católica, servi durante muitos anos à minha instituição. Quando cheguei de volta, estive durante largo tempo à procura das recompensas do céu e, até mesmo, dos castigos do inferno. Era o que ensinava aos paroquianos na diocese em que trabalhava.

Durante a vida toda, procurei ser boa pessoa. Não faltava aos compromissos de minha ordenação e pretendia compor-me com Deus para o efeito a que me destinara. Tinha a convicção firme de que iria obter da Divindade e dos santos tudo o que me era prometido pelas bulas e concílios. Vivia vida eclesiástica com muito denodo e apego, no temor de Deus, crente de que não poderia escapar da justiça do Pai, se transviasse das obrigações.

Sei que tive alguns excessos de zelo e até a consciência me acusava por estar sendo rigoroso demais para comigo mesmo e para os fiéis com quem compartilhava o confessionário. Era rígido o bastante para saber que o ministério sagrado era ponto de honra para a minha lealdade. Mas Jesus estava correto em dizer que a carne é fraca. Devo reconhecê-lo em mim, posto que ainda agora não me sinta com forças para relato aprofundado do que me ocorreu em vida, para me tornar tão infeliz após a morte.

Era a minha vida mar de rosas até que encontrei formosa mulher. Vejam bem, respeitava o celibato clerical com rigor e essa paixão serôdia não aviltou as minhas ordens de castidade. Se derivava, às vezes, a libido, conscientemente, para as orações e se me impunha severa vigilância sexual, a ponto de só admitir a ejaculação noturna, como evidente reação de caráter natural do organismo, iria ceder aos encantos femininos de quem se aproximou de mim no intuito de me atrair? Era a tentação de que se falava no seminário e não recusei a ofensa do diabo, contra quem pretendia digladiar e vencer, já que tinha a força da fé e o poder da oração.

Mas pequei contra a irmã que me tentava, pois repudiei-a intensamente da boca para fora, não permitindo que me envolvesse em sua malícia. Não fui bom para com ela; não a elucidei dos males do adultério; não a encaminhei na vida com a determinação de quem tinha nas mãos as tábuas de Moisés e os mandamentos da Santa Madre Igreja. Simplesmente, evitei a consumação do pecado em seu aspecto material. Mas tudo o mais que pudesse relacionar com o namoro, o noivado e a superexcitação carnal, deixei que acontecesse. Não foi bom para mim nem para ela.

Chamou-me um dia de “frouxo”, em plena confissão, e saiu à vida sem eira nem beira da contaminação pecaminosa da promiscuidade. Sentia-me culpado pela perda da pecadora. Corri a confessar-me, por minha vez, e expus todo o drama ao pobre padre Ravena, que não tivera experiência semelhante, santo homem, sempre pronto a dar aos pobres tudo o que conseguia arrecadar em espórtulas. Até a pequena igreja não se construía, tanto distribuía o resultado de sua féria.

Mas eu tinha outra mentalidade, mais afeita aos paramentos e à grandiosidade da instituição, o que me levava ao desencanto, quando percebia os bispos recomendarem a pregação das virtudes da pobreza e da comiseração. Para mim, não era lógico haver tantos templos e tantas catedrais suntuosas, com suas obras de arte, seus vitrais e demais petrechos em ouro, e, ao mesmo tempo, a pregação do púlpito de que os homens deveriam odiar os irmãos que lhes exploravam a força de trabalho, incentivando-os a que invadissem as terras, suspendessem o trabalho, impusessem pela força a justiça da melhor distribuição das riquezas. Eu não pensava assim e, nos sermões que dizia para as velhas paroquianas, as irmãs da congregação, os jovens das cruzadas eucarísticas, enfatizava o amor, o respeito às instituições, o apego ao emprego e a responsabilidade familiar.

Vejo agora que algo havia de desonesto em tudo o que fazia: não agia por impulso íntimo de confraternização. A minha vontade não era ver o povo ascender em paz aos páramos celestiais. Na verdade, queria manter o meu estado de vigário, na morna condição de ter de tudo um pouco para passar a vida de bem com Deus, sem provocar as fúrias do diabo. Era bem a contextura moral que se viu fortemente abalada quando percebi que errara em relação àquela que me interessara sobremodo.

À noite, após rezar vários terços — e isto aconteceu por anos seguidos —, eu me masturbava, mantendo viva na memória a demoníaca figura daquele ser que eu queria angelical. Quanto errei — Deus meu! Perdoa, Pai, a minha irrisão! Que cego estava! Não via que tudo era sofrimento a ser compreendido, analisado, enfrentado e superado. Não pensava desse modo. Temia perder o céu, por força do poder da malignidade do inferno.

De manhã, ia procurar o Ravena e lhe passava minha hesitação, meu ato de luxúria e meu temor. Dizia-me ele que isso era passageiro, que me lembrasse de Jesus no deserto e que visse na minha ilusão a sombra da Madalena. Não podia comparar-me com o Cristo, não queria ver-me às voltas com a necessidade da crucificação e ia levando o problema do confessionário para a cama, crente de que o resplendor da vida que fervilhava ao derredor me faria olvidar o drama íntimo e que iria conseguir suplantar a angustiosa situação em que minha inadvertência me havia atirado.

Poucos sacrifícios me lembrei de fazer para o alívio necessário. Antes, o amor impuro parecia deliciar-me por me fazer sentir na condição de ser humano. Era como se a pele, pela primeira vez, se sentisse eriçada por alguma coisa. Que emoção diferente! Que sensação de vida! Não desejava extirpar o mal que se instalara, pois achava que era justo a alguém que tanto se dedicava ao ministério sacerdotal ter algo secreto, que não faria mal a ninguém. De resto, praticava todas as orações que vinha indicando aos confessados desde que me ordenara.

Civilizadamente, interrompem-me a rememoração íntima, para me proporem o conserto necessário para que haja restabelecimento perispiritual. A custo, aceito esta terminologia da doutrina espírita, à qual não me afeiçoei e que acusei de fraude, revelando à opinião os males de que se viam cercados quantos se deixavam iludir pelas suas promessas. Aliás, penitencio-me de ter sido extremamente intransigente quanto à postura dos que tratavam com as almas dos mortos, que acreditava serem os representantes das trevas.

Sinto-me meio bobo diante da verdade que tão tardiamente se revelou a mim, embora até me regozije por estar bem compreendendo o que se passa deste lado, à vista de muitos companheiros que se acreditam no céu e outros, no inferno, ainda com as mentes apagadas para a realidade.

Desejo abençoar a todos os que se esforçaram por me arrastar até aqui, pois me fez muito bem refletir um pouco a respeito da pessoa que fui. Devo dizer que não pratiquei qualquer crime e que fui bom, quanto minha compreensão da bondade me permitiu. Às vezes, tinha estremecimentos de consciência, mas meu confessor dizia que era natural em quem se sabia impotente para exercer a benemerência material. Ele insistia muito nesse ponto, dizendo que minhas preces pelos pecadores eram muito mais importantes do que qualquer doação que ele fazia de comida e de agasalhos. Eu aceitava as explicações e mais ainda me apegava às orações, só que não abria mão das comodidades.

Minha primeira reação, quando descobri que não havia céu nem inferno, foi de lamentar profundamente não ter tido outro tipo de pensamento durante a vida. Aí percebi quanto fui miserável para com os que me procuravam para seu esclarecimento. Não lhes passava minhas preocupações mais íntimas, descrente de que pudessem entender-me, pois achava que, se não se imiscuíssem em problemas de caráter moral, mais facilmente ganhariam condições de ir ao paraíso.

Essas indecisões na carne se transformaram em profundo remorso e neguei Jesus muito mais vezes do que Pedro, não compreendendo que todo o meu procedimento feria os princípios mesmos que admitira durante o encarne. Consciente de que perdera a vida para o progresso, pensei em recompor o que fora em encarnes anteriores. Mas tudo estava bloqueado na memória. Estava impedido de recordar-me do que quer que pudesse oferecer risco. A explicação de que ao dia basta a sua preocupação me valeu e aí comecei a recordar-me dos dizeres evangélicos.

Paulatinamente, fui refazendo as diretrizes dos estudos sagrados, revi o meu latim, recordei o breviário e me pus a meditar profundamente, procurando vincular os pontos essenciais do catolicismo com a atuação dispersiva do sacerdote que fui. No início, buscava refrear os impulsos de julgamento, pois me desacostumara a perdoar e temia que as increpações que pudesse fazer contra os atos pecaminosos dos outros revertessem para mim.

Foi nesse ânimo de espírito que me encontraram os amigos. Ao vê-los, pensei que fosse chegada a hora do julgamento e confundi as trevas em que me encontrava com a figura do purgatório. Só que não me considerei puro e pensei que seria definitivamente arremessado às garras dos perversos. Mas logo me tranqüilizei, pois me foi evidenciado que as horas que passei em oração e em meditação falavam em meu favor. Aí se transformou minha emoção e, louco, atrevi-me a considerar-me santo, a quem se abriam as portas do céu. Essa ilusão também foi passageira e os anjos se transformaram em meros espíritos socorristas, protetores daqueles que se sentem perdidos.

Não sou juiz em causa própria nem preciso advogar para minha absolvição, já que não há julgamento, mas acreditem que o inferno moral que vivi nestes dois ou três últimos anos é bem a resposta às minhas injúrias existenciais.

Se me aceitarem em seu meio, irei refazer o voto de obediência, prometendo ser fiel aos ensinamentos que receber, revendo todos os tópicos que fortemente se impregnaram em minha personalidade. Não sou santo nem demônio, mas ser frustrado e desiludido, embora confie em Deus e em sua misericórdia.

Durante estes últimos tempos, esqueci-me de elevar em preces o pensamento ao Senhor, tão estranho senti o plano espiritual. Renego-me a mim mesmo e à minha estultícia, pois tenho para comigo que um pouco de felicidade ainda merecerei gozar, antes de ser de novo recambiado para a carne. Terei sucesso nesse novo empreendimento?

Dizem-me para não precipitar conclusões e que devo aguardar pacientemente a oportunidade de novo encarne, enquanto muito serviço sobra para mim, principalmente porque vão atender-me a solicitação inicial manifestada de que gostaria de ser espírito guardião. Se estiver de acordo — e é claro que estou —, deverei voltar ao plano material, acompanhando grupo assistencial, para avaliar as condições dos meus paroquianos, já que estou bem enfronhado de seus segredos mais íntimos. Caso me desvele e consiga reencaminhar alguns para as hostes do Senhor, ministério ideal de minha vida, talvez possa ser-me atribuída a tarefa de vigiar os passos àquela criatura por quem vibrei em amor.

Parece-me satisfatório esse plano, embora deva dizer que estou a ponto de recusar, à custa do muito de sofrimento que possa vir a representar, diante das injúrias de minhas realizações de vida. Não sei se estou preparado afetivamente para enfrentar as minhas debilidades tão cruamente. Se me prometerem amparo, talvez venha a tentar.

Pedem-me para retirar-me, não sem antes orar com emoção a prece dominical.

Graças a Deus!


Comentário

Não é preciso encerrar com grandes comentários a lúcida apresentação do amigo. O fato de ter sido padre católico no último encarne absorveu-lhe totalmente a performance espiritual. Não se trata de religioso por conveniência, como quis fazer-nos crer. Na verdade, era caso de vocação sacerdotal adquirida por força da iniciativa dos mentores, prova que aceitou na intenção de superar alguns defeitos de formação provindos de encarnações anteriores. Mas o irmão não conseguiu superar os pontos essenciais em sua peregrinação, de modo que se sentiu frustrado, mesmo sem ter plena consciência do que se passou.

Quando dissemos que a explanação foi lúcida, referíamo-nos aos aspectos relativos à percepção clara dos defeitos oriundos do ministério, em conflito com os apelos da natureza carnal. Se se mantiver da mesma forma desperto para analisar o espectro de sua aura, não demorará para atingir o ápice que lhe permite o estágio evolutivo em que estacionou. Daí para receber novos encargos com a finalidade de regeneração, será pequeno passo.

Não seremos nós quem irá estabelecer qualquer condenação pelas falsidades ideológicas que o conduziram durante o encarne e que se refletiram sobre a estadia na erraticidade. A nós o dever de alertá-lo para sua condição e de fornecer-lhe o instrumental necessário para a concretização dos atos que o levarão à consecução dos atos maiores de sua concepção existencial, fruto do muito de amor que for capaz de espargir aos protegidos. Eis que se lhe inicia nova fase no sacerdócio cristão, sob a égide do Senhor.

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