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Contos-->Onde... -- 04/11/2002 - 11:12 (Ligia Amorese) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A linha do horizonte cortava o céu bem rente aos morros à frente. Morros... eram pedras gigantes jogadas ali de algum lugar, despencadas. Mas estavam ali, e o céu tinha seu contorno. À noite dizia-se que sons estranhos brotavam das rachaduras, vindos da direção do solo, como se milhões de almas lamentassem a desdita de estarem todas esmagadas por tais pedras... E a desdita sem dúvida era maior com Sol a pino...

Não esperava encontrar o chão tão estorricado nem o ar tão seco naquela região. Abandonara sua terra natal ainda menino depois de um incidente que mudou-lhe a vida por completo. E naquele tempo, tudo ali era verde coberto por árvores de copas frondosas, havia um lago por perto, havia vida em profusão. Não podia acreditar naquilo que presenciava. De fato o tempo muda... e tudo é mudado pelas condições do tempo. Mas sem se prender às inquirições que lhe instigavam a curiosidade crescente, deixou de lado seu olhar que buscava respostas e acionou bem outro: aquele de contemplar formas e cores da natureza. Seu cavalete estava montado, tela a postos. Tirou da valise um godê e a água raz. Seus pincéis jaziam em um estojo de couro... ele os trouxera também. E as espátulas... onde por Deus pusera as espátulas!? Lógico, havia esquecido delas... sempre as esquecia em algum lugar.

Tiraria a tinta dos tubos com os dedos mesmo, isso seria divertido como sempre. E depois limparia a sujeira toda em seu guarda-pó que nunca havia visto pó mas tinta... sim, muita tinta! O tecido não era mais branco, era uma mistura cinza com cheiro de tinta oxidada... Amarrou sua longa barba com um elástico e pôs-se a contemplar a linha do horizonte... só a linha. Eram 360 graus de natureza desértica estendendo-se por quilômetros, onde nada além de planura era visível a norte, sul, leste e... bem, a oeste havia os montes. E eles estavam longe... erro de cálculo, não poderia pintá-los dali. O jeito era guardar tudo em sua pick-up e seguir por mais alguns quilômetros a frente.

O terreno era pedregoso, havia troncos de árvores retorcidos pela intempérie, o ar estava quente... chegou à distância exata. Agora era ali mesmo que montaria acampamento. De sua pick-up retirou o saco de dormir, o lampião, as velas, comida que trouxera, além de seu arsenal de pintura. Certo e agora mãos à obra, o tempo corria contra seu relógio: queria aquele contraste de luz e sombras do meio da tarde.

Mas alguma coisa estava errada com aqueles morros. Não é que com a luz a impressão que se tinha era deles terem sido realmente jogados ali? Ouvira diversas histórias comentando a respeito da ira de um Deus malévolo que havia soterrado uma cidade inteira sob o peso daquelas monstruosidades mas não acreditara nelas todo aquele tempo. Sem muito pensar, resolveu fazer os esboços, as primeiras linhas de mais uma de suas obras primas. E assim ele a iniciou... calmamente, no compasso de sua mão a evocar a pureza das linhas daquele lugar.

Em dado instante que não poderia precisar ao certo, ouviu um estampido que soava a tiro. Não havia vivalma ali, dava para ver tudo e ninguém vinha ou ia de sua direção. Bem, quando concentrado costumava ouvir coisas mesmo... e ao estampido sucedeu-se um ruído maior... algo como o som baixo de um trovão que se finda... beirava os infra-sons. Aquele som... Ah! Abre-te Sésamo e aquele som seguiria tal ordem! Isso, “abre-te Serra dos Danados”!

Bem, o que se seguiu àquele som é algo de inusitado, nem ele em sua loucura de gênio artístico tentaria imaginar tal cena em seus devaneios mais alucinados. Mas eis que de cima do monte mor, uma luz brotava. “Fiat Lux!” E Deus assim o fez... mas que droga era aquilo? Que droga era aquela iridescência de luz que se amoldava ao monte mor? Enfim era punido pelo consumo abusivo de drogas na juventude... ali, bem no meio do nada, sem ninguém a quem pedir socorro...

Curiosidade mata gatos e gente que vai para o nada pintar natureza morta. Mas depositando em si mesmo uma confiança que não possuía, resolveu ver de perto o que era aquilo. O Sol alcançava célere o detrás dos montes anunciando que o crepúsculo estava próximo. Muniu-se de uma lanterna em todo caso...

As pedras menores circulavam as monstruosidades que avolumavam-se diante de seus olhos. Imensos blocos de pedra granítica, toneladas e mais toneladas que brotavam do chão em direção aos céus e a impressão que se tinha era de que tinham sido mesmo jogadas ali. Mais e mais convencido disso, não parava de dirigir seu carro seguindo a direção daquele facho de luz. O Sol havia se posto, logo seria noite e aquela luz fria não se irradiava, era um foco dirigido do centro do monte mor para os céus... os céus, sim, lá estavam nuvens esquisitas que ele podia jurar não estavam ali momentos antes. Viu que teria que escalar o monte mor... não tinha cordas, não tinha picaretas, não tinha nada que pudesse utilizar num momento daqueles... então simplesmente parou e olhou para cima o máximo que pode. E foi então que realmente começou a ver...


Seus dias de infância foram povoados por histórias de almas penadas que vagavam à noite em busca de sua paz perdida. E nessas histórias contadas desde a origem dos tempos de seu vilarejo, havia algo tocante: tais almas penadas eram visíveis por aqueles que aventuravam-se nas pradarias e eram mortos por tais aparições... dizia-se que seus corações eram arrancados de seus peitos, ainda batendo...

Nos segundos que se seguiram à sua contemplação forçada daquela luz, essas lembranças ganharam corpo e viu-se sendo tragado pela terra sob seus pés, gemendo ao ter tido seu coração arrancado enquanto seu cérebro desligava-se rapidamente... dor! Era cedo demais para morrer!

Loucura, agora sabia o que era aquilo, loucura. Entrou em seu carro, faróis acesos, sua lanterna acesa, queria ver, e ver bem longe... Maldição o carro não pegou, primeira, segunda, terceira tentativa infrutífera... Era o fim...

Sim, ele os via agora, estavam aproximando-se em grupos. Não tinha armas, não tinha a quem recorrer, suas espátulas, nada em mãos... Ao longe apenas os distinguia pelos olhos que brilhavam a mesma luz baça e fria que saía do monte mor... seus vultos eram horríveis, seus olhos faiscavam um amarelo pardacento. Seu medo era intenso... lembrou-se de sua filha, única herdeira que receberia seu corpo exangue depois da chacina que lhe terminaria os dias. Começou a gritar até ficar sem ar... e nada adiantava, eles vinham em sua direção. Alcançaram a porta...


***


Bem, uma bela obra prima retratando a natureza de forma inédita, enfeitava a sala de estar de ilustre senhor de terras. Ninguém sabia ao certo o porquê de um gênio da arte haver criado obra tão irresistivelmente horripilante a não ser que tivesse sido tocado pela loucura, o que não era o caso. Gozava de boa saúde até onde se saiba, vive feliz ao lado da companheira e da filha. Mas aquele quadro...

O retrato, na realidade, era uma grande íris castanha da qual vê-se apenas o contorno e parte de sua estrutura. Em sua córnea as imagens refletidas evocam tamanho medo em quem as observa aliado à mais sublime contemplação da divindade, tal o efeito que produzia em quem a observasse: um monte rochoso adornado por uma luz que jamais havia sido retratada antes. E os morros? Morros... eram pedras gigantes jogadas ali de algum lugar, despencadas. Mas estavam ali, e o céu tinha seu contorno. À noite dizia-se que sons estranhos brotavam das rachaduras, vindos da direção do solo, como se milhões de almas lamentassem a desdita de estarem todas esmagadas por tais pedras... E a desdita sem dúvida era maior com Sol a pino...

Por sorte, era apenas uma pintura...






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