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Ensaios-->17. MEU ARREPENDIMENTO -- 13/06/2002 - 05:44 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Quando estive aqui pela primeira vez, não fui atendido. Julguei que fosse por estar muito sujo e fui lavar-me — isto no sentido espiritual. Eu chamo o meu arrependimento de purificação. Sei que estou muito longe da perfeição, mas não tenho meios de melhorar, a não ser se me derem apoio e esclarecimento.

Tudo que quiserem de mim posso dizer livremente, pois acho que só poderei conseguir sossego se for leal e honesto, embora ache que essas qualidades não são fáceis de conseguir.

Dizem-me os amigos que me trouxeram até a mesa que, verdadeiramente, é tarefa complicada chegar ao ponto de reconhecer os erros cometidos. Quando se pega uma panela quente e o calor queima a pele, é fácil de perceber que se cometeu uma falha. Mas quando o erro é moral, aí as crises se complicam, pois fica difícil de querer reconhecer que não se estava certo.

Há pessoas que matam, que roubam, que mentem e acham que tudo o que fazem serve de proteção para alguma ameaça ou para possibilitar que algum bem que estivesse faltando seja conseguido com maior rapidez e pouco esforço. Para isso, precisam vestir carapuça protetora que as venha defender dos ataques dos inimigos e da própria consciência. Esse confronto com a consciência é que penso que não seja fácil de realizar.

Os bons amigos que tenham paciência para comigo, pois sou muito lento no raciocínio e não sei expressar direito tudo o que sinto; por isso é que recorro às comparações. Se vêem nisso um pouco de malícia, podem até estar certos, pois é a maneira que descobri para me defender, por minha vez.

Outro modo de ir afastando as ameaças é ficar jogando conversa fora, esticando os assuntos; mas, conforme disse, vou contar tudo e esses dois jeitos de disfarçar é que me estão atrapalhando a minha desenvoltura em me apresentar desde logo da maneira como sou.

Se pratiquei alguns crimes? É verdade. Sou criminoso, ou melhor, fui, na última encarnação. E não me orgulho disso. Sei que o pior que poderia ter-me acontecido era fugir das normas que eu mesmo havia instituído. Esse o motivo maior de meu arrependimento, pois julgava-me bem superior às outras pessoas e solicitei prova bem forte. Mas falhei redondamente e sou bem capaz de reconhecer, agora, o quanto, na verdade, sou inferior.

Não tenho muito mais que revelar, a não ser se quiserem que conte os casos em que matei, roubei e menti, pois o que falei dos outros queria referir a mim mesmo.

Estou a ponto de fender-me ao meio, pela vergonha que sinto.

Dizem-me para não mentir.

Pois é isso mesmo; tenho sossego e bem gostaria de demonstrar certa preocupação por causa disso. É bem verdade que não ligo muito para o que fiz e que o arrependimento que declarei é falso. É que vi que os espíritos saíam da reunião com direito à felicidade, após terem-se lamentado e chorado muito. As lágrimas não me brotaram, posto me esforçasse para isso. Mas as palavras saem fartas e escorrem para o papel, porque a anotação, por mais que se esforce, não consegue acompanhar todo o ritmo do pensamento, que não é tão lento como tentei passar.

Como vocês vêem, digo as coisas e logo caracterizo o contrário. Desse modo, vocês não sabem exatamente o que pensar, apesar de que a última expressão seja sempre desfavorável a mim.

Quero pedir desculpas — e logo me perguntam se não vou desdizer o pedido em seguida. Pois preciso refletir mais para falar.

Será que posso ir mais devagar? Sei que todos são muito cordatos e têm aquela paciência a que me referi no começo. Mas tenho que me lavar de toda esta sujeira moral, como já disse, e não me importo se vocês vão ficar zangados, pois nada pode ser pior do que a fúria dos companheiros de infortúnio. Espíritos bons, quando se enervam, só fazem rezar e jamais se vingam. Como vocês vêem, jogo maliciosamente com a postura dos socorristas, pois sei que o máximo que podem fazer para não se ferirem é soltarem-me ao deus-dará e isso até com muito arrependimento e frustração por não serem melhores para convencer o demônio que os afrontou.

Aos poucos, conforme prometi, vou revelando minha contextura espiritual. O que não quero é que haja surpresas diante das manifestações de meu horrível procedimento intelectual. Se me querem desnudo diante de vocês, vão ter de aturar este meio arrevesado de expor as mazelas que se sedimentaram em meu caráter.

Acho que estou exigindo muito dos amigos, que devem estar “carecas de saber” o que se passa no íntimo de cada sofredor que lhes chega às mãos. Ia comentar a expressão “careca de saber”, mas penso que as questões lingüísticas não afetam o modo pelo qual penso nem os sentimentos que exprimo. De qualquer modo, é expressão que aprendi com o médium, que me propôs alternativa popular de dizer algo que me pareceu possível de exprimir por meio de forma um pouco mais grosseira, embora não ofensiva.

Eis que revelo mais um nó da corda da minha consciência. Sou bem feio e grosso por dentro, mas apresento-me maneiroso, para não despertar suspeitas sobre mim. Penso que essa seja mais uma das péssimas qualidades de minha formação.

Também acho que tudo o que venho revelando a meu respeito seja a maneira pela qual a maioria das pessoas que conheci agem. Não vejo vantagem em ser igual aos outros, mas afirmo, peremptoriamente, que ninguém poderá constituir-se em juiz, se não dominar os impulsos maus, a ponto de suprimi-los.

Perguntam-me como é que se pode fazer isso. E eu é que tenho de responder? Por favor, não me tirem do sério. Sei que tenho sido bonzinho e vou levando da melhor maneira que posso, mas, se me provocarem, vou ter de reagir pela forma que estou acostumado com aqueles que desejam “montar a cavalo” sobre mim.

Agora não estou mais disposto a fazer comentários a respeito da gíria, pois estou vendo que há muita malícia pela forma que se dispõe o grupo, para levar o indivíduo a se descontrolar. Já não sei bem o que estou a escrever.

Perguntam se essa não é outra de minhas falhas emocionais. A questão veio em boa hora, pois não estou pretendendo revelar o quanto posso ser violento. Não estava em minhas intenções, pois essa era arma de defesa que considerava inviolável. Mas a força que pude querer demonstrar pareceu brinquedo de criança, pois com três passes fui dominado inteiramente, cordeirinho nas mãos dos leões.

É impressionante que a calma que me adentrou a mente me confortou e me ensinou a estimar estes novos companheiros.

Será que falta algum outro aspecto a ser relatado? — Ah! Sim! Devo dizer que projetei toda esta encenação para que o texto produzido pudesse significar algo para o leitor. Não me pegaram “de calças na mão”, pois vi como é que se trabalhava e procurei elaborar algo que pudesse dizer que sou imensamente vaidoso, pois pretendo estar ainda agora provocando a inveja e a admiração dos encarnados. Não das entidades do meu plano, pois sei que para eles nada disso tem qualquer valor. Os mais adiantados vão sorrir de minha ingenuidade, pois são capazes de produzir algo muito superior. Os menos adiantados vão ridicularizar o frango a se pavonear, embora eles mesmos não entendam as artimanhas que são necessárias para se chegar a este resultado.

Eis outro problema que terei de sanar: a minha força intelectual tão mal dirigida.

Dizem-me que, se iniciar dizendo uma prece, poderei resgatar desde logo alguns maus pendores.

Antes de responder à proposta, devo esclarecer que o meu vocabulário está tornando-se capenga para exprimir as idéias mais sutis, de modo que vou ter de parar de escrever, já que não consigo comparações apropriadas. Aquela de frango a se pavonear foi muito fraca, mas não me veio nada melhor para exprimir a sensação que as pessoas iriam ter ao presenciarem alguém tentando demonstrar aquilo que realmente não é. Será que o fato de me considerar melhor que alguém não está revelando que haja problemas sobre os quais não lancei qualquer desconfiança? Será que as pessoas que iriam rir de mim, na verdade, não são pessoas ainda mais adiantadas do que eu, apesar de muito baixos na escala dos seres?

Vou orar da maneira que puder, embora deva dizer que as palavras nada poderão significar diante do acervo tão grande de más tendências e de maus costumes que adquiri. Sei a prece do pai-nosso e posso dizê-la de cor e salteado, até de trás para a frente. Sei ainda a ave-maria, mas essa é fraquinha, pois não revela exatamente o que se passa no campo da espiritualidade. Acho que só serve para as velhas carolas, para acompanharem o terço. O pai-nosso, não: é prece de substância, que foi o próprio Jesus quem inventou. Eu sei disso porque li no Evangelho. Pensam que sou ignorante de religião?

Pois aí está mais outro grave defeito que terei de suprimir para poder evoluir, ou seja, a hipocrisia, a falsidade, a mentira íntima de estar de acordo com tudo só aparentemente, mesmo no que concerne ao Pai, que deve estar esperando de mim muito mais do que simples arrependimento da boca para fora.

O amigo escrevente suspendeu a pena para contar as folhas que foram preenchidas. Aí ele me fez propor a seguinte questão:

— Se estou tão certo das coisas que digo, por que não me coloco, desde já, a serviço do bem, esforçando-me para melhorar cada ponto negativo que eu mesmo levantei?

É porque, meu caro, você não sabe como é perverso o espírito que se acostumou a prevalecer pela maldade, insidiosamente colocando-se aparte das conseqüências, sem deixar de ser causa de muitos infortúnios. Se for para o meu bem, vou tentar ouvi-lo, também para você não ficar tão preocupado com suas tarefas e com o método que estou empregando para ir levando as coisas, de modo a sair desta sem penetrar no mundo dos sofrimentos morais que me prometeram, sem ameaças, por ninguém escapar incólume dos crimes. Essa apreensão existe e temo estar prestes a destruir a personalidade que tantos desbaratamentos tem provocado.

Como você pode perceber, há certos estremecimentos e não me sinto mais seguro de mim como até há pouco estava. Os amigos dizem que este transe se intensificará e que devo despedir-me, rogando preces para me facilitarem a passagem pelas ruas da amargura. É isso aí: orem por este sofredor, que irá, deveras, ficar arrependido.

Adeus, meus amigos!


Comentário

Verdadeiramente, muito terá de sofrer o companheiro para desvestir a pele de cordeiro, lobo feroz que ainda é. Mas está a mordiscar o próprio rabo, de sorte que descobrirá, realmente, que as panelas postas na brasa tendem a esquentar.

Livre-nos o amigo médium destas expressões comparativas, por favor, pois parece que o hábito do irmão sofredor está impregnado em nossa mente. É claro que estamos elaborando pequena facécia demonstrativa da alegria que se apossou de nós, por percebermos que nosso trabalho terá êxito, relativamente a este enfermo. O tratamento será longo, a moléstia é insidiosa, mas temos especialistas competentes e drogas adequadas para lhe dar o conforto devido. Se não se afastar por conta própria, estaremos seguros do bom resultado.

Vamos realizar a prece de que o irmão tentou escapar, em seu disfarce habitual. Antes, porém, vamos encerrar a tarde psicográfica, de novo agradecendo a paciência dos amigos.

Fiquem nas mãos de Deus!

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