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Contos-->Quando -- 04/11/2002 - 11:07 (Ligia Amorese) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando...



Tudo o que conseguia ver eram as gotas de chuva estilhaçando-
se contra a vidraça. Passava das 3 da tarde e um misto de
inquietação e angústia avolumava-se em sua mente perturbada pelos acontecimentos recentes. O que faria dali para frente não saberia responder... e assim jazia inerte observando o movimento constante de pingos num crescendo que anuncia a tempestade...

O amanhecer correra tranquilo em sua habitual preguiça. Sem nem mesmo absorver o café, já estava em seu ponto de ônibus habitual, aguardando pelo habitual ônibus que a conduzia ao trabalho como de hábito todas as manhãs de segunda a sexta. O sacolejar em pé, espremida pelo intenso fluxo de passageiros àquelas horas da manhã em seus recém tomados banhos fizera com que enjoasse... e um gosto de café com qualho de leite chegou-lhe à boca. Precisava sair dali a todo custo... um sinal e ganhou a rua novamente. Baixando a cabeça em direção ao meio fio, disse adeus a tudo o que teve em seu estômago desde a última hora. Em tudo e por tudo até então, aquele dia prometia...

Sentia-se febril. Não sabia ao certo se eram as dores em suas juntas ou o ardor nos olhos que lhe permitiam diagnosticar tão precisamente o que se passava consigo mas o fato é que experimentava mesmos sintomas de algo que conhecia muito bem e que vinha atacando-a mais a miude nos meses que se antecediam. Desconfortável em sua roupa de trabalho de meias de seda e saltos, resolveu que permaneceria sentada nos bancos de praça ao lado... até que conseguisse parar de tremer e então pensaria em uma forma de chegar ao seu destino antes de perder a manhã toda.

As árvores davam-lhe cobertura e ao longe via a avenida espremendo-se à medida em que crescia o volume de carros cruzando a cidade. Havia ainda alguém sentado do outro lado, em um banco simetricamente disposto de frente ao dela. Pensou em pedir ajuda mas logo imaginou tratar-se de mais um andarilho que teria dormido a noite por sobre o banco em que agora sentava. Desistiu da idéia. Porém ao levantar novamente os olhos na direção do banco assustou-se ao ver que aquela figura esguia já não estava mais lá, nem um pouco a frente caminhando... simplesmente havia sumido. Arrepiou-se imaginando o que podia ter acontecido, afinal ninguém some assim... e seguindo o embalo de um crescente pavor, seu corpo todo estremeceu ao ouvir a voz que vinha ao encontro de sua nuca perguntando se estava bem. Não, não estava! Terminantemente não! Voltou-se bruscamente na direção da mesma e o que conseguiu foi emitir foi um grito rouco... não era possível... mas estava acontecendo.

Deve ter perdido os sentidos... de repente tudo de que se lembrava era de sempre ter estado ali, sob um sol que vazava o trançado de folhas do copado das árvores acima, sentindo a brisa cálida das primeiras horas da manhã. Mas aos poucos foi percebendo que existia algo além daquele momento e uma lembrança pungente atravessou-lhe o cérebro. A figura de homem. E como percebendo que não se tratava de um braço de banco que lhe dava apoio à cabeça, levantou-se prontamente. Lá estava ele... sim. Ele mesmo, em carne e osso. Mas como? Ela lhe dera o derradeiro beijo, ela ajudara a lavá-lo, a vesti-lo para seu descanso...

_ Eu decididamente não estou bem... conseguiu dizer depois de grande esforço enquanto observava o rosto que a fitava intensamente. Simplesmente aquilo não era possível. Fechou os olhos para permitir que aquilo sumisse caso fosse um delírio... não sumiu, mesmo tendo insistido com as piscadelas a figura estava diante dela. Não era delírio... era...

_ Márcio?

Os olhos que a fitavam do final do banco sorriram... ainda lembrava seu nome.

_ Sim, e como eu poderia esquecer?

Não, não poderia... mas e o que ele estava fazendo ali?

_ Não pode ser, eu o vi baixando dentro de um caixão, você morreu naquele dia... Como?

Sim, ele estava lá diante dela. E num ímpeto, tentou abraçá-lo. E ele não desvaneceu como era de se esperar de um fantasma, nem deixou de corresponder-lhe ao contato. Sentiu em breve momento como se tudo voltasse em sua memória. Sim, os tiros! Se ele fosse ele mesmo, teria as cicatrizes. Abriu-lhe a camisa sem pedir permissão... e em seu flanco direito nada se via. Repudiou-o com força.

_ Quem diabos é você?

Márcio era seu nome, sua estória era a mesma... com exceção de não se lembrar de nada parecido a ter morrido. Ela não entendia... ele não entendia... e estava ali porque ela havia marcado tal encontro na véspera.

A manhã já era alta, hora de procurar por ajuda, queria sair dali, deixar aquela figura estranha sentada ali naquele banco, queria que seu mal estar constante acabasse, queria... um taxi, sim um taxi! Saiu de perto dele soltando-se de seus braços à força. Ganhou a avenida em tempo de pegar outro ônibus com acentos vagos. Iria descansar enquanto era conduzida a seu destino... Viu Márcio distanciando-se a medida em que sua condução ganhava velocidade em sentido contrário. Sua cabeça pendia por sobre seu peito cansado...

***


O prédio estava em reformas. Terminantemente não! Olhou para os pedreiros como quem pede um copo d’água. O que estavam fazendo ali? Reformas, o prédio fora vendido. E ela nem sabia disso. Não sabia tão pouco que havia sido demitida porque ontem estava tudo bem... ontem... quando?

_ Há dois meses? Eu estive aqui ontem e eu trabalho aqui.

O dar de ombros da equipe que talhava as paredes a fim de ganhar tempo antes que o trabalho ficasse impraticável sob o sol, irritou- a. A febre parecia aumentar a todo instante, precisava de água, de um lugar para sentar, de um apoio para não cair... e o que seria agora?

Em uma casa ladeada por prédios altos, morava sua amiga de toda vida. A poucas quadras de lá ela teria algum consolo, talvez ela soubesse o que estava havendo. Levada por passos rápidos apesar do mal estar, chegou à casa onde foi recebida como de costume.

_ Você parece ser a Dani de sempre!

Sim e era, ela mesma. Lágrimas afloraram em seus olhos. Mas a surpresa a que se seguiu tal contentamento deram a ela certeza de que suas lembranças a traíam: havia crianças brincando na sala que depois veio a saber, eram de Dani. Dois meninos que obedeceram a voz de comando da mãe deixando a sala livre para que ambas conversassem. Dani observava a amiga sem saber o que dizer além de não sei o que você está dizendo...

_ Como não? Você é solteira lembra? Temos a mesma idade, saímos juntas, temos nossos casos desde que... desde que Márcio morreu...

Dani não entendia uma só palavra. Quem era Márcio?

Não suportando o ar de espanto da amiga, ganhou o lance de escadas que a levaram à rua num instante furioso. Não queria mais falar com ninguém... queria só sumir... Precisava voltar para casa, o quanto antes, para casa, casa, casa... a palavra perdia o sentido ao ser repetida. Mas era seu lar que queria encontrar, precisava dele muito, muito...

Deixou que o mapa mental a conduzisse a pé para seu destino. Aos poucos foi-se familiarizando com a paisagem, sim a rua de sua casa era logo ali, bem do outro lado da esquina. Nesse instante tirou os sapatos, sem sequer preocupar-se em rasgar as meias, corria para seu espaço, sua bichana, seu mundinho feito de... seu... onde?

Onde? Onde está? Seguiu até o fim da rua, voltou, sua casa. Onde está? Jasminka sua gata, Boris seu canário, sua biblioteca que possuía um exemplar raro escrito em esperanto... onde?? Sua bolsa continha uma chave, experimentaria de porta em porta! Alguma delas era sua casa, aquela era SUA rua... disso tinha certeza! Mãos trêmulas, empunhava a chave e ía testando-a de portão em portão. Num instante de desespero gritou até que todo ar de seus pulmões saísse em um grito gutural. Em poucos instantes não estava mais sozinha... cabeças e corpos, gente por todo lado, crianças, velhos senhoras, caiu de joelhos aos soluços... todos a rodeavam. Sirenes ao fundo. Não podia fugir, eram muitos... muitos...

Deve ter dormido. De repente, tudo de que se lembrava era como se sempre tivesse estado ali sob aquele teto em que um ventilador revolvia o ar abafadiço com cheiro de urina seca. Sentia um gosto ruim na boca, uma zonzeira... sua companheira de quarto olhava-a com aquele ar imbecil. E ela não quis agredi-la... não naquele momento. Ao longe as nuvens formavam um desenho estranho, como se a noite fosse chegando mais cedo e a vidraça a sua frente mostrava os relâmpagos cruzando o céu adiante, atrás do campo onde tomavam sol pela manhã.

_ Que horas são?

Três horas... ainda havia o final da tarde, a noite... foi quando num átimo, um vislumbre do que se passava realmente aconteceu. Precisava lembrar... e tudo o que conseguia ver eram as gotas de chuva estilhaçando-se contra a vidraça. Passava das 3 da tarde e um misto de inquietação e angústia avolumava-se em sua mente perturbada pelos acontecimentos recentes. O que faria dali para frente não saberia responder... e assim jazia inerte observando o movimento constante de pingos num crescendo que anuncia a tempestade...









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