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Ensaios-->9. CASO COMUM -- 05/06/2002 - 05:18 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Meu Deus, quão belo é poder usufruir de novo a luz! Quando a gente está dentro do mundo, não sabe reconhecer a simples dádiva do dia, do sol. Depois de anos de trevas, a só presença da luz na vida parece que renova todas as forças e dá ânimo novo. É como se houvesse verdadeiro renascimento.

Ao se internar no mundo da consciência culpada, a pessoa vive em pleno egoísmo e tudo o mais parece desaparecer, não se dando importância a nada em si, só ao que possa representar para nós. Ao reviver para o mundo exterior, a alma passa a notar que existem outros seres de igual valor, de sorte que a própria existência ganha com a visão dos semelhantes e das grandezas da criação.

Eu sofri a desdita de ter contribuído para o crescimento da maldade e da impostura. Volto de longa estadia pelas regiões do Umbral. Não sei como devo dizer a minha alegria por poder manifestar-me, de novo, como ser humano e temo que qualquer coisa que possa fazer venha a restabelecer os vínculos com as coisas ruins, com as pessoas erradas, com os seres que do etéreo me conduziram por extensa vida de crimes.

Não sei se tudo o que possa estar dizendo não venha a se transformar em algo muito mau, pois meu caráter não sofreu grandes transformações já que nada pude fazer de útil para ninguém. O único que me aconteceu foi ter-me arrependido do que fiz, o que se constituiu em amargo remorso e em atrozes sofrimentos. Pude compreender que a dor, a desesperação, a angústia de ter feito o que não deveria, para obrigar as pessoas a se submeterem à minha vontade, só se caracterizaram como passagem pela qual não poderia deixar de transitar, como aquele passageiro do ônibus que quer chegar a determinado destino e fica lá, no seu lugar, sentado, enquanto o motorista conduz o veículo. Nesse período, não tem mais nada que fazer que aguardar chegar o momento da descida. Pode ler, pode dormir e sonhar, pode meditar e sofrer, pode angustiar-se, sem que, entretanto, lhe seja dado o direito de retornar atrás e refazer tudo o que considera mal feito. Assim foi o período que permaneci entalado nas trevas. Agora que volto à luz e vejo a magnificência de Deus, sinto-me zonzo, sem ter direito qualquer domínio sobre mim mesmo.

Os amigos que me assistem dizem que é assim mesmo e que, se estou disposto a recuperar os direitos de cidadania entre os justos e os bons, devo resignar-me a encarar a atual condição como o fruto da árvore dos padecimentos, fruto que devo saborear durante um bom tempo.

Dizem-me também que, se a minha intenção for honesta, se não houver hipocrisia, que poderei ir com eles para tratamento. Não me prometem a cura do mal-estar, a não ser a oportunidade dela. Se eu realmente estiver sentindo o que deixei escrito, então poderei promover situações de regeneração e de recuperação, através do trabalho que me encherá de méritos, para conquistar a confiança e a benquerença dos outros.

Não sei como, mas a verdade é que os irmãos notaram que dizia só meia verdade. Pensava verdadeiramente e ainda penso que, tendo logrado chegar até aqui, seja fácil prosseguir caminhando em direção à luz. Estou realmente confuso, porque nem sequer conheço o preço a pagar pela minha recepção, já que tão mau estou revelando-me. Gostaria, contudo, de não desmerecer a atenção que me está sendo dedicada, quer pelo grupo, quer pelo que participa dando a forma de palavras às vibrações e sentimentos.

Querem que conte com minúcias tudo o que me ocorreu na vida? Pois bem, se for para me tornar melhor, irei dizer duas ou três passagens relevantes. Já senti que não posso falhar, que não devo mentir. Mas vai ser muito difícil considerar como totalmente verdadeira qualquer coisa que diga. Por exemplo, se disser, simplesmente, matei para roubar, aí poderia estar o fato, mas não a verdade, pois poderiam existir inúmeras circunstâncias a atenuar a culpabilidade ou outras a acentuá-la. Se fizer qualquer julgamento de valor, achando-me mais ou menos criminoso, ou inocente, poderei ser considerado mentiroso, e aí não ser levado em consideração.

Dizem-me que não preciso temer, se houver sinceridade.

Pois bem, desde a infância, tive a tendência a modificar a verdade; em outras palavras, acostumei-me a mentir. Por isso é que me preocupo com a forma que possa adquirir o depoimento.

Quando crescido, o mau hábito transformou-se em algo bem mais complexo e assustador: queria enganar as pessoas, logrando-as, da maneira que pudesse, para enriquecer-me. Para isso, até matei e roubei. Mas houve um acontecimento que me fez pensar seriamente em reformar o procedimento, pois fiquei enamorado de uma criatura meiga, que me correspondeu, embora fosse casada e, por isso, não poderia vir comigo sem causar sérios transtornos. Eu estava acostumado a vida de ofensas às pessoas e não ligava se ela iria deixar alguém desgostoso, se haveria de magoar o marido e os filhos. Queria tê-la para mim.

E foi isso que aconteceu. Durante quatro anos, vivemos em êxtase de amor. Eu até trabalho arrumei, coisa graúda em departamento de vendas de firma grande, pois tinha possibilidades de me apresentar bem e não estava fichado na polícia.

Mas o tempo passou e o meu mau gênio fez com que minha mulher (hesito em dizer esposa ou amante, pois acho que a queria mais que a ninguém) me deixasse, por não suportar os maus tratos que lhe causava, por excessivo ciúme.

Vejo que a minha história é muito comum e nada tem de relevante para fazer com que a escreva, no entanto, eu a vivi intensamente, chegando a matar para ter minha mulher de volta. Mas aí a polícia se inteirou do acontecido e não mais tive sossego, pois não podia aproximar-me de minha mulher, que muito ficou aborrecida comigo, por ter justamente “aprontado” com o verdadeiro marido dela. Essa ocorrência não tinha sido a primeira e, por isso, não titubeei em levar a morte à presença daquela que significava a minha real razão de vida.

Hoje, sei que nada do que fiz foi grandioso, mas, na ocasião, podem crer, foi o que me pareceu a atitude mais sublime e condizente com a necessidade.

Como tudo é passado que gostaria de esquecer, sinto ter de dizer aos irmãozinhos que não irei prosseguir, a menos que me inteire de que algum benefício advirá dessa narrativa. Estou cansando-me de repetir aquilo que não me saiu da cabeça nestes últimos vinte e cinco anos e que, pelo jeito, irá atormentar-me pelo restante da existência. Se o inferno for isto, devo dizer que a alegria de ter visto o sol está diminuindo à vista de ter de retornar a este estágio deprimente de minha história.

Dizem-me para não fingir nenhuma recaída, nenhum retrocesso, pois, na verdade, o arrependimento não foi tão intenso, à vista da grave preocupação que demonstrei tão-só em relação à minha pessoa, sem ter tido qualquer cuidado com aqueles a quem ofendi.

Isso é verdadeiro e sábio. Vejo que o caminho se abre para os pensamentos. Sei, agora, que, se não for ajudar os outros, como estou sendo ajudado, provavelmente deva voltar ao estágio anterior. Quer dizer que vocês, que estão tratando de mim, também passaram por crises de consciência e voltaram da escuridão?!

Nem precisam responder, pois me parece lógico que os seres perfeitos estejam em outro local, convivendo entre si e pairando longe da dor. Vejo que, realmente, estou entre irmãos, e peço desculpas por ter julgado mal algum inocente que aqui esteja, com tão forte suposição.

Finalmente, vibraram a corda certa que me fez ver quão egoísta sou. Claro está que devo partir efetivamente para o mundo exterior, mesmo que ainda se me confranja o coração.

Peço perdão ao escrevente, por não lhe dar oportunidade de registrar nada de novo, e peço para reparar as palavras que o obriguei a escrever, tendo sido tão rápido, pois algumas expressões senti que não lhe foram do agrado, como esta aqui, pois me parece que não correspondem à minha própria maneira de ver o mundo e de exprimi-lo.

Fique o caro leitor prevenido quanto a este fato, para não pensar que tudo venha escorreito à mente do escrevente; é o que me pedem para deixar consignado, pois as suspeitas de que haja misticismo são muitas.

Pois bem, a mim não me preocupam tais fatos. O que desejo, mesmo, é fugir das péssimas recordações, para o que peço, pelo amor de Deus, que não me larguem à própria sorte, que me incluam em algum programa de assistência e que, se for preciso, que me castiguem, que me prendam, que me encarcerem, mas não permitam que minha vontade prevaleça. Se não for humilde, se não cumprir a palavra, podem até me açoitar, dizendo que vocês têm por escrito a minha concordância com o fato, para o que assino a presente declaração.

Rogério.


Comentário

Não se vá o bom amigo. Fique mais um pouco para ouvir o que temos a lhe propor. Agora que seu compromisso está escrito e assumido, vamos falar do trabalho.

Você irá, inicialmente, percorrer todos os locais em que algo de mau tenha feito, para restabelecer todos os passos, pois vamos atender-lhe ao pedido de passageiro de ônibus impedido de voltar atrás. À medida que se for restabelecendo a verdade, ou seja, que, para cada efeito, for-lhe determinada a real causa, irá anotando os nomes das pessoas envolvidas, para devolver-lhes o que lhes tirou. Nessa caminhada, irá perceber que muita gente nada exigirá; antes, muitas irão até propor-se a ajudarem-no. Todavia, provavelmente, irá ter de escrever nomes de inimigos furiosos, cuja conquista e reconciliação lhe provocarão lutas internas profundas, momentos em que estaremos presentes para ajudar, e esse é o nosso compromisso escrito e assinado.

Vá com os amigos designados para encaminhá-lo, procurando, inicialmente, repousar do denso entrevero que vem mantendo consigo mesmo. Procure ficar na paz do Senhor e não tema o futuro, se você confia em que Deus é justo e misericordioso.

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