Usina de Letras
Usina de Letras
274 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62171 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50576)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4756)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->8. DESPERTAR -- 04/06/2002 - 05:22 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Aos onze anos de idade, deixei o corpo físico para adentrar o mundo dos mortos. Quando cheguei, esperavam-me os meus avós, pois vim com muita pena de morrer e isto foi considerado normal, porque a minha razão não se havia formado. Mas nem por isso foi-me possível, desde logo, descobrir quem realmente era. Foi preciso passar uma temporada em companhia de outras crianças que, como eu, não tinham noção do que ocorria.

Lentamente, fui ampliando minha compreensão, até que pude perceber que a vida pouco adiantara na consecução dos objetivos de meu encarne. Evidentemente, o acidente que me vitimou não estava nas cogitações dos patrocinadores espirituais dos eventos que me dariam sustentação moral para progredir.

Hoje, lastimo um pouco que a oportunidade não tenha produzido frutos e me apresto para novo ingresso, sem que haja qualquer dor ou desespero. Há que se considerar a minha completa ausência de culpa pelo fato de me ver arrastado a tão penuriosa condição.

Para que não se completasse qualquer quadro de horror, fui impedido de reconhecer-me completamente, não me tendo sido permitido senão optar lucidamente por deixar nas mãos dos benfeitores proporcionar-me outro encarne, que visará aos mesmos propósitos do anterior.

Nesse processo de reencaminhamento, pude perceber que minhas condições intelectuais e morais não são perfeitas, embora méritos devo ter tido para que me constituíssem em modelo para esta dissertação. Apesar, no entanto, de evidenciar tanta facilidade na escrita, não tenho permissão para adentrar os mistérios da existência, o que me faz absolutamente interrogativo quanto à necessidade de me expor novamente ao martírio do desconhecimento do futuro. Enfim, para que não me revoltasse e não atrapalhasse o processo desta nova encarnação, disseram-me que poderia deixar anotadas algumas palavras de conforto para meus pais, que ficaram na Terra condoídos pela perda do filho querido.

Mas eu não conseguiria atingir diretamente sua sensibilidade, pois não acreditam na possibilidade destas comunicações, então, para não perder tão maravilhosa oportunidade, tentei fazer breve relato das condições em que se vê o espírito ao qual lhe é furtada a vida, sem que tenha perpassado por todos os itens de sua destinação.

Eis que fui atropelado fora de hora. A dor que senti nas pernas e o sofrimento moral da perda da vida muito novo valeram-me muito para receber imenso apoio e cuidadosa atenção. Meus avós estavam penalizados com a minha condição de inferioridade e tudo fizeram para aliviar-me a tensão, de sorte que não me visse na angustiosa posição de quem se volta contra o Criador, argüindo-lhe a justiça.

A perspectiva de ingressar em novo lar deixa-me bastante aborrecido e isto tem pesado um pouco para a competente miniaturação por que deverei passar. Tenho rejeitado diversas famílias e a consciência tem ficado cada vez mais lúcida. Temo que chegue a época em que me vá inteirar do verdadeiro ser que sou e isso será absolutamente oneroso para o regresso ao mundo da carne.

Fazem-me acenos para que deixe claro que sou o real culpado por não ter conseguido o renascimento, pois não desejo perder as regalias que tinha na última família. É verdade, os encarnes que me estão sendo oferecidos estão em condições de muita inferioridade social e financeira com relação ao bom convívio que deixei em aberto para outros seres que estão programados para os meus pais. Essa luta contra a inveja da facilidade que os outros estão encontrando é que me tem atormentado o íntimo. Não que chegue a sofrer, a ter chiliques ou delíquios por me ver afastado dos meus pais. Afinal de contas, tenho os meus avós, que me incentivam a me compenetrar de que devo atender aos seus apelos. Se, ao menos, me pudessem garantir que a família estabelecida para me receber vá progredir na vida até que me veja consciente de ter de trabalhar por minha conta, aí aceitaria de bom grado.

Estão dizendo-me que quero forçar as condições para o novo encarne, à vista de supostos débitos da vida para comigo, mas não é exatamente isso o que se passa. Na verdade, até que tenho fé e esperança em poder fazer o melhor para cumprir os compromissos, mas tenho medo de que, uma vez internado na carne, venha a perder esse estímulo e, aí sim por culpa minha, o ensejo do progresso.

Queira Deus que não desperte completamente e que consiga fazer com que os irmãos que estão tratando de meu caso me conduzam logo para a sala de condicionamento de encarnação, antes que eu faça por perder tudo.

Fiquem os amigos na paz do Senhor e não se preocupem com minha condição. Façam por mim a gentileza de orar algumas preces, mesmo que muito tempo venha a se passar desta comunicação, pois acredito que, por muito tempo, estarei na situação de necessitar de muita ajuda.

Dizem-me para não afastar-me, pois tudo o que disse pode representar sério ônus para as reais provas de amor dos amigos e parentes por mim, pois não devo tentar fantasiar situação alguma para iludir a quem quer que seja. Pedem-me para revelar que estou totalmente disposto e que me debati durante muito tempo nas trevas, recusando-me a aceitar os encarnes programados. Pedem-me para dizer que estou finalmente em condições de prestar totais esclarecimentos sobre quem verdadeiramente sou e que me sinto integralmente dono da memória.

É bem verdade. O retrato que pintei foi o que se desenhou para mim anteriormente à rebeldia. Queria deixar o leitor condoer-se por mim, sem lhe passar a verdade. Sinto-me envergonhado em ter de fazer esta evidência. Aliás, a vergonha foi que me impediu de vir diretamente com a história atual de meus desgostos. Sei que perdi as chances que me foram proporcionadas e isso fez arrepender-me profundamente de minha inútil falta de resignação aos desígnios do Senhor.

Se não cheguei a revoltar-me, abertamente, contra a divina justiça, no seio da alma, detestava o fato de ter sido afastado de meus pais e de vê-los a brincar com meus irmãozinhos, até mesmo com aquele que chegou depois de minha partida, como que a preencher o lugar que deixara vago.

Sinto imensa vontade de abandonar a pena e isto está refletindo no instrumento que me ofereceram, como se fora ele mesmo quem estivesse sentindo a sensação da vontade de suspender o serviço. Tenho-lhe dado bastante trabalho nesse sentido, mas a revelação dessa ânsia e da vibração correspondente deve atenuar os efeitos. Não creia que os sentimentos sejam seus, caro amigo.

Pois bem, resta explicar, a pedido dos irmãos que me conduzem o pensamento, por que demonstro tanta desenvoltura na exposição do que se passa neste momento, ao tempo que pareço deixar certa angústia produzida por sutil afloração do sofrimento que se desencadeia no interior. É que aprendi a manipular as emoções, sendo perfeitamente capaz de parecer quem não sou, como deve ter ficado bem claro ao início deste escrito. Por isso, essa ambigüidade, esse dilema que se instala em cada frase que escrevo. Se me fosse dado optar, creio que o primeiro defeito que iria suprimir seria exatamente esse. Como a cura do mal talvez me leve a confusões mentais, pois não tenho a certeza de que me manterei em condições de raciocinar livremente, uma vez que me parece que tudo que me vem à mente seja em virtude de elaboração maquiavélica, eu restrinjo as atividades de purificação, forçando para que todas as frases, toda a expressão contenha algo de malicioso ou de falso. Este trecho todo foi ditado pelo amigo que me sustenta, como se se fizesse profunda análise de meu “ego”, de forma que o consciente pudesse refletir, com inteireza de domínio, o inconsciente. É maravilhosa experiência que não pretendo perder. Se me vir capacitado a prosseguir expressando-me, comunicando-me com tanta correção conceitual, creio que muito deverei agradecer à bondade destes amigos.

Dizem-me que está na hora de afastar-me da mesa para enfrentar novos exercícios. Penso que, se esta linha de providências for mantida, muito brevemente poderei voltar a este lugarzinho para contar que estou apto a reingressar no mundo dos mortais.

Fernando.


Comentário

O bom amigo que se dispôs à análise “ao vivo” de sua “performance” moral e intelectual está conosco há algum tempo. Veio por recomendação dos avós, que muito se empenham pelo sucesso de sua recomposição espiritual. Sendo assim, é fácil avaliar que não lhe foi permitido engodar os leitores amigos, embora a sessão possa parecer propícia para isso. Na verdade, tudo que expôs reflete com precisão as confusões mentais por que passou, mesmo durante a evocação dos fenômenos psíquicos; é que lhe foi facultado reviver os passos da reassunção consciencial em estado letárgico de progressivo despertar, até a clarividência da possibilidade de restauração integral do domínio da personalidade.

O mais virá em pílulas, que lhe serão administradas à medida que for trabalhando no sentido de se acostumar à verdade existencial como coerção igualitária entre todos os seres, com direitos e deveres equivalentes, de forma a se reintegrar moralmente ao ambiente familiar. Talvez, até venha a conquistar a benesse de receber permissão para, ao voltar à Terra, ficar na companhia dos pais e irmãos, dependendo, para isso, que se estimule seriamente à compenetração dos valores evangélicos. Mas é o futuro, que só a Deus pertence...

Fiquem os amiguinhos na paz do Senhor!

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui