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Ensaios-->7. A HORA DE A ONÇA BEBER ÁGUA -- 03/06/2002 - 05:24 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Aos poucos, aquilo que estava enevoado vai esclarecendo e já posso enxergar o local onde estou.

Parece que tudo que pude na vida se esboroou, quando parti de repente. Era bem rico, proprietário de vários prédios, terrenos e diversos edifícios. Tinha até possessões de territórios vastíssimos, o que me fazia pessoa procuradíssima para o auxílio. Não tive tempo de devolver ao Pai tudo o que dele tomei emprestado, de sorte que, aos setenta e quatro anos de idade, depois de longa enfermidade, em que meu espírito permaneceu lúcido, sem que pudesse, contudo, movimentar as pernas, mas crente de que poderia voltar à vida ativa, desencarnei.

Vocês devem ter percebido que tive bastante tempo para distribuir tudo o que possuía, mas ia adiando, de modo que fui surpreendido pela morte, não porque tivesse tido a vontade de fazer o bem, mas porque não a tive absolutamente.

Foi aí que chegou a hora de a onça beber água.

Aqui aportando, não desejei desfazer-me das propriedades. Com a absurda desculpa de que era preciso avaliar tudo para dar aos parentes, amigos e instituições que cuidavam de gente necessitada, ia de um lado a outro, fiscalizando se a administração ia sendo bem feita. No começo, era até melhor do que no tempo em que vivia, porque tinha a impressão de que era bem mais fácil ficar vigiando para que não me roubassem. Contudo, chegou a hora em que meus filhos tiveram de fazer a partilha do espólio e eu já não conseguia atender à retalhação que se verificou. Chamava a atenção de cada um para o fato de estarem desfazendo-se de posses valiosas por miseráveis punhados de notas, mas ninguém me dava atenção. Ao contrário, repeliam-me com violência, pois murmuravam muito, dizendo coisas de mim, que era sovina, mão fechada, morrinha e outras expressões menos dignas, que me vejo impedido de reproduzir.

Agora estou perfeitamente compenetrado da má formação de meu caráter, embora muita coisa boa tivesse feito, menos qualquer sacrifício. Não abria mão de nada que significasse perda do patrimônio, e isso foi fundamental para que ficasse internado nas trevas durante quarenta e cinco anos, depois que verifiquei que nada mais podia fazer para manter a integridade das riquezas.

Não tendo conseguido nenhum apoio dos descendentes, busquei encontrar a minha esposa, que partiu bem antes de mim, santa mulher, que não saía da companhia dos padres e das freiras, senão para ir ajudar nos lugares beneficentes. Sabia que tinha atividades esquisitas em certas noites de reunião, em que eram evocados os espíritos, mas nunca quis achegar-me, pois achava que tudo eram artes do demônio.

Mesmo na missa, que freqüentava todo domingo, o padre não me fazia acreditar em que havia céu e inferno, nem mesmo purgatório. Eu simplesmente achava que tudo isso existia para manter as pessoas ricas e felizes, ou pobres e conformadas com a situação. Para mim, a morte levaria ao nada absoluto, por isso, não fazia questão de ligar muito para as outras pessoas.

Quando aqui cheguei, a surpresa de me ver ainda inteiro e dono de mim fez com que despertasse para a possibilidade de voltar a usufruir todas as regalias e foi isso que me impulsionou para dizer aos filhos que mantivessem tudo do jeito que estava.

Mas estava dizendo que procurei minha mulher, só que não encontrei. Quarenta e cinco anos de procura. Após esse tempo, tive notícia de que talvez pudesse vê-la, se comparecesse a este lugar, acompanhado de uma turma que me estimulou e que me comprovou que só desejava o meu bem.

Lá no fundo, havia muitos magotes de espíritos maus que me punham a correr, gritando para eu chamar a polícia para me defender, porque demonstrava que tinha muito medo e ficava agarrando as últimas moedas que conseguira esconder nos bolsos. Tanto corri de um lado para outro que, um dia, percebi que não tinha mais nenhuma. No começo, teria sentido muito e me descabelado pela perda; naquele momento, porém, a falta do dinheiro pareceu aliviar-me, porque percebi que não iria mais ter de me preocupar com a vigilância.

Enquanto caminhávamos, conversamos muito a respeito de minha mulher. O companheiro perguntou-me como achava que estaria e não soube dizer, principalmente porque só recentemente é que fui capaz de reparar no quanto tempo havia passado. Foi aí que percebi que ela poderia não estar nas trevas mas na luz e, sendo assim, estaria muito adiantada para que pudesse reconhecê-la.

Não fiz nunca nada de mal a ela, por isso não sei por que não me procurou antes para conversar comigo e me levar para lugar melhor. O amigo insistiu muito em que talvez eu é que não tivesse sentido a presença dela a meu lado. Mas não acreditei, embora me deixasse conduzir. Não sou tão ignorante que não saiba reconhecer quando alguém me estende a mão.

O que não compreendia era o fato de ter permanecido durante tanto tempo internado nas trevas, se só fora vítima do vício da usura. Foi aí que me disseram que houve muita gente que se viu prejudicada pela minha atitude. Eram pais de família que se desesperavam porque não tinham dinheiro para pagar o aluguel e eu mandava despejar; eram mulheres sofrendo fome e frio, porque não lhes dava a possibilidade de trabalhar nas minhas terras, que ficaram improdutivas, porque só as tinha como capital a ser valorizado, ao invés de ensejar às pessoas que plantassem e se alimentassem com o fruto do trabalho. Como esses cuidados não me passavam pela cabeça, fui ficando na escuridão do báratro, incapaz de atinar com a presença de minha mulher e inútil para o meu adiantamento.

O bom espírito muito mais conversou comigo mas penso que seria fastidioso reproduzir, pois acho que qualquer pessoa sabe mais a respeito do amor e da dor do que eu mesmo, ignorante de tudo que não seja acumular bens para me aproveitar dos outros.

Estava com medo de falar a respeito das outras mulheres que tive, pensando que isso poderia afastar a minha esposa de mim. Mas resolvi confessar esse meu deslize para com ela, para ver se obtinha o seu perdão, pois me parece que é a única criatura que me poderá fazer algo de bom. Sei que não estou sendo leal com os amigos que me foram buscar e que estão cuidando de mim, mas acontece que não há aqui ninguém de meu círculo de amizades.

Os meus pais e irmãos, nem pensei em convocá-los para a ajuda, pois parecia que era assediado justamente por eles, que riam muito de mim. Pelo menos foi essa a impressão que tive durante largo tempo.

Os companheiros disseram-me que isso foi ilusão do sentimento de culpa que guardava na consciência por tê-los desamparado. Na verdade, o tempo havia feito deles meus amigos, pois haviam restabelecido os vínculos de afeto que nos uniram um dia. Agora pediam por mim a Deus. Eu é que estava cego para tudo, pois, teimosamente, ficara a matutar meio de voltar a gozar dos benefícios da riqueza que fora minha perdição.

Sinto estar fazendo todo mundo perder tempo com estas histórias e com o resultado de meus pensamentos. Será que terei a alegria do reencontro ou ainda não fiz por merecer?

Dizem-me que não estou preparado e que devo restabelecer muitos aspectos da personalidade, enegrecida por tanto tempo de loucura e desvario. Se me tornar dócil e se me deixar conduzir para o tratamento, em breve obterei a capacidade de fixar a mente nos espíritos mais evoluídos, até adquirir o poder de ver e reconhecer os que me são mais próximos. A alternativa é voltar para o inferno ou ser encaminhado para encarne de sofrimento na pobreza.

Não tenho como não decidir por acompanhar os irmãos que se dispõem a preservar-me em condições de reflexão e de lucidez, pois regressar ao báratro é voltar à mente enevoada que trazia até chegar aqui, e transferir-me para novo encarne em condições desvantajosas será esquecer-me completamente de minha individualidade. Acho que vou conformar-me com a primeira hipótese, embora ainda julgue que estou sendo punido com excessivo rigor.

Dizem-me que é esse julgamento que me está infelicitando e condenando-me à cegueira moral. Por ora vou fazer o possível para compreender as razões dos amigos, pois não estou vendo neles nenhuma prova de que estejam tendo algum lucro com o fato de me iludirem.

Antes de encerrar, quero dizer que estranhei muito estar a revelar o que se passa bem no íntimo da consciência, pois não pretendi fazer confidências tão profundas. Será que isso é mérito ou demérito?

Os amigos pedem-me para não preocupar-me com a valorização de minha pessoa e dizem que isso é fruto do trabalho deles, que são capazes de extrair o que tenho na intimidade, não para revelar ao mundo, mas para fazer-me ciente do que se passa. Coincidentemente, algumas das vibrações se transformaram em palavras transcritas pelo escrevente, mas tudo com meu consentimento, conforme registro intuitivo configurado na explanação. O que não desejei ver revelado aos encarnados, de fato, ficou preservado, dando a impressão de que até os bons amigos da espiritualidade não tiveram conhecimento.

Dizem-me que, se quisessem, saberiam de tudo, mas não lhes interessa a dor, senão o lenitivo dela. Muito lhes agradeço pela deferência do tratamento, já que estou a recuperar a polidez.

Sinto-me aliviado e bem gostaria de expandir-me em alegria, mas estou sendo avisado para suspender o relato.

Só desejo agradecer aos amigos tudo de bom que fizeram por mim. Que Deus ampare a todos e lhes dê a possibilidade de continuar ajudando as pessoas, porque é justamente isso que lhes dá a felicidade!


Comentário

Bem pouco devemos acrescentar aos dizeres do carente amigo. Adotamos o sistema de fazê-lo consignar as perguntas e as respostas, as dúvidas e as soluções, o que nos levou a prestar esclarecimentos indiretos ao leitor. Isto talvez o leve a supor quão diversificados são os métodos à disposição para o socorrismo e a informação mediúnica do fato.

Verdadeiramente, o irmão não era ignorante das habilidades humanas, nem tinha o intelecto pouco desenvolvido, o que nos facilitou o processo. No entanto, corremos o risco de apresentá-lo hipócrita e não preso a reais débitos de caráter moral, que o impediam de raciocinar livremente. Se estivesse menos apegado aos valores materiais, não teria perquirido a respeito de situações tão corriqueiras e tão simples, pois o só bom senso lhe daria todas as explicações. O mais que fizemos, portanto, foi despertar-lhe a consciência para os fenômenos espirituais que lhe deixavam enevoado o pensamento, primeira informação prestada.

Daqui por diante, estando perdidas as moedas derradeiras que pensava estarem em seus bolsos, tudo transcorrerá bem rapidamente, dado que todos os familiares estão empenhadíssimos em reavê-lo para o seu convívio.

Quisemos deixar no ar a esperança do regresso, para demonstrar que o trabalho tende a frutificar em doces alegrias. Queira Deus esta semente possa ser plantada em outros terrenos férteis e promissores!

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