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Ensaios-->4. INFERNO MORAL -- 31/05/2002 - 06:14 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Meu sofrimento é atroz. Sinto as dores das labaredas infernais ainda agora, quando estou tão amparado por estes bondosos irmãos.

Hoje acompanhei o irmão médium para ver como é que as coisas se passam na Terra. Fiquei admirado de tantas mudanças, pois, no meu tempo, as pessoas tinham outro tratamento. Até mesmo no que respeita à autoridade, senti muita alteração, porque o que vi foi muito fel e muito veneno.

Mas não pensem que fui boa pinta. Ao contrário, estou admirado e muito, porque eu mesmo tratava as pessoas de maneira muito pior, mas não recebia em troco tanta desconsideração. Não pensem que a vida onera demais. É que as pessoas vão crescendo em crimes por não reconhecerem a Divindade e seu poder. Cada vez mais vai ficando pior a situação.

Falo por mim, pois, na última encarnação, quase tropecei em excomunhão, tantas vezes fui parar nas mãos dos padres, para que pudessem perdoar-me. De nada adiantou ter rezado todas as vezes, direitinho, todas as orações que mandaram. Sabia que comia a hóstia em pecado, porque pretendia voltar a fazer exatamente as mesmas coisas. O confessor era boa pessoa e me dizia que não podia dar a bênção, porque não me penitenciava seriamente. Ralhava comigo. Ficava bem bravo e redobrava a penitência. Era padre-nosso e ave-maria sem fim, como se pudesse transformar-me em sacerdote de pureza. Bem que dizia para ele que não me fizesse um santo. O que eu queria era o perdão, para ficar aliviado. Mas isso depois se transformou em meu tormento. Ao invés de ficar vagando por aí, em busca de lenitivo para a dor, via-me no santuário, dentro do confessionário, como se fosse o padre, a ouvir intermináveis confidências de quem cometia crimes e não se arrependia. Ficava ouvindo, ouvindo, querendo perdoar e não encontrando palavras para levar os pecadores à contrição.

Peço que me dêem mais uns instantes para continuar relatando o que se passou comigo, porque pode ser útil a alguém que pense que só a confissão e a reza poderá levar ao paraíso, ao lado do Pai. Fiz isso pelo menos uma duzentas vezes e não me cansei de rezar e rezar, pois, quando estava nas trevas, dentro do confessionário, sentia-me esquecido das palavras amorosas do pai-nosso e da ave-maria. Foi pior do que se estivesse sendo crestado pelas labaredas do fogo. Pensava que tudo era mentira, que não existia o inferno. Só me confessava e comungava para ficar imune de qualquer penalidade. Como me enganava! E como se enganaram todos aqueles que serviram para a farsa. Agora que passeei pela praça e vi como agem as pessoas, senti força muito grande para analisar a minha própria atitude.

Quando estava vivo, ajudava minha mulher no serviço de parto. Era uma “fazedora de anjos”, como se diz na gíria. Eu não achava nada certo e, por isso, corria logo contar ao padre o que vinha fazendo. Ele me pedia para não continuar e dizia que minha mulher estava condenada a ir para o inferno, porque não ia à missa, nem se confessava, nem comungava. Era impenitente, impiedosa e materialista.

Morri logo, com quarenta e cinco anos de idade. Ela ficou viva, mas nunca mais ouvi falar dela. Queria encontrá-la deste lado, pois pensava que minha condenação seria permanente e que, um dia, ela iria confessar-se comigo. Mas a surpresa foi grande quando percebi que os pecados que ouvia das pessoas eram sempre os mesmos que eu mesmo contava, o que me encheu de terror a alma.

Foi aí que descobri que estava no inferno, sem ter possibilidade de fugir. Queria sair do confessionário e não conseguia. O máximo que fazia era olhar para fora, quando via uma sangueira e crianças muito pequenas, fetos, debatendo-se nas mãos de pessoas que riam e diziam que estava na hora delas. Eu não entendia nada, porque não sabia que os pequenos “anjos” eram grandes pecadores, que estavam sendo castigados. Eu é que era o vilão de toda a história. Aí me revoltei contra Deus, pois pedia para ser perdoado e dizia as preces que o confessor me mandava. Agora sei que era muito hipócrita, mas, quando me revoltava, não sabia de nada.

Se puder parar de lembrar daquela fase, agradeço, pois foi a muito custo que saí daquela espécie de hospício-mental de loucura visual e consciencial. Digo isto para demonstrar que me sinto bem melhor, capaz de algum discernimento.

Devo pedir perdão a quem me estiver ouvindo ou lendo as palavras que o irmãozinho está escrevendo, porque ninguém tem nada com o que fiz. Poderia acusar minha mulher, mas não fiz isso nunca, porque o dinheiro que ela ganhava me servia muito bem para tudo o que desejava na vida.

Não queria dizer, mas aquele dinheiro era outro peso enorme que me afastava de minha própria sanidade. É que bebia e ia visitar certas casas, com aquele dinheiro, e isso o padre me recriminava muito. Quando consegui sair do manicômio espiritual, fui parar nos braços das amigas. Não queria ficar lá, pois ouvia as palavras do confessor, mas não conseguia afastar-me, sempre ouvindo e ouvindo os sermões. Nessa luta passei muito tempo, até que resolvi pedir perdão a Deus, sinceramente arrependido, prometendo nunca mais achar que estava sendo muito esperto em ganhar aquele dinheiro fácil para gastar com meus vícios.

Preciso dar a explicação das palavras iniciais, quando acusei as pessoas de estarem sendo piores do que eu. É que o que vi era muito mais sincero do que o que eu fazia, pois todos os meus pecados eram escondidos, e as pessoas fui capaz de reconhecer em suas intimidades. Peço que me perdoem pelas ofensas e pelo mau juízo, pois estou vendo que não fui justo, porque não tenho nada a ver com o que os outros fazem, do mesmo modo que ninguém poderá ser acusado pelo mal que pratiquei.

Vou ficando por aqui, pois me sinto bem aliviado da pressão, graças aos amigos que me trouxeram, cuidando de mim, afastando os fantasmas dos pequeninos que me queriam ferir e arrastar de volta para o confessionário. Devo dizer que acho que têm razão em estar bem bravos comigo, porque, quando a pessoa quer voltar ao mundo, deve ser respeitada. Cometi os crimes mais horrorosos, embora não tivesse sido a pessoa principal, pois nunca eu mesmo fiz nada para provocar os abortos. Só ia com as mulheres para casa, cuidando para que não revelassem à polícia quem é que havia feito o trabalho, ameaçando na surdina e prometendo vingança. Sei que não agi direito e pago por todos esses crimes, mesmo alguns que não tenho a coragem de revelar. Os amigos sabem do que estou falando e não vejo necessidade de assustar ainda mais as pessoas, pois a consciência está bem desperta e não me canso de dizer que sou culpado.

Acho que, se o padre me tivesse excomungado, até poderia ter sustado a minha atividade antes. Quando estava preso no confessionário, ameaçava os que lá iam com a denúncia ao posto policial; pois acho que o padre fez muito mal em ter guardado segredo de minhas atividades. Peço a Deus que o medo da culpa afaste todos os criminosos de sua senda de crimes, já que pouca colaboração têm das pessoas que deveriam tomar a si o encargo de castigá-las.

Por fim, devo dizer que morri na prisão, onde atormentei bastante o confessor, com a promessa de ser bom. Não deu tempo de me reformar, porque as pessoas me lincharam, dando-me morte prematura, porque não suportaram saber o motivo de estar preso. É que estuprei e matei uma menina de nove anos. Esse o pior de todos os crimes e pelo qual fui punido com mais de trinta anos de trabalhos forçados em hospital psiquiátrico, onde devia ajudar as pessoas a limpar os excrementos que eram depositados pelos pacientes em todos os cantos. Sei que não fui bom com essa menina e que não deveria tê-la enganado com promessas que não podia cumprir. Sei que as minhas razões se perderam diante de tanta perversidade. Sei que a crise nervosa ainda agora me esfarrapa a cabeça e me sinto perturbado. As fezes que carreguei durante tantos anos eram fictícias, mas me enlamearam verdadeiramente, e eu me sentia sujo, a carregar com as mãos as minhas perversidades. Que momentos de angústia e de dor, Santo Deus! Que momentos de sofrimento!

É por isso que bendigo a ajuda dos companheiros, destas entidades bondosas, que me foram buscar lá no meu canto de escuridão, de onde não saí senão para tomar este lenitivo de amor. Agora estou podendo locomover-me e sinto que a vida vai prosseguir. Como gostaria de não ter escrito nada disto e, no entanto, bendigo esta mensagem, que parece fixar os meus dramas, limpando-me por dentro. É por isso que peço para que o irmão não jogue fora este papel, pois tudo o que aqui registrei pode voltar de novo para dentro de mim, pois as vibrações parecem ter ficado todas impressas.

Peço perdão pelo desequilíbrio da manifestação. Gostaria de poder fazer algo de bom que compensasse algumas das faltas. Se este longo desabafo, se este relatório, se esta mais verdadeira e fiel confissão servir para purgar os crimes, através da sustação de outros, que possam ser impedidos pelo temor de que venha a ocorrer o mesmo com algum dos leitores, aí ficarei um pouco feliz e satisfeito, pois logrei tirar algum proveito deste chorrilho de asneiras.

Pedem-me para rezar um pai-nosso e uma ave-maria, miserável e pobre pena para quem tanto pecou, diminuta penitência, mas que me fará derramar lágrimas de sangue, se todo o arrependimento se transformar em agradecimento pela bondade do Senhor. Deus seja louvado! Para sempre seja louvado!


Comentário

O irmãozinho está seriamente empenhado em se libertar dos males conscienciais que se infligiu durante mais de setenta anos, desde que abandonou a carcaça. Não sabia que havia transcorrido tanto tempo, motivo pelo qual se admirou das pessoas com quem contatou durante o passeio que demos.

É preciso dizer que tomamos a figura do médium para demonstrar-lhe o que havia perdido com seu desvario, de modo que a descrição das personalidades das pessoas não deve enganar o mediador ou qualquer leitor menos atento às possibilidades que temos de transformação da aparência da realidade junto aos sofredores. Foi ilusão criada por nós para favorecer a aceitação de ficar ao lado do médium, para a escritura catártica.

Como sempre, encaminharemos a pobre criatura para a organização mais conveniente para seu tratamento. Não vamos especificar qual nem descrever as razões da internação, dado que muitos tópicos deixaram de ser levados ao conhecimento dos encarnados, havendo inúmeros outros fatores determinantes de nossa decisão. Não é para matar a curiosidade dos leitores que lhes trazemos situações tão dolorosas e angustiantes. É para pedir-lhes as preces colaboradoras, para apoio e sustentação do trabalho socorrista.

Fiquem todos na paz do Senhor!

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