O último texto de Fernando Tanajura remeteu-me à questão da coragem , assunto que repensava desde a semana passada, por ocasião de uma ida ao Zoológico.
O calor estava carioca e mantinha-me em frente à jaula de um leão faminto, ansioso por sua refeição diária. Veio então um tratador que passou a lançar-lhe inocentes pintinhos, vivos e assustados. O primeiro deles foi logo capturado e os demais permaneceram imobilizados, rendidos à apavorante sorte.
Chocada, narrei a cena para um familiar que tem viajado a trabalho para o interior de Goiás. Há algum tempo vimos construindo algumas reflexões sobre o romantismo que envolve a vida interiorana, o cidadão das grandes metrópoles desconhecendo os seus jogos de poder, os estigmas e o patrulhamento abusivo. E ele chegou a conclusão de que a cidade grande é, basicamente, a selva e a pequena, o Zôo.
Achei interessante a comparação, ressaltadas as constatações de que perdas e ganhos são decorrentes das duas condições de vida. No entanto,não podemos negar que nas pequeninas cidades os conchavos são maiores e os poderosos bem mais temidos. O fato de as pessoas se conhecerem e versarem sobre a origem, vergonhas e glórias dos conterrâneos exerce um controle interno perverso e desencorajador para os espíritos inovadores.
Por extensão, somos levados a pensar sobre a questão da coragem num ambiente de selva em comparação ao de cárcere. Numa perseguição pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, podemos ter a coragem de acelerar o carro, seguida da sorte de encontrarmos alguma patrulhinha em ronda. Num ambiente menor,as nossas fragilidades ou alguma forte manipulação exercida no grupo podem nos acuar ao ponto de virmos a nos entregar à autodestruição.
Assisti há algum tempo um depoimento de um juiz da área de família. Dizia ele que a sua experiência profissional apontava para o fato de que a família era a instituição mais perversa que havia. Os casos que presenciava diariamente apontavam para a tortura psicológica sumária, a ponto de muitos jovens e crianças preferirem a segurança da selva, dormindo sob as marquises.
A subjugação dos outros aos nossos interesses e caprichos... Mesmo referindo-se ao Usina, caso nos falhassem a consciência e o sentido de justiça, poderíamos estar fadados a sermos comparados aos 'reality shows' televisivos.
O eterno conceito do bem e do mal deve ser repensado em termos de vidas pacatas e selvas, visto que a última pode favorecer a fuga e até mesmo a defesa posterior. É muito bom podermos exercer a coragem de vivermos com liberdade, sem que nenhum tratador 'bem-intencionado' venha a nos transformar em presa acuada...