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Ensaios-->Moura Lima - Do Romance ao Conto -- 28/04/2002 - 21:33 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Pós-graduado em Crítica da Arte e Teoria do Romance
Membro da Academia Piauiense de Letras
Crítico Literário






MOURA LIMA - DO ROMANCE AO CONTO
Travessia fecunda pelos sertões de Goiás e Tocantins


Estudo crítico-histórico-biográfico de MIGUEL DE MOURA
Seleção de textos do Autor
Fortuna crítica: Assis Brasil e Clóvis Moura

















ENSAIO 2002

Capa:

Editoração Eletrônica:
Francisca Rodrigues de Brito




Reservados os direitos de reprodução
para todos os países.
Copyright by
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Impresso no Brasil
Printed in Brazil







FICHA CATALOGRÁFICA


Moura, Francisco Miguel de, 1933-
M929s MOURA LIMA: Do Romance ao Conto – Travessia Fecunda Pelos Sertões de Goiás e Tocantins, por Francisco Miguel de Moura,
Gurupi, Gráfica e Editora Cometa
P. - 1ª Edição - 2002
1. Literatura Brasileira ENSAIO.
2. Século 21: ENSAIO: Crítica Literária
Tocantinense
I. Título
CDU: 869.0(817.32)-34


Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem permissão expressa do autor. A violação dos direitos autorais é crime.







SUMÁRIO



Entrevista com o Escritor Moura Lima .................
Introdução – Síntese Biográfica .............................
Linguagem e Estilo – Técnicas de abordagem do Texto.....
Serra dos Pilões – Temática e Perspectiva........................
Um romance de Projeção Nacional..........
Cosmovisão e Estímulos para a Releitura da Obra......
Análise Estrutural de Chão das Carabinas...........
Características Gerais do Romance......
Coordenadas da Prosa Mouriana. Flexibilidade Combinatória......
O Folclore como Traço de Cultura Espontânea, na Obra de Moura Lima....
Conclusão......
Seleção de Texto da Obra de Moura Lima......
Fortuna Crítica: Assis Brasil e Clóvis Moura (USP).........
Bibliografia ................





















ENTREVISTA COM O ESCRITOR MOURA LIMA



F.C – Moura Lima, ao ser abordado por nossa reportagem, como recebia essa honrosa premiação, isto é, o prêmio Malba Tahan de Literatura /2000, da UBE/RJ, assim se expressou:
-Vou receber a premiação com grande emoção e em nome do Tocantins, de Gurupi, e de todos os segmentos culturais do Estado.
F.C – O seu reconhecimento literário, por sinal bem merecido, pela grandeza da sua obra literária, fora e dentro do Tocantins, não tem provocado ciumeiras e inveja?
-Creio que não, pois o nosso trabalho é independente e regional. E tem um só objetivo: resgatar e contribuir para a independência cultural do Tocantins, em relação aos outros estados. Mas é prudente lembrar o escritor Giuseppi Fumagalli, que, na sua obra “Chil’há detto”, cita a frase de Ugo Foscolo, que assim definiu os apedeutas literários: - “Não há animal mais invejoso do que o falso literato”. E parafraseando o escritor Francisco Virgílio, acrescentaríamos: - se o pretenso literato não tiver uma boa formação cultural, não passará de uma gralha empavonada e, lamentavelmente integrará a turma do foguete.
F.C – Qual a sua visão da literatura tocantinense?
-É bastante otimista. Embora estejamos no pórtico do umbral para a luz, isto é, na fase embrionária.Mas devemos proclamar de viva voz: o Estado do Tocantins é um imenso laboratório que aguarda ansioso os pesquisadores, estudiosos de todos os campos do saber. No fundo, o Tocantins foi feito com suas belezas naturais para acabar num belo livro.É só aguardar.
F.C – É gratificante ser imortal, em termos de ingresso em uma Academia de Letras?
-A questão da imortalidade é relativa, como o eternizar-se na memória dos homens. A ânsia de imortalidade é um desejo oculto ou inconsciente do coração humano.Eu, pessoalmente, não a desejo, a não ser para a minha obra. Mas é de bom alvitre ouvirmos Shopenhauer: - “O número dos livros escritos numa língua pode estar para aqueles que se tornarão parte de sua literatura verdadeira e duradoura, mais ou menos na proporção de cem mil para um”. Assim sendo, a relatividade está presente, e o livro é o passaporte único para a imortalidade. Imortalidade sem livro é imortalidade sepultada. E uma Academia de Letras, quer sim, quer não, é uma elite cultural.
Portanto, bater nas portas de uma Academia de Letras em busca da imortalidade, sem livro publicado, é como mendigo a pedir esmola. E, por último, eu direi: todo escritor é um imortal mortal!
F.C – Fale um pouco mais sobre a técnica e o mundo do regionalismo e suas variantes?
- O regionalismo brasileiro é marcado pelo amor à terra, edificado no homem, sua organização social; é também historicista, memorialista e profundamente cheio de reminiscência do paraíso perdido de uma época e determinadas ações, de elevação, do construir e reconstruir da vida. É a leitura do horizonte particular em relação ao universal, mas sempre marcado pelas raízes populares.
F.C – O escritor regionalista, pelo que se percebe, tem uma liberdade gramatical enorme, até mesma inovadora, o que de certa forma irrita os clássicos, os gramatiqueiros, é verdade esse posicionamento?
- É verdade.Os clássicos, os ortodoxos da gramática correm do regionalismo como o diabo à cruz! Mas vamos buscar a resposta na opinião abalizada da escritora, filóloga e crítica literária, de renome nacional, a professora Nelly Alves de Almeida, que assevera na sua monumental obra, “Estudos Sobre Quatro Regionalistas”: - “Outra face interessante no escritor regionalista é o personalismo evidente que revela e que não o prende ao formalismo gramatical. A filologia, modernamente, situa a língua falada acima da língua escrita”. Por isso é que se conclui que um dos melhores métodos de se estudar português arcaico é enveredar-se nos rumos ditados pelo regionalismo. E, na obra “Caatingas e Chapadões”, de 1913, vamos encontrar o escritor Assis Iglesias andando no lombo de burro, pelos altos sertões do Piauí, registrando o falar sertanejo, e comparando-o ao português arcaico, herança do colonizador, como por exemplo, a palavra “esprito”, que vamos encontrar desta forma, grafada em Camões. E para se entender em profundidade o regionalismo, é necessário voltar-se aos cânones da língua, ou seja, o português deixado pelo colonizador na memória do mato.
F.C – Temos conhecimento que você possui a melhor biblioteca do Tocantins, especialmente em livros raros sobre a nossa região, e, como fica o empréstimo destas obras?
- Realmente possuímos obras raras, que nos custaram 20 anos de procura, no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Maranhão e Piauí.Agora, quanto ao empréstimo, fico com a opinião do Marquês de Marica: - “No Brasil não se podem emprestar livros: os que os recebem, consideram-nos dados e não emprestados”.
F.C – Qual a sua opinião sobre os livros editados, na atualidade, no Brasil e no Tocantins?
- No momento podemos dividi-los em duas classes: os passageiros e os permanentes. Os primeiros são escritos pelos praticantes da literatice, da vaidade pessoal.E o próprio tempo se encarrega de sepultá-los na cova do anonimato. Os segundos são escritos com alma, seriedade e amor à cultura. E tem um destino certo: a posteridade!
F.C – E o que vem a ser na acepção da palavra o escritor?
- Recorrendo a Maximo Gorki, que é considerado o maior escritor do século XX, eu diria: - o escritor é o porta-voz emocional de seu país e de sua classe, é seu ouvido, seu olho e seu coração: é a voz de sua época.Deve saber tanto quanto seja possível, e quanto melhor conheça o passado melhor entenderá seu próprio tempo, com mais força e profundidade entenderá o caráter universalmente da nossa época.
F.C – O que é necessária para que uma obra literária seja considerada boa, do ponto de visita do leitor e da crítica literária?
- De acordo com os estudiosos, dois pontos são fundamentais, na elaboração de um texto literário: a universalidade e a multissignificação. Portanto, o leitor munido de sua bagagem cultural, pode mergulhar, nos espaços ocultos do texto e colher as emoções análogas às que habitam o seu mundo psicológico. Resumindo: polissemia e universalidade é que vão determinar a grandeza de uma obra literária e, conseqüentemente, a sua permaneça diante do tempo.

(Transcrito do Jornal Folha da Cidade, Gurupi – TO, Edição nº 248, Setembro de 2001)


































INTRODUÇÃO




SÍNTESE BIOGRÁFICA DE MOURA LIMA


“A arte deve antes de tudo e em
primeiro lugar embelezar a vida.”
Nietzsche






Ao abrir o presente ensaio, alguns esclarecimentos preliminares se fazem necessários para que nos situemos no contexto histórico da obra de Moura Lima, começando pelos seus dados biográficos.

O romancista JORGE LIMA DE MOURA (literariamente Moura Lima) nasceu em 2 de dezembro de 1950, na fazenda Capim-Puba, localizada nas proximidades de um vilarejo denominado Capelinha (hoje Heitoraí), distrito de Itaberaí, situado às margens do rio Uru, extremando com Goiás Velha e os sertões do Vale do São Patrício, no Estado de Goiás.
Nessa fazenda e nos arredores do povoado passou a infância e adolescência, juntamente com seu pai, Guiomar Rodrigues de Moura, natural do Norte de Goiás, antigo Descoberto, hoje Porangatu, e de sua mãe, Conceição Lima de Moura, nascida em Igarapava, São Paulo, tendo sempre presente a avó, Doralice Rodrigues Prateado e a imagem do avô paterno, Pedro de Moura Alencar, de Chapada do Corisco – Teresina – Piauí.
E segundo Moura Lima:
“- Meu avô paterno cruzou esse chão bruto do Nortão de Goiás, hoje Tocantins, provindo do Piauí, nos idos de 1915, no lombo de burro, seguindo pelos trilheiros machucados pelos cascos das tropas e das boiadas, ao tilintar das esporas no arco de ferro, dos cincerros e do estalar da taca, e foi bater com os costados em Descoberto (Porangatu), nas margens do rio do Ouro, onde situou a sua fazenda de gado. Posteriormente, acompanhou o meu bisavô, Coronel José Rodrigues Prateado, de muda para Amaro Leite. E ali, nos chapadões e descampados das vertentes do rio Macaco, veio a falecer a 1º de julho de 1923”.
Moura Lima retrata, com orgulho, a sua infância bem vivida, na fazenda Capim-Puba, de seu pai, afirmando:
- “Nasci na era dos carros de boi, e ali na labuta do dia-a-dia, por aqueles rincões, fui candeeiro de meu pai, por caminhos esbrugados e baixadões”.
“Moura Lima com essa bagagem genética tocantinense, tornou-se um dos maiores nomes da literatura regional do Estado, pois com seu romance “Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros”, recebeu os aplausos dos meios intelectuais de Goiás e de grandes nomes da literatura brasileira.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros foi enviado pela Universidade do Tocantins para Central Connecticut State University (Biblioteca Central de Connecticut U.S.A), que solicitara ao Governo do Tocantins obras de divulgação sobre o Estado, como também foi para o Japão.
Moura Lima é autor do primeiro romance do Estado do Tocantins Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, pesquisador incansável, possui um acervo respeitável do que ocorreu nos últimos cem anos, nesta região (Tocantins). Mergulha sempre na poeira dos arquivos, para resgatar os nossos costumes e tradições. E tem uma particularidade interessante, não é escritor regionalista de gabinete, mas, sim, de campo, pois já andou em toda nossa base territorial e conhece bem nossa fauna, flora e o linguajar do nosso sertanejo. Sentiu de perto o cheiro da terra, dos ribeirões e das nossas matas ciliares. Aí está o segredo da seriedade da criação literária de Moura Lima, que soma aos seus estudos lingüísticos e de semântica o falar vigoroso de nosso sertanejo ao conhecimento “in loco” da nossa realidade histórico-social e antropológica. ( in Jornal Folha da Cidade).”
Moura Lima é casado com Alvininha Queiroz de Moura. Tem dois filhos: Leonardo Queiroz de Moura e Rodrigo Jorge Queiroz de Moura.
Fez os estudos preliminares na fazenda, em Uruana, Trindade, Itaberaí e o clássico, em Goiânia. Iniciou seu curso de Direito em Anápolis, (1980), na Universidade Evangélica, vindo a concluí-lo na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi, em 1989, no Estado do Tocantins. Foi escolhido e eleito orador da turma. Além de bacharel, advogado militante, é pós-graduado em Língua Portuguesa pela Universidade de São Gonçalo – FISG-RJ, agrimensor e técnico em agropecuária. É estudioso da Arte Real e recebeu o grau máximo da maçonaria brasileira, ou seja, grau 33, outorgado pelo Supremo Conselho do Brasil - Grande Oriente do Brasil.
É necessário salientar que Moura Lima detém uma relevante folha de serviços prestados ao Tocantins, como servidor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, onde foi Executor do Projeto Fundiário de Gurupi, Chefe da Administração e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Terras Devolutas da União, no Estado de Goiás, atuando especialmente na então Região Norte de Goiás, hoje base territorial do Estado do Tocantins.
É membro fundador da Academia de Letras do Estado do Tocantins, cadeira n.º 15 (ex-vice presidente) e membro do Instituto Histórico e Geográfico, também do Conselho de Cultura do Tocantins, pertence à Academia Piauiense de Letras, como membro correspondente. Possui vários artigos publicados em jornais e revistas. Recebeu o diploma “Personalidade Cultural” da União Brasileira de Escritores / Rio de Janeiro, por serviços prestados à Cultura Brasileira, em solenidade no auditório da Academia Brasileira de Letras.
Por força do Decreto Legislativo n.º 01/96, a Câmara Municipal de Gurupi concedeu-lhe o título honorífico de Cidadão Gurupiense.
Moura Lima, com essa linguagem oriunda do meio rural desde sua origem e com a continuidade no trabalho fundiário, conquistou a experiência, graças à árdua tarefa de andar por todo o sertão do Norte de Goiás, ora pelos trilheiros, no lombo dos matungos, ora pelos chapadões, ou de canoa pelo rio Tocantins. Assim, constitui-se autor regionalista de mão-cheia que, não obstante ser registrado civilmente como Jorge Lima de Moura, assina seus trabalhos com o nome literário de Moura Lima.
O talentoso Moura Lima, contista, folclorista e romancista, vem-se dedicando, com afinco, a escrever (e reescrever) suas obras em linguagem viva e fiel à paisagem tocantinense, em busca de uma forma perfeita, embora reconheça que a perfeição não é humana, mas apenas um ideal a perseguir. Na sua ação de alguns anos, adquiriu autoridade para tanto, não só por ter visto de perto nossa fauna e flora, mas principalmente por ter convivido com o homem do campo, no coração do sertão.


PREMIAÇÕES RECEBIDAS

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio Destaque do Ano – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance. Serra dos Pilões como a melhor Obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio Personalidade Cultural - UBE - RJ / 1999.
Prêmio Malba Tahan de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileiro de Escritores - RJ - Obra: Veredão - Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio Profº Joaquim Norberto / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ. Obra - Mucunã - Contos e Lendas do Sertão.


OBRAS QUE LHE FAZEM REFERÊNCIA


Enciclopédia de Literatura Brasileira - Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa.Ministério da Educação/FAE, 2ªEd, Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses - Márcio Barcelos e Erlene S. Dias.ED. KELPS,Goiânia-Go,2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps,Goiânia-GO, 2000 - Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano - José Mendonça Teles.Kelps,Goiânia-GO,2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás - Mário R. Martins.Master,RJ, ,1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins – Kelps,Goiânia-GO, 2000, Mário R. Martins.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS –Cartográfica,Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos - Adrião Neto.Teresina-PI,1998.
Fazer o Piauí - Crônicas do Meio-Norte - Enéas Athanazio – Ed.Minarete, 2000- Santa Catarina
Coletânea - Escritores Brasileiros em Prosa - Adrião Neto.Teresina-PI,1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga.( Inédito)
Apocalipse-Espécie Terminal-Assis Brasil/ 2001 – IMAGO/RJ.
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto.Teresina-PI,2000.
Documentário jornalístico literário sobre Serra dos Pilões – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins – 1995.


OBRAS DO AUTOR

Poemas Errantes – 1971. Ed. Elite, Goiânia-GO,1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971.Graf.Sousa,Itaberai-GO,1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros-(primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1º ed. 1995 (esgotada), 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada), 3ª ed. Revista e Ampliada - 2001. Editora Cometa-Gurupi-TO.
Egrégora Poética.
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Solidões do Araguaia – Romance (inédito).
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª Ed. 1999, Ed.Cometa-(vestibular FAFICH-TO - esgotada).
Alvina Gameiro – Ensaio, publicado no Jornal MEIO NORTE (Encarte),2001, Teresina-PI.
Mucunã - Contos e Lendas do Sertão –Ed.Cometa,Gurupi-TO, 2000 - (vestibular FAFICH-TO - esgotada).
Chão das Carabinas - Coronéis, Peões e Boiadas - Romance – Ed.Cometa,Gurupi-TO, 1ª Ed. 2002.
Negro D’Água - Lendas e Mitos do Tocantins - Contos –Ed.Cometa,Gurupi-TO, 2003.
Inéditos: O Caminho das Tropas – Revoltosos Peões e Boiadas – Romance. Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.








Capítulo 1



LINGUAGEM E ESTILO – TÉCNICAS DE ABORDAGEM DO TEXTO


“A linguagem é a morada do ser”.
Heidegger



Duas excelentes obras literárias no gênero, Serra dos Pilões, romance, e Mucunã, contos, de autoria de Moura Lima, escritor do Tocantins, enriquecem a literatura brasileira, neste final de século e começo do milênio. Do primeiro, Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, já escrevi antes, é uma preciosidade em matéria de regionalismo, livro suculento de vida e paixão, uma saga impressionante dos costumes e falares, da
vida e símbolos dos seres viventes do centro do país. O espaço geográfico onde transcorre a trama romanesca é o Jalapão, região agreste a oeste de Palmas, no Estado do Tocantins, e, diga-se de passagem, que a obra de Moura Lima contribuiu e muito, para divulgar aquele mundão isolado, de chão areento, cheio de dunas e da bela “Cachoeira da Velha”, pelo país afora. Hoje, o Jalapão é um dos cartões postais das belezas naturais do Brasil.
Do outro, o de contos, digo que é um dos mais lindos livros de histórias do sertão, em linguagem gostosa do povo misturada com a descrição de seus hábitos e vivências, que seu autor, Moura Lima, soube muito bem adaptar ao gosto do leitor comum de hoje, do campo e da cidade. A leitura não cansa. Li-o e reli-o todo e tornei a ler algumas de suas principais peças: “Um Balseiro no Rio do Sono”, “Mucunã”, “A Tocaia”, “Do Corte de Faca Veio a Salvação”, “Lobisomem” e “Ataque”. Não vou catar no texto do Autor, que cria ou recolhe do meio do povo e coloca no discurso, uma relação de palavras e expressões como fiz antes, quando tratei de Serra dos Pilões – eis que isto é tarefa para dicionaristas. Penso que esse livro de Moura Lima deve ser reeditado urgente. As histórias que conta desfiam naturalmente como a correnteza do rio Tocantins. Não obstante a origem de seus diálogos, de suas fábulas, ser na gente inculta do sertão bruto, portanto gente franca, que não usa de sutilezas, não escolhe palavras nem esconde misérias, o Autor se encarrega de tornar a escrita suave, portanto a leitura também, suave e agradável, sem deturpá-la nem deformá-la. Por quê? Porque naturalmente Moura Lima ouve esses casos com interesse e os guarda no coração e na memória, para depois trabalhá-los como um perito, como o artista trabalha sua matéria prima de olho no produto final, a jóia.
Livros de contos são muito difíceis de serem apreciados integralmente, mas podemos apontar-lhes as qualidades do estilo em bloco, o material que impressionou o autor, a forma do seu discurso – e é bem isto que pretendo, aos poucos, ir mostrando, sempre que possível com alguma transcrição, pois a melhor prova vem do próprio texto – esta é a lição que vem da crítica expressionista, aquela que há muito venho praticando.
Assim, considerando que, de ponta a ponta, a linguagem e o estilo do Autor de Mucunã, não sofreu grandes alterações neste nem nos outros, seja no romance, seja nos contos, salvo para melhor, pelo trabalho diuturno com a palavra, com a língua e suas expressões, quando reescreve sua literatura – os bons autores o fazem sempre – passo a transcrever um pequeno trecho do conto que dá título ao livro mencionado:
“Quem cavalga de Chapada para Natividade, e dali até o Bonfim, depois seguindo de rota batida a oeste, obrigatoriamente transpõe o rio Manuel Alves e adentra os chapadões do Morro do Moleque, dos boqueirões calcinados e penetra nas terras exuberantes do vão do Paraná. E foi nesse chão fértil, que há muitos anos existiu a fazenda Mãe de Ouro, do Coronel Josino Candirou, o nababo mais festejado daquelas bibocas. Da Fazenda, no lombo de burro, foram levadas para fora da província muitas arrobas de ouro grosso, de bom quilate, como também a prata que era mandada nos cargueiros para São Félix, a fim de ser fundida e modelada em baixelas pra usos domésticos e ornamentação religiosa. Em tudo isso havia um resquício de nobreza e grandeza. O Coronel era um homem cruel, que multiplicou sua riqueza à custa do sangue da escravatura. Negro para ele era na peia e no trabalho, ou ajoujado no tronco. Quando se fazia presente nas missas da igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Natividade, fazia questão de exibir a sua falsa personalidade, de um bifrontismo desavergonhado e piedoso. Distribuía esmolas aos pobres e assistia às missas com todo rigor, de joelho, com as mãos postas e os beiços batendo na reza. E, após os santos ofícios, peregrinava pelos altares, babando-se e persignando-se como se arrependido dos surrões de pecados” (Mucunã, pg. 23/24).
É o início do conto e a clássica paisagem que introduz um dos personagens, o Coronel Josino. Daí vem o segundo, que passa a primeiro por sua maior presença, o impressionante Mucunã, “um negro tordilho nos anos mas ainda robusto”. (...) negro de sua confiança”. “Que dia e noite acalentava o sonho de adquirir a sua liberdade, não com fuga, como um canhambora, mas com dignidade, como homem livre, através da carta de alforria.”(Mucunã, pg. 24).
Se saltarmos para o romance Serra dos Pilões, por sinal, primeiro romance do Estado do Tocantins, vamos encontrar as mesmas qualidades. Abra-se o terceiro capítulo, da terceira edição. Se assim observo é porque, do confronto com as edições anteriores, vê-se que foi reescrito, e reescrito para a graça dos leitores. Chamo a atenção para o início da página:
“Tudo calado. Vila morta. Bagaço de tapera. Um cemitério. Do alto da igreja de adobes, em construção, um menino pardo, de gongo, apoiado nos batoréus de aroeira, repica o sino.” (Serra dos Pilões, pg. 24).
A cena é poética, lírica pelo assunto e pelo ritmo, pela simplicidade e pela síntese. Logo abaixo escolho outro trecho que poderia ser arrumado em versos (sem as vírgulas do texto, para figurarem como versos à moda pós-moderna):
“O som vai longe”.
atravessa a vila morta
o rio Tocantins
para se perder
pelos cerradões distante...” (Serra dos Pilões, pg. 24).

Certamente por isto e também por causa do sexto sentido, que só possuem as mulheres e os poetas, foi que a doce Stella Leonardos concebeu aquele significativo ícone para Moura Lima:
“– Cantai, mestre Moura Lima:
como nasceu vosso livro
tão de força e sertão vero?
– Senhora, nasci na era
dos carros de boi, e ali,
na labuta do dia-a-dia,
batendo aqueles rincões,
fui candeeiro de meu pai,
por esbrugados caminhos
e baixadões.

– E a linguagem vossa, viva,
que nos vem tão forte assim?
De onde vem? De onde a pujança?
– Ah moça, vem das andanças.
Vem do norte de Goiás,
pelos telheiros vem vindo
ou no lombo dos matungos
ou nas canoas do rio
– o Tocantins.

– E as cores do populário?
E o místico sincretismo?
E o flagelo dos jagunços?
E o coração sertanejo?
– Das notas reais de outros tempos.
– Só sei que o romance vosso,
Só sei que o talento vosso
São mais que ficção e História.
Em nós rapsodos se tornam
rapsodiar inesquecível,
regionalista rapsódia.”
(Repensando “Serra dos Pilões”)
Muito mais pode ser captadas em matéria de ritmo, cadência, musicalidade e beleza de imagens, ao longo do romance. Além disto, sente-se que a paisagem é usada como nenhum outro regionalista usou até aqui. Não é apenas para preencher espaço ou mostrar este ou aquele aspecto da terra, da mata, dos montes, das águas, nada disto. Os caminhos e as estradas, as cabanas e as árvores, quando são marcos merecem destaque porque fazem parte da vida dos personagens. Usa-a como técnica significativa, moderadamente, visto que não deve dar prioridade aos volteios psicológicos, que não são o forte daquela gente.
A criatividade e o humor, especialmente através da dialogação, perpassam diversos espaços de Moura Lima, a fim de que as tragédias – mas quase ia dizer os flagelos – não se tornem tão insuportáveis ao leitor, de tão opressivos.
Note-se também um certo abrandamento estilístico nas edições mais recentes dos seus livros, onde as orações introduzidas por “que” agora são substituídas por gerúndio ou particípio passado, recursos entrementes usados com parcimônia, como todos os demais da escritura do tocantinense Moura Lima, entre os quais podemos citar o polissíndeto (tão comum entre os caboclos do mato quanto no estilo bíblico), as expressões adverbiais tipo à bruta, à boca miúda, etc. (em substituição muitas vezes ao gerúndio) e as metáforas do tipo: a) A cobra-grande deu outra rabanada na cacunda do rio, e serenou (Chão das Carabinas, pg. 67); b) As badaladas quebram o silêncio mortuário. (Serra dos Pilões, pg. 23); c) E o negro criminoso caiu na gaitada do cão, e de madrugada fez sertão (Mucunã, pg. 33).
Lendo-se com vagar esses dois livros, Serra dos Pilões e Mucunã”, constata-se, sem o menor esforço, que eles se alçam quais monumentos eloqüentes da prosa brasileira regionalista.


Capítulo 2

SERRA DOS PILÕES – TEMÁTICA E PERSPECTIVA



“A verdade literária, como a verdade histórica, só pode constituir-se na multiplicidade dos textos e dos escritos”.
Lucien Dallebach


Serra dos Pilões é um acidente geográfico do Tocantins e, como vimos, título de um dos romances de Moura Lima, escritor que tem raízes no Piauí e no Maranhão e talvez ainda seja meu parente, desde que os Mouras, vindos de Portugal, espalharam-se por muitos cantos deste Nordeste. «Jagunços e tropeiros» é o subtítulo. Tropeiro não apresenta nenhum obstáculo para o entendimento comum, mas jagunço, sim. Segundo o Aurélio, era o «indivíduo do grupo de fanáticos e revolucionários de Antônio Conselheiro, na campanha de Canudos - Bahia», mas pode ser também sinônimo de «capanga - valentão que se põe a serviço de quem lhe paga.» (Novo Dicionário Aurélio, 2ª edição, 1986, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Nova Fronteira, Rio, 1986, pg. 980) .
Entretanto, tenha a significação que tiver, Moura Lima tratou ali da disputa entre dois grupos rivais de bandoleiros, no antigo norte de Goiás, onde hoje é o Estado do Tocantins: o grupo do Abílio Batata, ora chefiado por Cacheado, e o do Capitão Labareda, oriundo do grupo de Cipriano Rodrigues. O primeiro era composto de malvados e sanguinários que mentiam, roubavam, iam estuprando mulheres por onde passavam, matando pessoas indefesas com requinte de extrema crueldade, e sequer enterravam os mortos. Dessa forma, era o terror na região. Já o segundo grupo, chefiado pelo Capitão Labareda, em virtude mesmo da personalidade deste, era menos desumano, pelo menos respeitava as famílias e os indefesos, enterrava os corpos dos valentes, excluindo apenas os dos traiçoeiros ou covardes, e tinha uma ética própria mas conforme com a cultura daquela região. Composto pelo chefe Labareda, seus imediatos Gavião e Corta-Cabeça, mais Boca de Sino, Zé Peba, Pontalete e cerca de uns quarenta cabras dos bons, aos quais iam-se juntando outros no longo trajeto, como já quase no final da história acontece com Seu Bocório e Vicentão (o guia). O grupo do Capitão Labareda gozava da simpatia geral da população e era bem acolhido onde chegava, pois queria vingar as crueldades do outro grupo, especialmente as praticadas contra os tropeiros e os habitantes de Pedro Afonso, em 1914/1915. O autor faz crer que o povo queria e necessita do fim do grupo de Cacheado pra poder viver em paz, naquelas bandas. Citemo-lo, no capítulo final:
«O Capitão desce do barranco com os jagunços e verifica os cadáveres. Os que ainda estão com vida são sangrados. O Capitão parou por um minuto na frente do cadáver de Cacheado, e não se conteve. Descarregou a carabina de papo-amarelo no corpo do infeliz. Ali estava consumada a vingança de Pedro Afonso e dos tropeiros. E o fim da sebaça na região. O velho Bocório recomendou sepultura aos defuntos, mas foi interpelado por Labareda: - Que sirvam de repasto pras onças e tatus.»
Àquela altura, já havia, comovido e triste, dado ordens a Corta-Cabeça sobre o que fazer com o corpo de Gavião, um dos seus homens que tombara na batalha final:
«Sepulte-o junto de uma aroeira frondosa. É a homenagem de todos nós, pois ele era um forte e merece ser lembrado como um forte.»
História de homens fortes. Um livro forte também, levado pelo sentimento. E assim sendo, sua pontuação denuncia as pausas da emoção, especialmente as vírgulas. Observe-se, portanto, o seu deslocamento quase que puramente emocional. Moura Lima é superdedicado aos temas regionais e um estudioso profundo das condições de vida do homem daquele hinterland. Não fora ele no Tocantins, Fontes Ibiapina, William Palha Dias e Alvina Gameiro no Piauí, Hugo Carvalho Ramos, Bernardo Elis e Alaor Barbosa em Goiás, e alguns poucos no Nordeste e no Amazonas, toda essa riqueza que arrancam da terra e do povo para legar ao futuro estaria fadada ao esquecimento.
No afã de dar uma contribuição aos dicionaristas e lingüistas, depois de ler «Serra dos Pilões» escrevi um artigo em que me abalancei a fazer uma lista, embora que não exaustiva mas um pouco maior do que o «glossário» que o Autor oferece em cada edição – a primeira de 1995 e a última de 2001 – mas tal lista me dispenso de repetir agora por não achar pertinente, colocando apenas que são termos incomuns, alguns não-dicionarizados, os quais mexeram com minha curiosidade dentro do contexto do romance, começando por afuazado e terminando em zangarreio, num total de 234 palavras.
Serra dos Pilões, no início, tem um ritmo lento e merece paciência do leitor, mas depois vêm os momentos compensatórios, a emoção, as lutas, as viagens, as conversas, o relato das atrocidades, tudo o que faz o leitor encontrar vestígios de humanidade naqueles homens duros, valentes, criados sem lei nem rei, sem religião, salvo um ridículo sincretismo. Quando Corta-Cabeça faz um parto e a criança e a mãe sobrevivem - eles, que vivem de matar e praticar a justiça com as próprias mãos, como era a lei do sertão, todos se alegram pela chegada de nova vida. Outros momentos: o romance do Capitão Labareda com Dona Bela é engraçado e comovente.
«Simples e linear» com já disseram, prefiro a classificação naturo-regionalista para Moura Lima, por lembrar-me do velho mestre João Felício dos Santos. Como algumas vezes aqui e ali entremeia frases populares, cantigas e belos floreios sobre a natureza, lembra nossos escritores sertanistas do tempo do romantismo, um Bernardo Guimarães ou um Visconde de Taunay. Mas apenas lembra. Suas contribuições ao moderno romance regionalista são evidentes. Num exercício classificatório, direi que Moura Lima é primitivista, sem ser primitivo, naturalista sem escola e realista que não transcreve somente mas cria. Já na primeira obra mostra sua força.




Capítulo 3

UM ROMANCE DE PROJEÇÃO NACIONAL


“A obra de arte é um processo de formação das imagens na sensibilidade e na inteligência do espectador”.
Einstein



Serra dos Pilões, romance reeditado pela terceira vez, que tem como cenário a bela região do Jalapão, ganhou uma amplitude especial com o artigo elogioso de Assis Brasil, que considera o escritor tocantinense não da sobriedade de Adonias Filho ou do exagero de Guimarães Rosa, mas como um meio termo de equilíbrio entre os dois. Já o sociólogo e poeta Clóvis Moura profetiza que, pela temática, pelas inovações técnicas e por outras qualidades literárias, sua obra “irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística.”
Os dois críticos acertaram na mosca. Tudo o que Moura Lima publicou depois foi de boa qualidade, aprimorando o talento já percebido por aqueles dois e por outros críticos que lhe fizeram coro.
Disse acima que não faria mais aquela espécie de catalogação de palavras tão cara aos dicionaristas. Mas não há como falar de uma obra regional – os contos de Veredão, 1999, de Moura Lima, no caso – sem apontar-lhe alguns termos mais esquisitos, diferentes da linguagem comum da gente da cidade. Então, só para excitar a curiosidade dos leitores, coloquemos aqui estas palavras por mim colhidas do primeiro conto: esquinchou, capurreiro, remanga, promode, currulepa, escarrapachou, salga-bunda, mirindiba, tapiocano, guainhã, capuão, cacaio, borraina, butucum, tirimbaço, cassununga, brabobó, azuretado. Alguns desses vocábulos são variações de outros, mas nem por isto perdem o interesse. Por exemplo, guainhã, variação de guanhã, que o Autor registra num glossário do final da obra com o significado de grande extensão de terra.
Tanto os contos de Moura Lima quanto o seu romance alcançam geograficamente a região central do Brasil: sul do Piauí e Maranhão, norte de Goiás (hoje, seu Estado, o Tocantins) e oeste da Bahia, como território geográfico, mas imensamente mais do que isto, porque levanta o modo de viver e falar do homem daqueles enormes sertões, portanto são, além de arte, sociologia e psicologia, história e memória, estilo e costumes. Regionalismos e folclóricos, mas também com bastante invenção. Neles, a verdade nua e crua dói mas é catártica. E quando julga ser impossível alguém suportá-la, põe-lhe o Autor uns laivos de lirismo. Emoção é que não falta, do princípio ao fim, na leitura de Veredão, mesmo nas peças que não seriam propriamente contos, mas crônicas: “Esperteza de Mendigo”, “O Entrudo” e “Meu Povo, Minha Terra”, as quais cito não por menores, mas como variação. Em sua grande maioria são trágicos, a começar do primeiro, “Veredão”, que se passa numa noite de caçada, com dois personagens, Timborão e Zé Guedes, quando acontece um terrível incidente. A tensão é grande. Talvez por isto o Autor termine suas histórias com uma frase poética, normalmente envolvendo as belezas que a mãe Natura oferece naquelas paragens. “A luminosidade da manhã começava a penetrar os galhos folharudos do robusto pequizeiro.”(Veredão, pg.17). Já o conto “Tropeiros do Jalapão”, o segundo do livro (saga menor, só em tamanho é claro, que o romance Serra dos Pilões), é onde a sabença popular campeia, é o lugar da sabedoria do tropeiro-mestre João Veredão, e encontra espaço e tempo para proclamar bem humorado que “mestre não é o que sabe, mas o que está eternamente aprendendo.” ou que “burro carregado de livros, nestes sertões, pode escrever, é doutor na certa.” (Veredão, pg.21 e 25).
Alguns contos são feitos de recordações, onde o doce da saudade aplaina as agonias da vida. Basta citar o começo e o fim, por exemplo, de “Meu Povo, Minha Terra”, pois seus finais de efeito são quase norma em termo de estilo e expressão:
“Manhã de céu límpido, com imensos fardos de nuvens esparramados aqui e acolá, na imensidão daquele céu de cor azulada que se estendia além. Era o mês de setembro, a primavera havia chegado galopando no dorso das profundas transformações que se processavam em toda a natureza”(Veredão, pg.135), assim começa.
E assim termina: “De tudo isto, só fica na alma a saudade, e o nosso preito de gratidão a estes homens de almas de bronze, que nos deixaram o exemplo da dignidade e da honradez, pois todos partiram para o Oriente Eterno, deixando-nos órfão entre a decadência moral de nosso tempo” (Veredão, pg. 140).
Antes, porém, o Autor faz uma declaração de poesia, fechando com o tempo e a natureza: “E assim as lembranças iam-se aflorando, crescendo dentro de mim, naquela manhã de céu claro.”
Embora minhas transcrições não sejam suficientes para demonstração de todo o aparato artístico de Moura Lima com relação a seu paisagismo – inevitável na ficção regionalista – acreditamos que o que mostra é vivido pelas almas dos seus personagens, ou então é requerido pela história que desenvolve. Entretanto, seu discurso é de ficcionista dos bons, embora temperado com um pouco de poesia. Poeta e criador. De palavras, de histórias, de lembranças, de saudades. Romancista e contista que a literatura brasileira pode contar entre os novos e melhores desta geração de fim-de-século e começo de milênio, a trazer não somente a novidade como o novo, como o sério, como o que nos faltava. Orgulhando-se de sua terra, de seu povo, de sua língua, dessa forma é que se tornou um autêntico criador. Trabalhando material que tantos já trabalharam, não obstante conquista um jeito próprio de dizer e de escrever, o seu estilo pessoal.






Capitulo 4

COSMOVISÃO E ESTÍMULO PARA A RELEITURA






Diante da obra literária de Moura Lima: Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros, 1995 (reeditado pela terceira vez, numa 3º edição ilustrada e refundida); Veredão – Contos Regionais, 1999; Mucunã – Lendas e Mitos do Sertão, 2000; Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas, 2002 (quatro obras de ficção de peso); antes já havendo publicado Poemas Errantes, 1972 (quando estreou em livro) e Sargentão do Beco, 1971 (teatro), hesito se escrevo um ensaio. E me pergunto por que as Universidades e os professores universitários ainda não o escolheram como objeto de tese de mestrado ou doutorado. Permeando aquele rol de seus livros, de sua lavra conheço também um ensaio dos mais interessantes, singular mesmo, a começar do título: “Pelo Sertão do Piauí”, publicado na revista “Caderno de Teresina” nº 27, de dezembro de 1997, no qual, a pretexto de fazer uma explanação sobre os valores piauienses da literatura do passado e de hoje, faz uma viagem em profundidade sobre as nossas belezas e os nossos problemas, e introduz inovações na forma como o faz. Também, não poderíamos deixar de mencionar, uma outra publicação de sua autoria, o excelente e profícuo ensaio, alusivo à romancista brasileira “Alvina Gameiro”, autora do imortal Curral de Serras, publicado no Jornal Meio Norte, de Teresina, edição de 27 de maio de 2001, em forma de encarte, dentro da programação cultural “Figuras Notáveis da História do Piauí”, da Academia Piauiense de Letras, de cuja entidade Moura Lima é membro-correspondente no Estado do Tocantins.
Não contente com tudo isso, Moura Lima ainda me anuncia que está pronto outro livro: “Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins”, a sair no fim do ano.
Deixemos de lado se Moura Lima tem outras obras iniciadas, outros projetos, talvez algumas já em fase de finalização como os romances já anunciados: “O Caminho das Tropas e O canto da Seriema”. É realmente uma produção formidável para a sua idade, ficcionista que ensarilha praticamente sua arma no final da última centúria e continua no início de século e milênio, certamente para brilhar nos anos futuros. E digo assim porque, embora já tenha ganhado prêmios nacionais, tenha sido apreciado em artigos na imprensa nacional por sumidades da crítica como Assis Brasil e Clóvis Moura (Universidade de São Paulo-USP) e no seu Estado seja objeto de estudo nos cursos vestibulares e universitários é pouco para o seu trabalho intelectual tão importante. Talvez, por se tratar de um autor do centro – oeste, o desconhecimento dos meios mais cultos – o sul, o centro e o leste do país – tenham culpa. O Brasil continua com a mania absolutista de concentração do poder aqui ou ali, onde, por razões que desconhecemos, ficam localizados os meios de comunicação mais possantes como os grandes jornais, a televisão, etc.
Então, Moura Lima, veio para quê? Dizer o quê? Qual a sua contribuição para as letras regionais e para a própria literatura brasileira? É isto que os professores, estudantes e leitores de literatura em geral querem saber, uma vez que a crítica não pára de focalizá-lo, no seu Estado e em outros, e vem ganhando prêmios e mais distinções de caráter nacional. Por exemplo, o Prêmio “Malba Tahan” de Literatura/2000, do Concurso dos 500 Anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileiro de Escritores – RJ, pela obra “Veredão”, contos regionais e folclóricos.


Capitulo 5

ANÁLISE ESTRUTURAL DE CHÃO DAS CARABINAS



Passei os dias de Carnaval relendo Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas, nas Sete Cidades, onde ora me sentava debaixo de um jatobazeiro, ora de uma gameleira frondosa, de um Gonçalo – Alves, de outras árvores que existem em redor do próprio hotel, na sede do Parque Nacional das Sete Cidades, entre Piracuruca e Piripiri, em nosso Estado. E só não escolhi um pequizeiro porque não sou nenhum Isaac Newton e poderia cair uma fruta em minha cabeça sem nenhum proveito científico. Continuava a leitura sempre à sombra, só interrompida pela mordida de vez em quando de uma ou outra mutuca, e ia recebendo a brisa rala mas fresca deste período do ano. Após um capítulo mais emocionante, levantava-me, agora já fustigado pelo sol que ia a pino, e aboletava-me no meu quarto onde principiava o trabalho de alinhamento dos pensamentos, sugestões, comparações e análises. Só agora, dois dias depois, alinhados como conclusão da releitura silente, solitária, mas bem determinada e proveitosa, volto à baila.
Se, na verdade, Chão das Carabinas fosse um romance à moda antiga como costumavam ser os regionalistas do passado, seu primeiro capítulo seria mesmo o terceiro, quando o Autor tece o retrato histórico da Vila de Peixe, na região do Tocantins, outrora Estado de Goiás, que é onde a ação principal sem desenrola. Mas, não. Observa-se aí um flash-back. Já alguns personagens principais estão delineados: Arorobá e o jagunço Benjamim comandam as primeiras páginas em lances emocionantes, ali afloram também outros como o major Fibrônio Cavalcante, Gustavo Bananeira, o capitão Bentão, Cláudio Cavalcante, que vão permear todo o romance. Não se concebe romance moderno sem personagens. E o romance de Moura Lima, a despeito de ser neo-realista como convém a um bom regionalista, admite técnicas modernas que vão do flash-back às mudanças de tempo e espaço de forma orgânica, coerente, consubstancial.
Outra observação a ressaltar é que, conquanto Chão das Carabinas trate do rumoroso massacre dos Cavalcante, (Barbosa) em 1936, e de suas conseqüências, ou melhor, o romancista tenha tomado por base a história social e política dos anos trinta naqueles sertões do Brasil, não chega a ser um roman à clef – “romance ou novela com uma chave, ou seja, em que os personagens reais aparecem sob nome fictícios”, conforme conceituação de Massaud Moisés. São exemplos de tal tipo de romance Montanha (1956), de Ciro dos Anjos, em nossa literatura, e na literatura portuguesa, Menina e Moça (1554), de Bernardim Ribeiro. Muito menos será romance de tese, aquela obra em que o Autor, a pretexto de defender uma tese social, religiosa ou filosófica, o que nem sempre consegue, inventa personagens e uma história, que, no entanto ficam prejudicadas pelo premeditado das situações, pela falsificação. Há bons romances de tese na literatura universal, mas é um terreno muito arriscado. Fica para Sartre, um Eça de Queiroz, um Graciliano Ramos, estes os principais citados pelo Prof. Massaud Moisés, da Universidade de São Paulo.


Capítulo 6


CARACTERÍSTICAS GERAIS DO ROMANCE



Por mais que os franceses tenham inovado no seu noveau roman, tirado o que é passado em busca das impressões do presente, a alma da ficção é o personagem, ali também, mesmo que a “persona” se fluidifique “em busca do tempo que se vai perdendo”. E as personagens de Moura Lima, se bem que não complicadas como no romance psicológico, são marcantes. Neste Chão das Carabinas, no romance anterior (Serra dos Pilões-Jagunços e tropeiros) e nos seus contos, de vez em quando até aparece alguém candidato a personagem redonda. Talvez os mais fortes nem sejam os principais, os chamados protagonistas e antagonistas, mas a raia miúda. Estou lembrando de uma velha rezadeira de nome Chica do Rosário. Pelo tom e forma de sua reza, ela fala pelo Autor, é seu alterego, embora Moura Lima tenha me dito, numa ligeira conversa, que não ficou de nenhum lado. E não ficou mesmo. A reza de dona Chica é condenatória dos grandes do lugar, dos opressores, dos traidores, dos malvados. “Diga-me, minha mãe do céu, quem, nesta vila, não tem pecado? Valei-nos, poderoso São Miguel; com sua espada de fogo varrei da vila a legião de demônios e dai-nos a paz”.(pg.89).
Peitado pelos carniceiros do lugar para matar o major Fibrônio Cavalcante, bem fez o vaqueiro Noratão em não topar o “serviço”, embora ficasse mal visto, sendo olhado de revestrés pelos grandes do lugar. Por isto mesmo, mandou-se para a Ilha do Bananal, fazenda do major Capuba, com mulher e filhos. Os da vila do Peixe continuariam a sofrer a tristeza do massacre dos Cavalcante, a podridão da classe dirigente acostumada a mandar e mandar sem limites sobre os pequenos, agora sob a batuta do capitão Bentão E eles mesmos, esses mesmos dirigentes continuariam a sofrer a falta de paz de espírito:
- “Quem mata não se livra mais da alma do morto, a não ser quando morrer!...” (pg. 103), o velho Zé Rufino lembrava, para alertar os que participaram da chacina, quer como mandados, quer como mandantes.
Mas são tantas as personagens miúdas! Maria do Rosário, no seu desbocamento, saiu gritando:
- “A maldição caiu sobre a Vila, o castigo será grande! Vamos rezar, ó pecadores, para Deus ter piedade de nós! A maldição vem forte, como uma trovoada sobre nossas cabeças, e isso aqui virou um cemitério, terra arrasada, uma tapera. Nunca mais vai pra frente”.
O barbeiro Janjão, o velho Anacleto, o feiticeiro Alexandre... Cada qual mereceria um comentário à parte.
A imagem do feiticeiro Alexandre é tecida de forma tão candente que entremostra bem o ritmo a que Moura Lima submeteu seu romance:
- “O feiticeiro da Vila, Alexandre, velho mandingueiro nas artes do demo, agora transformado em jagunço, com a carabina à mão, saiu ao cair da tarde, rezando uma oração braba e jogando terra de cemitério no rasto dos sobrinhos do major Fibrônio, Adolfo e Henrique, para amarrá-los numa corrente invisível de força, para evitar que eles escapulissem do círculo de morte. Era um tipo medonho, negro da cabeçorra proeminente, beiço de gamela, um batoreba, feito um toco queimado, de bornal de couro a tiracolo, onde continha as suas mandracas, pés de anjinhos roubados das sepulturas, nas sextas-feiras, livro preto de Caravaca”.
“Na mata ribeirinha, a acauã desatou o canto agourento e fúnebre. Fez-se noite, as trevas desabaram das alturas engolindo o mundo”. (pg. 83).
E escreve, pontua, desenha e mostra Moura Lima aquele mundão primitivo, às vezes com veemência e brutalidade de linguagem, outras com leve humor e poesia para que o sofrimento não espante o leitor, e põe emoção em suas ações. O romance é todo um suspense só, de ponta a ponta são mortes e mortes em massa, cujos corpos são empilhados em valas comuns aonde os bichos de asas pretas e os tatus-pebas vêm saciar a fome. São gente jurada para morrer, personagens que traem e são traídos, crimes dos mais cruéis hediondos, uns para lavar a honra, por vingança, outros por maldade e porque a vida não vale tanto quanto a honra ou tanto quanto um pedaço de terra, uma palavra a mais, uma arma, um objeto, um despeito, uma desforra, uma confusão de família.


Capítulo 7

COORDENADAS DA PROSA MOURIANA
FLEXIBILIDADE COMBINATÓRIA



Era o modo de ser do bicho-homem daquele tempo e naqueles lugares, que, em muito, se bem analisada a situação, não nos parece diferente do que está acontecendo agora, no Brasil civilizado.
Há em Moura Lima do Chão das Carabinas – mesmo sendo um romance de fundo histórico – o espanto do homem que entra para a civilização por força de conflitos que vêm de fora, do repentino aviltamento a que é submetido, perdendo assim o que havia de melhor em sua natureza. Espanto esse ocasionado pela ignorância, pela solidão, pelo medo, pelo que o novo desconhecido – o outro – possa causar. Espanto que provoca desordem. Essa desordem pode verificar-se ou já ter sido testemunhada, mutatis mutandis, em todas regiões onde as mudanças se dão bruscamente, desordenadamente. Num trecho significativo, Trotski, atento à lição de Marx, já observava:
- “Selvagens lançaram fora os arcos e flechas e apanharam imediatamente os fuzis, sem percorrer o caminho que havia entre essas duas armas no passado. A desigualdade do ritmo, que é a mais geral das leis do processo histórico, manifesta-se com especial rigor e complexidade no destino dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades exteriores, a vida retardatária é constrangida a avançar por saltos”.(in Os Donos do Poder, II volume, Raymundo Faoro, pg. 365).
Um sentimento ubíquo do passado com o presente se instala no homem e ele se revolta, quer ser o dono sem ser sozinho, não quer submeter-se a nenhuma lei, nenhuma regra. Esse contexto deforma-o, ajudado pelas distorções familiares, religiosas, dos costumes e da ética, e assim vão se gerando o jagunço, o cangaceiro, o fanático, com predomínio do interesse do indivíduo sobre a coletividade, da força sobre a humanidade.
O alterego do Autor se manifesta:
- “Mas a verdade, minha mãe, tem de ser dita, porque aqui na terra, neste vale de lágrimas, a mentira, de tanto ser repetida vai se tornando verdade, na boca do povo atrasado, que não enxerga um palmo adiante da venta. Ainda mais, que os mortos não podem fazer a defesa, aí os grandes da terra galopam fogosos no lombo cabeludo da mentira!” (Da reza de Chica do Rosário, pg. 86).
Os versos de Carlos Drummond de Andrade, no poema “Um boi vê os homens”, dão-nos a sensação de que é assim mesmo que a natureza vê aquelas criaturas não mais natureza, mas ainda não perfeitamente humanos:
-‘Coitados, dir-se-ia não escutam nem o canto do ar nem o segredo do feno, /.Como também parecem não enxergar o que é visível / e comum a cada um de nós no espaço. E ficam tristes / e no rasto da tristeza chegam à crueldade. / Toda a expressão deles mora nos olhos...”(in revista” DF Letras, Brasília “, nº 44/46, 1997, pg. 12)”.
Escapam os mais simples, os mais humildes de que é exemplo o vaqueiro Noratão. Mas incrivelmente humana é a linguagem dessas figuras que encarnam as lendas e o folclore, os encantamentos, as tradições, e as transmitem como podem. A lenda é o símbolo petrificado. Entre tantos outros, um momento iluminado do livro de Moura Lima é o capítulo em que passa ao leitor a história lendária da boiúna, pela boca do pescador do Tocantins, Cipriano Jatobá, que bem merecia ser transcrito.




Capítulo 8

O FOLCLORE COMO TRAÇO DA CULTURA ESPONTÂNEA

“O conto nasceu do povo e foi feito para ele. É um documento vivo, denunciando costumes, idéias, mentalidades, decisões e julgamento. Para todos nós é o primeiro leite intelectual”.

Câmara Cascudo



A cultura espontânea ou folclórica está bem viva em toda a obra de Moura Lima, eu diria que a transborda, pois é um traço característico do povo brasileiro e de feição universal do próprio homem. Os sertanejos que povoam a obra de Moura Lima são alegres e expressivos, dentro das manifestações populares; cantam, dançam, e fazem o giro da folia do “Divino Espírito Santo”; vão a romaria do “Bonfim” em Natividade. Faz promessas, as mais extravagantes, como de carregar pedra à cabeça, andar de joelhos, e, no final, da romaria, saem cantando, na maior alegria do mundo:

“Adeus senhor do Bonfim, adeus!...”.
Até logo, meu bom Jesus do coração...
Aqui cheguei na escuridão,
Daqui eu me vou é na luz...”“.

(Serra dos Pilões, pág. 99)


E os vestígios de cultura espontânea proliferam pelo romance afora, vejamos outra passagem:
- “Passava da meia-noite de sábado de Aleluia, quando estoura no pé de sua janela, ali em Pedro Afonso, a barulheira de latão, chocalhos, berrante, e uma voz cantando:
- Senhor Deus, piedade! Sou um pecador!”
E por três vezes entoaram a oração dos pecadores arrependidos. De repente começaram as serrações de pedaços de paus e chifres. Os participantes da furupa emitiam urros de jumentos. Cocoricar de galos, assobios e vozes no deboche:
-Larga dessa boseira, Putêncio duma figa!”

(Serra dos Pilões, pág, 111)


No caso de doença, ferimento à bala, a medicina rústica está presente, nos chás, sumos, emplastos, feitos com a folha de aroeira, ou da casca, ou também de japecanga, da congonha. A alimentação é abundante nas fazendas: carne-de-sol, assada na brasa, com banana nanica, requeijão, tapioca, farinha de puba, mongolão, doce de buriti, paçoca, canjica, cuscuz, rapadura, a sembereba de buriti, arroz “maria-isabel” com pequi. A cachaça não falta, chegam a fazer loas, como o vaqueiro Vicentão:

“Cachaça, filha da cana
Neta do velho capucho.
Ela dá comigo no chão,
Eu dou com ela no bucho.”


Já nas farinhadas ou desmancha, a alma sertaneja aflora, no estilo mágico do escritor Moura Lima, entre uma fornada e outra, os capurreiros vão assando carne, comendo beijus e bebendo cachaça. Os mexedores vão cantando e tirando os improvisos:

“Gira a roda do caititu Joaquinzão,
Gira a roda seu Zoca,
Gira a roda Mambirão
Pra ralá a mandioca!”

E as mulheres na casa-de-farinha, escarrapachadas pelo chão, vão descascando as mandiocas, outras raspando, e, no final, após a ralação, vão encher os tapitis, e o canto ecoa bonito pelo sertão:

“Moenda roda moenda,
Forno quente tem farinha.
Ta no tempo da desmancha,
Êta cantoria boa esta minha.”

(Serra dos Pilões, págs, 222 e 223)



Em Mucunã, Contos e Lendas do Sertão, deparamos com as simpatias do sertão, no conto “Do Corte de Faca Veio a Salvação”, onde a rezadeira e parteira Mariana ensina ao tapiocano Lesbão do povoado de Taipas, a simpatia, para que o filho deixasse de urinar na rede. Foi tiro e queda, o moleque não furou mais o fiango. E o menino lá saiu por três dias, rua abaixo, com uma pedra na mão, gritando:

“Viva São Sebastião!
Dê um patacão
Pro menino mijão!”

Vejamos mais um recorte extraído do conto “Roda de São Gonçalo”:


“Ora viva, e reviva,
Viva São Gonçalo, viva!
Lá vem o carro cantando
Todo cheio de mandioca,
São Gonçalo vem no meio
Tirando sua tapioca...”

(Veredão, pág, 100)


Os “causos” lendários e os mitos, também estão presentes nos pousos dos tropeiros, ao redor do fogo, nas noites estreladas dos gerais. Vejamos um recorte:

“Já horas mortas, o arrieiro acordou num berreiro danado, pois o coisa-ruim tinha botado no vão das suas orelhas uma brasa..”
“ ...E no meio da madrugada velha ouviu no bamburral taboca estalando como tiro de garrucha . Era o nascimento dos sacis, que pulavam dos gomos...”

(Negro d’Água, pág, 55)


Portanto, através dos destaques colhidos, nas cinco obras do escritor Moura Lima, procuramos comprovar que no seu ofício, na sua vivência, no seu mundo regional, isto é, na sua experiência pelos sertões do Norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins, sem dúvida, nos leva a afirmar que ele acabou fazendo uma grande obra, uma obra genuinamente brasileira, com o cheiro da terra, das nossas matas, do povo e da sua língua. E assim sendo, Moura Lima, no âmbito da cultura espontânea, acabou revelando a todos um Brasil desconhecido de muita gente, nas veredas do Tocantins.



Capítulo 9


ALGUMAS CONCLUSÕES



Não caro leitor, devemos parar por aqui. Não é função da crítica contar, recontar, resumir a história dos romances analisados. Ao invés, deve encaminhar o leitor para sua leitura. Aquilo que se diz intelectualmente, criticamente, não é o que se lê na obra. É o reverso da medalha, ou “a literatura em espelho”, como disse outro grande crítico, Prof. Wendel Santos, de quem pouco se ouve falar, hoje. É gratificante ler esse livro de Moura Lima. E não só este, mas toda a sua obra.
Enfim, Moura Lima veio para quê, dizer o quê e que contribuição está oferecendo?
Falta a resposta à pergunta que fiz desde o início deste ensaio. Só os leitores poderão responder.
Que ele é pioneiro já sabemos. E aos pioneiros são perdoados todos os defeitos, pois que se tornarão quase sempre qualidades, num futuro que será próximo. Foi o que disse quando analisei a obra de outro regionalista importante deste Brasil: Fonte Ibiapina. Membro fundador da Academia Tocantinense de Letras, cadeira nº 15, autor do primeiro romance da região (Serra dos Pilões), criou a literatura de feição própria do novo Estado do Tocantins (antes era literatura de Goiás), inovou aquilo que se propõe fazer (e definitivamente o fez): o romance e o conto de feição regionalista, continuando a tradição de Bernardo Guimarães, Hugo de Carvalho Ramos, Eli Brasiliense, Bernardo Elis, do passado daquelas bandas de Goiás, e também na mesma linha de um Alaor Barbosa, no presente. A propósito, devemos citar a seu lado, Fontes Ibiapina, Alvina Gameiro e William Palha Dias, estes do Piauí. Sobre Moura Lima já escreveram sumidades da crítica nacional como Assis Brasil, Clóvis Moura e Stella Leonardos, entre outros. Mas nunca é pouco dizer da sua coerência, do seu ritmo frasal, e não esquecer que o ritmo de seus diálogos merece um estudo à parte. Sendo como é sabido, na construção do diálogo onde melhor se observa a força ou fraqueza do ficcionista, a pedra de toque, estamos acertados que Moura Lima tem vocação, tem força, e para comprovação do dito bastaria citar entre muitos:
- “Agora o rio dorme. É perigoso acordar o rio”. (pg.68).
Citemos outro:
- ‘ Vou te sangrar, cabra covarde de uma figa, como um porco!”“.
Mas falo na coerência do discurso, dos entrechos, dos personagens. E falo mais ainda no vigor, no viço, na capacidade de captar o que há de mais importante para a língua portuguesa, como contribuição do povo, da cultura popular daquela região. Ele vive a literatura. Sua contribuição é enorme. O futuro dirá, com certeza. Aliás, já mesmo o presente vai dizendo, com os prêmios que tem ganhado e as citações nas melhores enciclopédias do ramo. Porque merece.
Lembrando as palavras do escritor (e também advogado) Joaquim de Montezuma de Carvalho, português, mas conhecedor de regiões da África e da América, quando diz que “apenas as sociedades em conflito é que naturam originalidade”, penso na sorte de quem, como Moura Lima, recebeu esse rico legado que é a linguagem e a sociedade em evolução da região do Tocantins. Por isto os tocantinenses podem dar graças a Deus que os demais brasileiros acompanham.
Se há uma lição que a literatura precisa dar é a de escrever com sinceridade, respeitando a verdade do outro, a alma do outro, mas não encobrindo nada, numa linguagem bela, harmoniosa e viva, e, assim, construir a história e as histórias que, de uma forma ou outra, balizarão o futuro. Sem literatura não há verdade nem beleza. Sem literatura o homem pecará mais. Sobretudo, o homem sofrerá imensamente. “Daí que, a literatura, obra de imaginação, e especialmente a novela (traduza-se por romance), constituem o instrumento adequado para aprender a vida em sua realidade concreta” (in “O Sabor da Vida”, de Gilberto de Melo Kujawski, pg. 46).
Sim, Moura Lima é fértil e original. E sabe como apreender o segredo da vida de sua gente, nossa gente. Não deve nada a ninguém. Tem tudo a dar do que recebe de seu meio, Goiás onde nasceu e o Tocantins onde vive e trabalha com garra, a advocacia como profissão e a literatura como destino.

Teresina, 14 de abril de 2002







































SELEÇÃO DE TEXTOS DA OBRA DE MOURA LIMA

































“SERRA DOS PILÕES”- JAGUNÇOS E TROPEIROS (romance)




Capítulo 1 (Trecho)





Sertão do Jalapão





MANHÃ de sol arregalado, que se estende além, no infinito azul daquele céu de veranico de janeiro. O vento sopra, como se estivesse saindo da boca de fornalha, e a temperatura vai-se elevando cada vez mais naquela terra sáfara e pobre. É só areia e mais areia, na imensidão da planície, salpicada aqui, acolá, de canela-de-ema e tucum rasteiro, daqueles prontos para espetar a canela do infeliz. Os raios do sol refletem a brancura da terra, e o correr em ziguezague das emas, como um desafio de que a vida existe naqueles ermos.
A Serra do Jalapão projeta-se, azulada, na linha do horizonte, a léguas de distância, lá pelas bandas do rio Caracol. Os morros Mandacaru, Sassafrás, Ciléze e Saca-Trapo tremulam ao longe. A sinuosa trilha das tropas é um riscado no chão, ora apagada pela verdura do capim-agreste, ora interrompida pelos paus-terra que saem do agreste sem medo de mostrar os traços da terra escarambada. Em alguns trechos, num contraste com a natureza, surgem altaneiros os pés de puçás, enchendo aquele sertão bruto com um cheiro gostoso de fruta madura e saborosa.
O bando de jagunço segue a trilha, armado até os dentes, em completa algazarra. O Capitão que comanda aqueles homens, de carabina atravessada nos ombros, com as cananas cheias de balas e com dois punhais na cinta, do alto da mulona de sete palmos, puxa no açoite a camba do freio, pára a alimária. E, segurando na cabeça do arreio, volta-se para os homens, naquele vozeirão atroador de meter medo ao inimigo:
-Vamos parar logo adiante, no córrego Marimbondo!
E continua:
-Galope de Jegue, trate de fazer o de-comer, no jeito!
E, voltando-se para a esquerda, grita:
-Tamborete e Gavião, cuidem dos burros, com as bruacas e canastras na passagem; não quero ver a tralha perdida no meio das águas do Marimbondo!
E continua:
-Corta-Cabeça e Apaga-a-Vela, vão batendo os beiços na reza, para amarrar a tropa numa corrente bem forte!
Do meio da jagunçada, ouve-se uma voz nervosa:
-Capitão Labareda! O Beiço-de-Cangalha arriou os bofes no chão, perdeu os sentidos. Deu cangoletê, o coitado!...
E arremata:
-É o calorão dos diabos!
E o Capitão, fechando o semblante carregado de dureza, sentencia:
-Ora essa! Veja se o cabra é macho ou se é uma fêmea na pisadura do malhador...
E não dá tempo pra ninguém resmungar. O silêncio é geral, só se ouve o tinir dos rosetões nas ilhargas da mula Puçá e os cascos retumbando fofos na areia. E a voz de comando do Capitão:
-Deixa esta leseira pra trás, e vamos em frente!
O bando empreende a marcha, como se nada tivesse acontecido. E lá no meio da trilha, fica o cabra se contorcendo, igual a uma jibóia no cio das primeiras chuvas. Saltitando queixo, canelas e os bofes, igualzinho sezão sacudida. Pelos cantos da boca escorre uma baba gosmenta, a cada espasmo da contração da musculatura. Os panos de baixo são uma miséria: só urina e merda. Quadro horrível, o daquele infeliz! Lá longe, o bando desaparece num leve declive, na direção do ribeirão. O miserável, logo após o ataque epiléptico, volta a si, zaranzo como se estivesse chegando do outro mundo, num sussurro de agonia e desespero. Ali, perdido, sem ninguém para socorrê-lo naquele sertão imenso. Os seus sentidos o retornam à infância:
-Cadê mãe? Me dê o peito, tou com fome...
E por vários minutos permanece naquela loucura, em total descontrole das faculdades mentais, que ora o levam para a infância, ora o transportam ao vale sombrio da sua existência de maldade:
-Eu mato esse cabra cornudo, na ponta do meu punhal e bebo o seu sangue!...
Aos poucos consegue recuperar os sentidos, e se levanta daquela esponjeira asquerosa e fedida. O som da pé-de-bode chega-lhe aos ouvidos, mostrando-lhe a direção do ribeirão Marimbondo, onde o bando, àquela altura, estaria aboletado nos galhos das árvores, nas redes, outros bebendo cachaça e saboreando o arroz-maria-isabel. O corpo doía-lhe todo, como se tivesse levado uma surra de cipó-miroró, das brabas. Olha para os lados e vê o rifle caído, o chapéu de couro, e os segura. Ajeita o chapéu na cabeça , à zamparina, passando a mão de trás para a frente, atravessa o rifle e recomeça a marcha.
Os pés parecem-lhe de chumbo, na fofura da areia. O sol a pino devora-lhe os miolos, trazendo-lhe a imagem de uma fornalha gigantesca, movida por mãos invisíveis, indiferentes à sua desgraça. Aos poucos alcança a margem do ribeirão. O borbulhar das águas chega-lhe aos ouvidos, como hino de louvor à vida. O primeiro cabra que o avista é Pontalete, que grita para a cabroeira:
-O filho do Capeta tá vindo! Num é de ver que o fiudumaégua conseguiu se levantar da mortalha?!...
A cabroeira, ali espichada pelo chão, debaixo do arvoredo, cai na gargalhada e no deboche:
-Veja, o cabelo de pavio de binga, do filho do cão! Parece que viu onça!
E outro acrescenta:
-E o zóio do desgraçado é de louco!...Ói gente, o miserave borrou nas calças...
Aí a algazarra é geral. Beiço-de-Cangalha, como é chamado...




Capítulo 3 (Trecho)


Pedro Afonso: uma Tapera depois do assalto dos Jagunços



TUDO calado.Vila morta. Bagaço de tapera. Um cemitério. Do alto da igreja de adobos, em construção, um menino pardo, de gongó, apoiado nos botaréus de aroeira, repica o sino. No interior do templo, crianças brincam. As badaladas quebram o silêncio mortuário. O som vai longe, atravessa a vila morta, o rio Tocantins, para se perder pelos cerradões distantes; vai a mais de meia légua, sendo levado por aquele vento bondadoso dos gerais. O som vaiumindo, verrumando as distâncias, entrando nos emburrados, nos boqueirões sombreados das matarias, onde os capelões ou padres-mestres emitem os bramidos rudes e bárbaros, como se fossem rangidos de toscos engenhos moendo cana.
A Vila de Pedro Afonso, outrora cheia de vida, com os batelões descarregando mercadorias no porto local e saindo carregados com os produtos da terra, para o Maranhão e Belém! E agora? Um cemitério! Uma tapera! Parecendo povoado fantasma, depois do assalto da jagunçama de Abílio Batata. O sangue correu em riacho gorgolejando para o Tocantins e o rio do Sono. Os papos-amarelos repicaram a cantiga da morte. Urubus ficaram com o bico doce, de tanto comer cadáver.
O sol abrasante ilumina os escombros. Os fedegosos, as buchas, os carurus-de-porco, os carrapichos, as bostas-de-baiano, os melões-de- são-caetano invadem as ruínas e a quintalama. As densas revoadas de periquitos, maracanãs e joões-congos assaltam as árvores frutíferas. As abelhas, os marimbondos vão se alojando nas taperas. Aqui e acolá, paredes desabadas e sinais de bala pra todo lado. Uma miséria! Terra arrasada! E lá embaixo o rio Tocantins segue o seu curso eterno. Alheio às desgraças dos homens. As piraíbas fogosas dão rabanadas no dorso do rio.
O herói da resistência, Cipriano Rodrigues, Curiboca, mulato atarrancado, façudo, de lábios grossos, caminhando para gamela. Olhar de lobo guará. No seu jeitão de barranqueiro destemido, como se não tivesse compromisso com a vida e os mortos do barulho. Acabanado, indolente, dependura os braços por cima do caibro de cega-machado, que circula o quadro de paus fincados, no largo.
Aqueles paus ali fincados serviam, no passado, para dependurarem a balança romana, onde se pesavam os couros de bois. E também, nesse lugar, os coureiros e vaqueiros passavam horas e horas, ao ar-livre, cujo comércio era na base da troca. Os comerciantes da vila recebiam os espichados dos vaqueiros, que os trocavam por sal e tecidos. Em certas épocas do ano vinham viajantes do Maranhão e levavam os couros nos batelões e balsas, deixando aos comerciantes novos estoques de tecidos e sal.
Cipriano, ali, com os braços espichados em forma de cruz humana, por riba do caibro, entrega o corpo ao marasmo do seu destino. Sentindo-se hipnotizado pelo bagaço das taperas, estende o olhar para a vila fantasma, que cresce num ângulo formado pelo rio do Sono e o Tocantins. E sente um baticum no peito. Uma tristeza imensa. Lembra-se dos combates de Capelinha, rio Gorgulho e Buritirana. E da fuga apressada, debaixo de bala, da jagunçama assanhada. Dos amigos mortos. E as soveladas vêem fortes do passado. As imagens de Madalena brotam-lhe vivas, omo se a visse andando com jeito, por causa da gravidez, já no mês final. Mas os seus inimigos mataram-na, com a maior judiação e perversidade. Abriram-lhe impiedosamente o ventre a facão, retiraram ainda viva a criança e em seguida jogaram-na pra cima para espetá-la nos longos punhais, como se fosse uma melancia.
Era preciso convencer o povo a voltar. Poucas famílias permaneceram na vila.
O sino da igreja em construção repica. As marteladas no bronze trazem Cipriano para a realidade da vida. É um bando de crianças brincando no interior da igreja, com um boi de brinquedo. Do lado de fora, outros meninos brincam na relva, de bunda-canastra.
As portas da igreja estão permanentemente abertas. E os jumentos, as galinhas, os cabritos e a meninada não se fazem de rogados, adentram livremente. Padre não existe. A não ser nas desobrigas e datas especiais. As beatas rezadeiras são desleixadas e só cuidam dos cochichos de rosários e do não-sei-que-diga da vida alheia. O alarido febrento dos meninos brincando na nave do templo. É um contraste com o fogo morto das taperas e dos ranchos queimados.
Aquele sino, nos bons tempos da vila, anunciava tudo: a chegada dos padres de Porto Nacional, também de pessoas ilustres, a demissão de autoridades e os enterros. Agora, anuncia a bambão a morte da vila! O sino continua a repicar. E o som do bronze vai longe, atravessa as almas e os ermos solitários. A beata Maria-Dente-Largo, a cada badalada do sino, se estremece toda, na sua catarse. E cai numa jaculatória profunda. É preciso rezar pelos mortos do massacre da jagunçada. A sua casinha, no final da vila, foi poupada pelos jagunços, no momento do fogo nutrido, com a invasão dos jagunços pelas casas e a matança de gente a ferro frio. A vida dela também foi resguardada. Quando os jagunços invadiram sua casa, encontraram-na de joelho, batendo os beiços na reza. Por todo os lados dos quartos havia imagens dos santos. Joca Netário determinou aos jagunços que não a maltratassem. E a cada badalada do sino, ela agradece a Deus, pela sua vida, e suplica pelos mortos.
Cipriano, ali encostado nos moirões, é despertado das suas recordações pelo jagunço Queixada-de-Burro, que lhe diz:
- O que foi, Chefe, está aí parecendo um espichado por riba dos paus?
- É isso mesmo, Queixada. Estou aqui como um couro de boi morto, e bem esticado. A minha vida é só sofrimento e desgraceira. Mas vamos deixar de pabulagem de cabra frouxo. Eu estou mesmo é esperando Anca-de-Jumento. E assuntando os fatos e a traição dos chefões. Os tutanquebas da política estão serrando de cima. Eu não sou besta. Estão querendo malquerença, botar questão, só porque tomei alguns possuídos e defuntei uns cabras safados, depois doassalto da vila. Mas na hora de enfrentar Abílio Batata, os Solinos e os grandes da terra me mandaram chamar. Agora viram as costas e cospem no prato.
- Mas, Chefe, político é como feijão em panela de água, só sobem os podres!
- Você tem razão, é como merda de vaca, seca por cima e por baixo uma porcaria!
Cipriano, endireitando os braços nos paus e arrumando a máuser na cintura, acrescenta:
- Estão querendo mandar pra cá um tal de sargento Penteado, que foi mandado embora de Porto Nacional, por aquele juiz gordão, sambudo, que aportou aqui. Uns sete anos atrás, em 1908, vindo aí de Boa Vista, da sua viagem fracassada. O governo mandou ele apaziguar o Padre João com o Coronel Leão Leda. Não conseguiu. E aqui chegou doente. A vila chegou a fazer festa pro homem. Como é mesmo o nome dele, sô?
- Bartolomeu Palha, Chefe.
- É esse mesmo. Dizem que o homem é bravalho e veio de Remanso, na Bahia, do povoado de Urubu, onde enfrentou no papo-amarelo, com seus familiares, a jagunçada do Coronelão de Pilão Arcado.
- Uê! Eh - exclama Queixada e continua – Estamos pebados e no mato sem cachorro, Chefe. O sargento é um canguçu, o juiz não tem medo de cara feia. O jeito é cair nos gerais e não olhar para trás.
- É isso mesmo, homem! - reitera Cipriano e acrescenta: -
Esse juiz não é brincadeira. Você não sabe o que ele fez com esse sargento Penteado?
- Não, Chefe.
- Escuta aí, e vai tirando medida do homem. Esse tal de Penteado gostava de chegar a palmatória em qualquer pessoa que prendesse lá no Porto. O safado, quando ia no curral-das-éguas, não tinha dó das pobres mulheres, e arrepiava a palmatória nas coitadas. Até a mão ficar preta. E água correr pelas pernas delas. Os homens que se encontrassem no bordel... Naqueles seus dias de estar com a avó de trás do toco... Nos azeites. Coitados! Apanhavam até o barro correr pelas pernas. O juiz não gostou do arruaceiro e mandou chamar o homem. Quando o casca-grossa foi chegando na casa do juiz, teve o recebimento que merecia. O juiz nem mandou o excomungado entrar. Foi logo metendo o dedo na venta do cascaborra e perguntando:
- Quem é você, cabra safado?
O sargento, assustado com a arrancada do gordão, caiu das carnes e, esqueixelado, respondeu num fiozinho de voz:
- Sou o sargento Penteado...
E o juiz, balançando a pançona mole como um surrão, chegou outra vez o dedo na venta do mau-bofe:
- Caia fora da cidade, em doze horas, seu cabraarruaceiro! Suma-se da minha Comarca!
Do lado de fora, encostado no sargento, ficou um soldado. O juiz perguntou:
- Quem é esse pé-de-poeira?
- É o soldado Antão, seu doutor.
O juiz respondeu no seu vozeirão de meter medo em cabra covarde:
- Mande ele desaparecer da minha porta, não quero jagunço fardado aqui. Ponha-se fora!
O soldado não esperou mais nada, azeitou as canelas e saiu aos tropeções, de escantilhão. O juiz, já nervoso, falou ao arrepia-cabelo:
- Você só tem doze horas pra cair fora da cidade!
E, fungando de raiva, ainda falou:
- Vou pedir ao governo pra arrancar sua farda. Pode ir embora, está despachado. Suma-se!
O sargento pensou em reagir. Pois em toda sua vida, nunca um homem tinha erguido a voz no seu rumo. Até o comandante baixava a voz na sua presença. Mas viu a rua silenciosa, e aquilo era sinal de tocaia. As janelas se abriam e se fechavam. E lá por dentro da casa escutou barulho de alavanca de carabina. O juiz não era besta, tinha-se precavido. Não era à toa que o povo falava que ele tinha as suas doze carabinas, azeitadas, guardadas em casa. O sargento entendeu tudo e deu no pé. Pouco menos de duas horas, cadê o sargento e os soldados em Porto? Caíram na saroba, na direção do Peixe, não eram bestas.
Queixada-de-Burro, olhando à esquerda do largo, diz:
- Olha o Anca-de-Jumento chegando!
E lá é-vinha o jagunço montado no osso do cavalo, forrado com folhas de bananeiras. Assim que se aproxima, Cipriano diz-lhe:
- Não precisa apear, que a viagem é de urgência.
O jagunção, ombrudo, acabralhado, de cara rechonchuda como uma lua cheia, chegando o calcanhar de pé-de-pranchão nas ilhargas do cavalo, encosta para mais perto dos moirões e responde resoluto:
- Estou às suas ordens, para o que der e vier, Chefe!
- Eu mandei um positivo no seu rancho, foi pra você fazer, ligeirinho, uma viagem ao Jalapão, agora mesmo, em riba dos cascos do cavalo. Vai levar um cargueiro de munição pro compadre Euledino. As bruacas, com os cunhetes de balas, já estão prontas lá em casa. Pode pegar o meu seligote com a lua da sela, suadouro e a carona. Não é pra ir no osso, não. Se teimar, vai chegar com as almorrreimas na chaga viva!
Queixada, com seu olhar zombeteiro, cascavia uma gargalhada matreira. E o jagunção, sisudo, na sua cara de lua cheia, responde:
- Minha padaria já virou pedra-canga, de tanto andar nos gerais, não faz diferença o osso do cavalo ou o seligote. Só cabra mofino é que reclama! Não sou bogó, inzoneiro, corno manso!
Queixada, rindo, moteja:
- Agora que o apelido gruda, no topetudo, Bunda-de-pedra-canga!
E o alfojado de Cipriano responde em riba do rastro!
- Deus me livre de cavalo de cara branca, jagunço por nome Joca, mulher das ancas de jia, e pote que não esfria – Credo-em-cruz, Ave-Maria!
Cipriano, com o semblante fechado, admoesta-os:
- Vamos deixar de fonfança, seus cabras pacholas!
Anca-de-Jumento se apressa em perguntar:
- Mas aonde vou deixar a encomenda, seu Cipriano?
- Você salta o rio do Sono e tora no mundo. E lá muito dentro vai sair no brejo da Tapera, no ribeirão Rapadura e no morro do Homem. E andando na trilha do gado, já nos fundões dos gerais, vai dar de testa com o morro Mandacaru e Cilezé. Aí vira à direita e ruma pro brejão de Areia, não tem errada, vai bater de bica no morro Saca-Trapo. Daí ao brejo da Capivara é um pulo. É aonde você vai deixar o cargueiro de balas, na fazenda de dona Bela.
- Não se preocupe, seu Cipriano. Eu já andei por lá, naqueles brocotós, tocando boiada pro Piauí e Ceará. O morro Saca-Trapo tem gente que chama ele de Garrafão. E já fui muito em cima, até na Chapada das Cangalhas, passei pelas águas-emendadas e margiei o rio Sapão. Aquele mundão me enche de alegria.
- Antão, eu fico despreocupado. E vejo que vancê não está com azedume de puçá-croado no bucho. Mas com vontade de cair nos gerais!
- O Chefe não arrepare, mas tenho outro assunto pra tratar com vosmicê.
- Desembuche logo, homem!
- Quando eu voltar vou pra Carolina, me alugar numa fazenda por lá. Já tenho trato de boca. Preciso tratar de minha família e ganhar uns biguás. Aqui, num cemitério desses, não tenho como ganhar o meu suvete. Mas como o Chefe sabe, sou bom pingueleiro, é só chamar, que tou aqui em riba do rasto!
- É o que eu sempre digo: quem quiser ir-se embora, que vá! Agora eu não vou. Aqui enterrei o meu umbigo, e aqui vou morrer, como Deus for servido!
O jagunço, puxando a rédea do cavalo, pergunta:
- Mais alguma coisa pro Capitão Labareda?
- Diga a ele que aqui fico arrancando os defuntos podres e ensinando os traidores como satanás prega quaresma. E que mande logo Cacheado e Barro Alto pras capemba rajadas de Pedro Botelho. Aí vou ficar de peito lavado, e até mandar dizer uma missa pras almas!
Nisso o doido Papagaio-Rolé desce nos azeites, no rumo do rio do Sono, gritando e gargalhando comoA população, a cada grito do doido, persigna-se. E ele, nas teias da demência, às gargalhadas, no seu andar xabouqueiro, de molambudo amalucado, vai ao léu, no rumo do rio do Sono.
Lá embaixo o rio Tocantins, alheio ás desgraças dos homens, segue o seu curso eterno.


CHÃO DAS CARABINAS – CORONÉIS, PEÕES E BOIADAS
(romance)

Capítulo 1

(Trecho)


O Jagunço Benjamim

O Velho jagunço Benjamim, capengando de uma perna, acompanhado
de seu fiel cachorrão negro de olhos bugalhudos , que atendia pelo nome de
Satanás, entrou na rua do Conselho, desconfiado, olhando de um lado , de outro, e sentindo-se seguro, amoitou nas ramagens da copuda mangueira.O cabra era abrutado,ficou apregatado nos galhos,com a paciência dos tocaieiros de beira de estrada, de sangue-frio, aguardando o seu desafeto. Daí a pouco surgiu o secretário municipal Arorobá, o jagunço, de um salto, de arremessão, caiu-lhe em cima, agarrando-o pela ponta da camisa, sacou o longo punhal língua-de-peba e vociferou brabo:
- Vou te sangrar, cabra covarde duma figa, como um porco!...
O cachorrão, percebendo o dono em luta, abocanhou o fundo da calça do secretário, cravou, lá nele, os dentes afiados na carne macia da popa e segurou firme como se fossem as ventas de um boi.
O secretário, vendo a longa lâmina de aço e os rosnados do cão feroz, se apavorou, deu um brusco safanão, fortíssimo, com força colossal, que o tampo de pano da camisa ficou na mão do jagunço, que se desequilibrou na perna coxa, e o bruto foi ao chão. O secretário, no estupor do medo, com o barro descendo, perdeu o respeito às calças e abriu-se no carreirão rua abaixo. O cachorrão, estumado pelo dono, fincou atrás no pega-pega, e o homem foi bater na casa do capitão Bentão, aos gritos de mulher parindo:
- Acode-me, pelo amor do senhor do Bonfim!... Sou um homem morto!...
O capitão Bentão, do alto de sua magreza de varapau, com sua voz autoritária, de mandachuva, retrucou:
- Acalme-se, homem medroso, aqui ninguém vem lhe fazer mal.Compreendeu?
O capitão, voltando-se para o varandão, gritou as crias da casa:
- Tragam-me uma caneca de água com rapadura para acalmar o Arorobá!
O homem, depois de beber a água, caiu em si, e se acalmou.Mas pelo ar exalava um pixé terrível.
Nisso o amigo das infucas do secretário, subpromotor Gustavo Bananeira, entrou apressado na sala, e foi perguntando, na sua maneira destabocada, de homem rude:
- Como isso foi acontecer, Arorobá?
E Alisando a calva brilhosa com a mão de bugio, continuou:- Eu disse ao senhor para ter cuidado com esse cabra doido do major Fibrônio Cavalcante!Se fosse comigo, eu não corria, morria com honra, como Chico Ribeiro!
O capitão Bentão, de olhar agressivo, reprimiu a visita indesejada:
- Alto lá, seu Bananeira!Tenha cuidado com a língua, jaú morre é pela boca!Vancê sempre esteve da banda podre do major Fibrônio Cavalcante.Pensa que eu não sei da sua participação na morte do Chico Ribeiro, para tomar os seus bens e a parte da sua esposa, na herança deixada pelo Cláudio Malagueta? Pois bem, eu sei que vosmicê mandou o pobre homem escolher a morte. Ele, honrado, na sua firmeza de caráter, tirou o chapéu, ajoelhou e deixou para os seus criminosos escolherem a própria morte.A sua esposa ia correndo, ele gritou:
- Não corre não, mulher, vem morrer comigo!
- vancês, sem piedade, arrochou o cacete de marmelada, no crânio dos infelizes, matando-os como se mata um boi, numa morte cruel! Agora, fica aí dizendo: - Morra como morreu Chico Ribeiro, com honra! Para o seu governo, isso é uma confissão de culpa! Em boca fechada, não entra mosca...
O cabra, rilhando os dentes de pirarara, engoliu silencioso a rebordosa. O capitão, voltando-se para o secretário Arorobá, acrescentou enérgico:
- Vancê, Arorobá, também tem um punhado de culpa no que está acontecendo, se não terminar em morte, como aconteceu com a família do coronel Abílio Wolney, na vila do Duro. É bom lembrar dessa tragédia...
- Mas, capitão, o homem me esculhambou com esses pasquins, que foram pregados nas ruas.Ponderou o secretário, numa voz de medo e acovardamento.
- Aí que está o seu erro.Prometeu uma taca no cabra.Em homem não se bate, mata! Agora, o que aconteceu? Ficou vancê desmoralizado, com a menina Joana na boca dessa canalha de gente desocupada. O Juvêncio é um rapaz de sentimento, e vancê, na sua esperteza, achou que o fazia de idiota, empurrando a menina Joana para o casamento com ele. Depois da bonita festa, o rapaz foi bolir com a moça, e encontrou foi o rego furado, pois vancê já a tinha passado nos peitos, bem antes. No nosso meio, só se casa é com moça virgem; o lençol tem que ficar manchado de sangue! O rapaz agiu correto, entregou no outro dia a mulher aos pais e anulou o casamento.
O secretário, coçando o cabelo de porcão do mato, na sua carona de fogoió, não deu o braço a torcer:
- Mas ela queria, capitão!
- Não vem ao causo.O problema foi à guia da remessa das malas do correio, que vancê, como preposto da agente do correio, não quis dar ao Cláudio Cavalcante,como encarregado das malas, que queria mandar um outro estafeta. Agiu certo, não podia mesmo, pois tinha que aguardar a vinda do estafeta do arraial de Descoberto. Esse é o motivo da desinteligência.
- Mas, capitão, o Cláudio Cavalcante mandou o jagunço Benjamim me matar, e estão prometendo matar vancê, o prefeito Sebastião Milanga e o Gustavo Bananeira.É melhor a gente se prevenir e almoçar logo esses Cavalcante Albuquerque desgraçados! Vê lá se vamos ficar no ora-veja, de braços cruzados, olhando o inimigo político mandar e desmandar! Já é hora de tomarmos o comando da vila.
- Não me venha dizer que está dando ouvido aos boateiros, os linguarudos sem-vergonhas desta vila.Cria juízo, homem!Se o major Fibrônio quisesse matar todo mundo, com seus cabras já teria feito o serviço.Faça ouvido mouco, de mercador, a esses fuxiqueiros vagabundos.Eu sei que os Cavalcante Albuquerque são pessoas de má índole, mas, temos também de admitir que temos os nossos pecados.
O capitão, visivelmente contrariado, encerrou a conversa com o topetudo:
- Amanhã saio de madrugada com minha tropa, para Corumbá, vou tomar providência junto às autoridades na capital. Vê se não me faça besteira na minha ausência. Nada de violência, pois violência gera violência! E, batendo a mão no ombro do secretário, acrescentou: - Compreendeu?
No fundo, como a vingança é uma filha bastarda de profundo silêncio, e coração é terra que ninguém entra, o capitão Bentão, apesar de conselheiro e esteio moral da Vila, desejava o fim da família Cavalcante Albuquerque, que lhe roubava o poder e o mando.E ia ficando a cada dia mais rica e dominadora. O jagunço Benjamim era um nevropata, um homem doente da cabeça, já de idade.Estatura meã, branco, tipo fogoió e agitado.Surgiu na vila, vindo de Descoberto, de passagem para o Nordeste, com destino a Pernambuco. O major Fibrônio, como bom nordestino, ficou com pena de seus três filhos, ainda pequenos e maltratados pela áspera viagem. E os acolheu em sua casa, para que se recuperassem as saúdes.
Benjamim era um homem cheio de manias, não desapartava de um velho mosquetão e de um longo punhal. Dizia ser um cabra preparado para o que desse e viesse. Que não tinha medo do maligno e afirmava sorrindo:
- Nunca vi rasto de cobra, nem couro de lobisomem!
Assim era Benjamim, um homem das ribeiras do Pajeú, nascido no cangaço de Sinhô Pereira, e dizia orgulhoso que havia participado do barulho do Duro, ao lado dos jagunços de Abílio Batata. Para os que perguntavam sobre a sua manqueira, na perna esquerda, afirmava que era proveniente de um balaço que recebera no tiroteio de São José do Duro.
O velho jagunço jamais fora alforjado do major Fibrônio, e nunca esteve aos seus serviços, como apregoavam os linguarudos da vila.O seu envolvimento na confusão com o secretário Arorobá se deu por conta própria, em razão de sentimento de gratidão para com a família Cavalcante Albuquerque, que o acolhera com os filhos, num gesto de caridade. Vendo e ouvindo as reclamações do clã Cavalcante Albuquerque contra os adversários políticos, chamou a si as mágoas, ainda mais com a negativa do secretário municipal Arorobá, ferrenho adversário, que teimava em não dar ao Cláudio Cavalcante, encarregado das malas do correio, a guia autorizativa para um estafeta sair da vila com as malas postais para o arraial de Descoberto. No seu desequilíbrio mental de psicopata, acostumado ao crime, entendeu que era uma afronta, uma humilhação ao Delegado de Polícia Cláudio Cavalcante e ao pai, major Fibrônio, chefão político da vila. Por isso resolveu provocar o secretário Arorobá, contando os seus podres à população através dos pasquins, para, no final, dar-lhe uma surra exemplar, destas de ficar com o braço cansado de tanto bater, ou mesmo se dependendo da reação à própria morte.Desta forma pensou o cabra. E o resultado era o que se via, jagunços armados de prontidão para o conflito, que tinha outro motivo maior, a tomada do poder político da vila!
A Revolução de 30 foi um duro golpe no poder dos coronéis da “República Velha”, a machadada certeira veio do alto, não das forças regionais e, mesmo sem o extermínio total, restringia-lhes os poderes políticos, também lhes tirava a função de mandões arrufados e de árbitros incontestes das comunas do sertão.
A vila do Peixe não ficou alheia aos brados mudancistas, e o major Fibrônio Calvacante foi o escolhido pelas hostes do poder estadual como interventor, para desapear do mando local os adversários da revolução, ou seja, os prepostos do truculento caiadismo!
Assim triunfava em Goiás, pelas mãos do interventor Pedro Ludovico, um novo tempo, para o desespero das oligarquias rancorosas, dos coronéis semifeudais e donos dos latifúndios. Para os despossuídos e explorados era um hino de louvor à liberdade! Um basta à corvéia, ao tronco e gargalheiras.
Mas, apesar da varredura política pelo país afora, a vila do Peixe teimava em permanecer no regime social do sujeição, do carrancismo feroz do coronelato. O desfecho sangrento já desenhava o previsto, na marcha das hostilidades e da prepotência do coronelismo.


Capítulo 2 (Trecho)



O coronel José Gomes de Lima e Sá saiu corrido dos fundões do Nordeste, para não morrer, a conselho do padre Cícero, depois de ser incriminado com o coronel José Rodrigues Lima, chefão político de Piranhas, cidade alagoana à margem do rio São Francisco, perto de Pedra, num falso processo de cunho político, em 1917, como mandante da morte de um grande da terra, o industrial Delmiro Gouveia, da fábrica de linha de Pedra, em Alagoas. O coronel José Gomes de Lima e Sá só apareceu no processo, no segundo julgamento, pois fora acusado pelo suposto criminoso Antônio Felix, de ter lhe dado dez contos de réis, para matar o coronel Delmiro Gouveia. Com base nessa acusação, sem jamais ter sido ouvido, ou preso, e sem conterem os autos uma confissão da sua parte, foi o coronel pronunciado . A repercussão do crime foi tão grande, que o próprio governador do Estado de Alagoas, Batista Acyolli...




VEREDÃO – CONTOS REGIONAIS E FOLCLÓRICOS

VEREDÃO


De manhãzinha, com o sol rompendo pras bandas da Chapada das Cangalhas, o vaqueiro Timborão, da fazenda Raizama, munido de uma cuia e arreador de couro, no curral mandou o filho Miguelinho soltar um bezerro do enchiqueirador. O menino, atento no seu trabalho, puxou os varões da porteira e soltou o monjolinho, que veio agoniado, berrando para a mamada farta. O vaqueiro deixou-o, por um instante, na apojadura e, em seguida, amarrou-o com o arreador a uma das pernas dianteiras da vaca-mãe. E acocorando-se, segurou entre os joelhos a cujuba, meteu as mãos no úbero cheio e puxou ritmado as tetas; o leite branco e gorduroso esquinchou no fundo da cuia, provocando um som espumoso de cachoeira.
Zé Guedes, trepado por riba das lascas de aroeira do curral, balançando as pernas, no seu jeitão manso de capurreiro despreocupado com a vida, ergueu a voz fanhosa:
— Timborão, assim que tirar o leite, vamos abreviando, que daqui até o veredão é uma boa puxada. E só à boquinha da noite é que vamos chegar no ponto da espera.
O vaqueiro respondeu lá do meio do curral:
— Já estou terminando, e os cavalos estão na remanga.
E soltando o bezerro do arreador, caminhou para o jirau, onde entornou a cuia cheia de leite no pote de barro.
Zé Guedes, na sua fala preguiçosa, perguntou-lhe:
— Meu compadre, no quarto dos arreios tem um pedaço de couro promode eu fazer uma currulepa?
— Tem sim, pode pegar.
E o tapiocano, de posse do couro cru de vaca, sentou-se debaixo de uma frondosa mirindiba, na porta do rancho. E puxando da bainha, no cós da calça, a peixeira afiada, escarrapachou no couro o pé chato e rachado, de caminheiro da areia frouxa do Jalapão, e foi riscando com a ponta da faca o contorno. E depois de riscado o desenho da sola do pé, cortou no capricho o contorno. Passou novamente na sobra do couro a faca e tirou as tiras das correias para o cabrestilho. Furou os pontos de perpasso, deu o nó de reforço. E pronto! Estava assim feita a salga – bunda, a rústica alpercata sertaneja.
Timborão entrou apressado no rancho, carregando o pote de barro com o leite e foi chamando a mulher:
— Muié, bote logo o café-de-isca na mesa! Estou avexado...
E voltando pros meninos, disse:
— Vão pegando os cavalos!
Logo o farto café estava na mesa, o quebra-jejum. Farinha, torresmo, rapadura raspada, coalhada, requeijão, cuscuz e beijus. Timborão, no seu costume de sempre, não dispensava o leite morno na cuia, com farinha de puba e um bom pedaço de carne assada.
No fundo do rancho, debaixo das mangueiras, as negras da casa batiam no pilão a paçoca com a dourada rapadura. Tum...Tum...Tum!...
Após o café iscado, Timborão e Zé Guedes abalaram na estrada, no rumo do veredão. Iam animados para a caçada de espera de fuboca, na florada dos pequizeiros.
O vento morno dos gerais varria aquele guainhã imenso do Jalapão.
À boca da noite, conforme o previsto, chegaram à mata do veredão e entraram por uma canajuba terrível, até que saíram num carreiro de gado, que atravessava, naquele ponto, um capuão de árvores espaçadas; sem tardança foram dar num pequizeiro robusto. O chão estava repleto de flores caídas, com pontos trilhados de rastros de fubocas.
Timborão, satisfeito, com a boca cheia de risos, disse:
— Compadre Zé Guedes, aqui vancê fica nesta espera, e eu vou um pouco adiante, procurar outro pequizeiro pra armar a minha rede, num ponto cevado, que conheço na beira do veredão.
E cutucando as esporas no cavalo, seguiu adiante pelo carreiro de gado.
Zé Guedes amarrou o cavalo a razoável distância do pequizeiro, numa garapa. Ato contínuo retirou o cacaio da rede da garupa e a espingarda lazarina, que trouxera presa à borraina da sela. A capanga de munição, prendeu-a à vaqueta da espingarda e caminhou para o pequizeiro.
Armou a rede entre dois galhos fornidos do pequizeiro, o mais alto, nas grimpas. Tirando a currulepa nova dos pés, subiu maneiroso tronco acima.
Ajeitou-se na rede, logo em seguida meteu as mãos no butucum à procura de munição. Pegou o polvorinho, encheu o medidor de pólvora e despejou-o pelo cano da bocuda. Introduziu pela boca a bucha de embira, socou forte com a vareta. Procurou o chumbeiro, escolheu um balote grosso, juntamente com o chumbo meã e enfiou goela abaixo da espingarda, com outra bucha, numa socada firme de vareta. Levantou o cão, colocou a espoleta sobre o ouvido e foi soltando-o devagar para que a arma não detonasse. Amarrou num galho uma cabaça; se sentisse vontade de verter água, ali estava a solução. Pois não se pode urinar debaixo da árvore de espera, que espanta a caça.
Fez-se noite. A lua passeava por cima das copas das árvores.
Na outra espera, Timborão carregou bem a espingarda e quedou-se no fiango, aguardando a caça. De repente, escutou barulho meio balofo pelas folhas secas. Não demorou, e surgiu um fuboca caborjeiro, meio arisco, pisando de leve, farejando o ar, apurando o faro. E foi se aproximando do pequizeiro. Parou outra vez, cheirou o vento. Timborão, no alto do galho, reteve a respiração. Esperou mais um pouco. O fuboca veio ansioso para pegar as flores pelo chão. Foi só dormir no ponto da mira e berrar fogo. O animal escarrapachou na fumaça da pólvora, ciscando os gravetos na ânsia da morte. O balote de pé-de-panela cravou lá nele, no meio do peito.
Zé Guedes, na sua espera, no momento do tirambaço padecia com uma dor de dente zangada, de soveladas de marimbondo cassununga, que surgiu de supetão. Doía-lhe até a raiz do cabelo. Era o panelão do dente cariado. E recriminava a si, por que foi comer um naco de rapadura, numa hora daquelas. E na sua agonia, lembrou-se do compadre Timborão, que tinha trazido uma garrafa de cachaça no alforje. E às pressas desceu do pequizeiro e embrenhou-se pelo carreiro, na direção da espera do compadre.
Timborão, lá do alto do pequizeiro, regozijou pelo tiro certeiro no fuboca e recarregou rápido a espingarda. E pensou consigo:
— Vou matar mais um cambucica, rasto é o que não falta aí embaixo. A florada é boa.
E continuou:
— Eu só quero ver a cara dos capiongos, lá do baixão-dos-porcos, a hora que eu chegar com os dois fubocas balançando no cavalo.
Nisso uma moita espessa de piaçaba balançou, remexendo as folhas, num barulho de passos firmes pelo gorgulho. O vaqueiro-caçador mal divisou o vulto e berrou fogo. A queda foi em cima do tiro, num baque seco. E lá da tipóia, ele encheu a boca de risos.
A madrugada avançava. A brisa morna dos gerais soprava pela madrugada sertaneja. Timborão, calmamente, desatou a rede, enrolou-a e animado desceu do pequizeiro. E foi examinar o primeiro fuboca morto. Era um animal fornido, de pêlo luzidio e bastante gordo. O dia vinha rompendo, e, lépido, buscou o cavalo que havia amarrado num tamboril, junto do veredão. Ao retorno teve uma grande dificuldade para agasalhar na garupa do cavalo o fuboca, em razão do peso. Assim que terminou, puxou o animal pela rédea e foi à procura do segundo canela-roxa morto. E quando contornou a bojuda moita de piaçaba e bateu com os olhos no chão gorgulhento, levou um susto tremendo por dentro: não tinha matado um fuboca, mas, sim, o seu compadre Zé Guedes, que jazia duro na terra, com um rombo no peito, do seu tiro mortífero, e, com a boca cheia de formigas. Entrou em pânico, ficou meio azuretado, brabobó e falava ao morto:
— Por que não gritou, meu compadre?... Assim tinha evitado essa desgraceira ... E eu não tinha te barreado de chumbo de morte!
E sem tardança, no ato do desespero, jogou o cadáver no lombilho da sela, prendendo-o com embira. E lá seguiu pelo carreiro de gado, puxando o cavalo com o defunto balançando os braços e o fuboca morto na garupa.
A luminosidade da manhã começava a penetrar os galhos folharudos do robusto pequizeiro.




O ILUMINADO



O rebordo da serra do Sino, que se ergue a enrodilhar a espessura fechada da mata, crescendo em ruídos profundos, fragoejando sempre, nasce o ribeirão Caveira.
Leguonas em reboleiros, emburrados, tugúrios esparsos povoando as fazendas solitárias, espalhadas na bárbara extensão que parece não ter fim, naqueles fundões de gerais.
Aí, nesse santuário bravio do sertão exuberante, no boqueirão do Funil, onde a natureza esculpiu nos paredões da serra a proteção natural contra as tormentas, o Jerônimo instalou sua fazenda de gado.
Já em movimento simétrico, de compasso, começava a noite a estender, voejando pelo espaço sua asa misteriosa.
A tarde expirava. O sol descambava em apoteose de cores vivas, em uma fulguração de língua de fogo, ao resplendor do ocaso, que respondia pela palidez do leste.
Assim morria a tarde na calidez do crepúsculo, que reverberava pela solidão dos chapadões, veredas de buritis, onde ainda tremulavam em agonia final vibracões de luz.
Lá ao longe, qual um riscado negro ofuscado pela sombra da mata, surgiu a toda brida um vaqueano num tordilho fogoso, que se foi aproximando da sede da fazenda.
O cavalo resfolegava, sofregamente, dilatando a venta e extremamente agitado da forçada cavalgada. O cavaleiro no alto da sela brandia, na mão direita, a carabina de papo-amarelo e dava o ultimato:
- O patrão mandou dizer se ocê não colocar a cerca no lugar, ele vai colocar nem que seja à bala!
Pacientemente, Jerônimo respondeu-lhe:
- Diga ao seu patrão que a cerca está de acordo com a escritura e o memorial descritivo. Mas, para evitar confusão, amanhã, bem cedinho, eu vou até Natividade procurar as autoridades, a justiça dos homens, porque a de Deus já trago no coração, e nos meus atos de homem honesto!
O cavaleiro não disse nada, apenas esporeou o cavalo e voltou pelo mesmo caminho na direção do ribeirão Caveira, que serpenteava a baixada.
Jerônimo, encostado no batente de aroeira da janela, contemplava o vulto do cavaleiro sumindo na baixada que se estendia até às margens do ribeirão, e pensava na terrível sentença que acabara de ouvir.
Porém, saindo do estado introspectivo em que se encontrava, silenciosamente recolheu-se ao interior da casa, dirigiu-se ao porão feito de pedra canga, onde se encontrava o sanctum: lugar sagrado destinado aos seus recolhimentos psíquicos, em estrita devoção às hostes celestiais. No sanctum não entrava ninguém, a não ser a sua própria pessoa. Naquele recinto sagrado que estava acima da mediocridade humana, ele recebia as mensagens cósmicas e entrava em comunhão com as forças do Universo. Ajoelhado e em piedoso estado contemplativo, após a emissão de mantras, sentiu-se mergulhado no infinito e abriu-se a alma ao magnífico reino do amor. No interior do sanctum, exalavam perfumes de rosas e sutis vibrações etéreas. E naquela ambiência espiritual, de profundas vibrações, ele recebeu a mensagem esperada:
- 'Há ameaça de morte no seu caminho. Mas não fraquejeis! Continuai em estado de graça, amado discípulo! Tudo caminha para a fonte eterna, e a paz triunfará...'
Aquela mensagem corroborava a consulta às Runas e ao Tarô, onde surgiram os arcanos maiores, que focalizavam os arquétipos: Morte e o Ermitão. Era preciso prudência. Com a alma em agradecimento, ele encerrava a sua comunhão com o cósmico que, intrinsecamente, o tornava um instrumento a serviço da evolução da humanidade.
A noite chegava de mansinho, num céu carregado de estrelas. Ao longe ouvia-se o ganir de um cão solitário. Um casal de curicacas, com seu piar dolente, quebrava a monotonia do lusco-fusco, que se adentrava para a escuridão da noite. Jerônimo, no corredor, lembrou-se de que era preciso ultimar os preparativos para a reunião na caverna da Serra do Imperador. Os frateres das regiões longínquas da chapada das Mangabeiras e da Serra Geral estariam presentes. O grande Hierofante se deslocaria da Serra do Roncador para o encontro secreto.
Jerônimo, pacientemente, no pequeno estábulo quese encontrava nas proximidades da casa, arreava a mula Xibiu, ao foco de uma luz débil de lamparina, e apertava fortemente a barrigueira, pois o trecho do caminho era bastante acidentado.
A noite avançava pelos boqueirões e encostas da serra; e, após os preparativos, lá se foi ele ao encontro secreto. Só permitido às almas altamente evoluídas, que pairavam acima do homem comum. O caminho era extremamente perigoso, cheio de penhascos e abismos insodáveis. A certa altura do percurso, a lua despontou-se no céu, clareando a trilha e os abismos. A marcha exigia muito cuidado e perícia do cavaleiro, que, a certo ponto da cavalgada, foi obrigado a deixar a mula amarrada em uma robusta aroeira, e seguir a pé o restante da jornada.
Calmamente, prosseguiu a caminhada pela tortuosa trilha, passando por furnas, fendas de rochas, até atingir a entrada da caverna, que se projetava com uma enorme boca ao clarão da lua. Ao adentrar o primeiro espaço, similar a uma antecâmara, deparou com um guardião, que segurava, à mão direita, uma tocha acesa e o examinou pelas palavras de passe, toque e sinais. E o mandou aguardar.
Jerônimo, em recolhimento interior, na escuridão da antecâmara, lembrou-se emocionado do seu despertar espiritual, que fora marcado por terrível agonia, nas águas furiosas do rio Tocantins. “Era noite e a ventania fustigava as árvores, o trovão roncava longe, os raios riscavam o céu e as águas levantavam-se em bátegas. Era o rugir da tempestade. As correntezas arrancavam árvores, raízes e monchões de terra. E ele ali, no batelão, navegando rumo a Belém, lutava desesperadamente contra a tormenta. O velho batelão, em movimentos à deriva, não agüentou o repuxo veloz das corredeiras e partiu-se ao meio. A tripulação foi lançada violentamente na água. As vozes dos náufragos, aos gritos, ecoavam na escuridão da noite”:
- Ajude-me! Estou morrendo!.. Socorro! ..
Aos poucos as vozes foram silenciando... morrendo; só se ouvia na vastidão do firmamento o ribombar do trovão.
E lá no meio das águas revoltas, ele nadava tresloucadamente contra a fúria das correntezas. A exaustão tomava-lhe as forças. No silêncio de sua alma, rogou aos céus ajuda. Era o fim. Um relâmpago estrondou em chibatada de fogo. E na escuridão, nas alturas, abriu-se um clarão, e no centro daquela luz magnífica, surgiu uma mão que irradiava um foco de luz para seu corpo. Ao primeiro contato daquela luz, sentiu, brotando dos seus poros e células, uma força tremenda e continuou nadando, e a luz o acompanhou até à margem direita do rio. Ao pisar no barranco, caiu de joelhos por terra, em agradecimento a Deus”.
O guardião, retornando, despertou-o de suas lembranças e, em seguida, entregou-lhe uma túnica branca e o conduziu a uma entrada à direita. À primeira vista, parecia apenas uma rocha compacta, sem entrada, mas o guardião deu três pancadas com a mão direita e emitiu uma mantra e a pesada porta abriu-se lentamente, em seu eixo, provocando um rangido com a pedra de suporte. A visão que se descortinou foi majestosa e arrebatadora do interior do Templo, erigido em pleno coração da montanha. O altar triangular, no centro do templo, era circulado por uma luz violácea e as paredes davam-nos a impressão de que as luzes tinham vida própria. A abóbada, ricamente iluminada, chamava-nos à introspecção. O cheiro suave de perfume de rosas era constante e impregnava o ambiente. Pelas colunas do Sul e do Norte, percebiam-se vários seres em piedoso recolhimento. Jerônimo, caminhando em ângulo reto, foi conduzido para o lugar que lhe era destinado.
O gongo ressoou, parecendo uma voz poderosa no interior da montanha. A augusta assembléia levantou-se, em sinal de respeito e devoção. A aura de cada discípulo se interligou, formando uma única aura. Fenômeno este bastante compreensível, pois o teor vibratório que promanava do ambiente era de esfera superior. E lá no alto, próximo do altar, surgiu, de túnica branca, o venerável ancião. A sua voz cristalina, própria das mentes iluminadas, ecoou sonoramente pelo recinto:
— ' Amados irmãos, hoje é um dia especial para as nossas atividades templárias. Por determinação da hierarquia superior, vamos receber no sanctus sanctorum um novo eleito, que venceu as provas, a maldade e as paixões do mundo! O que vamos revelar só é permitido aos puros de coração. São verdades eternas, que foram transmitidas desde o império invisível da Lemúria e da Atlântida até nossos dias, isto é, há quase quinze mil anos! É a Platão que a humanidade profana deve tudo que conhece a respeito da Atlântida.
Na verdade, muito mais lhe foi comunicado; mas ele foi autorizado a transmitir unicamente o que narraram dois de seus diálogos: o Timeu e o Crítias...'
“...No próximo século o homem irá a Marte, não há dúvida. Mas dentro de nós, no santuário das nossas almas, é que está a resposta para os grandes mistérios da vida. É só percorrermos este caminho de volta à consciência cósmica, ao seio de Deus, que as portas se abrirão para outras dimensões...”
Deste ponto em diante, o que acontece então, não estou autorizado a relatar e trazer a lume.
No outro dia, ao romper da aurora, Jerônimo, montado na mula, descia a Serra do Imperador na direção de Natividade. Ia em busca da justiça dos homens. Pelo caminho, com a alma em júbilo, meditava nas sábias palavras do ancião. Agora, de posse de grande mistério, ele compreendia o piscar de luzes na Serra do Imperador, que tanto apavorava os moradores da região e caçadores nômades. Era um mistério que só seria revelado aos escolhidos, aos puros de coração. Ao chegar ao ribeirão Caveira, a mula entrou estrepitosamente na água, parando ao meio, abriu as pernas para urinar e baixou a cabeça para sorver gulosamente a água cristalina e saborosa daquele riacho de leito de pedras brancas.
Num rochedo próximo, que oferecia toda a visão da passagem, encontrava-se de tocaia o vaqueiro-jagunço Emildo Caolho, que tinha a missão de eliminar Jerônimo a mando do coronel Gregório. O jagunço, previamente, havia aberto uma profunda cova, para sepultar o corpo, por detrás dos rochedos. Com isto, o seu patrão evidentemente não colocaria a cerca no lugar, mas, sim, ficaria com toda a propriedade, de excelentes terras. Ninguém suspeitaria de nada. Simplesmente esparramaria o desaparecimento, como os outros assassinatos. Afinal de contas, quem iria descobrir naqueles cafundós dos gerais um cadáver a sete palmos de terra?
Um magote de anuns-pretos na serapilheira, rente à tocaia, fez estremecer as folhas de miroró. O tocaieiro, nervoso, exclamou:
- Ué, anunzada do cafute! Num vê que a hora é de jagunço criminoso? Campeia fora, suma pro baixadão e não estraga o meu prazer de defuntear!...
Um átimo de consciência bateu-lhe fundo, como se alguém em outras dimensões estivesse a lhe ferrotear a alma:
— “O seo Jerônimo é um homem bom, ajuda todo mundo que lhe bate à porta. É o pai de todos e nunca trepou na alma de ninguém”.
E voltando a si, coçou a barba hirsuta e recriminou a empreitada:
— “E pro mode o quê eu vou espichar fumaça no coitado? É uma judiação danada...”
Já o outro lado de seu ser, que era governado pela maldade, chamou-o aos brios:
— “Cabra frouxo, pau-de-amarrar-égua, não é macho não? Recebeu ordem e tem que fazer o serviço, moquear o homem ou vá vestir saia...”
O jagunço, indignado com sua fraqueza, virou-se para uma abertura de galhos, por onde se via o cavaleiro no meio do ribeirão, e rapidamente manobrou a carabina, mirando a vítima, que, despreocupadamente, dava água à alimária. Firmou bem no ombro a culatra da arma e preparou para puxar o gatilho mas, de repente, a sua vista turvou-se com um foco intenso de uma névoa azulada, que se ia formando, e interceptou a visão da passagem e a imagem do cavaleiro. E no centro daquela nuvem azulada, foi-se materializando a figura de branco do ancião da montanha. O jagunço, atordoado com a visão gloriosa daquela cena sobrenatural, deixou a arma cair no chão e saiu desembestado a correr, aos tropeções pelo mato que margeava o ribeirão, em fuga apavorada.
E aquele cavaleiro abençoado pelos céus, deixando o riacho, prosseguiu tranquilamente na direção de Natividade. Ia em busca da justiça dos homens!
A luminosidade da manhã penetrava o mais íntimo dos arvoredos, e um misto de mistério pairava pelos vales e pelas grotas do caminho.









MUCUNÃ-CONTOS E LENDAS DO SERTÃO


A TOCAIA



Sertão bruto do Jalapão. Pedro Tiúba erguera o seu rancho no beiço da estrada que demandava ao baixão dos porcos. E naquela manhã cinzenta de agosto, com a bafugem das queimadas varrendoao longe os cerradões e os campos dos gerais, contemplou, de olhar duro, o corpo do filho estendido na esteira de tucum, tendo-se nas cabeceiras velas de sebo acesas em cacos de jatobás, que velavam assim o defunto, a caminho da eternidade. Fora assassinado por um dos jagunços de Roberto Dourado, o Mucura. As carpideiras e os parentes choravam o morto.
Pedro Tiúba postou-se diante do filho morto e retirou da patrona de couro ensebada uma moeda de cobre e a colocou debaixo da língua açafroada do defunto. Assim, o criminoso não fugiria. E, em seguida, catou os afavecos no canto do rancho, um covocó e um cubu de enxada, e ganhou a mata da beira do rio Vermelho. E ali no silêncio das árvores, abriu uma sepultura de sete palmos, debaixo de um tamboril, e amarrou por cima, num galho, o cubu da enxada. E, batendo os beiços numa oração braba, deu sete voltas ao redor da sepultura e tangeu, também por sete vezes, o facão rabo-de-galo no cubu da enxada. Era uma gronga forte, de mandingueiro curado; e o criminoso não tinha como escapar com vida, estava condenado para sempre, e lacrado na cova!
Depois daquela cerimônia macabra, voltou ao rancho e tratou de dar sepultura ao filho. Acompanhou firme o enterro, não chorou, mas na sua mente só tinha uma palavra: vingança! Uma morte daquelas não podia ficar assim. O filho não era defunto sem choro. E a idéia ficou-lhe parafusando no miolo, no martela-martela sem parar. E aos poucos, no trepe-trepe do clarão vingador, rebentou para a ação. Era preciso moquear o cabra criminoso, passá-lo na bacia das almas. E o bangüê que conduzia o morto clamava por isso, pois ia pingando sangue pelo caminho.
Após o sepultamento do filho, na chapada da ema, retornou ao rancho. E de esfuziada preparou às pressas, no pilão, uma paçoca de carne e a colocou no alforje, juntamente com uma rapadura. Desenrolou do saco de aniagem a carabina papo-amarelo, de estimação, e a passou em cruz, na boca da fornalha, por três vezes, dizendo, de si para si, uma oração forte. E, de madrugada, fez sertão. Foi botar uma tocaia debaixo de um pequizeiro, na beira de um vau do rio Vermelho, que dava saída para os sertões da Bahia.
E ali, da tocaia, Pedro Tiúba, extasiado, olhava ao longe o rugir furioso do incêndio que se alastrava na direção da chapada das Mangabeiras. O sol castigava. A terra era um braseiro. Do chão rodopiava pelo ar a areia fina e afogueada. A canícula tremulava nas lonjuras.
É nessa época do ano que o sertão bravo oferece o pior espetáculo. A paisagem é um manto fúnebre de dor. A vida é um hálito de morte por asfixia.
O gado curraleiro, numa situação pré-agônica, foge para os brejos de buritizais. E o sertanejo, estimulado pelo fogo alhures, numa atitude irresponsável, toca fogo nos seus campos. É a devastação que campeia dos chapadões, das matas e dos travessões das serras. Tudo eclode. Tudo arde. Tudo devora. Tudo mata.
O fogo pula por toda parte. As labaredas rubicundas, em línguas de fogo, lambe as folhas secas e os gravetos, devora as moitas, alastra-se, reanima-se no açoitar dos ventos. E pula aqui, acolá, como se caminhasse pelo chão. E vai se alargando pelo campo afora. É uma odisséia dantesca e de reveses, que se propaga pelo sertão.
E aquele guanhã colosso do Jalapão vai sendo devorado pelas chamas, em labaredas farfalhantes, aos repoupos, que parece os bufidos do inferno, num estrugir de brasas, nos boqueirões, nas veredas, onde sobem pelos troncos rugosos dos buritis centenários, alcançando as bojudas cabeleiras de palhas, em espirais de fogo, que assemelha aos rebolões dançantes de coriscos, num pirilampejar de faíscas!
É um espetáculo doloroso e medonho.

* * *

O criminoso Mucura pensou em escapulir para o Piauí, através da Chapada das Mangabeiras, e saiu de esfuziote, afuroando campo afora, mas não conseguiu, uma força muito grande o empurrava na direção do rio Vermelho. Briquitava e só andava em círculo, à zaina. Estava carregado de um tangolomango danado, numa aprosexiaterrível. O sentido, azoretado, já não lhe pertencia, era daquela força estranha, que o atochava para o rio Vermelho.
Pedro Tiúba aguardou na tocaia; depois de três dias de espera, o matador de seu filho apareceu no morredouro. De cá da tocaia, manobrou a carabina e aguardou. Deixou o caborjudo entrar na água, para quebrar o corpo fechado, e espichou fumaça. O homem descangotou e caiu de borco na água, estrebuchando, no estertor da morte. Pedro Tiúba correu para junto do baleado e arrochou a peixeira cascavelando com vontade.
E, despreocupado, a folote, com a alma leve de bruto canela, desapareceu nos cerradões dos gerais. O filho estava vingado, que descansasse em paz !




DO CORTE DE FACA VEIO A SALVAÇÃO



-Ó, de casa!
Gritou o cabra, no meio da noite velha. O cavalo riscou o terreiro nervoso, mastigando os coscós do freio. O curandeiro Manuel Patuá, reconhecendo a voz, respondeu:
— Já vou, não se avexe!
E levantando-se mal-ajambrado, acendeu a candeia e veio abrir a porta de entrançado de talas de buriti. Ergueu a candeia à altura dos olhos, para melhor enxergar o cavaleiro, e disse:
— Em que posso servi-lo, meu irmão?
O cavaleiro, apressado, respondeu:
— Sá Mariana está chamando o senhor, pra socorrer o parto da mulher de Raimundão, que está morre-não-morre! O menino está encroado!
O velho curandeiro coçou a calva lustrosa e a barbaça, para entre dentes acrescentar:
— Se a velha Mariana não dá conta, quem neste sertão vai dar? O cabra, agoniado, retrucou:
— Mas ela disse que a única esperança é o senhor, abaixo de Deus!
— Bom, então vamos lá, vê se me pega a mula no peador. É só passar a tranqueira. Cuidado com a tingueira de navalha-de-macaco!
E voltou para dentro do rancho e foi arrumar os apetrechos da viagem. Botou no alforje o Chernoviz e uma vela benta da romaria do Bonfim.
Logo ganharam a estrada. E no céu daquele sertão imenso da chapada dos Veadeiros, a estrela boieira despontou fulgurante. Ao quebrar das barras chegaram ao grotão do Urubu, e pouco abaixo saíram no rancho. O ambiente era de tristeza. A velha Mariana já tinha entregado os ramos. E reclamava de queixo caído, macambúzia:
— Se este mundo fosse bom, o dono morava nele...
Patuá, entrando, acrescentou:
— O mundo só não presta, é para os fracos que não sabem esperar. É preciso ter paciência para cozinhar pedra!
Mas, quando viu que era o Patuá, criou alma nova e se abriu de alegria. A parturiente já começava a arroxear os lábios de gamela, e estava toda besuntada de óleo de sucuriú. Patuá viu a morte rondando por perto, à socapa. Era grave, muito grave, a situação. A criança, pelo sinal, era cabeçuda e estava retida na mãe-do-corpo. E não passava no canal estreito do nascedouro. Patuá, após consultar o Chernoviz, à luz bruxuleante da candeia, chamou a parteira e disse:
— O único caminho é cortar à faca abaixo do paridô, para alargar o canal do nascimento, que ainda não é afolozado. Do contrário, se não fizermos o corte, a negra morre com a criança!
A velha, benzendo-se, respondeu:
— Então vamos logo com isso, não temos outro atalho! É de ser o que Deus quiser!
Manuel Patuá foi para a fornalha e aqueceu a lâmina da peixeira no fogo. Mandou ferver água e pediu ao marido, um cabrochão sacudido, que desse sete voltas ao redor do rancho. E na última volta batesse por sete vezes na forquilha da mucureca. Era uma simpatia para abreviar o parto. Depois desta instrução, afundou para o quarto com a faca aquecida. Pediu a parteira para que acendesse a vela benta da romaria do Bonfim, e que a colocasse no canto esquerdo do catre. A mulher gemia de dor, e Patuá a descobriu para a operação à bruta. Com a mão semibruta passou lá nela, no rego, entre o paridouro e o fiofó a peixeira afiada. A mulher gemeu profundo, num grito de boi morrendo. O sangue jorrou às cachões! Patuá, nervoso, disse:
— Vamos botá-la de moché! Que o menino nasce!
O bruguelo, sem obstáculo deslizou como uma enguia ensaboada pelo canal, provocando com a cabeçorra um rombo tremendo!
O momento era gravíssimo e de fé no coração sertanejo. Manuel Patuá, de dentro de sua luz interior, num olhar de fogo violáceo, emitiu uma palavra cabalística para estancar a hemorragia:
— Gólgota!... Gólgota!
O humilde rancho iluminou-se de graças e vibrações eternas.
A parteira, radiante da vida, disse:
— Agora, deixa comigo, que o resto eu faço!
E com zelo da sua rica experiência de medicina rústica, cortou o cordão umbilical. Não se esqueceu de colocar debaixo da cama a tesoura, para evitar croíra, numa simpatia de sorte. E de proteção contra hemorragia, picadas de cobras venenosas e feitiçaria. Era preciso velar pelo bem da criança. E, tomando-a nos braços, envolta numa manta de algodão, deu-lhe palmadinhas nas nádegas e recitou meigamente:

— Solta o ferrado, meu filho,
Que é tempo de alho!
É pra já,
Que é tempo de cajá!
Torne repeti,
Que é tempo de murici!
Não me zombi,
Que é tempo de buriti!

O rebento, ao acalento da voz da velha parteira, expeliu o mecônio, e abriu-se num bué convulsivo. Foi colocado numa gamela, para o primeiro banho de cuia. A parteira tratou de atirar n’água uma moeda de prata para dar sorte e felicidade ao recém-nascido. No final, após o banho, com todo cuidado, jogou a água fora, para que cachorro não a bebesse, pois, se bebesse, o menino, quando crescesse, viraria ladrão!
Patuá ficou olhando com admiração o capricho e a devoção de Sá Mariana. E encheu a boca de risos, ao lembrar de uma simpatia que ela ensinara ao Lesbão do povoado de Taipas, para que o filho deixasse de urinar na rede. Foi tiro e queda, o moleque não furou mais o fiango. A cena brotou-lhe à mente, o negrinho com a pedra na mão, saiu por três dias, todas as manhãs, rua abaixo, gritando:

— Viva São Sebastião!
Dê um patacão
Pro menino mijão!

Patuá, antes de retirar-se, recomendou à mãe da criança:
— Vancê, Joana Cabixaba, não me saia da cama. É só ficar com as cangalhas fechadas durante o resguardo, que a natureza recupera o talho! Não me esqueça de tomar o chá de japecanga com broto de folha de aroeira!
O marido, na explosão da alegria, jogou o chapéu de couro pra riba, carregou a baluda e detonou dois tiros na maria-preta do terreiro. Era pra avisar a vizinhança da chegada do filho.
Ao luar de setembro, três meses depois do agoniado parto, Joana Cabixaba ergueu satisfeita nos braços o robusto menino, e disse com fé, a simpatia para a criança ter bom crescimento e ser sadia:

— Lua, luar,
Tome este taludo,
E me ajude a criar,
Depois de criado,
Torne me dar!


NEGRO D”ÁGUA – MITOS E LENDAS DO TOCANTINS



O PODER DAS ORAÇÕES DO PADRE LUSO

“Despertai! Ó tu que dormes,
Levanta-te da tua rede,
Rasga o véu do Templo,
Apresenta-te à Luz!...”.

Era noite densa. O vento geral sibilava nos buracos das telhas-vãs dos velhos casarões centenários. O rio Tocantins rugia nas ribanceiras, na sua eterna caminhada.Padre Luso enclausurado, na sua cela de estilo medieval, à luz mortífera de uma vela de sebo, realizava as suas orações, rezando de joelhos, no genuflexório.O seminário São José dormia e, conseqüentemente, a cidade de Porto Nacional. Lá fora cães errantes ladravam ao luar de agosto.E cá dentro do vetusto casarão, padre Luso, movido pela força gravitacional de sua bondosa aura, atraiu de outras dimensões, do imenso espaço cósmico, uma alma sofredora, que, numa névoa de prata, se materializou à sua frente, naquele momento de extrema devoção, e murmurou agonizante:
- Reze por mim, padre Luso!...Estou morrendo! É fria a laje da prisão!...
Padre Luso, sem sobrosso, balbuciou, dedilhando as contas do rosário, em tom natural de quem conhecia bem as outras dimensões:
- Intercederei por ti, meu filho, junto ao Pai! Reze também, meu filho, Deus ama o perdão e a libertação das almas!
O rosto do santo padre estava radiante, e um nimbo de luz brilhava ao redor de sua cabeça, enquanto seus olhos cintilavam de fulgurante energia.
A imagem daquele homem amulatado, de semblante triste, como se tivesse recebendo um faconaço no peito, repetiu, outra vez, o seu brado de dor:
- Reze por mim!...
A visagem fantasmagórica foi desaparecendo, aos poucos, na penumbra bruxuleante do lume da vela de sebo, daquele quarto de orações e de profundas vibrações, que unia a terra ao céu através do poder da oração.
Padre Luso, maranhense de Santo Antonio de Balsas, nasceu em 1906, foi ordenado sacerdote pelo Bispo Dom Alano, na Cadetral de Porto Nacional, onde faleceu em 1987, com 81 anos de idade. Era um devoto de Nossa Senhora de Fátima. Pode-se dizer, na acepção da palavra, que era um sacerdote vocacionado para servir a evolução da humanidade e despertar a bondade nas pessoas.Era, assim, um dos pré-requisitos das altas virtudes que lhe exornavam a alma. Abraçou, por vocação, a carreira eclesiástica, aliás, custou-lhe muito ser padre, opôs-se-lhe, porém, tremenda dificuldade na assimilação dos estudos teológicos, quase que o não ordenavam. Mas, à força de rogar a Deus, consolidou o seu sonho de tornar-se padre, e sempre se manteve na mansidão dos justos, dos postulantes, dos adeptos e avatares. Chamavam-no o piedoso, em razão das suas ações em prol dos necessitados, e da força espiritual que promanava da sua palavra amiga e de paz profunda.
Ele era de estatura meã, magríssima, desengonçada, capengava de uma perna, mas naquele corpo frágil morava uma alma superior, onde pulsava a consciência cósmica ou poder divino. A cabeça enorme, chata, como convém a um maranhense da gema. O rosto, branco, com sulcos profundos, sinalizavam as dores do mundo, e os olhos, límpidos, penetrantes, místicos, denotavam a força espiritual de seu ser; o nariz, achatado e proeminente, demonstrava um caráter disciplinado.Era um santo reservado, que cumpria rigorosamente os cânones da igreja. Não era daqueles santos rebeldes que saem pelo mundo afora pregando à multidão.Repito, era ordeiro e disciplinado na sua caminhada de luz.
Ali nos corredores do seminário, era comum ver, a distância razoável, a sua aura luminosa, especialmente quando saía em orações. A sua memória era prodigiosa, simplesmente lembrava de tudo e de todos, podiam passar os anos.
Naquelas tardes bochornosas de setembro, quando a canícula era intensa, saía ele pelos jardins do seminário em orações, e aí ocorria um fenômeno fantástico: o da levitação!Quantos não o viram flutuando no ar! Várias pessoas! Seminaristas e os próprios colegas de sacerdócio dão os seus testemunhos!
Uma noite, padre Luso acordou e entreviu, à luz do luar que penetrava pela janela rústica da sua alcova, um vulto que se movia dentro de um círculo luminoso. Era uma figura venerável de um ancião, com uma barba longa em leque descendo no peito, e tinha o hábito secular de burel. Ao longo do balandrau pendia um rosário, desses de contas graúdas, tinha a aparência de monge franciscano. E disse-lhe, à cabeceira da cama:
- A sua igreja será construída!...
A visão se dissipou no ar.Anos mais tarde, essa profecia se materializaria na construção da Igreja de São Judas Tadeu, hoje conhecida como a igreja do padre Luso, em Porto Nacional.
Nas minhas andanças pelos sertões tocantinenses, sempre ouvi falar dos milagres atribuídos ao padre Luso, e um dos que me chamaram a atenção foi de Pedro Pati, capiau domador de animais, nos boqueirões da Serra do Carmo, que um dia levou uma queda de burro chucro, e foi parar no fundo de uma rede, numa prostração de quebra de ossos. As noites indormidas não lhe trouxeram repouso, e ficou exânime, no morre-não-morre, mas deram-lhe, em contrapartida, tempo para encaminhar a Porto um positivo em busca de socorro. Foi só o positivo chegar ao destino e falar com o padre Luso, que Pedro Pati sentiu de cá alívio imediato. E o homem, de mãos postas, agradeceu a Deus longamente, humanamente, o milagre!
Era assim padre Luso, bastava orar a distância, que ocorriam as curas!
A vigília do velho sacerdote foi longa, até os albores da madrugada. Os raios solares já começavam a dourar a Cadetral de Nossa Senhora das Mercês e o rio Tocantins.Pairava pelo mundo um cheiro de incenso e magia.
Era a luz vencendo as trevas!



ENSAIO

PELOS SERTÕES DO PIAUÍ

MOURA LIMA
“Falar assim é que é falar com a natureza. Não conheço povo como o nosso do sertão, que por palavras de mais realce ao seu sentir, tenha mais energia do dizer. . .”
Euclides da Cunha.


O meu avô, Pedro de Moura Alencar, piauiense da gema, alpercatona de couro, chapéu de sirigoba, de boa cepa, da árvore genealógica dos “Moura”, filho de Joaquim de Moura Alencar e de Maria de Moura Alencar, ambos das regiões de Oeiras, Picos e chapada do Corisco. Ao quebrar das barras, do ano de 1911, botou a tropa, batendo as bruacas e caçuas, ao som dos cincerros, de rota batida pro Nortão de Goiás, e não titubeou, foi dar com os costados à margem do rio do Ouro, em Descoberto, hoje Porangatu, onde situou a sua fazenda de gado.
Portanto, com essa bagagem genética piauiense, oriunda de meus avós paternos, pulsando no meu corpo, regada a carne de bode, farinha e rapadura. Não deu outra. Veio a furo, e levou-me a estudar, prazerosamente, a literatura do Piauí. E o primeiro livro que me cai às mãos, foi “Caatingas e Chapadões”, do escritor Francisco de Assis Iglésias. Empolgado com a leitura, não vacilei, dei corda ao pensamento, arriei o meu tordilho, ajaezado a capricho, sem esquecer de agasalhar no lombilho, o alforje de couro de mateiro, fornido com munição de boca, e no arção atravessado o rifle papo-amarelo.
Assim, preparado, para o que desse e viesse, segui de peito lavado o doutor Iglésias, pelos Chapadões, brejais tabuleiros e as longas veredas de buritis. Passamos por Bom Jesus da Gurguéia e toramos no mundo. Os carreiros eram um emaranhado e se bifurcavam assustadoramente. O sol estava a pino, no momento em que cruzamos uma mata rala de angicos, jatobás, quando saímos na chapada, sob verdejantes cajueiros, vislumbramos um rancho. Zé Cartucheira, como pagem, gritou:
- Ó de casa!
- Ó de fora! - respondeu uma voz feminina - podem chegar. Aí o doutor Iglésias foi logo perguntando:
- Como se chama esta morada?
- Flor do Tempo – respondeu a graciosa morena de olhos verdes. O doutor Iglésias, com a resposta se desmanchou todo, no seu jeitão, de alma poética, e, em introspecção exclamou:
- Flor do Tempo. . . é flor que nasce por aí, ao Deus dará, sem que olhos humanos contemple sua beleza peregrina. Flor do Tempo. . . Milagre da natureza, que esbanja prodigamente seu aroma delicioso em ambiente calcinado pelos raios solares, ao lado de vegetais rasteiros e insignificantes. Flor do Tempo. . . é flor que os anjos, brincando de jardinagem, semearam e o capricho da fecundidade fez nascer em outeiro desolado. Flor do Tempo. . . é um lírio do campo que suplica ao viandante que o leve, antes que as rudes patas da alimária o esmaguem. . .
Daí, após o pernoite, riscamos trilheiros e fomos bater em Santa Filomena, onde o doutor Iglésias comprou uma balsa de talos de buritis, e lá fomos nós rio Parnaíba abaixo. Passamos pelas terríveis cachoeiras, Molha-Fundo e Apertada-hora. Após um percurso de dez léguas, na barra do Riachão, deixei o doutor Iglésias estabelecendo o seu projeto agropecuária, que batizou de “Vila Eng.º. Dodt”, em homenagem ao grande explorador do rio Parnaíba e Gurupi.
A tarde descambava nos horizontes maranhense, e numa guinada brusca, voltei-me para o Piauí a toda brida, e saltei-me carregado de emoções, nos sertões bravios de “CURRAL DE SERRAS”, de Alvina Gameiro.
Sertão bruto, mas cheio de vida, em pleno esplendor selvagem. Cenário rico do agreste, que me levou a percorrer a imensidão dos Chapadões. A canícula tremia ao longe, na aba dos morros, e nestas horas procurei um capuão sombrio. E o estilo mágico desta Rachel de Queiroz do Piauí, foi levando-me pela verdejante pradaria, quando dei fé, eis-me às margens do rio Sapão, pedra de Amolar, as três águas divisoras dos Estados da Bahia, Maranhão e Tocantins. E lá naquele altiplano arrebatador despontava na linha do horizonte, a “SERRA DO JALAPÃO”, já no meu Estado.
Assim sendo, deliciei-me com o linguajar vigoroso do sertanejo, a estrutura frasal e, também, dialetal, de “CURRAL DE SERRAS”, que desperta de forma sutil, estudo acurado, no campo lingüístico - filológico - semântico. Obra prima da literatura piauiense, que pode ser colocada ao lado de “GRANDE SERTÃO: VEREDAS, de Guimarães Rosa, com elegância e garbo, sem medo de sombra. O próprio tempo se encarregará do reconhecimento desta grande obra literária. E neste dia, de verdadeira justiça, as elites culturais, os medalhões, se lamentarão, da omissão imperdoável. Que trouxe, afinal, Alvina Gameiro, essa dama conceituada da literatura do Piauí? Trouxe muito, encantou a todos com sua arte, inclusive, agora, nós tocantinenses, e deliberou o juízo crítico sobre a sua obra romanesca, bem estruturada e disciplinada. Mesmo somando a sua produção literária, que veio revelar o tamanho e a força da sua capacidade criadora. E “O VALE DAS AÇUCENAS”? “OS CONTOS DOS SERTÕES DO PIAUÍ”? E, a “VELA E O TEMPORAL”?, Aqui, sim. É um romance magnífico, que nos induz o amor à terra, ali, na fazenda Santa Quitéria, onde se ilumina no epicentro do enredo, a meiga e corajosa Rousária. E a lição do capurreiro Fulgêncio sobre a utilidade da folha de buriti? Cena bem arquitetada, que deslumbrou José Lins do Rêgo, digna de antologia, conforme recomendou o grande escritor regionalista.
Porém, neste ponto sou forçado a interromper os meus pensamentos, que fluíam como um riacho fogoso, ali, na Fazenda Santa Quitéria, pois uma voz telepática projetada de Caracol ferreteava-me à razão:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Num átimo pulo da rede de tucum, monto no meu tordilho e ganho estrada, no rumo de Picos, ao lado do consagrado escritor regionalista, FONTES IBIAPINA, com sua cabeleira de espeta-caju, no dizer de Wall Ferraz, e fomos de rota batida pro “TOMBADOR”. Ave-Maria! Meu bom Jesus do Canindé! Quando percebo estou em plena era feudal e escravocrata. O manguá estala bonito o pai-nosso, no lombo da negrada. Tronco, vira-mundo, peias, bacalhau, umbigo-de-boi, e lá se vai os instrumentos de suplício da escravidão. Fontes Ibiapina viajou no tempo, como um arrojado sociólogo e historiador, que inspirou no fato histórico e o transportou para o campo ficcional, dando-lhe beleza e arte. Não fugiu a sua predestinação literária, pelo contrário, instrumentou-a com a carocha do linguajar regional. Levantou o conflito social das almas peregrinas. Mostrou a tragédia humana no seu quadro horripilante em pleno sertão bruto.
Fontes Ibiapina, com maestria trabalhou o espaço geográfico por onde andam os seus personagens, ou seja, o sertão bruto, os cafundões longínquos, os brocotós, os socobós, o oco do mundo, desasistidos, desamparados a que se entregam pelo flagelo as condições do meio, que passa a ser a tônica exasperante a criar-lhes, no âmago do ser, o sentido da injustiça social a que vivem relegados.
Em termos conteudísticos e de linguagem, IBIAPINA, na sua vasta obra, torno-a atraente, original, fiel ao meio, comunicativa, aliás, a aspiração de todos os escritores - do passado e do presente.
O linguajar regional não consta nos contos e romances como peça exótico. A oralidade, constante nos diálogos e, muitas vezes, na intuição do escritor-narrador, projeta e comunica com autoridade minúcias do traço psicológico do campônio, provocando meditações sobre as condicionantes históricas.
A temática, os enredos, as intrigas, o perfil psicológico, a estrutura, enfim, de sua obra literária, são tirados da dura realidade sociais, da angústia do homem desprotegido, dos gemidos das terras escarambadas, do rebentão, como em “VIDA GEMIDA EM SAMBAMBAIA”.
Surpreendentemente, Fontes IBIAPINA realizou uma literatura regional, riquíssima ligada ao tempo e ao espaço geográfico pré-determinados, e, constituindo assim, uma bela literatura universal, que arranca das almas suas emoções básicas.
O regionalismo, em Fontes IBIAPINA encontrou terreno fértil, a fala, os costumes e a sabedoria do povo, com isto, podemos afirmar:
- O regionalismo é a maior escola literária do mundo, pois registra o falar bonito do Sertão, fixa os costumes, a fala e a sabedoria do povo, na memória do mato.
Os galos amiudavam, ali, em “Tombador”, a Mãe-da-lua, lá nos cafundós da mata, garganteava a toada triste e penosa. Da parede do açude velho vinham-me murmúrios de vozes apaixonadas, eram Bernardino e Justina, entrelaçados pelo destino que os uniam na Loucura.
Um caburé errante, num galho seco, chama-me a atenção, e lembro-me de William Palha Dias, e identifico a sua voz telepática projetada de Caracol:
- Vamos adiante. É pra frente que as bruacas batem!
Não perco tempo. Tomo rápido o meu café-de-isca, coloco no alforje o frito, e dou adeus a Fazenda “TOMBADOR”. E num piscar de olhos entro de peito estufado em “VILA DE JUREMA”. Do alto da sela do meu tordilho, fico espiando o mundão da jagunçada dos coronéis desalmados, e o repicar da papo-amarelo, de cano oitavado.
De credo na boca entre a espada e a água benta viro-me à direita e surge-me à imagem de João Situba Fazendo papel funambulesco de irmão-das-almas. A sua voz cavernosa reboa:
- Irmãos das almas penadas! Irmão das almas penadas, que vagueias pelas profundezas do abismo, deixa passar livremente as almas dos irmãos - Adriano e Mariana para que ambos subam felizes ao Reino da Glória, na paz do Senhor!
Ainda com a cara pra cima, que só jumento nas várzeas, viro-me à esquerda e deparo-me com a cablocada no barracão da chapada do Canastra, uns ao rés-do-chão, outros dependurados nas tipóias de caroá, ensebadas pelo uso contínuo. Ali era o local onde os maniçobeiros se empenhavam na colheita do leite amarelento que se transformaria em belas e elásticas lapas cor de ouro, que, também, provocaria o conflito social e o correr de sangue até às canelas.
A casaca-de-couro começava a mexer-se nos galhos das árvores robustas, piando renitente. A voz de William Palha Dias, cutucando-me os sentidos:
- Pra frente é que as bruacas batem!
E lépido entro no “ALCORÃO RUBRO”, e chafurdo-me em plena batalha do barulho de corrente. O rifle de cruzeta repica, sacolejando, num fumaceiro de pólvora. E num clarão de relâmpago brota-me a figura do Coronel José Honório Granja e seus cacundeiros. Abílio Wolney e o famigerado Aldo Borges passando pela luta, em fuga acelerada de Goiás. Abílio Bata, morrendo no punhal de Filipão, no sapé. E as manadas de gado, riscando o agreste, no rumo da Bahia. Eram as famosas sebaças, que tanto atormentaram o Piauí, e, também o Norte de Goiás, hoje Tocantins.
Do meu surrealismo psíquico, vejo a imagem do Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá, alto, magro, tez branca, barba à nazareno, rosto de apóstolo, que transmitia bondade, não pode evitar à tremenda carnificina de Corrente. De um lado os Nogueiras Paranaguá, do outro os O’Donnell de Alencar. O Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá, alma bondosa, estirpe superior, sonhador, progressista, não resistiu à terrível tragédia, que mutilou os seus sentimentos mais nobres, e sem esperança entregou a alma ao criador.
WILLIAM PALHA DIAS levanta outra vez o seu brado:
- Vamos adiante! Pra frente é que as bruacas batem!
Não me avexo, mas entro resoluto em “Os irmãos Quixaba”.
- Vixe, meu bom Jesus de Pirapora! A cuia de andarilho, só cai emborcada! Quando dou por mim, estou num plenário de um Tribunal do Júri. Lá na mesa, um Juiz carrancudo, parecendo que tinha comido tampa de alforje. Lia as peças dos autos. William Palha Dias, cordialmente, convida-me para tomar um café. E eu penso comigo:
- Bela saída estratégica! Que me faz lembrar do genial romancista, Morris West, autor de “Filha do Silêncio”. E numa chispa do tempo mostra-me os irmãos Quixaba, andando a marche-marche, à sorrelfa pela caatinga e chapadão, com uma criança nos braços. Prova do crime de incesto. Produto do amor proibido entre os dois irmãos. Rápido, ali, na chapada estrangulam a criança, e empurram-na para dentro de um buraco de cupinzeiro. Do meu lado, o mago da pena de ouro de Caracol, na sua alquimia profunda, conduz os personagens para a bigorna da criação literária, e os faz numa assunção psíquica contar toda a desgraça de suas vidas.
Retorno, outra vez ao Tribunal do Júri, e lá está na tribuna a defesa. O advogado deita suor pelos poros, como cavalo em corrida de boi barbatão. A saída foi refugiar na Bíblia, e num segundo sai com uma defesa brilhante:
- Senhores Jurados, falou o orador. – O mundo, este conjunto de princípios ou fenômenos, considerado como um todo, equilibra-se entre duas forças antagônicas: a Força do bem e do mal.
Neste exato momento, tão emocionante da defesa, sou obrigado a desviar a atenção, e ouço a voz do mago da pena de ouro de Caracol:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Com este ultimato, azulei no mundo, e foi bater de sovela dentro do “Memorial de um Lutador Obstinado”, bem na Praça marechal Deodoro, em Teresina. Não perdi tempo, olho à direita, e vejo descendo as escadas do velho casarão onde funcionava o Tribunal de Justiça, o Juiz turuna, da Comarca de Regeneração, que cruzava com o Desembargador Paulo Freitas, que, displicentemente, talvez insuflado pelo Capiroto cutucou a onça com a vara curta:
- Companheiro, tome cuidado que vão terminar te capando! . . .
O magistrado estribado na sua conduta honrada, na comarca de Regeneração, nem pestanejou, e respondeu na bucha; à zangarilheira desceu o pau de jucá, de com força, que o desembargador nem ciscou:
- Desembargador, se tal desgraça vier a acontecer, perdôo os capadores, com uma condição: que eles mandem os ovos numa bandeja ao Tribunal de Justiça a fim de que, ali, seja preparada uma torta destinada aos demais desembargadores e que todos comendo tão nutriente, iguaria revistam-se de coragem para enfrentar situações como a que, no momento, estou enfrentando!
A voz inconfundível, outra vez:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Monto no meu tordilho e trovejo nas abas do mundo, na direção de Oeiras. A canícula é tremenda, logo avisto um jatobá frondoso. E ali, sento-me naquela sombra hospitaleira, e tiro da patrona a mortalha. Vou picando o fumo. Pacientemente, enrolo o pau-ronca, risco o papa-fogo. Ato contínuo, puxo uma tragada, e solto a fumaça para espantar os bisôgos e muriçocas. Nisso se aproxima, saindo da boca da mata, um velho de barbas branca, vestido à bambalhona, fogoió, chapéu de couro, rosário de contas de mulungu no pescoço, laporte à mão direita, alpercata de rabicho nos pés, ao ombro um bisaco, contendo suas trapizongas. Vai dizendo, sem trelho nem trebelho, na sua maneira destabocada:
- Deus seja louvado! Não me leve a mal, seu deputado, me dê uma rodela de fumo, estou mais liso que bacia de alma.
Acho graça da esperteza do capurreiro, e respondo-lhe:
- Não sou deputado, pois político é como feijão n’água, só sobem os podres.
Com minha resposta, o velho se abre todo, numa gaitada de fole velho, e retruca:
- Mas seu doutor, político é como merda de gado, por cima seca e por baixo aquela porcaria.
Dou-lhe um pedaço de fumo, e, ele, em sinal de despedida, dá-me um fruto de araticum. E prossegue a marcha, digamos assim, à matroca, a trouxe-mouxe, rindo e falando ao vento:
- Político. . . só sobem os podres! E vendo-o sumir, na baixada, com o cacaio as costas, recordo dos excelentes contos regionais de Magalhães da Costa, especialmente daquele do velho do livro da capa preta – Lunário Perpétuo; e por sinal, esta raridade, juntamente, com o Chernoviz, Missão Abreviada, edição, 1874, usada nas prédicas de Antônio Conselheiro, em Canudos, estão na minha biblioteca, guardados a sete chaves.
O tempo começa a fechar, e quando vejo estou dentro de “Um Rio Subterrâneo”. Assusto-me, dando-me um sobrosso, pois sou regionalista e não clássico. Ouço a voz de um moribundo gemendo. Tempestade caindo. A solidão do mocho. Vozes nervosas. Ferrolho emperrado, correndo nas janelas. Tranca descendo. Almas sofrendo. Traições passionais. Conflitos humanos. Neurose. Loucura. É o pulsar ogerreguiano no campo realista, interligado no psicossocial. Tudo isso me leva aos mestres: Flaubert, machado de Assim, Graciliano, Rolland, Gui Maupassante e Dostoievski.
A voz embutida no tempo, acossa-me, peremptoriamente:
- É pra frente que as bruacas batem!
Não conto nada, não. O meu tordilho começa a passarinhar. Como sou neto, e bisneto de piauiense, criado com pirão escaldado num cozidão de bode, não penso duas vezes, chamo o bruto na manguara, corro-lhe no vazio e na tala do bucho as esporas, aí sai garboso pelo trilheiro. Mas o munganguento começa com treta, dou uma quebrada de freio, meto-lhe na fuça, o calabrote, e o bicho troveja nas asas do vento; e fomos bater na beira do Parnaíba, em Amarante. O céu fecha e a chuva cai copiosamente. Uma ambiência espiritual estabelece na margem do rio. O banzeiro eleva-se. Do meio do rio forma-se um nevoeiro diáfano e misterioso, da penumbra à roda à roda, surge uma canoa ao lume da água, vogando brandamente de bubuia. E no centro da tosca embarcação, resplandece a figura de um homem, envolto numa aura brilhante, que emana vibrações de estrelas superiores. A sua tez é morena, olhos tristes, magro e um pouco curvo. Assim, que a canoa se aproxima, beira-rio, do meu ângulo de visão, eu reconheço aquela figura luminosa e grave. Era o grande poeta Da Costa e Silva, que descia o velho monge recitando o imortal poema- “Saudades”. A sua voz melodiosa fazia estremecer às bordas do rio:

Saudade! Olhar de minha mãe rezando,
E o pranto lento deslizando em fio. . .
Saudade! Amor de minha terra . . . O rio
Cantigas de águas claras soluçando.

Noites de junho. . . o caburé com frio,
Ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando. . .
E, ao vento, as folhas lívidas cantando
A Saudade imortal de um Sol de estio.

Saudade! Asa de dor do pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento,
As mortalhas de névoa sobre a Serra. . .

Saudade! O Parnaíba – velho monge
As barbas brancas alongando. . . E, ao longe,
O mugido dos bois da minha terra. . .

A visão fantasmagórica, se desfaz e ouço aquela voz de comando:
- Vamos adiante. Pra frente é que as bruacas batem!
Salto no meu tordilho e abro o pala no mundo. Cruzo a chapada das mangabeiras, e quando vou descendo a Serra do Jalapão, vem-me à mente à obra de Elmar Carvalho “Rosa dos Ventos Gerais”. E do Leste os ventos gerais sopra para o Tocantins, no mês de junho, preparando a chegada do verão. Ao longe desenha o morro Mandacaru, já em território tocantinese. Pedra da Baliza, testemunha saecula saeculorun da passagem das boiadas, das tropas, no rumo da Bahia. Cenário agreste do meu romance – Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros. O meu tordilho vai vencendo os estirões, na areia frouxa. Bandos de ema correm em ziguezague, balançando os gordos peitoris. Quando entro no Brejão de Areião, uma luz desce do céu em forma de cone e puxa-me aos rodopios para dentro do túnel.
Um leve tremor desperta-me, e voltando as minhas faculdades, vejo-me no meu escritório. Ao lado do computador está o dicionário: “Escritores Piauiense de Todos os Tempos”, de Adrião Neto. Compêndio monumental, repositório da memória literária do Piauí, que não pode faltar, na estante do escritor, do pesquisador, do estudante, enfim, do amante da literatura. Obra bastante popular nos meios acadêmicos do Tocantins, e responsável por esta viagem mágica ao mundo encantado da Literatura piauiense.
Levanto-me da cadeira, abro a janela, fito o céu de brigadeiro, e declaro a mim, em reflexão:
- A Literatura do Piauí existe e está a caminho do terceiro milênio!

(Publicado na Revista “Cadernos de Teresina” –1997)















ENSAIO


O SERTÃO
DE ALVINA GAMEIRO
- DO REGIONAL AO UNIVERSAL –

Moura Lima



“O talento de Alvina Gameiro faz com que o linguajar matuto de Curral de Serras, por vezes tão pitoresco, de repente se ilumine em função de símiles, símbolos e alegorias, alçando-se a um nível de grande expressividade.”
Almeida Fischer



“ O Vale das Açucenas é romance de uma beleza impressionante...”

Vasques Filho

“Chico Vaqueiro do meu Piauí guarda muito do meu coração menino, criado em fazenda sertaneja, sertão de pedra e sol.

Câmara Cascudo



Sumário:
1. Quem é Alvina Gameiro
2. A Professora
3. A Artista Plástica
4. A Ficcionista e o Sertão Bruto
5. A Obra
6. Curral de Serras, obra-prima de Alvina Gameiro, uma breve cosmovisão.



1. Quem é Alvina Gameiro

Alvina Fernandes Gameiro é piauiense de Oeiras, onde nasceu a 10 de novembro de 1917, e faleceu em Brasília, a 13 de agosto de 1999. Fez seus primeiros estudos em Teresina-PI, seguindo, mais tarde, para o Rio de Janeiro, onde se formou em Artes Plásticas pela Escola Nacional de Belas Artes, e, posteriormente, graduando-se pela Universidade de Colúmbia, NY – USA. Professora, romancista, contista, poetisa e pintora. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 14-patrono: Cônego Raimundo Alves da Fonseca, grande tribuna sacro e brilhante latinista.

Os Pais da escritora piauiense se chamavam Antônio Pedro Fernandes e Vitória Fernandes.
Alvina Gameiro teve quatro irmãs: Maria, Luciana, Glória e Maura.
O funileiro português Antônio Pedro Fernandes foi uma pessoa estimada no seu meio, que veio para o Brasil antes da 1ª Grande Guerra, e fixou-se em Belém, e depois foi contratado pelo governo do Piauí, para montar máquinas de Fabricação de laticínios. E escolheu a Chapada do Corisco, Teresina, em 1922, para fixar a sua residência, em caráter definitivo. E, na Cidade Verde, no dizer de Coelho Neto, viveu trinta e um anos, trabalhando com afinco e amando os necessitados, a quem socorria com dinheiro e refeição. Sua morte, ocorrida no ano de 1953, é uma prova eloqüente do seu amor ao próximo, pois o povo humilde, mendigos e velhos choraram copiosamente pelas ruas de Teresina a sua morte!
A indústria e o comércio de Antônio Pedro Fernandes situavam-se numa casa do centro de Teresina, esquina com o antigo Banco do Brasil, na rua Eliseu Martins, próximo da praça Rio Branco. Era um prédio rústico, mas arejado e limpo, onde o coração generoso de Antônio Pedro Fernandes o transformava, ao cair das tardes, num templo acolhedor de saber e fraternidade. E assim, sem tardança, iam chegando os homens cultos e os grandes da terra, para a prosa animada: Esmaragdo de Freitas, Cromwell Carvalho, Mário Baptista, Higino Cunha, Celso Pinheiro, Martins Napoleão, Pedro Britto, Cristino Castelo Branco, Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Simplício Mendes, Benjamim Baptista, Àlvaro Ferreira, Arimathéa Tito, Artur Passos e outros. E ali, naquele templo improvisado, reuniam-se escritores, juristas, historiadores, médicos, poetas, políticos e magistrados, como assevera A. Tito Filho:
--- “Fizesse sol ou deixasse de chover, não dispensavam o bate-papo com o culto funileiro!”.
E foi assim que viveu,cresceu, e desabrochou para a vida Alvina Gameiro, num lar cheio de amor e de busca de tudo que promanasse da inteligência e do saber.
Casou-se, por força da predestinação, que não abandona às almas superiores, com o engenheiro arquiteto Argemiro Gameiro, homem culto e de alma bondosa. Da feliz união nasceram os filhos: Guttemberg, Elizabeth e Argemiro.
Partindo desses pressupostos de ordem maior, que engrandecem, sobretudo, a alma humana, foi que nasceu para a glória da Literatura piauiense e do Brasil a escritora do imortal Curral de Serras!
Alvina Gameiro foi uma escritora de sólida formação humanística e cultora excelsa da Língua Portuguesa, senhora de profunda obra publicada, entre romances, poesia e contos.



2. A PROFESSORA

ALVINA GAMEIRA foi professora de português e de Inglês de vários colégios do Piauí, Ceará, e do Maranhão, tendo lecionado também na Faculdade de Filosofia de São Luis. E não fez mais; que justificar o conceito de Spencer: preparar os indivíduos para os deveres da vida. Mas espalhou, acima de tudo, o fulgor de sua cultura refinada e de sua alma boníssima e superior, na missão redentora de seu sublime apostolado de professora e de guia zelosa das gerações. Era uma estudiosa da “última flor do Lácio”, basta dizer que a sua vasta obra literária é um imenso laboratório para o estudo dos cânones da língua e da legítima gramática histórica, do português primevo, deixado no solo brasileiro pelos colonizadores e bandeirantes. E na sua imortal obra Curral de Serras, ela incorpora no final, em forma de glossário, um estudo acurado de evolução semântica das palavras, num desbastar do ouro velho do idioma de Camões.



3. A ARTISTA PLÁSTICA

Alvina Gameiro tinha uma alma extremamente evoluída, além-fronteiras da mediocridade humana, e esses traços dimensionais de sua personalidade iluminada também materializaram-se no campo das artes plásticas. Quem teve a sorte de visitar o seu lar acolhedor, em Brasília, pôde testemunhar a grandeza de sua arte como pintora, pois, na sala de visita, na parede frontal do ângulo de entrada, para o deslumbramento das visitas, eis que surgia em cores vibrantes um quadro representativo do julgamento do Mestre Nazareno, com a célebre cena de Pilatos lavando as mãos, em cores arrebatadoras, como se as pessoas fossem vivas!

Assim sendo, é uma particularidade de sua vida de artista, que urge vir a público numa exposição futura, talvez organizada pela Academia Piauiense de Letras.



4. A FICCIONISTA E O SERTÃO BRUTO

Os chapadões, campos, matas, veredas e os gigantescos espaços abertos, a perder de vista na linha do horizonte, numa magia de sonho sempre deslumbraram à mente humana, que fascinada pelo desconhecido, não titubeava com a possibilidade de uma travessia cheia de riscos e aventuras emocionantes.
No dardejar do século XVI, eram os mares a exercer o fascínio do desconhecido, e no final do século passado, e começo do fluente século, é o espaço sideral!
O sertão inteiro se mescla, também, como um desafio a ser vencido pelo homem, e a literatura regionalista utiliza-o como cenário, na criação e recriação da memória do mato. E assim o foram, como exemplo, as obras de Euclides da Cunha, Afonso Arinos, Hugo de Carvalho Ramos,Valdomiro Silveira, Simão Lopes, Alvina Gameiro e Fontes Ibiapina.
O sertão, do ponto de vista sociológico, representa uma visão contraditória e latente. De um lado, é a mais pura realidade brasileira, tanto social como estética, isto é o reflexo do que somos, como povo e nacionalidade. De outro lado, na expressão abalizada de Tristão de Athayde-“a encarnação dos males contra os quais devemos combater a miséria, a exploração do trabalho, os latifúndios feudais, a desnutrição, a violência, o analfabetismo, as moléstias endêmicas, a politicagem, em suma o colonialismo interno, no que tem de mais retrógrado. Uma imagem bifronte, ao mesmo tempo luminosa e sombria”.
Älvina Gameira, em Curral de Serras, com talento e mestria se apossa desse cenário agreste, dando-lhe um tom de gesta sertaneja e de nativismo arraigado. Vejamos:
--- “ Na beira da corrente, matutava, espiando o viço do capinzal, bebedor daqueles frescos de orilha de riacho, inda com uma chave d’água já no fim de setembro, mês danado de seco.
... Desne que mundo é mundo, capim é cabelo da terra, cobertor do chão, esperança dos vivos, quando cai chuva e ele verdece, é nem ver um bilhete da saudade...

Esse é o sertão nostálgico de Alvina Gameiro, e de todos nós regionalistas, que se acabou com o avanço da civilização destruidora, e que está ameaçado de desaparecer para sempre. É quase uma saudade que vai desaparecendo, sumindo, já não se ouve mais o tilintar dos cincerros das tropas vencendo espigões, as notas graves dos berrantes, nas marchas ronceiras das boiadas varando as campinas, e o gargalhar da seriema nas veredas de buritis. Os descampados, as matas, os cerradões foram escarificados pelo risco betuminoso dos asfaltos. E é aí que reside o valor intrínseco de Curral de Serras, como obra de resistência, de defesa do que é nosso, num mundo em pandarecos e de inversão de valores. É um legado supremo para as gerações futuras, para os estudiosos do campo lingüístico.
Alvina Gameira é uma piauiense amorosa de sua terra. E toda a sua obra literária, é um hino de amor e devoção ao Piauí.



5. A OBRA

A nossa história literária é calcada na verticalidade, com uma visão monomaníaca, unilateral e caolha, pois tem a estreiteza de resumir toda a nossa cultura literária em meia dúzia de nomes. E essa falta de um conhecimento horizontal da nossa história literária leva a uma injusta avaliação das obras que padecem na vala comum do esquecimento, como alma penada a vagar pela eternidade do silêncio.
A obra literária da escritora Alvina Gameiro, lamentavelmente, ainda não foi descoberta e colocada no lugar que merece, entre os nomes laureados da cultura nacional.
A sua estréia na literatura se deu com o lançamento do romance “A VELA E O TEMPORAL”, em 1957, seguido de “O VALE DAS AÇUCENAS”, também romance, de 1960. Depois editou um livro de poesia, “ORFEÃO DE SONHO”-1967. E em 1970, estréia no conto com o livro – “15 CONTOS QUE O DESTINO ESCREVEU”. E prosseguindo na sua carreira vitoriosa, lança em 1971 – “CHICO VAQUEIRO DO MEU PIAUÍ”, romance versificado, que levou Martins Napoleão a exclamar, arrebatado:
---“Não vou mais esquecer este verso: “Quebrantado ao quebrar das quebradas.”
E em 1980, já mestra de sua arte, lança o festejado romance “CURRAL DE SERRAS”, que foi recebido com louvor pela crítica autorizada.
E no piscar das luzes de 1988, dando sequência ao ciclo do sertão, publica o seu último livro – “CONTOS DOS SERTÕES DO PIAUÍ”.



6. CURRAL DE SERRAS, a obra-prima de Alvina Gameiro, uma breve cosmovisão.

O romance começa com o personagem central apeando da montaria à beira de um córrego para matar a sede numa “isca de riacho de uma chave de água”; aparece-lhe um homem, pensando, talvez surpreendê-lo. Puro engano. Há muito o avistara de longe ao lado puxando um cavalo, castanho claro, pelo cabresto. E descreve o personagem com as minúcias decorrentes da observação penetrante do sertanejo:
--- “ O homem era fogoió, sardento: cearense, judeu por inteiro ou cruzado com cristengo; tinha os olhos de cavalo gazo : confirmação de gringo; pestanas roídas sapiranga antiga ou tracoma adiantada; beiços esfolados: lida com o sol, cachaça ou morrinha de fígado. Da cabeça desci. O pescoço dele era grosso, enterrado: sujeito de fôlego curto; o tronco alongado mas de muito pouca altura: sinal de alguma força; as pernas e braços espichados à moda de aranha...”

6.1 A ESTILÍSTICA GAMERIANA

A estilística Gameriana balança entre três pilares da sua arquitetura verbal: a literatizante, dialógica e integrada. Exemplificando: a literatizante em Curral de Serras, é à manifestação lingüística predominante no que chamaríamos de regionalistas finisseculares; a dialógica é a que outorga na expressividade psíquica da narradora a fala do matuto; a integrada é a que nota as minudências da região no seu rico vocabulário, muitas vezes estilizado nas criações verbais, nas imagens, nas analogias e, notadamente na projeção visualizada da composição do solo, dos campos, dos chapadões e ermos distantes.



6.2 A POETIZAÇÃO DA PROSA

Curral de Serras é escrito na linguagem viva e pitoresca do nosso sertanejo. A autora prima pela autenticidade da linguagem colhida no sertão. A obra se desenrola numa fala cronológica, medida pela cadência e pelo ritmo. Há na estrutura frasal um halo poético, que pontilha a ação e robustece a afirmativa de que a fala nordestina é cantada. E a arquitetura da frase Gameriana sinaliza em seu eixo uma acentuada queda para as formas regulares, que denuncia um fator intencional de materializar as sonoridades métricas e estróficas. E o ilustre crítico literário piauiense M. Paulo Nunes, com competência assinala: -“Curral de Serras” é um poema em prosa, inclusive porque composto todo ele em versos de redondilha maior, métrica multissecular da língua portuguesa”. E essa assertiva do clarividente crítico corrobora o nosso entendimento, de que à obra é intrinsecamente marcada pela sonoridade compassada e precisa, que estimula um universo de densidade poética cadenciada pela melodia, o ritmo, a homofonia, que ecoa num sertão-mundo de intensa beleza lírica e estilística.





6.3 O UNIVERSO NATIVISTA DE CURRAL DE SERRAS

O sertão-mundo é um repositório do português clássico-arcaico onde nosso capurreiro o conservou, em razão do distanciamento da evolução da língua que acontecia fora de seu domínio, e com isso manteve o vocabulário dos colonizadores.

E Guimarães Rosa, poliglota e estudioso das raízes lingüísticas de outros povos, usou esse conhecimento para criar e inventar a sua linguagem artificial, rica em neologismo, e que jamais fora falada nos sertões mineiros e além Rio São Francisco, para compor a sua grande obra. E já nossa Alvina Gameiro, seguiu o caminho inverso, o da fidelidade da linguagem do nosso sertão, em Curral de Serras, e por isso, ao meu ver, realizou sem sombra de dúvida obra superior. E é bom que se diga: em Alvina Gameiro nós enxergamos o sertão do Piauí no contexto da divisão geolinguística do Brasil, bem brasileiro, tanto no falar como nos costumes e nos matizes da cultura espontânea.

6. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, comungamos com a afirmativa do escritor e crítico literário Luís Mendes Ribeiro Gonçalves:
--- “ Curral de Serras, a obra da escritora piauiense Alvina Gameiro, desperta estudo meticuloso e sério. Disse antes e confirmo agora, convicto de que a tenho como um marco na literatura do Nordeste. Lembrará no presente a língua que os camponeses herdaram e conservaram; servirá no futuro, com o desenvolvimento cultural, de termo da comparação de uma fase passada. E, ao mesmo tempo, com substância, como romance, ainda como louvável demonstração de capacidade de observar, conhecer, coordenar e dar vida ao mundo imaginado.”

E por último, a nós que tivemos o privilégio do convívio com a autora, na fase final de sua passagem pela Terra, ficamos a vislumbrar numa projeção psíquica às suas andanças pelos altos sertões, Chapada das Mangabeiras, águas-emendadas, Rio Preto e Sapão, munida de Gravador ia colhendo, aqui e acolá, a fala dos nossos matutos, numa cuidadosa pesquisa lingüística de campo, para a composição do monumental romance, que ficará para sempre, porque foi escrito com argamassa de arte verdadeira, com o cheiro da terra, e colhido no coração do sertão!


(Publicado no Jornal “Meio Norte”/ 2001-Teresina-PI)











Poemas errantes (1970-Goiãnia-GO)




SONDAGEM DO TEMPO



Trêmulo, doido, reluz o século!
Sons metálicos se perdem no espaço,
É o foguete atravessando o cosmo.


Evolução tecnológica,
Era de psicopatas,
Astronautas!



Cadê a paz?
Onde a encontraremos?
No brilho das estrelas? ...Não!
Os cientistas endoideceram,
Há epidemia de loucura nos astros!

Poluição: palavra nova,
Inferno na terra!
Cadê o homem?
Perdoe-me, ó gênio do tempo!
A vida ficou vulnerável,
Projeto Genoma,
Legiões de homens,
Nascerão no ventre dos laboratórios!

É a vida!
Ouvi-me, ó século!
- É a maldição das gerações!


Multidões de famintos, degenerados,
Lá se vão!
Governos mendigos de idéias,
Choram no pedestal do povo;
É a misericórdia dos tiranos?
Não! É a oração social das massas...


Profecias,
Apocalipse,
Púlpito dourado,
Igreja vazia.


É anarquia da fé!
- Não!...
Ouvi-me, ó século!
- É o romper da aurora do terceiro milênio,
Que reluz
Do oriente para o ocidente...
No gorgolejar das turbas enfurecidas!


Guardião do umbral,
Espada flamígera,
Rangir de dentes,
Cadê o homem – tecnológico?
- A nova era vem chegando,
Marchetada de luz, vida e amor!
































FORTUNA CRÍTICA

Assis Brasil
Clóvis Moura (USP)































REGIONAL E ESTILO

ASSIS BRASIL*


O romance de Moura Lima, Serra dos Pilões (jagunços e tropeiros) já foi recepcionado por importantes nomes de nossa literatura, como Clóvis Moura, Eli Brasiliense, William Palha Dias, Stella Leonardos, e todos têm admirado a excelência desenvolta do narrador ao construir um romance ao nível dos melhores da série literária brasileira. O romance é classificado de regionalista porque se convencionou, entre nós, que vocabulário, expressões, modismos, temáticas dão tal feição à obra. Para os especialistas, no entanto, Regionalismo nem é escola, nem caracterizaria perigosamente um gênero de nossa literatura, ou um desvão algo estanque, pois a maioria dos nossos ficcionistas é urbana e se define na área subjetiva, intimista, existencialista.
O caso é que se trata de uma única literatura brasileira - não estritamente regionalista - com experiências várias, sintáticas e semânticas, ao nível da linguagem literária. É claro que alguns escritores dão características locais, regionais, com um vocabulário específico, com personagens interioranos do nosso rico mundo caboclo, temas do sáfaro lendário das nossas tragédias. O que devemos observar, no entanto, em qualquer romance, é como o escritor (criador) trabalha a sua linguagem, rompendo mais ou menos com a norma. Ele trabalha sobre a norma da língua - a norma cotidiana e comum - e, como artista, recria a sua própria linguagem e seu estilo. É claro que determinadas regiões situadas num romance precisam, necessariamente, de vocábulos e expressões que possam caracterizar o regional e o clima dramático que se quer expor.
O que se deve observar, também, é que a oralidade - pura e seca como a ouvimos - não é a linguagem escrita, não é a obra em si mesma. A oralidade simplesmente 'transcrita' 'de ouvido' - como diria Mário de Andrade - ao nível da narrativa, soa algo falso, incongruente, daí a estreiteza de concepção de muitos romancistas tidos como regionalistas. Então o quê? A ade para a escrita - o lugar onde a linguagem literária se realiza - precisa de uma estilização, ou seja, de uma adequação entre o mundo revelado e a literalidade, o que marca toda obra criativa. Sim, o escritor pode usar vocábulos, expressões regionais, nomes locais, certos termos antigramaticais até, para que tais recursos sintáticos conotem o clima regional, sem que o escritor precise arremedar, falsamente, a linguagem interiorana.
Temos dois exemplos radicais de estilização da oralidade, tratando-se de romancistas ditos regionais: o baiano Adonias Filho e o mineiro João Guimarães Rosa. Devido à sua formação clássica - o mesmo caso de Graciliano Ramos - o primeiro pouco estiliza a oralidade, preferindo ficar ao nível da norma da língua, embora com indicações léxicas conotativas. E não foi à toa que Adonias Filho repudiou a experiência de Guimarães Rosa, pois viu na sua linguagem um exagero estilístico. É que o escritor mineiro faz da sua linguagem literária a própria estilização (por vezes erudita) dos regionalismos, dos modismos, das tradições lingüísticas, e isso para fugir do cacoete generalizado de arremedar a fala interiorana.
É nesse último caso, afinal, que devemos situar Moura Lima. Não tão sóbrio quanto Adonias Filho, nem algo exagerado como Guimarães Rosa, a estilização do romancista serve para manter um nível, um diapasão da linguagem interiorana - ao nível literário - sem a recorrência acentuada aos 'erros' e impropriedade da linguagem oral. Como se trata, em seu romance, de personagens broncos, analfabetos, vivendo a própria existência de sua linguagem - retrato psicológico e comportamental - o escritor estiliza a sua linguagem - diálogos e narrativa ao nível de uma norma literária que é ao mesmo tempo a sua estilização e concepção do seu regional romanceado. Os diálogos de muitos personagens, por exemplo, não trazem aquele exagero - de muitos romancistas - de tentar, 'de ouvido', imitar a fala cabocla, o que seria uma contrafação literária. Daí que Serra dos Pilões atinge o seu alvo, como romance bem sucedido, no contexto da Literatura brasileira, ou seja, o de retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte.
_____________
* Assis Brasil, laureado escritor brasileiro, autor de cem obras publicadas, crítico literário dos principais jornais do país: O Globo, O Estado de São Paulo, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil, revista O Cruzeiro. Profº de Técnicas Jornalísticas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.







SERRA DOS PILÕES :
UM ROMANCE DE GRANDEZA NACIONAL
CLÓVIS MOURA*


O romance regional e a ficção regionalista, de um modo geral, vêm se destacando e abordando problemas cada vez mais complexos da vida social. Tolstoi dizia que, se você quiser ser universal, volte-se para a sua aldeia. É através desta volta ao regional, à vida microanalisada que o romancista ou o contista de talento consegue captar as paixões, os dramas e as tragédias de uma comunidade. É através da análise do particular que o autor consegue desvendar as inquietações existenciais e os conflitos sociais do geral.
No Brasil podemos dizer que a ficção regional teve início com uma série de obras frustras. Uma literatura sem verticalidade nos dramas retratados. No particular basta nos lembrarmos de Inocência, de Taunay. O Sertanejo, de José de Alencar ou pelo Sertão, de Afonso Arinos. Posteriormente, especialmente após a chamada geração de 30, esse tipo de literatura se desenvolveu e conseguiu maturidade com os nomes, dentre outros, de Graciliano Ramos , Guimarães Rosa , Osório Alves de Castro,Acioly Lopes , Jorge Amado, José Lins do Rego, além da obra atípica de Hugo de Carvalho Ramos e o caso excepcional de Simões Lopes Neto.
A ficção regional exige muito mais do que o simples conhecimento da Geografia, nomes de rios, montanhas, fauna , flora (bichos e plantas), além da forma particular dos falares regionais. Exige a criação literária e todos esses elementos capazes de articular uma metalinguagem organicamente adaptada à elaboração da peça ficcional.
E é exatamente o que distingue o romance Serra dos Pilões, do escritor Moura Lima, das muitas tentativas frustradas da ficção regional. O autor reelabora , quase sempre com êxito, as particularidades da paisagem, da natureza e do homem numa unidade literária que dá como resultado um romance que expressa e ao mesmo tempo transfigura a região, projetando-se como obra na qual personagens e sobretudo a ação humana dinamizam-se harmonicamente.
Isto porque o contraponto dramático que une toda a ação do romance é a violência no seu sentido primário e imediato. Os romances que retratam o comportamento dos grupos que habitam as zonas pioneiras , nas quais os espaços sociais ainda não foram ocupados e devem ser conquistados para se estabelecer um nível de hierarquia (poder) posterior institucionalizada é a eis de poder. E ela (a violência ) vem com todas as formas possíveis para estabelecer os reajustes posteriores.
Abílio Batata, de um lado, e o Capitão Labareda, assecla de Cipriano, de outro, formam os dois pólos contraditórios que dão movimento ao romance. Neles se agregam os demais personagens e é através dos papéis sociais dos dois que os outros personagens se movimentam e adquirem existência. A tragédia da Vila de Pedro Afonso é o episódio que deflagra a violência, elabora as suas consequência e cria (ou recria )as normas de comportamento dos demais personagens. E esses personagens são mais ou menos elaborados pelo autor no sentido de proporcionarem ao leitor os sentimentos mais diversos e significativos. Queremos, aqui , destacar dois personagens que parecem ser os mais vivos e significativos simbolicamente do painel criado pelo autor: Corta Cabeça e Boca de Sino, este pela radicalidade da violência , ambos vivendo, de forma contraditória, a ação do romance. Corta Cabeça é o mais importante para que se compreenda simbólica e dramaticamente a filosofia do romance. Isto porque ele é a contrafacção da violência e se destaca como o centro humano impulsionador do comportamento dos demais para o bem ou para o mal (violência ou contraviolência ). O personagem Corta Cabeça é o responsável pelos momentos mais dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão e o segundo quando participa dos rituais iniciáticos da cigana velha e mágica do acampamento invadido por Jagunços do Capitão Labareda. Nestes dois episódios, antológicos, o autor consegue um poder de transfiguração e dramaticidade dignos dos melhores momentos da ficção nacional.
Por outro lado, o ritmo da ação do romance vai num crescendo à medida que novos personagens vão surgindo e o objetivo final do Capitão Labareda vai ficando cada vez mais claro . E uma sucessão de acontecimentos e atos de violência que movimentam o romance , através de uma pontuação dramática precisa até o seu final.
O desenvolvimento da ação é trabalhado no livro por vários recursos técnicos , inclusive fazendo com que ele se expresse através da narrativa, por parte de vários personagens, de recordações, de fatos passados, levando o leitor a reconstruir paulatinamente a realidade que vai se concretizando, não de forma linear, mas de pedaços da memória que vão se juntando até se transformarem em um painel unitário no qual todos os elementos se completam.
É, portanto, um livro duro na sua temática e ao mesmo tempo inovador tecnicamente . Tem, por isto mesmo, enclaves de ternura e romantismo dentro da atmosfera dramática do tema. Basta lembrar o episódio de Gavião com a ciganinha Lorena, quando os sentimentos líricos se manisfestam tão espontaneamente e o romance do Capitão Labareda com D. Bela, para se ver como o Autor soube costurar os sentimentos dos seus personagens, fazendo-os não simples autômatos, mas homens e mulheres com interioridade, paixões e comportamento humanos e por isto mesmo imprevisíveis .
Este romance de Moura Lima projeta-se como uma unidade literária de valor destacado, não apenas como unidade computável na produção da literatura da região(Tocantins), mas,também , como obra que pelas suas qualidades literárias irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística .
_________________
* Clóvis Moura é sociólogo, ensaísta, escritor, jornalista, crítico literário, professor catedrático da USP e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas da Universidade de São Paulo, bem como coordena o Projeto Arqueológico Palmares, em Alagoas, patrocinado pela Universidade Estadual de Illinois, EUA. Autor dos livros : REBELIÕES DA SENZALA e INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE EUCLIDES DA CUNHA.





















































BIBLIOGRAFIA


OBRAS DO ESCRITOR MOURA LIMA

Poemas Errantes – 1971. Ed.Elite,Goiânia-GO,1971.
Sargentão do Beco – Peça Teatral – 1971.Graf.Sousa,Itaberai-GO,1971.
Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros-(primeiro romance do Estado do Tocantins) – 1º ed. 1995 (esgotada), 2ª ed. 1996 (vestibular FAFICH-TO – esgotada), 3ª ed. Revista e Ampliada - 2001.Editora Cometa-Gurupi-TO.
Egrégora Poética .
Pelos Sertões do Piauí - Ensaio / Revista / Cadernos de Teresina, nº 27, Dez. / 1997.
Solidões do Araguaia – Romance (inédito).
Veredão – Contos regionais e folclóricos - 1ª Ed. 1999,Ed.Cometa- (vestibular FAFICH-TO - esgotada).
O Caminho das Tropas – Revoltosos Peões e Boiadas – Romance.
Mucunã - Contos e Lendas do Sertão –Ed.Cometa,Gurupi-TO, 2000 - (vestibular FAFICH-TO - esgotada).
ALVINA GAMEIRO – ENSAIO-Publi.JornaL Meio Norte/2001,Teresina – PI.
Dicionário de Termos e Expressões Populares do Tocantins.
Chão das Carabinas - Coronéis, Peões e Boiadas - Romance – Ed.Cometa,Gurupi-TO, 1ª Ed. 2002.
Negro D’Água - Lendas e Mitos do Tocantins - Contos –Ed.Cometa,Gurupi-TO, 2003.


PREMIAÇÃO RECEBIDA PELO ESCRITOR MOURA LIMA

Prêmio de Literatura – SESI-TO/95.
Prêmio Destaque do Ano – Literatura – Rádio Tocantins FM – Romance. Serra dos Pilões como a melhor Obra produzida no Tocantins – Gênero Romance – 1995.
Prêmio Personalidade Cultural - UBE - RJ / 1999.
Prêmio Malba Tahan de Literatura / 2000 do Concurso dos 500 anos, da Academia Carioca de Letras e União Brasileiro de Escritores - RJ - Obra: Veredão - Contos Regionais e Folclóricos.
Prêmio Profº Joaquim Norberto / 2001, do Concurso Nacional da UBE-RJ. Obra - Mucunã - Contos e Lendas do Sertão.




OBRAS QUE FAZEM REFERÊNCIA A MOURA LIMA


Enciclopédia de Literatura Brasileira - Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa.Ministério da Educação/FAE, 2ªEd, Rio, 2001.
Antologia de Autores Tocantinenses - Márcio Barcelos e Erlene S. Dias.ED. KELPS,Goiânia-Go,2000.
Dicionário de Folcloristas Brasileiros, 2ª Edição /Kelps,Goiânia-GO, 2000 - Mário Souto Maior.
Dicionário do Escritor Goiano - José Mendonça Teles.Kelps,Goiânia-GO,2000.
Dicionário Biobibliográfico de Goiás - Mário R. Martins.Master,RJ, ,1999.
Dicionário Biobibliográfico do Tocantins - Mário R. Martins.Kelps,Goiânia-GO,2001.
Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões AFINS –Cartográfica,Palmas-TO, 1997, Liberato Póvoa.
Dicionário Biobibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos - Adrião Neto.Teresina-PI,1998.
Fazer o Piauí - Crônicas do Meio-Norte - Enéas Athanazio – Ed.Minarete, 2000- Santa Catarina
Coletânea - Escritores Brasileiros em Prosa - Adrião Neto.Teresina-PI,1999.
O Romance de Moura Lima – Estudo Literário – Ana Braga.( Inédito)
Literatura Piauiense para estudantes – Adrião Neto.Teresina-PI,2000.
APOCALIPSE – A Espécie Terminal – Assis Brasil – IMAGO/2001
Literatura do Piauí – Francisco Miguel de Moura – Ed.APL/2001
Documentário jornalístico literário sobre Serra dos Pilões – Produção Sunrise Vídeo – Tocantins. Antologia Poética – Prêmio de Literatura SESI – Tocantins – 1995.






OBRAS CONSULTADAS DE APOIO TEÓRICO


Amaral, Amadeu – Dialeto Caipira. São Paulo,Anhembi, 1955.
Amora, Antônio Soares – Teoria da Literatura, 9º ed.,Ed.Clássico-Científica, São Paulo.
Cascudo,Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Ouro, 1962
Gramsci, Antonio – Literatura e Vida Nacional. Trad. Carlos Nelson Coutinho,RJ,Civilização Brasileira, 1968.
Kayser, Wolgang – Análise e Interpretação da Obra Literária. 5ª ed. Portuguesa revista pela 12ª,alemã por Paulo Quintela. Coimbra,Armênio Amado, 1970. 2 v.
Moisés, Massaud – A Criaação Literária –9º ed. Cultrix, SÃO Paulo, 1984.
Moog,Viana – Uma Interpretação da Literatura Brasileira, 2ª ed.Antares/INL,Rio, 1983.
Santos, Wendel – Crítica, Uma Cincia da Literatura, ed, UFG, 1983.
Veríssimo, José – História da Literatura Brasileira, 5ª ed, José Olimpio, Rio, 1969.

JORNAIS: (Referência obra Moura Lima)

O Popular –G0/1999; Jornal do Tocantins-Palmas-TO/1995,Div.Eds;Folha da Cidade Gurupi-TO,divs.ed;Página 3,Santa Catarina/2000;Igaçaba/RS-2000;Jornal de Picos-PI 2000;Jornal Meio Norte-Teresina-PI/2000;Jornal do Piauí/2000;O DIA-Teresina/2002.


REVISTAS: (Referência Literatura Moura Lima)

“Caderno de Teresina” / PI,1997; “De Repente” /1999, Teresina -PI; “Literatura Brasileira” /2002 São Paulo-SP e “Literatura”, Brasília,/junho-2000 .


DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR


Francisco Miguel de Moura nasceu a 16 de junho de 1933, em Francisco Santos-PI, região de Picos. Estudou o primário com seus pais, parando por aí, para cuidar da vida dura de interiorano. Com 21 anos retoma os estudos, agora na cidade de Picos, no Ginásio Estadual Picoense, depois na Escola Técnica de Comércio de Picos, e, finalmente, em Teresina, na Faculdade Católica de Filosofia do Piauí. Tem curso de “Teoria do romance” pela Universidade Federal do Piauí e pós-graduação em “Crítica de arte” pela Universidade Federal da Bahia, Salvador.
Quando cursou a Faculdade de Letras ainda estava em atividade como funcionário do Banco do Brasil, em Teresina (em cuja posição veio a aposentar-se em 1983). Lecionou língua portuguesa e literatura brasileira e escreveu a maior parte dos seus livros, na Capital do Piauí. Tem recebido prêmios importantes em poesia, conto, crônica, romance e crítica, o último no Rio de Janeiro, da revista “Poesia para todos” (1º lugar), concurso que teve como julgadores Alphonsus de Guimaraens Filho e Gilberto Mendonça Teles, entre outros grandes nomes da literatura nacional. Colabora nos jornais da terra, na imprensa de outros Estados e também de Portugal.Tem participação em antologias poéticas do Ceará ao Rio Grande do Sul. No exterior, foi convidado a participar de livros em Portugal, Espanha, França e Estados Unidos. Até então é mais conhecido como poeta e crítico literário, tendo sido incluído no livro “A Crítica Literária no Brasil”, de Wilson Martins, em “A Literatura no Brasil”, organizada pro Afrânio Coutinho, e em vários dicionários e enciclopédias de Literatura. È membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Conselho Estadual de Cultura e da UBE-PI e UBE-SP. Dirigiu a revista “Cadernos de Teresina” por vários anos e editou a revista “Cirandinha” (1977-1984) – ambas de feição cultural e literária.
Já publicou cerca de 20 livros, entres os quais destaca, por serem os primeiros, “Areias” (1966), “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho” (1972) e “Os Estigmas” (1984). Outros: “Laços de Poder” (1991, prefaciado por João Felício dos Santos), “Poesia in Completa” (1997, por Nelly Novaes Coelho), “E a Vida se Fez Crônica” (1996, sucesso de venda, prefaciado por William Palha Dias) e “Literatura do Piauí”, (2001, pela grande contribuição que trouxe à interpretação histórica do fato literário, em sua terra).
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Endereço do Autor: Francisco Miguel de Moura reside à Av. Juiz João Almeida, 1750 – Teresina – PI. Fones: 233-5218 e 233-8329. E-mail: franciscomiguelmoura@ig.com.br

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