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Infanto_Juvenil-->POR QUE SOU DIFERENTE? -- 25/07/2002 - 22:07 (Nelson Ricardo Cândido dos Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
POR QUE SOU DIFERENTE?

I

"Por que sou diferente?", escreveu Vando em seu diário. "Por que gosto de ficar sozinho ao invés de estar com os outros garotos da minha idade? Por que não gosto de namorar? Se sou tão bom como dizem meus pais; se seu tão inteligente como afirmou o diretor da escola; se sou tão educado quanto falou minha vizinha, por que sou diferente dos outros garotos? Por que não gosto de meninas? Por que gosto mais de rapazes?"

II

Estas perguntas vinham incomodando Vando já há algum tempo, desde que começaram a aparecer pêlos debaixo do braço e em volta de seu pinto; desde que começou a acordar à noite com a cueca molhada; desde que sua voz passou a desafinar, saindo às vezes grossa, às vezes fina. Desde essa época, passou a olhar para seus colegas de forma diferente, com um misto de curiosidade e prazer, querendo saber como seriam seus corpos, como seriam eles nus.
Vários de seus colegas comentavam as mudanças que estavam ocorrendo em seus corpos e passaram a se interessar pelos corpos das meninas. Entre esses rapazes, quando estavam sozinhos, o assunto era sempre o mesmo: garotas!
Vando ouvia essas conversas, mas não participava delas. Apenas ouvia e pensava que algo havia de errado com ele. Não achava graça alguma nos corpos das garotas. Gostava delas, conversava e brincava, mas era só! Não sentia a vontade louca de transar com uma, como sentiam seus colegas. Em compensação, quando olhava para os corpos dos rapazes um pouco mais velhos, sentia-se hipnotizado. Tudo aquilo que seus colegas sentiam pelas garotas, Vando sentia pelos rapazes.
Acanhado com seus sentimentos tão singulares, Vando começou a se afastar dos garotos, a se isolar, a se fechar dentro de si como se isso resolvesse o problema. Mas não só não resolvia, como aumentava as suas preocupações. "Por que sou diferente?", perguntava-se constantemente.

III

Vando entrou na sala da orientadora da escola sem saber porque tinha sido chamado. Das outras vezes em que tinha estado lá, os outros alunos também tinham estado. Mas, desta vez, ninguém, a não ser ele, estava sendo chamado.
——— Bom dia, Vando! —— cumprimentou-o a orientadora.
——— Bom dia!
Ela olhou para ele por alguns instantes sem nada dizer e sorrindo, querendo ser simpática, disse em seguida:
——— Eu mandei chamá-lo aqui em minha sala, pois nós, da escola, estamos preocupados com você. Nos últimos tempos, você tem estado... como eu posso dizer... "diferente", você me entende?
Vando balançou a cabeça afirmativamente, pensando, "Meu Deus, eles perceberam que eu sou diferente. Todo mundo já deve saber. O que eu vou fazer?"
——— Você está conosco há muito tempo —— continuou a orientadora ——, sempre foi um aluno admirável e um ótimo companheiro para seu colegas. No entanto, ultimamente temos percebido que você anda meio quieto, parecendo preocupado, disperso na aula... você está me entendendo?... evitando a companhia de seus colegas, isolando-se. Por isso mandei chamá-lo. Eu gostaria de saber se você está com algum problema... aqui na escola ou em sua casa.
"Se eu estou com algum problema? Então ela ainda não descobriu nada!"
——— Você não quer me falar o que está acontecendo? Pode ter certeza de que o que você me disser ficará apenas entre nós. O meu serviço aqui na escola é procurar ajudar os alunos a resolverem os seus problemas, tanto do presente quanto em relação ao futuro, por isso, seja lá o que estiver preocupando você, pode se abrir e confiar em mim, que farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo.
A conversa com a orientadora, o tom de sua voz, calmo e amigo, o seu olhar compreensivo, passaram confiança a Vando e ele pensou que talvez somente ela poderia ajudá-lo a compreender o que estava se passando consigo. Não era fácil falar, mas ele tentaria. Hesitou alguns instantes, mas falou, por fim:
——— É que ultimamente eu tenho me sentido meio estranho... meio "diferente"... a senhora me entende? Eu ando pensando em algumas coisas em que eu não pensava antes... ando com vontade de fazer algumas coisas que eu nem sabia que a gente fazia... coisas assim... tipo... coisas de... sexo.
Ao ouvir estas palavras, os olhos da orientadora brilharam e ela sorriu como se compreendesse todos os problemas do menino.
——— Então é isso? —— disse ela, aproximando-se e colocando os cotovelos sobre a mesa, juntando as mãos e fechando os dedos ——. Diga-me uma coisa, Vando: seus pais nunca conversaram com você a esse respeito?
——— Não, senhora, nunca!
——— Pois deveriam. Mas como eles não o fizeram, eu vou fazê-lo. O que está acontecendo com você é a coisa mais natural do mundo. Você está deixando de ser um menino para se tornar um adulto. Você deve estar notando algumas alterações em seu corpo, como o aparecimento de pêlos, crescimento de seus músculos, de seu pênis... você sabe o que é pênis, não é mesmo?... mudança na sua voz e também uma curiosidade em relação ao sexo. Você não deve se preocupar, pois isso é perfeitamente normal e também está acontecendo com todos os seus colegas da mesma idade. Você não é diferente de ninguém, ao contrário, é igual a todo mundo. Todo mundo, na adolescência, passa por estas transformações.
——— A senhora não está entendendo. Eu sou diferente!
——— Não, Vando, você não é! Você pensa que é diferente, porque não está compreendendo o que está acontecendo com o seu corpo. Mas eu lhe garanto que isso acontece com todo mundo.
Nesse ponto da conversa, tocou o sinal avisando que as aulas haviam terminado.
——— Bem —— continuou a orientadora ——, está na hora de você ir embora para casa. Eu sei como é difícil para você ... eu também já fui adolescente!... aceitar com naturalidade tudo isso, por isso eu vou lhe dar um conselho: sempre que você quiser falar alguma coisa, quando tiver qualquer dúvida, venha conversar comigo; mas como eu sei que nem sempre isso é possível, procure escrever. Compre um caderno e faça uma espécie de diário... você nunca teve um diário?... Escreva tudo o que você sente e pensa, deixe o que escreveu bem guardado e só volte a ler um outro dia. Você vai ver que muita coisa que está escrito está mal escrito, incompleto, faltando idéias para entender o que você escreveu dias antes. Aí, você escreve de novo para tentar se explicar bem. Entendendo o que escreveu sobre você mesmo, acaba se entendendo também.
Vando saiu da sala frustrado com a conversa, mesmo assim comprou um caderno e iniciou o seu diário, para tentar entender-se. A primeira coisa que escreveu foi: "Por que sou diferente?"

IV

À medida que escrevia em seu diário, Vando lembrava-se de coisas que pareciam há muito esquecidas. E lembrou-se da primeira vez em que ouvira, ou melhor, lera a palavra homossexual.
Vando devia ter uns oito anos e estava sentado no chão da sala de sua casa, folheando uma revista semanal de assuntos gerais, lendo algumas coisas que lhe chamavam a atenção. Na revista havia uma reportagem com muitas fotos e poucas palavras sobre um homem que havia sido assassinado. As fotos mostravam o apartamento desse homem totalmente revirado e com grandes manchas de sangue no chão, no local onde o corpo tinha sido encontrado. No texto que falava da vida e da morte do homem surgiu a palavra homossexual. Não sabendo o seu significado, Vando virou-se para a mãe e perguntou-lhe o que era homossexual.
A mãe arregalou os olhos, ficou repentinamente séria e falou quase gritando:
——— Onde você ouviu isso? —— e olhando para a revista nas mãos de Vando, completou: —— O que você está lendo?
——— Foi aqui nesta revista que fala de um homem que era homossexual e foi assassinado.
Ela ainda demorou um pouquinho para responder e lembrou-se que já tinha lido sobre perguntas que crianças fazem, às quais os adultos precisam responder com naturalidade para não despertar uma curiosidade ainda maior nelas. Tentando controlar seu nervosismo, disse:
——— Homossexual é o homem que gosta de outro homem... —— e, continuando ——, é um anormal... um sem-vergonha!
O menino olhou para a mãe e, depois, voltou a ler a revista, mas pensando: "Por que é sem-vergonha gostar de outro homem? Eu gosto do papai e ele gosta de mim e nós dois somos homens!"
Mas Vando não se preocupou mais com este assunto.


V

No diário, Vando também escrevia o que sabia que as pessoas pensavam e falavam dele. Escrevendo isso, sentia que era uma boa pessoa, que amava e era amada, que era educado, que era inteligente, um bom filho, um bom vizinho, um bom amigo, um bom aluno.
Houve uma aula de desenho em que a professora deu tema livre e autorizou os alunos a descerem para o recreio assim que terminassem o trabalho. Alguns alunos desenharam qualquer coisa rapidamente para descerem logo. Vando foi um dos últimos a sair da sala. Ele havia escolhido uma composição geométrica, uma composição muito colorida de retângulos dos mais variados tamanhos. Quando mostrou o desenho à professora, ela olhou e comentou:
——— Está muito bom, Vando! Muito bonito! Posso ficar com ele para mim?
Antes que Vando pudesse dizer sim, ela arrancou a folha do caderno e a guardou em sua pasta. Vando saiu da sala todo cheio de si e ficou ainda mais quando ouviu, atrás de si, a professora comentar com uma aluna:
——— Eu gosto muito desse menino. Ele é tão educado!

VI

——— Vando! —— chamou a mãe ——. Venha se trocar!
Isso foi no dia em que ela resolveu visitar a mãe de um colega de escola do filho.
——— Por que eu preciso me trocar? Por que eu não posso ir com essa roupa? Eu não vou ficar brincando com o Fernando, enquanto a senhora conversa com a mãe dele?
——— Vai, mas eu não quero que os outros pensem que eu não sei cuidar do meu filho e que ele anda mal vestido ou sujo por aí.
Vando achou muito estranha essa história de trocar de roupa para os outros verem, mas não teve outro jeito. Chegou na casa do amigo todo arrumadinho e saiu de lá com a roupa molhada de suor e suja de terra.
——— Essas crianças! —— comentou sua mãe com a outra ——. Por mais que a gente cuide, estão sempre parecendo uns porquinhos.
A mãe do Fernando sorriu e concordou:
——— Eu sei. O meu faz sempre isso. Não consigo mantê-lo arrumado. Nem sei o que os outros pensam de mim!

VII

A mãe de Vando estava arrumando a casa.
——— Nada disso! Já para fora! Lugar de criança é lá na rua. Aqui dentro você só me atrapalha e acaba desarrumando e sujando o que acabei de arrumar.
Essa era a conversa de sempre. Mesmo que quisesse ficar em casa, não podia. Vando tinha que ir brincar na rua, à vontade, indo aonde tinha vontade.
Mas isso era na sua casa. Na casa dos outros, de outros que não conhecia bem ou onde não houvesse crianças, a coisa era completamente diferente e Vando ouvia mil vezes a recomendação da mãe.
——— E não me saia do lugar! Não faça bagunça! Fique sentado no sofá, quietinho! Não quero que pensem que meu filho é mal-educado.
E Vando ficava as horas que durassem a visita sentado, sem poder fazer nada, quase sem poder se mexer, pois cada vez que se mexia, a mãe olhava para ele a ver se não ia sair do lugar. Em todas as visitas, as pessoas comentavam:
——— Mas que menino educado! Você está de parabéns por ter um filho assim! Os meus, são terríveis!
Ouvindo isso, a mãe de Vando sorria, satisfeita e realizada.

VIII

Dona Rosa, uma vizinha ali do bairro das Perdizes, era uma das maiores fãs de Vando. Adorava o menino e quase todas as tardes o chamava para tomar chá com bolo em sua casa. Dona Rosa tinha três filhos homens e uma menina. Os meninos eram amigos de Vando e brincavam sempre juntos. A menina, por ser mulher, não podia brincar na rua com eles, ficando em casa ajudando a mãe ou brincando com outras meninas, quando apareciam. Dona Rosa sempre comentava que seu sonho era que Vando e sua filha se casassem quando crescessem.
A casa de Dona Rosa estava sempre arrumada e ela, assim como a mãe de Vando, não gostava que as crianças ficassem dentro de casa. Mas para Vando, a casa dela estava sempre aberta, e se o encontrasse na rua, sozinho, chamava-o para conversarem.
——— Se Deus quiser, você e minha Sandrinha vão crescer, casar e me fazer muito feliz!
Vando ficava também feliz sentindo que era amado por ela e por todos os que conhecia.

IX

Na escola não era diferente. Não eram só os professores que gostavam de Vando. Em meio a tantos alunos, o diretor sabia quem ele era e qual o seu nome.
Quando contou isso a seus pais, eles ficaram contentíssimos, e o pai, que não costumava demonstrar muito os seus sentimentos, disse ao filho:
——— Meus parabéns, meu filho! Você é um bom garoto e é por isso que nós te amamos tanto!
Vando não disse nada, ficou vermelho com aquele elogio tão raro, mas verdadeiro, e abaixou os olhos.
O diretor, sempre que o encontrava, falava com ele.
——— E então, Vando, como está você? Tem estudado bastante... como sempre? Já escolheu o que você vai ser quando crescer? Não esqueça que você é a nossa grande esperança no futuro, hein?!

X

Tudo isso eram lembranças que Vando escrevia junto com outras tantas coisas no seu diário. Essas coisas, no momento em que ia escrevendo, deixavam o menino com uma enorme sensação de felicidade, mas quando ele começava a pensar em si e não no que os outros diziam dele, quando lembrava que havia algo estranho com ele que não estava acontecendo com os outros garotos da sua idade, quando sentia que era diferente, essa alegria transformava-se em preocupação e tristeza.
Quanto mais escrevia, mais se afastava dos outros. Quanto mais escrevia, pode ser que até se entendesse mais, como a orientadora disse que ia acontecer, mas por se descobrir diferente, isolava-se e fechava-se cada vez mais dentro de si.
Com o tempo, o diário passou a ser seu único e verdadeiro amigo. Continuava a ter colegas na rua e na escola, mas amigo a quem contar tudo o que fazia e sentia, só havia um e ele era feito de papel. O que escrevia agora não era só o que fazia, sentia ou lembrava. Também o que desejava, como trocar carinho com um determinado colega que achava mais bonito, Vando colocava no diário. Havia coisas tão íntimas escritas, que o diário deixou de ser um simples caderno de anotações e passou a ser uma parte de Vando, uma parte que o acompanhava onde quer que ele fosse.

XI

Certa tarde que Vando gostaria que jamais tivesse acontecido, um rapaz da escola furtou-lhe o diário de dentro da pasta e leu-o. Leu-o e descobriu a atração de Vando por homens. Rindo muito, correu ao encontro dos colegas com o caderno na mão, gritando:
——— Ei, pessoal, olha o que eu descobri: o Vando é bicha!
Em pouco tempo, todo mundo na escola estava sabendo. O diário foi parar nas mãos do diretor. Este mandou chamar Vando e passou-lhe um sermão daqueles. Disse que aquilo era uma vergonha, que estava desapontado e decepcionado com uma atitude daquelas, e falou tudo o que pensava sobre o caso.
Depois de dispensar o menino, o diretor telefonou para a casa de Vando e narrou o acontecido à mãe.
Quando Vando entrou na sala de aula, todos pararam para olhá-lo como se nunca o tivessem visto. Cabisbaixo, caminhou até seu lugar e sentou-se. O garoto a seu lado levantou-se rapidamente, dizendo:
——— Eu, hein! Aqui não sento mais!
Foi o bastante para que a classe inteira caísse na gargalhada.
Vando teve vontade de morrer. Mas não morreu. Apenas abaixou ainda mais a cabeça, com o rosto vermelho e quente como se estivesse em chamas.
Terminadas as aulas, o menino esperou que todos saíssem da escola e só então foi para casa, lentamente, como se não quisesse chegar. Pensou em sair pelo mundo, fugir para onde ninguém o conhecesse, mas como? Não tinha dinheiro. Não tinha para onde ir.
Chegando à sua rua, Vando avistou a vizinha que sempre o elogiava. Dona Rosa, ao vê-lo aproximar-se, chamou um dos filhos que estava na calçada e colocou-o a seu lado, como a protegê-lo, mas deixando a filha brincando na rua.
Vando entrou em casa e encontrou o pai esperando por ele. A mãe olhou-o e começou a chorar. Tudo o que tinha ouvido do diretor foi repetido pelo pai, que ainda ameaçou-lhe com uma boa surra a fim de endireitar aquela bicha.
Vando foi para seu quarto, fechou a porta e chorou o choro mais sentido de toda a sua vida.

XII

A noite já caíra sobre São Paulo e Vando continuava fechado em seu quarto, não mais chorando e sim pensando no que estava acontecendo. Será que ele mudara tanto naquela tarde a ponto de ter deixado de ser o filho bom, o aluno inteligente, o menino educado que era até aquela manhã? Não, o que ele era de manhã, continuava a ser agora à noite, só que agora todos sabiam que, além de bom, inteligente e educado, ele era também diferente.
Vando, magoado com o tratamento que estava recebendo, pulou a janela do quarto e saiu andando pela cidade, sem rumo certo. Desceu toda a Sumaré, subiu a Cardoso de Almeida até a Dr. Arnaldo e de lá em direção à Paulista. Andou horas e horas, quilômetros e quilômetros, pensamentos e pensamentos, sempre se perguntando: "Por que sou diferente?"

XIII

E foi andando que chegou ao cruzamento da Consolação com a Paulista onde, diante de um prédio, estavam muitos rapazes e homens parados, alguns entrando, outros saindo, todos sorrindo e conversando, uns de mãos dadas, outros abraçados. Vando reconheceu, entre eles, Filemon, o ex-namorado da irmã que estudava medicina em Taubaté. Tentou desviar o caminho, mas Filemon já o havia visto.
——— Ei, Vando! —— gritou Filemon ——. Vem cá, cara!
Vando, muito sem jeito, aproximou-se.
——— Pô, cara, que coisa chata hoje na escola, hein?!!
——— É —— disse o menino, sem vontade de conversar.
——— Mas não se preocupe. Com o tempo, as pessoas esquecem.
——— É...
Querendo ir embora, Vando começou a andar, mas foi detido pelo rapaz.
——— Ei, aonde você vai?
——— Qualquer lugar.
——— Por que você não fica aqui? —— perguntou ——. Aqui nós somos todos iguais.
——— Eu não sou! —— retrucou asperamente o menino ——. Eu sou diferente!
——— Por que diferente?
Vando olhou para o rapaz, admirado da pergunta.
——— Ué, você não sabe o que aconteceu?!
——— Claro que sim! —— falou Filemon, sorrindo ——. Por isso eu disse que aqui nós somos todos iguais.
——— Iguais?! —— disse Vando olhando para os lados e observando os homens ali parados ——. Quer dizer que todos...?! ... você...?!
——— Ô, cara, você tá voando? Não percebeu que nós todos aqui somos gueis?
Vando apenas olhava para os lados, não acreditando no que via e ouvia.
——— Você não sabe o que é guei?! —— perguntou-lhe Filemon, ao ver o menino de boca aberta.
——— Nã... não! —— balbuciou Vando.
——— Guei, no nosso caso, é o homem que gosta de homem e não de mulher.
O menino olhava para Filemon ainda mais espantado.
——— Mas você namorava a minha irmã...!
O rapaz riu alto.
——— Namorava por namorar, porque ela queria. Mas não sentia nada por ela. A gente saía junto, um abraçando o outro, mas eu ficava olhando pros homens gostosos que passavam. Chegou um dia, cansei e acabei com o namoro.
Vando, ainda não acreditando em tudo aquilo, pensava e pensava.
——— Quer dizer, então, que eu não sou o único...? Que há mais gente igual no mundo?
——— Mais do que você imagina!
——— Mas por que eu..., ou melhor, nós não somos iguais aos outros rapazes? Por que não gostamos de garotas, como seria natural?
——— Olha, cara, eu já pensei muito nisso e não sei responder. Na verdade, ninguém sabe ao certo. Cada explicação que os médicos e cientistas encontram não vale para todos os gueis. A única certeza que eu tenho é a de que não podemos mudar o que somos e que devemos nos aceitar e procurar ser feliz.
——— Mas o que as outras pessoas pensam?
——— Pra mim não interessa o que os outros pensam! Se você for se preocupar em agradar todo mundo, não agrada ninguém e ainda deixa de ser você mesmo. O importante é você se aceitar e se fazer respeitar pelo que você é e não pelo que os outros gostariam que você fosse.
Vando ficou pensando em tudo o que tinha acabado de ouvir, enquanto olhava à sua volta. Pensou muito e sorriu. Começou a sentir-se tão feliz que não pôde se conter e abraçou o novo amigo.
Vando havia pensado e descoberto que não era um garoto diferente, mas igual a tantos outros. Na verdade, descobriu que era diferente, sim, ele era Vando.

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