Raros são hoje em dia os poetas que utilizam a rigor as principais ferramentas (abc) da poesia: métricas, rimas e estrofes regulares. Muito menos ainda se vêem despontar trabalhos que requerem apurada paciência e habilidosa codícia: glosas, acrósticos e outros interessantes modelos de dominar a palavra e o verso. Acontece mesmo que os géneros clássicos pertencem cada vez mais ao baú dos marginalizados. Está-se em tempo pleno de desnudar a musa e inundá-la de iliteracia face à embasbacada seara de receptores:
se de rubi andas incandescente
quase a explodir em borboleta
diz-me lá que gozo consciente
te dá fingir o verbo de poeta?
Talvez à poesia tenha chegado também o arrebatamento da pintura picassiana. O delírio partiu e foram todos atrás dele:
leguminosa nocturna
murchas na esperança carnívora
de floresceres o líbido
enquanto os lábios orgasmam
penosamente e fenecem!
Isto, sim, é poesia intelectual e erudita, digna dos mais devotados apreciadores da lira hodierna e bem fora do alcance dos leitores do mundo comum, o que distingue o poeta sábio do versejador imbecil. Bolas, e de naftalina!
ser poeta é dar de si
a pele feita em palavra
que adocica para ti
a vida que te amarga