SEMPRE SINOS
(NADA FALTARÁ)
Não, os sinos não dobraram ontem à tarde,
mas os pardais fizeram imenso barulho.
No escurecer, as moças fugiram das janelas,
enquanto os moços sopravam ouvidos,
e gargalhavam.
A beleza dum sábado de sol amarelado
[bulia o peito,
esparramava algazarra de criança por todo lado,
mas na praça a fonte não jorrava, apesar da noite,
apesar do açoite de brisa gelada
[nas faces ressequidas.
Ontem, tudo era mudo e valores soavam utopia,
o todo era visto quimera
[e a música não era tocada.
Vozes caladas nas roupas descoloridas,
nas feridas que visitam os sonhos
[do lacaio sem sono, doridas.
Hoje, a saudade de ontem recebe
[o silêncio dos pardais
e revê rostos de moças e moços,
cansados, estúpidos.
As crianças insolentes, ora adolescentes, nos quintais,
e pode apagar o sol quando aquentar o vento,
que aveluda as faces ruborizadas.
Há que se buscar o princípio imerso,
da mãe um universo, e da verdade um precipício,
sem candura, que se perdeu na rima de um verso,
e quiçá na volta, traga a ansiedade de rever as tranças,
os folguedos, danças e banda no coreto.
Hoje os sinos ainda não tocaram,
mas o peito voltou a bulir e o sono cheio de sonhos,
adormeceu com os jovens, calou gritos e coloriu sedas,
preencheu vazios e agitou varais,
só não trouxe de volta aquele pulsar eterno,
de amor materno.
AdeGa/95
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