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cronicas-->O Baque do Beque -- 14/08/2002 - 13:09 (Aruanã Bento) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A profundidade engolia moeda de um real; o diàmetro mais que isso. Foi essa minha primeira análise sobre o corte beiçudo que se abriu na sola do meu pé. Pior que nem falta foi, ou melhor, se faltou alguma coisa foi habilidade para freiar depois da caneta que tomei. Sem banco de reserva a pelada acabou e pude lavar o ferimento. "Põe sal grosso nessa água" disse um barbudo meio estranho que cuidava do churrasco, sorri pacificamente a fim de ignorá-lo por completo. Achei melhor partir.
As caras de sofreguidão da família ao ver o machucado mostravam uma falsa acolhida; segundos depois alguém já havia me pedido para comprar refrigerante. Taquei com raiva merthiolate no ferimento, sem levar em consideração sua fama milenar. Realmente eu não lembrava o quanto ardia...
Pude experimentar nos poucos metros que separam minha casa do bar a sensação que o jogador tem quando atravessa o gramado, todos os olhos se voltaram para mim, mancando, de olhos baixos, usando esse charme de leão vencido.
"O guerreiro está ferido, mas não morreu". Parafraseando algum moribundo, pus a mochila nas costas e contrariando as previsões, encarei a viagem de volta. Eram três conduções até o Flamengo e uma tarde inteira de paciência. Rompendo a estrada por fora, ele veio na intenção de passar batido mas eu e o fiscal fizemos cara feia e o coletivo parou a uns cinquenta metros do ponto, olhei para meu novo aliado na esperança dele mandar o ónibus voltar, mas que nada, o motorista já dava arrancadas impacientes abrindo e fechando a porta com violência, então o felino correu feito gazela, saltitando vergonhosamente.
A medida que me afastava do local do acidente, notava que as pessoas achavam que eu era manco e não acidentado, pudera, quem olhava para meu pé não via nada e todo charme virou preocupação. Como fingir não ser manco? Nada contra quem é, mas esse não é o título dos sonhos. Então de dois em dois passos, fazia cara de dor, olhava meu destino preocupado e continuava. Parecia ter dado certo.
Sentado eu tinha minha dignidade restaurada e dava até para olhar a mulherada com mais afinco, fui pela Niemeyer tranquilo até notar o mau elemento sentado do lado oposto "o covarde deve ter me visto mancando, sabe que eu não consigo fugir". Esperei a confusão de alunos entrando pela porta da frente e escapei.
O martírio teve fim quase dez da noite, nem acreditei, era a última reta, os últimos ploc, plocs pela rua, só eu e um sujeito na calçada. Ainda ressabiado tentei me esgueirar mas pela primeira vez o padecimento foi mútuo. Era um manco de verdade, pior que eu. Sorri aliviado ao mesmo tempo que tentava transmitir subliminarmente minhas condolências, tinha sentido na pele o sofrimento, o acompanhei com os olhos emocionados a cada passo duro, a cada metro vencido. Veio chegando o pobre valente e quando emparelhamos ombro a ombro, virou-se e disse:
- Tá me gozando?
Só isso. Tão seco quanto a minha engolida; nem parou para ouvir resposta. A essa altura, eu já colocava a planta do pé no chão sem dor e percebi que não precisava mais cambar. Mesmo não tendo-o em vista pedi desculpas pela minha frescura e ri da piada de mau gosto que a vida nos faz passar.
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