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Ensaios-->A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, MÍDIA E OPINIÃO PÚBLICA -- 03/01/2002 - 10:53 (CARLOS MÉRO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


SUMÁRIO:

1. A mídia e a formação da opinião pública. 2. A mídia e a prestação jurisdicional. 3. Os exemplos da história. 4. A realidade brasileira. 5. A conclusão.


1. A MÍDIA E A FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA.

Parece inconteste que a construção e a percepção da realidade, ao correr da mais larga vastidão da história conhecida, operou-se enraizada no trinômio sujeito-experiência-perfil cultural individual, este último certamente comprometido com o universo intelectual e sócio-econômico de que partícipe o primeiro. O que vem a dizer que era a contar da circunstância e da experiência internalizada, dos valores absorvidos e cristalizados, e, finalmente, das impressões absorvidas em face das relações intersubjetivas vivenciadas, em face do processo comunicacional direto, que a trama social ia se configurando, firmando-se os papéis dos seus protagonistas.
Com o surgimento, contudo, da comunicação de massa, a contar do que por conseqüência produzida uma verdadeira indústria cultural, singular foi a transformação que, passo a passo, sobreveio a tal contexto, acrescendo-se à relação originariamente prevalente um aporte novo, aquele representado pela interferência da informação mediatizada. Este, aliás, determinante do definhamento da importância do perfil cultural de cada um, na medida em que a produção das convicções do receptor, momento a momento, passou-se a nutrir de idéias que são transmitidas prontas e acabadas, formadas ao estribo de uma pré-realidade urdida ao sabor das convicções ou conveniências do emissor.
Dessa forma, a opinião pública, que antes se desenhava ao sopro dos efeitos da interação, do diálogo, das experiências compartilhadas, assentando-se nas relações homem-homem, nas reflexões críticas exercitadas por cada um, passaram a se constituir através da mão-única da mídia, quando um só emissor, a um só instante, oferece o seu juízo a um largo universo de receptores, sem que padeça de qualquer interferência de qualquer um destes.
Não bastasse, juízo muitas vezes onerado pela manipulação do centro de poder, ou de grupos, ou até mesmo corroído pela intolerância ideológica, pelo afago à emulação, pelas desafeições pessoais, pelos interesses mesquinhos ou ainda pelo preconceito, até mesmo religioso.
E em exercitando, assim, a sua influência, acentua-se a cada dia a contribuição da mídia, seja positiva ou negativa, para o redesenho do modo de vida e da tábua de valores da comunidade, para a reformulação do conceito quanto ao papel do Estado, para o redirecionamento de avaliações quanto à conduta de agentes políticos ou da administração, para a derivação de rumo quanto ao sentimento da coletividade ao diante das instituições.
Afinal, quem poderia deslembrar as aventuras e desventuras de Aldo Moro, assentadas no núcleo de um turbilhão em que contendiam o espaço político e o terrorismo, flagrantes, em todos os seus momentos, os condicionamentos impostos pela mídia, a ponto de comprometerem, finalmente, a segurança quanto à autenticidade dos juízos que mais tarde se firmaram sobre o trágico episódio?
Como esquecer, também, até porque plantadas em fatos vivenciados faz pouco, da ascensão e da queda de Fernando Collor, antes um líder político divinizado ao impulso do exemplo do demolidor das oligarquias e do “marajaísmo” no ventre do serviço público, e, logo mais, num passe de mágica, satanizado, pela mão da própria mídia que lhe rasgara o caminho da entronização, qual artífice insaciável da corrupção?
Ou mesmo, mais recentemente, quem pode afastar da mente a imagem de Antônio Carlos Magalhães, cujo nome ainda ontem dizia com a fortaleza, com a coragem, com a autoridade moral, com o domínio político insuperável, ele, enfim, o titereiro da República, enquanto que hoje, mercê de ventos mais intensos, rasgados por um dedo em riste que lhe ordenava silêncio, já diz, na retórica da mída, com o declínio, com a debilidade, com o ofuscamento, com a falta de talento para conduzir o Parlamento Brasileiro.
Isso tudo, no que concerne aos exemplos colhidos na Terra da Vera Cruz, sem que possa se arvorar o receptor, de fato, em reconhecedor do onde se enraiza a verdade, se nos retratos do ontem ou se naqueles riscados no depois.
A mesma mídia, também se diga, que ora pode fazer o elogio da modernização e da diminuição do Estado, é aquela que pode em futuro abominar as privatizações, a mesma mídia que consagra a necessidade do enxugamento da máquina estatal, pode noutro momento levantar-se contra o desligamento de servidores dispensáveis.


2. A MÍDIA E A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

O oferecimento da prestação jurisdicional, na medida em que se põe tarefa cometida a órgãos julgadores monocráticos ou coletivos, estes últimos constituídos de juízes togados ou de fato, certamente que, a exemplo do que se dá com o espaço político, ou ainda com a opinião pública ativa, não se alheia à interferência da pré-realidade mediatizada.
Com efeito, em se tendo sob as vistas os colegiados constituídos por juízes de fato, logo índivíduos pinçados no contexto da malha social, sem que se lhes faça exigível a mais mínima formação jurídica, nada se pode esperar que não diga com um julgamento que positivamente expresse a ótica do homem comum, formando-se o seu convencimento, ao diante da realidade conduzida ao seu exame, ao sopro da livre apreciação dos fatos e ao impulso das impressões que lhes sobrem das razões expendidas pelas partes adversas.
É inconteste que, dotados de capacidade crítica, de se acreditar, ou ao menos se esperar, que concluam sempre em nível de consciência e de conhecimento assentado do que efetivamente estão a decidir. Dada, contudo, a desvinculação de que gozam ao rigor jurídico, é incontrastável que se façam movidos por suas próprias visões individuais do mundo, pelos valores que progressivamente internalizaram e pelas impressões que lhes restaram ferradas ao correr da vida.
E é nesse ponto, induvidosamente, que se apresentam ativos os efeitos das convicções disseminadas na opinião pública, estas que, se em verdade não escravizam as percepções individuais, invencivelmente mais ou menos as condicionam, conduzindo, ou ao menos seduzindo, e, por vezes, turbando, os juízos pessoais que desenvolvemos em face de fatos concretos, resguardado, caso a caso, o temperamento que se faz impingido pelas singularidades de cada um.
Ora, tendo-se que a opinião pública é um resultado, pelo menos em parte, das informações que lhe são maciçamente impostas pela mídia, a ponto de construir heróis e bandidos, mitos e miragens, verdades e mentiras, é inconteste que a prestação jurisdicional oferecida pelos colegiados julgadores leigos, irremediavelmente, refletirá o pensar dos juízes que os integram, estes que por sua vez espelham a verdade aceita pela opinião pública.
A propósito, não há como se apagar a figura certamente assustada de Charles-Alexandre Lachaud, quando, defensor de Jacques Besson, ao deixar a Corte Criminal do Ródano, só teve preservada a sua integridade física em face da interferência da força pública, tão intensa se expunha a hostilidade e tão aceso o ódio da turba enfurecida, cegamente ansiosa pela condenação e pela conseqüente execução do acusado.
Será que tal sentimento coletivo de vingança, assim enterrado, tão profundamente, na consciência da comunidade, não teria afinal influído na decisão derradeira?
Ou será que se pode acreditar na impassividade dos julgadores, artífices e pacientes da vontade coletiva?
Com os denominados juízes togados, é bem certo, avulta o conceito de homens em princípio marcados por uma cultura jurídica exemplar, além do que dotados de uma visão abrangente do mundo, suas vicissitudes, suas contradições, ao que se somariam firmeza de caráter, o equilíbrio no enfrentamento das emoções e imbatível senso de Justiça.
Tudo isso, contudo, reside no mundo do desejável, do ideal perseguido e nem sempre encontrado. Afinal, também membros que são da coletividade, igualmente sofrem os impulsos da opinião pública, sujeitam-se às insinuações da mídia e vergam sob o peso de suas contradições íntimas.
Mesmo, portanto, que de forma menos visível, preocupam-se com a preservação de suas próprias imagens, transitam no mar que se estende entre as suas convicções pessoais e as convicções coletivamente irradiadas, tremem, por vezes, ao diante dos apelos da pré-realidade construída pela mídia, encolhem-se, outras tantas, movidos pela debilidade de caráter ou pelos arrochos do destino, acorrendo aos chamamentos da conveniência, ou mesmo da ganância.
Basta que se recontem as histórias cabeludas dos magistrados que, no Brasil, foram há pouco surpreendidos na amigação com os narcotraficantes, no conluio com o crime organizado e no comprometimento com as obras superfaturadas, todos, de uma forma ou de outra, até que advenha prova em contrário, seduzidos pela miragem ou pela realidade do ganho fácil, empurrados pela natural ânsia humana de ter e ter sempre e muito mais.
O que então dizer da imparcialidade que seria deles esperar, máxime quando a formarem julgamentos acerca de quantos com eles sigilosamente envolvidos? O que então dizer da justiça que distribuiram, em especial quando decidiram sobre aqueles que litigavam com quantos lhes eram do aconchego, malgrado íntimos das sendas da criminalidade?
Só que, agora levados ao banco dos réus, preocupa, também, a firmeza daqueles a que cumpre a missão de julgá-los, imprensados, como se vêem, por uma campanha rigorosa da mídia, que já os expõe culpados, antes mesmo da apuração das provas que foram ou venham a ser produzidas, bem como pela própria opinião pública, por sua vez construída à sombra da realidade pré-construída.
Mais preocupante, ainda, quando se vive hoje o momento histórico do auge das Comissões Parlamentares de Inquérito, que querem tudo poder e que se alimentam, não raro, da notoriedade que atribui a mídia a quantos as integram, sendo de temer que a busca da fama faça esmorecer ou até destrua o compromisso com o encontro da verdade, desde que se satisfaçam as vaidades com a identificação de culpados.
E tanto é isso mais aflitivo, quando se vê que a mídia, ânsia de audiência e de mercado, sempre se contenta, a um primeiro momento, com a explosividade do possível escândalo que esteja a garimpar, calando, maldosamente, quando se descobre a plantar no cascalho, ou simplesmente relegando à insignificância o esclarecimento que exporá a sua precipitação.
Seja como for, é inconteste que toda essa realidade interfere na opinião pública e determina a formação de convicções coletivas, o que, mais ou menos impregnando as consciências dos magistrados, gera-lhes predisposições que por vezes impedem o desvendamento da verdade, remetendo a questionável distribuição da Justiça.
Não é sem razão, portanto, que ao ser recentemente julgado, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, Habeas Corpus intentado por quem em princípio comprometido com homicídio particularmente rumoroso, vastamente noticiado e explorado pela mídia, ouviu-se a revelação de um julgador, em dado momento dos debates, franca e expressamente denunciadora de sua preocupação, conforme fez certo, com a repercussão que a possível concessão da ordem poderia obter, em especial ao diante, segundo sublinhou, da versão que seria veiculada pela mídia.


3. OS EXEMPLOS DA HISTÓRIA


Mesmo em se atinando com a peregrinação que, antes da explosão dos mass midia, já cumprira a humanidade, exemplos podem ser de fato recolhidos que, induvidosamente, atestam a interferência da comunicação em face do exercício da jurisdição.
Tornando-se, a propósito, à França do século dezoito, vamos encontrar a campanha que empreendeu François-Marie Arouet, o Voltaire, em prol da reabilitação de Jean Calas, este levado à roda, por conta de filicídio, pelo Parlamento de Toulouse.
O mesmo Voltaire que, tomando saber do fato, e, ao mesmo tempo, tendo consciência de que o corpo julgador se constituía de Penitentes Brancos, logo concluiu que a punição mais se dera ao fato de que professava o supliciado a fé huguenote, pelo que mais se inspirara a decisão na intolerância religiosa que em evidências fáticas da prática do delito. Afinal de contas, Marc-Antoine, o filho estrangulado, decidira converter-se ao catolicismo, o que se punha como condição indesviável, à época, para o seu pretendido exercício da advocacia.
Ora, tendo-se que Jean Calas, protestante ardoroso, tempos atrás já agressivamente reagira ante à conversão de um outro seu filho, a este relegando à mais absoluta indiferença e assim condenando-o à indigência, logo concluiria Voltaire, movido por sua ansiedade em agredir o poder e em menoscabar a fé, que o Parlamento de Toulouse tomara como definitivo este precedente, julgando o réu pelo que em princípio haveria de ter sido e não pelo que consistentemente presente na prova produzida.
Dessa forma, antes mesmo de conhecer os autos do processo, já estava ele firme com a convicção da ocorrência de erro judiciário, sustentando que, desde a noite de São Bartolomeu, nada se apresentava mais desairoso à natureza humana.
E assim, logo escreveu a d’Argental afirmando que só poderia ter esperanças no clamor público, pelo que esperava que, de boca em boca, fosse despertada a grita de toda a ordem dos advogados, até que repercutisse nos ouvidos do Chanceler. “Clamai e levantai clamores”, pedia ele em missivas remetidas a príncipes e homens de letras.
Mas, apesar disso, escreveria a d’Alembert: “Essas contestações em favor de Calas têm o único objetivo de preparar os espíritos e de ter o prazer de tornar exacráveis e ridículos um Parlamento e os Penitentes Brancos”.
E foi tão ruidosa a campanha que moveu, arrastando a imprensa a um papel atuante, bem assim atraindo eloqüentes apelos de eruditos e de príncipes, que findou por conseguir o em princípio impossível, qual seja a remoção da competência para o Parlamento de Paris, o que jamais foi aceito pelo Parlamento de Toulouse. E ali, sob o vozerio dos letrados e da da turba, todos inflamos pelas sustentações de Voltaire, desenvolvidas fora das paredes do tribunal, em verdade renovou-se o julgamento que precedentemente se fizera, e não apenas reexaminou-se aquele já realizado, contrariando-se, frontalmente, aos princípios de competência e às regras procedimentais então imperantes, abrindo-se caminho à reabilitação de Jean Calas, o que se consumaria com a manifestação do Conselho do Rei.
Não foi sem razão, portanto, que ao tomar conhecimento da vitória, bradara triunfante Voltaire, em se referindo à decisão final: “Ela já havia sido proferida pelo público muito antes de ser assinada pelo Conselho”.
E não é também sem razão que Henri Robert, ao relatar o fato, é incisivo ao afirmar que Voltaire: “ Conseguiu realizar precocemente o modelo das campanhas da imprensa”. ( in O Advogado, Martins Fontes, São Paulo, 1999, pág. 158 ).
Foi também a manipulação que finalmente levou Oscar Wilde aos calabouços de Londres, condenado, como foi, a dois anos de trabalhos forçados, pela prática de sodomia.
Um dos autores mais festejados em vida, Wilde encantou os salões da Inglaterra Vitoriana com a sua presença de espírito, com a sua beleza física, com o seu refinamento, com a sua excentricidade, com o seu gênio, enfim.
Gênio que, consoante ele mesmo proclamaria, teria posto em sua vida, uma vez que, em suas obras, apenas teria aplicado o seu talento, evidência que seria a grande tragédia da sua vida.
Pois foi justo quando a sua glória mais se revelava definitiva, no mesmo ano de 1891, quando veio a público a sua novela “O Retrato de Doryan Gray”, que Wilde conheceria e se apaixonaria desbridadamente por Alfred Douglas, conhecido como Bosie e filho do Marquês de Queensberry, este um nobre pela estirpe, um vulgar pelas companhias e um canalha pelas atitudes.
Inconformado, portanto, com o relacionamento amoroso do filho, decidiu o Marquês denunciar o comportamento de Wilde, o que fez através de carta que levou a público, onde textualmente o tratava como sodomita.
Wilde reage, talvez estimulado por Alfred, acionando Queensberry pela prática do crime de difamação, do que adveio decisão adversa à pretensão ajuizada. Mais um outro processo, e, finalmente, novo insucesso.
Foi então que teve lugar o terceiro processo, cuja presidência coube a um juiz puritano, comparecendo como procurador um tio de um dos antigos amantes de Wilde. Não bastasse, sabendo que seu outro filho, Druamlanring, era afetivamente ligado ao Primeiro Ministro, Lord Roseberry, passou Queensberry a ameaçar tornar pública esta relação, ameaçando agravar, por esse meio, o espaço político inglês, caso não fosse Oscar condenado.
Nesse clima e nessas condições, portanto, sob a guia atribuída a um juiz intolerante e ao impulso de uma acusação escrita ao ranço da indignação pessoal, bem assim sob a perspectiva da devastação que poderia ser arrancada pela imprensa, dilacerando as entranhas do poder, caso a decisão resultasse benéfica a Wilde, foi ele finalmente julgado e condenado.
Antes, pois, com Voltaire, a interferência direta, incisiva e finalmente explícita dos instrumentos representativos dos meios de comunicação da época. Mais tarde, com Wilde, a interferência leviatanesca, imposta pela só presença ameaçadora e pela potencialidade do desgaste que poderia impor ao círculo político dominante.

4. A REALIDADE BRASILEIRA

No Brasil, a exemplo do que aconteceu no resto do mundo, foi a partir do crepúsculo do século dezoito que se intensificou a interferência da comunicação como veículo formador da opinião pública, o que marcante continuaria a se aprofundar ao transcorrer do século imediato. E foi então com o desenvolvimento da televisão, instrumento propiciador do jornalismo com testemunho, que tal realidade finalmente tocaria seu ponto mais expressivo, assumindo papel singular as transmissões ao vivo.
Atenta não somente para a divulgação dos fatos e para o oferecimento de informações à coletividade, flagrante é o seu empenho em orientar e em formar a opinião pública, o que não raro evolui para revelada manipulação, com o que se conviveu, em especial, durante a derradeira centúria, ao ensejo dos processos mais sublinháveis de transformação político-institucional. Daí por que, sob a ótica de não poucos estudiosos, converteu-se em verdadeira força propulsiva da nossa história, o que lhe valeu ser erigida, por certo que informalmente, ou às vezes ironicamente, em quarto poder da República.
Sendo assim indisfarçável a sua exposta influência na cena política, a ponto de se fazer, hoje, fonte indispensável à interpretação dos fatos históricos, inegável também se revela a sua função como força ativa na formação de tendências, hábitos, atitudes, preferências, repulsas e aspirações da coletividade, o que dizendo, naturalmente, com a formação da opinião pública, indesviavelmente transborda, direta ou indiretamente, para o processo de distribuição da Justiça.
Recorde-se, a propósito, o Processo Delmiro Gouveia, que, mui embora versante sobre homicídio ocorrido em 1917, tendo sido concluído dois anos mais tarde, só bem tardiamente, em maio de 1983, viria a encontrar o seu definitivo desfecho, com a revisão criminal, post mortem, promovida em prol de Róseo Moraes do Nascimento e José Ignácio Pia,
E em ambos os momentos, seja aquele em que conduzido o processo de origem, seja aquel’outro em que movida a revisão criminal, inconteste se revela o papel desenvolvido pela imprensa, despertando e dirigindo, sempre, a opinião pública, e, por tal meio, ao menos de forma transversa interferindo no resultado.
De feito, atraídos pela imponência da vítima, exemplo de pioneirismo que, no Estado de Alagoas, coloriu o alvorecer do século vinte, bem assim pela dramaticidade do evento que lhe arrancou o sopro, não economizaram os meios de comunicação, em especial os locais, informações e opiniões sobre o episódio em que fora Delmiro vitimado, proclamando-lhe a exemplariedade do seu empenho desbravador, e, por outro lado, cimentando a culpabilidade dos libelados.
Aliás, a tal nível medrou a reverência ao extinto, o reconhecimento ao seu renome, o testemunho da sua importância no meio social a que pertencia, que o próprio Promotor Público da Comarca de Água Branca, ao formular a denúncia, além de apenas referi-lo pelo primeiro nome, cuidou em identificá-lo como o “saudoso Cel. Delmiro”.
Mas não foi diferente mais tarde, malgrado transferido o centro das atenções para Róseo Moraes do Nascimento, convertendo-se o antes culpado em inocente, o antes responsável em bode expiatório, o antes algoz em vítima, o antes processo criminal irrepreensível em fonte de um dos mais gritantes erros judiciários da história brasileira.
Evidência disso tudo, por sinal, vai-se encontrar na alentada, cuidosa e consistente petição de Revisão Criminal que, em março de 1982, aforam no Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas os advogados Antônio Aleixo Paes de Albuquerque e Moacir Medeiros de Sant’Ana, o primeiro penalista de incomum fulgor, e, o segundo, pesquisador e escritor de invulgar contribuição para o resgate da história alagoana.
Não ficam por aí os exemplos, contudo, dos rumorosos casos em que bem patente a interferência da mídia, cabendo recordar o de José Crispim, matador de aluguel, que até gerou inspirada e singular peça teatral da mente e da pena de Luiz Gutemberg. Ou ainda, entre tantos outros que poderiam ser lembrados, a extinção de Euclydes da Cunha, a execução de João Pessoa, o instigante caso dos irmãos Nave, o crime de Sacopã e o sacrifício de Daniela Perez. Todos, desenganadamente, a se fazerem reclamadores de avaliação mais acurada.

5. A CONCLUSÃO

Seria irresponsável, ou pelo menos ingênuo, pretender negar a relevância do papel que, ao correr da história, tem sido desenvolvido pela mídia, como veículo de comunicação, divulgação, informação e emissão de opinião, com o que, sob os mais variados aspectos, tem positivamente contribuído para a formação da opinião pública.
Todavia, ao diante da realidade que se tem posta, não há como se ser indiferente às advertências que vêm sendo insistentemente rasgadas por cérebros de inconteste lucidez, estas que apontam para os riscos da utilização mídia por certas elites que, descomprometidas com os verdadeiros objetivos da comunidade, apenas se preocupam com a plantação de valores e estereótipos que, manipulando a opinião pública, alimentam a base da preservação da hegemonia que visam a conquistar ou que se empenham por conservar, ou até pugnam por perpetuar.
Não bastasse, também preocupante o denominado jornalismo de revelação, em contraposição àquele de mera investigação, na medida em que, vocacionado à cata de escândalos, suscita muitas vezes julgamentos apressados, até porque não firmados em avaliação competente, e, por conseqüência, a açodada formação de opiniões que, sem qualquer reserva, são prontamente divulgadas, forcejando, não raro, explorações danosas e contraproducentes, ou até deformadoras da realidade. Máxime quando praticado por profissionais de menos aceso senso ético, ou estimulados por desafeições pessoais, por preconceitos arraigados, ou, ainda, por cegas preferências afetivas ou ideológicas, que não vacilam em arremessar a lança, ferindo de morte as suas vítimas, estas que, mesmo mais tarde tendo evidenciada a injustiça de que padecentes, esbarrarão na dura dificuldade ou até na dolorosa impossibilidade de se verem restabelecidas no conceito social.
Sendo verdadeiro, portanto, que a mídia, positiva ou negativamente, influi na formação da opinião pública, irradiando conseqüências, por via direta ou transversa, no mister de prestação jurisdicional, justificada a inquietação que se há de experimentar, no mundo hodierno, quanto à eventualidade de que tal estado de coisas, vez por outra, possa de feito interferir na realização da Justiça. Até porque, mesmo pelo só construir predisposições, já estará comprometendo a visão imparcial da realidade, ancorando a formação do convencimento.
Urge, pois, que reflexões mais expertas e aprofundadas debrucem-se sobre o tema.


BIBLIOGRAFIA

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