No supermercado
Ah! Dotô com sua licença
Pra engraxa seu sapato
Não custa grande coisa, é barato
E só paga se lhe agradar
Desaregala os óios, dotô
Tenho lá os meus defeitos
Não nego, já fui contra a lei
Mas hoje só ando direito
Caridade me faz se deixar trabalhar
É pechincha, nem dois real
Nem faz cocega na carteira
E não me deixa marginal
Vou sentando, estenda a perna
Diga pro mala que não tô margando
É o jeito que se dá
Quando a fome vem chegando
És gringo? Francês? Americano?
Pelo jeito da fala
Olha só pra esse pano
Dá inté medo de encosta
Do inglês eu só conheço
O tal do y love you
Que quer dizer eu te amo
Muito bonita a tal da Belle Bijou
Não vai acreditar, mas ti amo
Quase ninguém me falou
Minha mãe pra dizer a verdade
E minha nega por necessidade
Tá venda esta receita?
É remédio pro meu amado
Passa a perna direita
Preciso ganhar um trocado
Posso ir devagar, devagarinho
Pra que pressa? Pega mal
Sua mulher enche o carrinho
E o sinhô lê o jornal
Falando em compra, que fartura
Vejo cada rancho que saí
Eu só compro rapadura
É o que dá, nada mais
Em casa tem dia que não se come
Dá vontade de enfeza
Uma vida cheia de fome
Mode desacorsoa
Coisa chique comprou sua dona
Peixe, vinho, bacalhau, camarão
Quanta coisa esquisita
Escargô, caviar, polvo e mexilhão
O meu carinho dá até pena
Fígado de porco, carcaça de frango.; besteira
Quando dá cachaça, pra afoga, sabe?
É gringo. Não minto
Falo sem receio
Pobre em mercado, só passeio
Carinho vazio, coisa barata
Dizem que os states é demais
A tal da superpotência
Lá são todos iguais
Pelo menos na aparência
Quando me disseram
Fiquei desconfiado
Afinal é pobreza braba
Pra tudo que é lado
Vi na TV que estão em guerra
Dois prédios foram por terra
Que tamanha maluquice
Eu fiquei só matutando
Enquanto o Bonner engasgava no ar
Quanto dinheiro botado fora
E tanta boca pra alimentar
Sei que devia ficar triste
Com a desgraça de tanta gente
Mas fiquei sem emoção
Sem entender, indiferente
Não é maldade, não dotô
É falta de vocabulário
Nunca vi escola na frente
Não entendo o noticiário
É muito nome esquisito
Pentagono, Kabul, Paquistão
Uóchito, Bush, Hosama Ladi
O cabra barbudão
É muita coisa pra pobre
Não dá tempo de informa
Mal comento futebol
Que dirá guerra e coisa e tal
Acabei a graxa amigo
Sua mulhe já vem chegando
Paga, agora. Ocê gostou?
Que eu já vou me arretirando
( Codo. Recife, Pernambuco, dezembro de 2002)
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