Tal como o sentimento
de pensadores geniais
quanto mais conheço o tempo
mais gosto dos animais!
É provável, dada a imparabilidade do progresso científico, que o Homem consiga decisivamente penetrar, no decurso do próximo século, na atmosfera mental dos outros animais, logrando entranhar o raciocínio no fascinante espaço da irracionalidade, desvendando enfim o mais próximo dos mistérios da vida e daí quiçá descobrir até a integralidade espiritual de si mesmo.
O evento cultural Porto 2001 ignorou de todo o centenário do nascimento de Walt Disney, o sublime criador do Rato Mickey, esse espectacular deus dos seres mais perseguidos do planeta (nem Bin Laden lhe levará o Oscar), cuja essência patológica estará tão só a um insignificante mícron da nossa.
Cêna natural:
Saída da fresta dum esconso barraco abandonado, uma ratazana vasculha um monte de lixo. A dez metros, como sondas teleguiadas, as orelhas dum escanzelado gato pardo esticam-se e a estranha corrente magnética estabelece-se entre predador e vítima. Todo colado ao solo, o felino deslisa até à sombra do roedor. O amplexo fatal dá-se e o rato sangra pendente das fauces do exímio caçador.
Cêna civilizada:
Preto e branco, um solene e dócil gato dormita num lauto sofá. Entretanto, um ratito de pêlo luzídio investiga intranquílo um dos cantos do salão. Perdido, ao tentar trepar na parede em busca da fuga impossível, desperta o pachorrentio tareco. Corrida aqui, corrida ali, choque acolá, em breve o rato cede e expira de exaustão. Com uma das patas o bichano constata que a brincadeira acabou e regressa ao seu remanso ronronar.
Cêna virtual:
Um bem desenhado e colorido gato, interpretando um anafado comerciante, passa na TV, metendo grossas fatias de queijo na boca dum rato consolado de tão belo petisco. O filme prossegue e vai focar uma montra aonde estão expostos apetitosos ratos embalados sob o olhar guloso duma multidão de tarecos no exterior. Por cima, com o preço em dólares, um letreiro anuncia: sandes de queijo!
Rato e gatos, ao dealbar do século XXI, correspondem-se com os homens em sensível relação, tal como Walt Disney imaginou nos anos trinta em Chicago, espalhando a mensagem pelo mundo. Infelizmente a humanidade tarda em dar deveras por isso e continua, em paradôxal juízo, a degladiar-se entre si, impotente para decifrar o mistério da agridoce maçã biblíca. Mas algo de enorme progresso mental se deve ao grande mago do desenho animado americano. Se não fosse Walt Disney...
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