Enquanto lá fora o mundo se acaba em águas pluviais, aqui dentro cresce uma sensação estranha de déjà vu. Não sei se faz tempo que vi pessoas na televisão chorando em frente às câmeras: “Perdi tudo que eu tinha”. Perdeu tudo que tinha de novo? Ano passado as chuvas foram menos abundantes e, ainda assim, essas mesmas vítimas perderam todo o “patrimônio” (fogão, geladeira, cama, guarda-roupas e TV). O que as fez ficar no mesmo lugar?
Ah! Não tinham para onde ir. Todas elas são sem-parentes, sem-amigos, sem-padrinhos. Opa! “Sem padrinhos” vírgula. Como é que esse povo todo foi parar numa casinha de dois cômodos erguida porcamente na encosta de um morro que até o meu cachorro sabe, só de olhar, que é o lugar menos adequado para se construir uma casa? Mesmo que fosse de cachorro! Foi um padrinho que deu um jeitinho. E foi em troca de voto, de apoio precário de cabo eleitoral nalguma eleição recente. Todos eles aceitaram o mimo e não devem ter reclamado da localização. Ninguém deveria ter aceitado o presente. Encosta de morro não é lugar para morar.
O mesmo serve para os comerciantes da baixada e para os moradores de certas partes da VV, em Rib City. Há fotos de alagamentos nessas regiões no começo do século XX, quando não havia ainda asfalto e o desmatamento era mínimo. Se naquela época já era um caos, o que se espera que aconteça? Que a natureza mude de humores e atenda as vontades dos homens? Por mais incrível que seja o projeto antienchente, as obras prontas só vão conseguir aliviar o problema. Conclusão: desocupem essas áreas! Aí não é lugar para comércio, muito menos para residências. É lugar de enchente!
Senhores ongueiros, senhoras voluntárias, caríssimos defensores dos fracos: podem me classificar de reacionário, insensível e o escambau! Aproveito o tempo fechado lá fora para fechar meu tempo aqui dentro. Isso já cansou. As vítimas que estão chorando na TV são tão culpadas quanto os vereadores, prefeitos, deputados e governadores que agora são acusados de negligência, imprudência e outro escambau.
A culpa dos governantes não é essa. Prefeito não manda, ainda, na natureza. Vai chover muito e os Paços não poderão fazer nada além de assumir a verdadeira culpa: a omissão. Explico: se a única solução efetiva para as tragédias provocadas pelos alagamentos e deslizamentos é a desocupação, cabe aos governos providenciar a retirada de tudo que andar sobre duas pernas desses lugares. Essa atitude ninguém toma. Não é popular, não dá voto.
Os senhores cidadãos desfavorecidos - e favorecidos com a casinha na encosta - não querem largar o osso e os senhores do poderzinho querem manter o poderzinho. Ora, diante disso, não me venham com lamentações repetidas. Quem está na chuva, e insiste em continuar nela, é para perder tudo de novo, de novo, de novo, de novo e outra vez.
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