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Ensaios-->A TEORIA POLÍTICO-JURÍDICA NA -- 07/10/2001 - 10:07 (vicente martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Resumo:
Este trabalho é uma análise da teoria política contemporânea na organização constitucional do Brasil-Império de 1824 à Nova República de 1988.

Abstract
This work is a developmental analysis of education as a legal institution in the Constitution of Brazil from the Empireof 1824 to the New Republic of 1988.


1 - EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES NACIONAIS
Esta parte geral do trabalho refere-se à Educação como matéria constitucional do Estado Imperial de 1824 à Ditadura Militar de 1967.
A matéria educacional, prescrita nas Constituições Nacionais, estabeleceu um modelo de sistema educacional para a União e, praticamente, obrigou sua reprodução tanto em nível estadual, quanto em nível municipal, o que levou os Estados e os Municípios, em geral, sem uma tradição de competências reservadas e consuetas no setor educacional, a reproduzirem as normas constitucionais e a desenvolverem um sistema de educação estadual(ou municipal) como sendo “miniatura” do modelo organizativo da União.
Com a reprodução, a nível infra-estrutural, do modelo da educação nacional, a Federação brasileira, de 1891 a 1967, é considerada verticalizada, de cima para baixo, que deixa, no plano educacional, especialmente os Estados, o único direito de reproduzirem o modelo de organização do ensino da União, tendência que tende a ser superada apenas em 1988, quando a Constituição Federal fundamenta sua repartição de competências com base no princípio de descentralização legislativa.
1.1. Constituição Imperial de 1824
A Educação, como norma jurídica, não é, propriamente, matéria de Constituição. A primeira destinação de uma Constituição é a de ser norma que proclama o titular do poder. A Constituição é uma espécie de certidão de nascimento do Estado. Daí, a Ciência Política definir Estado como sociedade política e, juridicamente, organizada. Mas, na medida em que esse Estado passa a formalizar os anseios da Nação, que é seu organismo psíquico e social, reflete, nos seus documentos, ordenamentos , normas e leis, os ideais sociais, as utopias da homem. Foi assim que o Estado evoluiu, de patriarcal para patrimonial, de individual para social, incorporando, nos seus ordenamentos jurídicos, as aspirações nacionais.
O Brasil, a partir da sua Independência Política de 1822, estará sob a influência de um Estado de Direito cuja referência externa está na Revolução Francesa de 1789 e que vem, à guisa de lá, assinalar , no País, o surgimento de um regime liberal e a passagem da condição individual e servil de súditos da Coroa Portuguesa, marca do nosso Colonialismo, para a de cidadãos do Império. O Estado de Direito será, sobretudo, o resguardo das liberdades, garantias individuais e os direitos de cidadania, reforço também das proclamações liberais, entre as quais a da educação fundamental e gratuita, discurso, no século XIX, transcrito nos ordenamentos jurídicos das nações emancipadas, mas sem que isso resulte, concretamente, em direito público subjetivo. A inserção da Educação, nos textos constitucionais, assinala, pois, do ponto de vista formal, a passagem do Estado Individual para o Estado Social.
A primeira Constituição brasileira registra a Educação, como norma constitucional, no âmbito de seus elementos orgânicos, ou melhor, no conjunto dos artigos que tratam substancialmente dos princípios normativos e essenciais relativos à forma de Estado, à organização e a funções dos poderes públicos, e aos direitos e deveres dos cidadãos . Não é, rigorosamente, ainda matéria exigida pelo Estado.
Sem uma compreensão histórica das concepções de Constituição e de Educação e em diferentes épocas e também em diferentes modalidades de Estados, muitas vezes se peca, hoje, final do Século XX, por se fazer um juízo de valor contra o conteúdos dos textos constitucionais do Século XIX , principalmente quando estes não trazem de forma explícita e detalhada uma atenção à matéria educacional. É o que se verifica na leitura de alguns historiógrafos da educação brasileira ao fazerem a relação entre Educação e Constituição. Em geral, apontam a Constituição de 1824, outorgada, como aquela que não deu a devida atenção ao ensino.
No caso da Constituição de 1824, o texto, do ponto de vista constitucional mais rigoroso, mostra-se coerente por apenas disciplinar, na ordem jurídica, a gratuidade da instrução primária e incluir a criação de colégios e universidades no elenco dos direitos civis e políticos . Uma pergunta pode resultar da colocação acima: se não é matéria constitucional, a Educação é legalmente responsabilidade de quem? É tarefa do legislador ordinário e não do Constituinte. A ação do Estado, em assunto de Educação, especialmente na organização dos sistemas de ensino público, deve ser, convenientemente, exercida pelo legislador ordinário.
Mais tarde, especialmente com a Constituição Republicana de 1934, a Educação receberá espaço expressivo no Estado intervencionista, ainda assim, do ponto de vista do Direito Constitucional, o Estado não reclamaria a Educação enquanto disciplina constitucional específica, autônoma. É, doutra perspectiva, a da organização escolar, até mesmo anti-pedagógico, anti-civilizacional que a Educação seja formalmente exposta nos textos constitucionais, dentro de um padrão rígido, em que condiciona a política educacional à ação do Estado, especialmente às ações de interesse do governo na estrutura de poder. Qualquer texto escrito na Constituição é um padrão rígido para a sociedade, é tirar não apenas a liberdade de ação e de engajamento da sociedade como também de seus representantes na sociedade política, em especial do legislador ordinário. Aprofundemos, então, a educação, como norma jurídica, no âmbito da Constituição Imperial de 1824.
Comecemos a nível do Governo Imperial. A Constituição Política do Império, a chamada Carta de Lei de março de 1824, reconheceu como poderes políticos os seguintes: (a) o Poder Legislativo; (b) o Poder Moderador; c) o Poder Executivo e (d) o Poder Judiciário. O Poder Legislativo é delegado à Assembléia Geral, composta pela Câmara dos Deputados e pela Câmara de Senadores. Tinha, pelo menos, dezesseis matérias de sua atribuição, isto é, sob sua competência legislativa. A Educação não é contemplada como matéria de atribuição expressa da Assembléia Geral(Art. 15)
Já revelando a tendência do Estado brasileiro, em que a Colônia , no regime de capitanias, apresentava as bases para o processo de centralização política e cultural do país, a Educação, no Império, surge como matéria de competência do Poder Moderador. O Poder Moderador, pelo artigo 98 da Constituição de 1824 , é considerado como a “chave de toda a organização política” do Império. É um poder delegado privativamente ao Imperador. Interessante notar que o advérbio privativamente é que, decerto, justifica a delegação outorgada pelo Imperador à Assembléia, quando se determina, no texto constitucional, que “Os mestres dos príncipes serão da escolha, e nomeação do Imperador, e a Assembléia lhes designará os ordenados, que deverão ser pagos pelo Tesouro Nacional” (Artigo 110) e delega, em seguida a missão coercitiva ao Parlamento para que “Na primeira sessão de cada Legislatura, a Câmara dos Deputados exigirá dos Mestres uma conta do estado do adiantamento dos seus augustos discípulos” (Artigo 111). São dois elementos orgânicos que formalizam e resguardam a estrutura de poder imperial. Vale lembrar que a delegação do Imperador à Câmara dos Deputados, para exigir a qualidade de ensino ministrado pelos Mestres aos “augustos”, cumpria a competência privativa da Câmara dos Deputados, que tinha, entre outras atribuições, a de recrutamentos (Artigo 36, II). O adjetivo augustos é sintomático da ideologia imperial. Revela o tom de majestade agraciada aos discípulos-príncipes. Interessante é que os Mestres, que servem à estrutura do poder, são apenas Mestres, sem nenhum qualificativo, homens que muito sabem, mas apenas ensinam, sem que recebam, para tanto, nenhum adjetivo majestático.
Nas Disposições Gerais da Carta de 1824, a matéria educacional será registrada em dois incisos do artigo 179, que trata da inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, em que determina que “a instrução pública é gratuita a todos os cidadãos” (Artigo 179, XXXII), de cunho liberal, e “Colégios e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e Artes” (Artigo 170, XXXIII), de cunho elitista e humanista. Aqui, as duas normas estariam inseridas nos chamados elementos formais de aplicabilidade, segundo a tipologia adotada por José Afonso da Silva (1992), como já tivemos oportunidade de enumerar antes.
No plano das províncias, as raízes da educação como matéria de competência legislativa infraconstitucional devem ser buscadas no período regencial. Voltemos à Carta de Lei de 25 de março de 1824, outorgada por Dom Pedro I. Determina-se no seu artigo 2o que o território do Império do Brasil é dividido em Províncias na forma em que se achava no ano de 1824, as quais, segundo o preceito constitucional, poderiam ser subdivididas, como a bem pedir do Estado (Artigo 2o).
A estrutura de poder político é extremamente tutelada pelo Poder Moderador, delegado, privativamente, ao Imperador, posto que “Cada Província dará tantos senadores, quantos forem metade de seus respectivos deputados, com a diferença de que, quando o número dos deputados da Província for ímpar, o número dos seus senadores será metade do número imediatamente menor, de maneira que a Província, que houver de dar onze deputados, dará cinco senadores” (Artigo 41). Tal estrutura de composição senatorial resultava da organização da eleição provincial cujo Senador era composto de membros vitalícios (Artigo 40). Entre as exigências para ser senador, o cidadão deveria ser uma “pessoa de saber” (Artigo 45, II), além da capacidade e virtudes. O senador, uma vez indicado, tinha atribuições exclusivas (Artigo 47).
As Províncias tinham, através dos Conselhos Gerais de Províncias, atribuições enumeradas uma vez que “a Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o cidadão nos negócios da sua Província, e que são imediatamente relativos a seus interesses peculiares” (Artigo 71). O Conselho Geral da Província, estabelecido em cada Província, era exercitado pelas Câmaras dos Distritos e pelos Conselhos (Artigo 72). As províncias do Pará, Maranhão e Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, as mais numerosas, tinham vinte e um membros em cada um dos seus Conselhos Gerais.
Segundo o estabelecido na Constituição de 1824, o Presidente da Província instruiria, a cada instalação do Conselho Geral, o presidente do Conselho para tomar providências no que se refere ao estado dos negócios públicos e das medidas que a mesma Província mais precisaria para seu melhoramento (Artigo 81), o que, decerto, implicitamente, a educação local estaria incluída no rol dos “negócios públicos” da Província. Determina ainda a Constituição imperial que, após ouvir “o estado dos negócios públicos” instruído pelo Presidente da Província, o Conselho teria por “principal objeto propor, discutir, e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas Províncias; formando projetos peculiares, e acomodados às suas localidades, e urgências” (Artigo 81). Estabelecia-se também que os negócios que iniciados nas Câmaras e remetidos oficialmente ao Secretário do Conselho, aonde seriam discutidos a portas abertas, bem como os que tiverem origem nos mesmos Conselhos. As suas resoluções serão tomadas à pluralidade absoluta de votos dos membros presentes (Artigo 82).
Que negócios eram esses ? Afinal, que são, no Império, “negócios” públicos? E que “negócios mais interessantes das províncias” poderiam levar os Conselhos a proporem projetos peculiares e acomodados às suas localidades e urgências? Na verdade, havia atribuições, direitos, poderes outorgados às províncias, mas sem que tais prerrogativas resultassem em matérias de natureza jurídica. Diríamos que esses negócios não eram negócios jurídicos; certamente, na relação Imperador e Presidente da Província, havia uma relação de dependência ou de subordinação deste com relação àquele, os “negócios públicos e mais interessantes das províncias” seriam espécies de negócios de compadres ou até negócios de pai para filho, de modo a assegurar uma situação de vassalagem . Não eram, portanto, negócios jurídicos, porque não havia competência constitucional e, a rigor, as províncias não tinham capacidade legislativa. Daí porque ainda que a educação nacional fosse um “negócio interessante da província” não era enumerada como matéria constitucional a ser atribuída à estrutura de poder provincial.
Essa camuflagem das competências expressas, levada a efeito pela Constituição de 1824, não era à toa. Justifica-se pelo esforço do Imperador, que a outorgou, de “estabelecer um alto grau de centralização das províncias em torno do Rio de Janeiro, capital do Império” (MATTOS MONTEIRO: 1990, p.122). Temia-se com a repartição de competências constitucionais entre Governo Imperial e províncias a descentralização política que seria uma estratégia dos não partidários do Imperador para limitar seu poder real. Favorecer a descentralização, por via da repartição competencial, seria uma ameaça ao absolutismo e uma flagrante tentativa de diminuir da intervenção do Estado imperial.
A Constituinte Imperial, de 1823, como sabemos, havia quebrado um pacto com o Imperador de respeitar sua soberania e de manter a aliança entre brasileiros e portugueses. Na Constituinte, os liberais quebraram o acordo preestabelecido com o Imperador porque já não defendiam a centralização imperial e passaram a advogar um projeto constitucional que trazia no seu bojo um forte controle do parlamento sobre o soberano e um certo grau de autonomia das províncias, portanto, de reserva de competências para as unidades provinciais.
O medo de ser controlado pelo parlamento e dar autonomia às províncias levou Dom Pedro a determinar que o Conselho Geral da Província, na proposição de projetos peculiares, não poderia apresentar nem deliberar projetos sobre: (a) interesses gerais da Nação; (b) quaisquer ajustes de umas com outras Províncias; (c) imposições cuja iniciativa é a da competência particular da Câmara dos Deputados (Artigo 36) e (d) execução de leis, devendo dirigir-se a esse respeito representação motivada à Assembléia Geral e ao Poder Executivo conjuntamente, restrições contidas no artigo 83 e incisos I, II, III e IV.
A centralização do governo imperial era especialmente sintomática com relação aos governos provinciais. A concentração de poder chegava a tal ponto de se determinar que “as resoluções dos conselhos Gerais de Província serão remetidas diretamente ao Poder Executivo, pelo intermédio do Presidente da Província” (Artigo 84) e que, se nesse caso, “a Assembléia Geral se achar a esse tempo reunida, lhe serão imediatamente enviadas pela respectiva Secretaria de Estado, para serem propostas como Projetos de Lei, e obter a aprovação da Assembléia, por uma única discussão em cada Câmara” (Artigo 85).É explícita a possibilidade de intervenção direta do Imperador quando “não se achando a esse tempo reunida a Assembléia, o Imperador as mandará provisoriamente executar, se julgar que elas são dignas de pronta providência, pela utilidade, que de sua observância resultará ao bem geral da Província” ( Artigo 86 ).
As restrições impostas pelo governo imperial ao Conselho Geral da Província têm sido consideráveis para a historiografia da Educação Nacional, como assinala Maria Luisa Ribeiro (1987) que considera “curioso” que, pelo Artigo 83, da Constituição de 1824, fique vedado às Assembléias Provinciais a proposição e a deliberação sobre assuntos de interesse geral da nação, o que a leva a supor que a instrução, em seus níveis elementar e secundária, não era considera como “assunto de interesse geral da nação”(RIBEIRO: 1987, p.47). Não é bem isso. Faz-se necessário um esclarecimento.
Concentrar o descaso educacional no poder imperial é de uma visão simplista e aistórica que merecesse aqui alguns reparos. Não há desinteresse, e sim, receio do Imperador de perder poderes, atribuições e competências legislativas e políticas, o que vale não apenas para a educação mas a quaisquer outras matérias de interesse provincial. A carência de recursos do Estado Imperial e a falta de interesse educacional e cultural das elites provinciais ou regionais são fatores estrutural e conjuntural que impediam a organização de uma rede eficiente de escolas, especialmente as primárias, nas províncias. Daí, o ensino secundário ter sido assumido, em grande parte, no Império, pela iniciativa privada.
Assim, não nos parece apreciável supor que a omissão da educação como matéria constitucional, na Carta Imperial de 1824, deva receber este juízo de valor de Maria Luisa Ribeiro (1987), ou seja, de que a educação não era considerada como assunto de interesse geral da Nação e, daí, sua vedação entre as prerrogativas das Assembléias Províncias. Certo é que, ao camuflá-la, dissimula-se, na verdade, a ameaça do conflito de poder, das forças que estão na estrutura de poder, do acirramento ideológico que se travava entre forças monarquistas e antimonarquistas, daqueles, enfim, que defendiam a centralização de poder no Imperador e daqueles que queriam a descentralização de poder através da outorga de autonomia provincial. O descaso dado pelo governo imperial à instrução não estaria, pois, fundamentalmente, encobrindo seu medo de perder o controle de aparelho do Estado imperial? Cremos que sim.
A Nação , se tomada na acepção dada pela Constituição Imperial, é reduzida ao Império. A associação política de todos os cidadãos forma uma Nação livre que “não admite com qualquer outro laço algum de união ou federação, que se oponha à sua Independência” (Artigo 1). Assim, para a Nação, a educação era, por força da tradição humanista e livresca, bastante considerada, mas aos olhos da nação stricto sensu, reduzida à sociedade política, o Império precisamente, a instrução pública era um componente que poderia favorecer as emancipações políticas, no processo de rebeldia e de esclarecimento das províncias. Os níveis de instrução, sim, como nos ensina Ribeiro (1990), vão sofrer as conseqüências da instabilidade política, da insuficiência de recursos, bem como da visão regionalista que imperava nas elites provinciais.
A intenção do Imperador de afastar qualquer possibilidade da educação como matéria legislativa das Províncias pode ser sugerida, decerto, pela forma como se localizam os dois dispositivos que tratam da educação, no Título 8o, ao referir-se sobre “disposições Gerais, e Garantias dos Direitos, e Políticas dos Cidadãos Brasileiros”, especificamente no artigo deste capítulo que trata da “inviobilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte” (Artigo 179). Duas das “maneiras” ou garantias assinaladas no artigo são: (a) A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”( Artigo 179, XXXII ) e (b) “Colégios, e universidades, aonde serão ensinados os elementos das Ciências, Belas Letras e Artes” (Artigo 179, XXXIII). Observemos, ainda, o seguinte: quando a constituinte vai definir competências, reservará as competências exclusivas em favor da Assembléia Geral (Artigo 110) e da Câmara dos Deputados (Artigo 111) que cuidarão dos mestres escolhidos e nomeados pelo Imperador, pagos pelo Tesouro Nacional por designação da Assembléia Geral e exigidos ou cobrados, no que toca “ao estado do adiantamento dos augustos discípulos “, pela Câmara dos Deputados.
Com a abdicação do Imperador Pedro I, os liberais, na estrutura do poder imperial, lançam medidas para a descentralização do poder político em favor das províncias. Entre as medidas, estava a da aprovação do Ato Adicional à Constituição de 1834, datado de 12 de agosto de 1834, que, em substância, descentraliza o Império, cria assembléias gerais provinciais, extingue o conselho de Estado e transforma a Regência trina em uma. É esse conjunto de medidas que caracterizará, segundo Hamilton de Mattos Monteiro (1990), o predomínio liberal até o ano de 1837. Estes liberais exaltados, denominados farroupilhas ou jurujubas, exigirão mudanças profundas e, para tanto, provocam movimentos de rua e tentam subverter os escalões inferiores das forças militares. Entre as tendências que dominam o aparelho do Estado imperial, os liberais exaltados filiam-se à Sociedade Federal em contraposição aos liberais restauradores, os chamados caramurus, pertencentes à Sociedade Conservadores da Constituição Brasileira, estes, aliados aos liberais direitistas que são contra as reformas constitucionais e defendem a volta de Pedro I e ainda os chimangos, liberais moderados, filiados à Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional, defensores de uma sociedade política, especialmente a Câmara de Deputados, desde que se leve em conta o Império ou a unidade imperial.
Para a educação nacional, importa-nos, em particular, a ação reformista dos liberais exaltados, que defendiam a descentralização das províncias. Eles, engenhosamente, subvertem a centralização imperial na Constituição de 1824, através de uma leitura interpretativa do texto constitucional, de modo a reformá-la sob o prisma do direito escrito e positivo. Assim, o Ato Adicional não é um ato isolado, e sim, resultará de uma ação estratégica mais ampla de descentralização do Império em etapas. No primeiro momento, os liberais haviam criado a Guarda Nacional, em 18 de Agosto de 1831, no mesmo ano em que Dom Pedro I abdica em favor do filho. No segundo momento, aprovam o Código do Processo Criminal, fortalecendo os poderes do Juiz de Paz, este, eleito sob controle dos senhores provinciais e, no terceiro momento, aprovam o Ato Adicional, uma espécie de golpe político na estrutura do governo imperial, oportunidade em que os liberais definirão, fartamente, as matérias sob a competência exclusiva das Províncias. Grifamos exclusivamente porque essa, certamente, é a intenção dos liberais Francisco de Lima e Silva, João Braulio Moniza e Antonio Pinto Chichorro da Gama ao subscreverem o texto que altera a composição de poder e adiciona matéria, na campo social, à Constituição Política do Império.
Os liberais exaltados, ao fazerem leitura do artigo 71 da Constituição do Império, levam à última conseqüência a disposição legal: “A Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o cidadão nos negócios da sua Província, e que são imediatamente relativos a seus interesses peculiares” (Artigo 71). Interpretam-no, na elaboração do Ato Adicional, como sendo o direito de intervir do cidadão no âmbito da Província. Daí, determinam que “o direito reconhecido e garantido pelo artigo 71 da Constituição será exercitado pela Câmaras dos Distritos e pelas Assembléias, que substituindo os Conselhos Gerais, se estabelecerão em todas as Províncias com o título de Assembléias Legislativas Provinciais” (Artigo 1o, do Ato Adicional).
Uma outra medida dos liberais é a seguinte: determinam, com relação ao Presidente da Província, que ele “assistirá à instalação da Assembléia Provincial, que se fará, à exceção das primeira vez, no dia que ela marcar, terá assento igual ao Presidente dela, e à direita; e aí dirigirá à mesma Assembléia a sua fala, instruindo-se do estado dos negócios públicos, e das providências, que mais precisar a Província para seu melhoramento” (Artigo 8o, Ato Adicional). No entanto, os liberais acrescentam ao conjunto de competências remanescentes das províncias, atribuídas pela Constituição Imperial, as de propor, discutir e deliberar, na conformidade dos artigos 81, 83, 84, 85, 86, 87 e 88 da Carta Política do Império (Artigo 9o, Ato Adicional).
É no Ato Adicional de 1834 que os liberais encontram a oportunidade de definir os negócios públicos das Províncias, de convertê-los em atos jurídicos, incluindo os de sua exclusividade, o que determina, no campo educacional, que “Compete as mesmas Assembléias legislar sobre instrução pública e estabelecimentos próprios e promovê-la, não compreendendo as faculdades de Medicina, os Cursos Jurídicos, Academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forme criados por lei geral” (Artigo 9o , § 2o , Ato Adicional).Ao todo são onze matérias que passam a ser definidas, com clareza, ou seja, através da técnica da competência expressa, para as Assembléias Provinciais.
Um dado importante é a descentralização da sanção da lei provincial. Determina-se, no Ato Adicional, que “As leis e Resoluções das Assembléias Legislativas Provinciais, sobre os objetos especificados nos artigos 10 e 11, serão enviados diretamente ao Presidente da Província, a quem compete sancioná-las” (Artigo 13, Ato Adicional). A instrução pública não faz parte do conjunto de matérias excepcionais do artigo 13: “Excetuam-se as Leis e Resoluções que versarem sobre os objetos compreendidos no artigo 10, §4o, §5o e 6o , na parte relativa à Receita e Despesa Municipal, e §7o na parte relativa aos empregos municipais: e no artigo 11, §1o, 6o, 7o e 9o, as quais serão decretadas pelas mesmas Assembléias, sem dependência da Sanção do Presidente” (Artigo 13, Ato Adicional) A Lei no 105, de 12 de maio de 1840, interpretará itens do artigo 10 do Ato Adicional, mas sem qualquer referência ou reformulação dirigida ao §2o, que trata da instrução pública.
Se de um lado o Ato Adicional descentralizou o Império ao definir as competências legislativas das Assembléias Provinciais, entre as quais a instrução pública, do outro e de forma contraproducente, contribuiu para a recentralização do poder imperial. A Lei no 105 foi um ato de remontagem da centralização imperial, em que o Ato Adicional, de descentralizador, passa a ser coadjuvante da centralização. É a partir de 1840 (e se estendendo até o ano de 1850) que vai se reconstruir o Estado Nacional com base fortemente centralizadora. A Lei no 105 significa, a nível de ordenamento jurídico, uma desmontagem de uma legislação descentralizada, gerada após abdicação do imperador, tendente a fortalecer as províncias. O Ato Adicional, por sua vez, traz, como ato contraproducente, a alteração da regência trina e uma, nas formas do artigo 27 e 32, que conduziu, por via eleitoral e com fundamentação no Ato Adicional, o Padre Diogo Feijó, liberal moderado, ao poder imperial e disposto, como fará, a garantir a unidade do Império.
Por seu turno, os detentores do poder econômico, especialmente, os barões do café, vão mistificar a monarquia, defender o carisma do monarca, defender a integridade e a centralização do Estado Imperial com base na corrupção e no clientelismo. São eles que revogarão as “leis anarquistas” e irão reforçar o poder coercivo, a força policial, em todo o território nacional, onde a autoridade governamental e centralizadora do Imperador não seja aceita pelas forças provinciais emergentes, especialmente intimidando as forças populares manifestas nas rebeliões das províncias como Farroupilhas, Cabanagem, Balaiada, Sabinada e Praieira. A luta pela definição das competências constitucionais das Províncias alimentou o sentimento revolucionário e federativo dos movimentos provinciais que, como sabemos, forjaram-se e a ameaçaram a estrutura de poder centralizador no período em que os liberais exaltados e doutrinários lutavam pelo afastamento das províncias das ações centralizadoras e tuteladas pelo governo imperial.
No plano municipal, a primeira constituição brasileira, dentro de seus princípios constitucionais e delimitação municipal, têm a educação e serviços sociais como competência implícita do Município, em que pese não fazer referência explícita a qualquer processo de descentralização política ou legislativa às coletividades territoriais a que denominamos hoje, na República, de Municípios. Segundo Paulo Bonavides (1990), a Constituição Imperial em gestação, na Constituinte de 1823, teve uma “sensibilidade precursora para o social”, destacando-se, na versão do Artigo 150, a promessa de “escolas primárias em cada termo, ginásio em cada comarca e universidade nos mais apropriados locais', isto é, a descentralização territorial do ensino, ou seja, levar escolas a locais dos mais diversos e apropriado.
Outorgada a Constituição Imperial, o Município é, não muito diferente do que fora no período colonial, uma sociedade política reduzida a uma câmara municipal. Na Colônia, o Município resultou de um transplante do Município português para o Brasil-Colônia com as mesmas atribuições e organização políticas, administrativas e judiciais que desempenhava no Reino. É no período colonial que o sistema de capitanias hereditárias sufocará a tendência descentralizante dos Municípios enquanto coletividades autônomas.
.Na Constituição Imperial de 1824, reforça-se a expressão política das franquias locais com a criação das Câmaras, agora como norma jurídica formalizada pelo constitucionalismo imperial. Reserva-se o Capítulo II (Das Câmaras) do Título 7o (Da Administração e Economia das Províncias), para a organização política dos Municípios. Determina-se que “Em todas as cidades, e vilas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se criaram haverá Câmaras, às quais compete o Governo econômico, e municipal das mesmas cidades, e vilas” (Artigo 167); acrescentando, em seguida, que “As Câmaras serão eletivas, e compostas do número de vereadores, que a Lei designar, o que obtiver maior número de votos, será presidente” (Artigo 168). E ainda que “O exercício de suas funções municipais, formação das suas posturas policiais, aplicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e úteis atribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar” (Artigo 169).
Com a regulamentação do artigo 169, a Lei de 1o de outubro de 1828, a expectativa de autonomia municipal sugerida no texto constitucional foi descartada uma vez que “trouxe ela (a lei) para as Municipalidades e mais estrita subordinação administrativa e política aos presidentes das Províncias. Assim, as franquias locais, que repontavam na Carta Imperial, feneciam na lei regulamentar” (MEIRELLES: 1993, p. 29) .
Em que pese o desempenho dos Concelho , na Colônia, que realizavam, entre outras coisas, obras públicas, tais como nomeação de juízes-almotáceis, criação de arrais, convocação de “juntas do povo” para discutir e deliberar interesses da capitania e a exigência do comparecimento de governadores aos seus povoados para tratar de negócios públicos, o que levaria, então, no Império, ao abafamento das prerrogativas autonomistas das Municipalidades? O centralismo provincial, na ânsia centralizadora que impulsionava o Império, não confiava nas administrações locais, o que acabava por levar o imperador a desprestigiar os governos regionais.
Apesar do centralismo imperial, a Lei de 15 de outubro de 1827 resgatou a tendência para o social, isto é, o constitucionalismo voltado para questões sociais, posto que, como destaca Paulo Bonavides (1990), os constituintes de 1823 abriram “uma janela para o social, para os direitos humanos do século XX, fora, portanto, das vistas acanhadas e egoístas do liberalismo imperante, do qual, eles, por força do tempo e da necessidade, se fizeram órgãos ou instrumentos” (BONAVIDES: 1990, p.101). Assim, como se antecipando ao descentralismo do Ato Adicional de 1824, a Lei de 1827, que acabou por consagrar-se, nacionalmente, como o Dia do Mestre, trouxe a perspectiva de descentralização territorial da escola primária ao determinar que “Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias” (Artigo 1o), ensejando, inclusive, a participação do Município, através de suas Câmaras, no processo escolar, ao determinar que os Presidentes das Províncias, em Conselho e com audiências das respectivas Câmaras, caso não estivessem em exercício os Conselhos Gerais, marcassem o número e localidades das escolas, podendo, inclusive, extinguir as escolas que existem em lugares pouco populosos e removessem os professores para as novas escolas(Artigo 2º, da Lei de l5 de outubro de 1827). Nas capitais das Províncias, a Lei de 15 de novembro dispõe que as escolas serão do ensino mútuo ; e o serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for possível estabeleceram-se (Artigo 3o).
Com o Ato Adicional de 1824, que veio reformar a Constituição de 1824, esperou-se um reforço em favor da autonomia municipal. No entanto, como diz Hely Lopes Meirelles (1993), a Lei no 16, de 12 de agosto de 1834, a do Ato Adicional, em que pese enveredar-se pela descentralização, subordinou as Municipalidades às Assembléias Legislativas provinciais em questão de exclusivo interesse local, como determinava seu Artigo 10.
O Ato Adicional de 1834, a rigor, nega as franquias municipais. Esta crítica procede na medida que lemos o artigo 10, do referido Ato, e observamos, de forma explícita, o centralismo das competências exclusivas das Assembléias Provinciais ao determinar, entre outras coisas, que é de sua competência legislar “sobre a política e a economia municipal, precedendo propostas das Câmaras” (Artigo 10, §4o, Lei 16/1834). Embora, em outro momento da Lei, tenda a sugerir a participação ativa das Câmaras quando concede às Municipalidades a competências de legislar sobre a fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos por elas necessários, desde que “não prejudiquem as imposições gerais do Estado. Poderão, pois, as Câmaras propor os meios de ocorrer às despesas dos seus Municípios. (Artigo 10, §5o, Lei 16/1834). Os demais dispositivos do Ato Adicional de 1834 determinam que as Assembléias Provinciais legislação “Sobre repartição da contribuição direta pelos municípios da Província, e sobre a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas da sua receita e despesa” (Artigo 10, §7o). Em substância, o Ato Adicional anula, por completo, a autonomia financeira municipal, esta, pressuposto da descentralização políticas das coletividades autônomas.
1.2. Constituição Republicana de 1891.
Com a Proclamação da República, nosso sistema constitucional consagrado, na Constituição de 1891, obedeceu à preocupação de delimitar as esferas de competências. Estabelecia a Constituição as competências para as entidades federativas. Tínhamos as competências exclusiva e privativa da União(Art. 7º) e a competência exclusiva dos Estados(Art. 9º) e a competência comulativa em favor das duas entidades.
A Educação não é matéria de competência exclusiva ou privativa da União. Não está registrada no elenco de matérias enumeradas no artigo 7o . Será prescrita como elemento orgânico e matéria do Poder Legislativo, através de atribuição ao Congresso Nacional, que o exerce com a sanção do Presidente da República (Artigo 16). Como veremos , a Educação vai ser enumerada entre as 35 atribuições do Congresso Nacional, no inciso que determina a competência privativa de “legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal, bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na Capital forem reservados para o governo da União”(Artigo 34, inciso 30). Seguindo a tradição do Império, enfatiza-se, mais uma vez, a nível nacional, o ensino superior.
No Artigo 35 da Constituição de 1891, o legislador incumbe ao Congresso, mas não privativamente (ressalta o próprio texto constitucional), as seguintes atribuições(...): (a) animar, no país, o desenvolvimento das letras, artes, e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e o comércio, sem privilégios que tolham a ação dos governos locais (Artigo 35, 2o); (b) Criar instituições de ensino superior e secundários nos estados (Artigo 35, 3o) e (c) Prover a instrução secundária no Distrito Federal (Artigo 35, 4o ). Observamos que o legislador, ao estabelecer a incumbência privativa ao Congresso nas ações de animar, criar e prover não tenciona tolher a ação dos governos locais, portanto, não quer embaraçar a capacidade legislativa dos Estados. Poderíamos dizer que, aqui, há uma semente para a idéia que temos hoje de competência concorrente em matéria educacional , em que o Congresso participaria com normas gerais sem negar as peculiaridades dos Estados-Membros.
Apesar de a técnica de delimitar as esferas de competências das entidades federativas (União e Estados) ser uma herança imperial problemática e, parcialmente resolvida com o Ato Adicional de 1834, a Constituição de 1891 não defende explicitamente, para os Estados, a competência para legislação em matéria educacional. Subentende-se, porém, que a tarefa educacional dos Estados não terá a intervenção do Governo Federal conforme determina o dispositivo constitucional: “Incumbe a cada estado prover, expensas próprias, as necessidades de seu governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar” (Artigo 5o). No artigo seguinte diz que “O Governo Federal não poderá intervir em negócios peculiares aos estados”, salvo, entre outros casos, para manter a forma republicana federativa (Artigo 6o, 2o). A emenda Constitucional, de 3 de setembro de 1926, reforçará a forma republicana como princípio constitucional a assegurar a integridade nacional (Artigo 6o, II, a) e autonomia dos Estados.
Como vimos, acima, a Constituição de 1891, atenta ao princípio federativo para a unidade nacional, ressalva que as ações do Congresso Nacional, no tocante à educação, não serão privativas, mas comulativas, ou seja, levam em conta a ação dos governos locais. Todavia, se nos demorarmos na leitura do texto constitucional, chegaremos, de logo, à desconfiança de que a União é de um grau de intervenção muito forte, quando diz que, entre as atribuições contidas no artigo 35, terá o Congresso de criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados (Artigo 35, 3o). Nessa condição passiva, estaria também o Distrito Federal que sofrerá a intervenção federal ao se determinar que o Congresso incumbe “prover a instrução secundária do Distrito Federal” (Artigo 35, 4o), nivelando-o, portanto, aos Estados-Membros. Aos Estados, na verdade, sobra a responsabilidade social pela organização do sistema primário de ensino.
Do ponto de vista de capacidade legislativa, os Estados, também, não gozam de autonomia federativa na República Velha .Tomemos, agora, o Título II, Dos Estados. Lá, cinco artigos tratam de elementos orgânicos para os Estados, ressaltando, de início, que “cada estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar, respeitados os princípios constitucionais das União” (Artigo 63). Mas, a União interfere na ação legislativa dos Estados, numa flagrante ação intervencionista e centralizadora, no que toca à elaboração das constituições estaduais. Determina o legislador que “o estado que até o fim do ano de 1892 não houve decretado a sua Constituição, será submetido, por ato do Congresso, à de um dos outros, que mais conveniente a essa adaptação parecer, até que o estado sujeito a esse regime e reforma, pelo processo nela determinado” (Artigo 2o, Disposições Transitórias). Retoricamente, o texto assinala que “à proporção que os estados se forem organizando, o Governo Federal entregar-lhes-á a administração dos serviços, que pela constituição lhe competirem, e liquidará a responsabilidade da administração federal no tocante a esses serviços e ao pagamento do pessoal respectivo” (Artigo 3, Disposições Transitórias).
Desde o primeiro momento da República Federativa, houve um processo de anulação das prerrogativas dos Estados-Membros. A tendência de não se explicitar as competências dos estados pode ser percebida quando do Decreto 01 ao se prescrever que as províncias brasileiras, agora reunidas pelo “laço da federação”, ficam constituindo os Estados do Brasil . Com tal omissão, os Estados, como entidades autônomos, ficam, federativamente, enfraquecidos.
Destaquemos, também, do Decreto da proclamação provisória da República Federativa, o seguinte: a soberania dada aos Estados, prerrogativa que não corresponde à historicidade de nossa Federação, difere do modelo norte-americano em que os Estados se uniam numa aliança com o governo federal; aqui, esta aliança foi condicionada por um decreto, ou seja, decima para baixo, em que se reconhecia, nos Estados, não uma soberania, mas uma autonomia federativa e, vale dizer, uma autonomia outorgada pelo regime republicano, em que pese o movimento federalista esboçado pelas rebeliões provinciais e sufocadas pelo regime imperial.
Interessante acompanhar o movimento posterior dos revolucionários de 15 de novembro de 1889, que através do Decreto no 7, de 20 de novembro de 1889, anularam, formalmente, as competências legislativas dos estados no tocante à instrução pública e a seus estabelecimentos de ensino, como era assegurado no Ato Adicional de 1834 ao declarar, naquele decreto, que as assembléias provinciais ficam extintas e fixa, provisoriamente, as atribuições dos governadores dos Estados .
Os decretos subseqüentes, como os de no 802, de 4 de outubro de 1890 e de 848, de 11 de outubro de no 1.030, de 14 de novembro de 1890, limitam-se a estabelecer elementos orgânicos dos Estados, como a aprovação da emissão constituinte estadual e a consagração da dualidade de jurisdições do poder inicial. O decreto no 510, de 22 de junho de 1890, contendo o projeto da Constituição Federal, será substituído pelo Decreto no 914, de 23 de outubro de 1890, que traz na versão original artigo 34, a ser promulgado como o de 35 na Constituição de 1891, que assim reza: “Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente animar, no país, o desenvolvimento da educação pública, a agricultura, a indústria e a imigração” (Artigo 34, 1o, Decreto 914) e “Criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados” (Artigo 34, 2o), sem salientar, porém, a participação ativa dos estados. É particularmente importante o resgate do processo constituinte que veio a promulgar, em 1891, a Constituição Federal. Até a promulgação da Constituição, questões como centralização e descentralização política, soberania e autonomia federativa, particularmente referente aos recursos do tesouro nacional, estiveram presentes nos debates e no desenvolvimento dos trabalhos da constituinte.
No plano municipal, observamos que, com a Constituição republicana de 1891, reconheceu-se, formalmente, por força do regime federativo, a autonomia municipal. O Artigo 68 e o único a tratar, na Constituição de 1891, sobre a organização municipal, diz que “Os estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse” (Artigo 68). A partir desta disposição constitucional, os Estados vão procurar reforçar, do ponto de vista jurídico, a tese da autonomia municipal, mas ainda muito no plano normativo ou superestrutural, sem que isso signifique, portanto, uma repercussão de ordem prática junto às franquias locais .
Na prática, não houve autonomia municipal no Brasil durante os quarenta nos em que vigorou a Constituição de 1891 por conta de três fatores: (a) hábito do centralismo; (b) a opressão do coronelismo e (c) a incultura do povo. Foram estas três fatores transformaram os Municípios em feudos de políticos, no que Helly Lopes Meirelles(1993) compara a um “rebanho dócil ao seu poder político” . Se a incultura do povo, o que nos faz lembrar o analfabetismo, era base de sustentação do coronelismo nos Estados, por que estes fortaleceriam a autonomia municipal? Era tempo para uma reação política, o que só veio a acontecer com a chamada República Nova .
1.3. Constituição Republicana de 1934
Com a Revolução de 1930, o governo revolucionário, sob a égide de uma Assembléia Nacional Constituinte, organizou um regime democrático, mas centralizador, ou melhor, um centralismo democrático, afastando-se das tendências descentralizantes das oligarquias estaduais.
A Constituição de 1934 traz a educação nacional como matéria de competência privativa à União. Determina-se que “Compete privativamente à União traçar as diretrizes da educação nacional” (Artigo 5o, XIV). A competência privativa abre brecha para a participação dos Estados-Membros ao dispor que “A competência federal para legislar sobre as matérias no XIV (...) não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar sobre as mesmas matérias” e que ‘as leis estaduais, nestas casos, poderão, atendendo às peculiaridades locais, suprir as lacunas ou deficiências da legislação federal, sem dispensar as exigências desta” (Artigo 5o, §3o). Um dado a se assinalar é que a legislação supletiva dos Estados não teria, como acontecerá mais tarde com a atual Constituição Federal, um caráter de legislação plena. Ela é supletiva ou complementar para efeito de suprir lacunas ou deficiências da legislação federal. No elenco das matérias de competência privativa da União, registram-se, pelo menos, 29 assuntos privativos da União, sendo a educação nacional um dos explicitamente delegáveis aos Estados.
A instrução pública é colocada, ainda, pelo constituinte de 1934, como uma matéria de competência concorrente à União e aos Estados. Determina-se que “Compete concorrentemente à União e aos Estados difundir a instrução pública em todos os seus graus” (Artigo 10, VI).
A competência de legislar sobre diretrizes da educação nacional passa ser atribuição, a nível da União, do Poder Legislativo. A competência privativa à União, nos termos do artigo 5o, XIV, da Constituição Federal de 1934, traduz-se como uma descentralização política, revelada na estrutura interna do texto constitucional, ou seja, na própria estrutura de organização federal, quando se diz, entre as atribuições do Poder Legislativo, que “Compete privativamente ao Poder Legislativo, com sanção do Presidente da República legislar sobre “todas as matérias de competência da União, constantes do artigo 5o, ou dependentes de lei federal, por força da Constituição”(Artigo 39, 8, e). Constatamos, no texto constitucional, que há, implicitamente, no item 8 do artigo 39, uma prerrogativa do Poder Legislativo para legislar sobre as matérias de competência da União, constantes do artigo 5o, que inclui, certamente, o de traçar as diretrizes da educação nacional. Aliás, o traçar, aqui, deve ser traduzido, subjacentemente, como uma ação centralizadora de demarcar os procedimentos gerais da educação nacional.
O que mais nos chama a atenção, na Constituição de 1934, é que, no capítulo II (da Educação e da Cultura), que pertence ao Título V (Da Família, da Educação e da Cultura), um capítulo, portanto, que traz normas sócio-ideológicas, há uma intervenção muito forte da União . Sendo uma Constituição de feição liberal, contraditoriamente, o artigo 150 traz um elenco de competências exclusivas e centralizadoras da União, descartando, com um corretivo constitucional, a possibilidade de a matéria trazida no artigo 5o, no XIV, contar com a participação ativa dos Estados. As ações são, assim, muito centralizadas na União em detrimento da participação dos Estados-Membros. A esse respeito, determina o legislador que “O plano nacional de educação, de lei federal, nos termos dos Art. 5, no XIV, e 39, no 8, letras a e, só se poderá renovar em prazos determinados, e obedecerá às seguintes normas” (Artigo 150, parágrafo único), citando, em seguida, as seis normas que condicionam toda a realização do plano educacional através de medidas de restrições impostas pela ação centralizante federal.
O Artigo 152 da Constituição de 1934 reflete ainda o controle ideológico da União com relação ao plano nacional de educação, que concretiza a ação de “traçar as diretrizes da educação nacional”. Traçam-se diretrizes educacionais em um plano linear sem que leve em conta “desigualdades e peculiaridades regionais”. Assim, a União delega ao Conselho Nacional de Educação a elaboração do plano nacional de educação ao determinar que “Compete precipuamente ao Conselho Nacional de Educação, organizado na forma da lei, elaborar o plano nacional de educação para ser aprovado pelo Poder Legislativo e sugerir ao Governo as medidas que julgar necessárias para a melhor solução dos problemas educativos, bem como a distribuição adequada aos fundos especiais” (Artigo 152, caput). Tolhe-se, ainda, a participação ativa e autônoma dos Estados e do Distrito Federal ao se determinar que “Os Estados e o Distrito Federal, na forma das leis respectivas, e para o exercício da sua competência na matéria, estabelecerão Conselhos de Educação com funções similares às do Conselho Nacional de educação e departamentos autônomos da administração do ensino” (Artigo 152, parágrafo único).
Assim, chegamos à conclusão, no que se refere à Constituição de 1934, de que o constituinte, ao deslocar uma competência exclusiva da União para um capítulo que traz artigos socio-ideológicos, tem, em mente, um controle ideológico, utilizando-se, para tanto, de subterfúgios descentralizantes.
No plano dos Estados-Membros, a Constituição de 1934, ao definir a educação nacional como competência privativa da União, determina a não exclusão da legislação estadual supletiva ou complementar sobre a mesma matéria constitucional, isto é, a competência de traçar as diretrizes da educação nacional, ressalvando que “as leis estaduais, nestes casos, poderão, atendendo às peculiaridades locais, suprir as lacunas ou deficiências da legislação federal, sem dispensar as exigências desta” (Artigo 5o , §3o). Reforça tal prerrogativa ao determinar que compete privativamente aos Estados a elaboração de leis supletivas ou complementares da legislação federal, conforme o artigo 7o, III, tendo prescrito, no inciso anterior, que a União prestaria socorros aos Estados que em caso de calamidades públicas e desde que os solicitasse (Artigo 7o, II). A educação nacional fica implícita nos dispositivos acima descritos.
A Constituição de 1934 traz, como inovação em relação à Constituição de 1891, a explicitação da competência concorrente à União e aos Estados no “difundir a instrução pública em todos os graus” (Artigo 10, VI). Os estados, no caso do descumprimento do preceito constitucional, poderão sofrer a intervenção federal (Art.. 12, §1º). Com este artigo, procura-se dar estabilização à norma constitucional.
A Constituição de 1934 reserva o Capítulo II, do Título V (Da Família, Da Educação e Da Cultura) à educação e cultura. Define, no conjunto de dispositivos ou normas sócio-ideológicas no campo educacional, que à União, aos Estados e Municípios cabem a tarefa de “favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual” (Artigo 148).
O legislador determina, ainda, que é de competência estadual a organização e manutenção de sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União (Artigo 151), especialmente as enumeradas no artigo 150, de competência exclusiva da União. Os Estados estabelecerão, nas formas das leis respectivas, e para o exercício de sua competência na matéria educacional, Conselhos de Educação com funções similares às do Conselho Nacional de Educação e departamentos autônomos de administração do ensino (Artigo 152, parágrafo único). As funções do Conselho Nacional de Educação são enumeradas no caput do artigo 152.
A Constituição de 1934 estabelece que os Estados apliquem nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos, enquanto a União e os Municípios apliquem nunca menos de dez por cento (Artigo 156). Determina o texto constitucional que os Estados reservarão uma parte dos seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação, procedendo da mesma forma a União e o Distrito Federal. As sobras das dotações orçamentárias, acrescidas das doações, percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas, taxas especiais e outros recursos financeiros constituirão, nos Estados, os fundos especiais, a serem aplicados exclusivamente em obras educativas determinadas em lei (Artigo 157, §1o).
No plano dos Municípios, entre as competências privativas dos Estados, a Constituição de 1934 assinala a garantia do princípio da autonomia dos Municípios na promulgação de sua constituição e leis estaduais. Reforça a Constituição de 1934 que “A lei assegurará a autonomia dos Municípios em que se dividir o território” (Artigo 16, §2o ). O artigo 13, sem dúvida, é determinante no que toca à consolidação do princípio de autonomia municipal ao determinar que “ Os municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente (...)”, citando, entre outras prerrogativas das municipalidades, a de “organização dos serviços de sua competência” (Artigo 13, III). Não descarta, porém, a intervenção estadual no município, seja a nível assistencial ou político, quando diz: “É facultado ao Estado a Criação de um órgão de assistência técnica à administração municipal e fiscalização das suas finanças” ( artigo 13, §3o ). Não descarta a intervenção estadual nas franquias locais em caso de impontualidade na prestação de serviço e inadiplência municipal(Artigo 13, § 4º).
As normas acima, portanto, tratam da intervenção excepcional nos negócios peculiares aos Estados. A partir daí, duas especulações são lançadas por nós. A primeira é a de que a norma precedente, para a prerrogativa da intervenção estadual nos Municípios, exposta na Constituição de 1967 e, mais recentemente , na de 1988, no que toca a não aplicação de recursos financeiros no ensino fundamental, estaria no artigo 13, §4o, da Constituição de 1934. Esta Constituição também não teria levado para a constituição subseqüente, a de 1946, o mesmo conteúdo intervencionista? Cremos que sim.
A Constituição de 1934, como já assinalamos em outro tópico deste trabalho, traz, pela primeira vez, na história constitucional brasileira, um capítulo específico de Educação, ou seja, um capítulo contendo normas sócio-ideológicas para a Educação e a Cultura (Artigo 148 e 158) voltadas aos Municípios. Entre as prerrogativas asseguradas aos Municípios, na seção educacional, temos a que determina que cabe aos Municípios, e, da mesma forma à União e aos Estados, “favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, bem como prestar assistência ao trabalho intelectual” (Artigo 148). Este artigo, a nosso ver, está em comunhão com o artigo 10, da Constituição de 1934, em que há um aparente reforço federativo da descentralização dos poderes entre as entidades federativas, isto é, a autonomia da União e dos Estados, dando-lhes competência legislativa concorrente de difundir a instrução pública em todos os graus, o que, implicitamente, acabar por envolver também os municípios como entidades administrativas dos Estados (Artigo 10, VI). O que deixa claro, no entanto, no capítulo específico da Educação, na Constituição de 1934, é que não se reconhece, ainda, nos Municípios, a competência de organizar e manter o sistema educativo na rede municipal de ensino. Se de um lado, a Constituição reconhece a autonomia dos Municípios, do outro não os reconhece como entidades federativas com capacidade política de organizar suas redes de ensino, tendo, pois, de seguir as diretrizes estabelecidas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal (Artigo 151).
Entre as “amarras” do financiamento educacional, a Constituição de 1934 dispõe que os Municípios, assim como a União, aplicarão nunca menos de dez por cento da renda resultante de impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos (Artigo 156, caput). Em caso do ensino nas zonas rurais, a União é que se encarregará de reservar “no mínimo, vinte por cento das quotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual” (Artigo 156, parágrafo único).
Pela Constituição de 1934, os Municípios não participam da competência de reservar, como farão a União, os Estados e o Distrito Federal, uma parte dos seus patrimônios territórios para a formação dos respectivos fundos de educação (Artigo 157). Garante, porém, a Constituição de 1934 que as “sobras das dotações orçamentárias, acrescidas das doações, percentagens sobre o produto de vendas de terras públicas, taxas especiais e outros recursos financeiros, constituirão, na União, nos Estados e nos Municípios, esses fundos especiais, que serão aplicados exclusivamente em obras educativas determinadas em lei”(Artigo 157, §2o ).
1.4. Constituição Republicana de 1937
A Constituição Federal de 1937, outorgada, reserva o Artigo 16 para determinar que “Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: (...) XXIV - diretrizes de educação nacional” (Artigo 16, XXIV). No artigo 17 , o legislador determina , com relação às matérias de competência exclusiva da União, “a lei poderá delegar aos estados a faculdade de legislar, seja para regular a matéria, seja para suprir as lacunas da legislação federal, quando se trate de questão que interesse, de maneira predominante, a um ou alguns estados. Nesse caso, a lei votada pela Assembléia estadual só entrará em vigor mediante aprovação do Governo Federal” (Artigo 17).
Essa aparente disposição de descentralização legislativa por delegação aos Estados, pode ser verificada no artigo 18, embora sem referência explícita à matéria educacional. Determina-se que “independentemente de autorização, os estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuem as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta os regule, sobre os seguintes assuntos” (Artigo 18), citando, em seguida, sete blocos de matérias, sem qualquer referência explícita à educação nacional. A seção “Da Educação e da Cultura”, por sua vez, envolve artigos sócio-ideológicos, compreendidos entre o artigo 128 a 134, não faz qualquer menção às competências da União para a área educacional.
Quanto aos Estados-Membros, a Carta de 1937 parece-nos ignorar a participação estadual nas tarefas educacionais. Entre as matérias ou assuntos em que os estados poderão legislar, enumerados no artigo 18, não é citada a da diretrizes da educação nacional. A omissão refletirá o centralismo da União no que toca às competências legislativas na área educacional? Cremos que sim . Outro sintoma claro do centralismo e autoritarismo da Carta de 1937 dá-se, como podemos constatar, nos artigos 128 e 134, que tratam Da Educação e da Cultura. Aqui, não se faz repartição de competências entre as entidades federativas. A palavra Estado, no capítulo educacional da Carta de 1937, é usada sempre no singular, traduzindo, decerto, a unidade ou centralismo estatal. Lembremos, ainda que, na abertura da carta constitucional, que “O Brasil é uma república”, mas não uma república federativa e, assim, não se justifica fazer referências explícitas à capacidade legislativa dos Estados. Em substância, o que observamos é que os Estados sofrem um processo de intervenção da União no tocante à manutenção dos serviços públicos. Estabelece-se que “A cada estado caberá organizar os serviços do seu peculiar interesse e custeá-los com seus próprios recursos” (Artigo 8o, caput) e, de maneira autoritária, determina que “O estado que, por três anos consecutivos, não arrecadar receita suficiente à manutenção dos seus serviços será transformado em território até o restabelecimento de sua capacidade financeira” (Artigo 8o, parágrafo único). As competências estaduais limitam-se ao cumprimento de obrigações estabelecidas pela Constituição, sempre com risco, de uma vez não cumpridas em tempo estabelecido, de uma intervenção federal. Determina-se, a propósito, que “Os estados têm a obrigação de providenciar, na esfera de sua competência, as medidas necessárias à execução dos tratados comerciais concluídos pela União. Se o não fizerem em tempo útil, a competência legislativa para tais medidas se devolverá à União” (Artigo 10).
Conserva-se, em dispositivo similar, na Constituição de 1937, a competência residual dos Estados para as competências privativas da União, entre as quais a de legislar sobre a matéria de diretrizes da educação nacional (Artigo 16, XXIV). No entanto, uma leitura mais cuidadosa fará constatarmos que a Constituição refere-se à questão da competência exclusiva da União e não à competência privativa, esta, modalidade que deveria estar, tecnicamente, como dispositivo relativo às diretrizes da educação nacional. Determina-se que, nas matérias de competência exclusiva da União aos Estados, poder-se-á delegar a faculdade de legislar. O poder legislativo outorgado aos Estados tanto pode estar a serviço da “regulação jurídica”, diante de questões que lhes dizem respeito de maneira predominante ou a alguns Estados. Nesse caso, condiciona a Constituição que “a lei votada pela Assembléia estadual só entrará em vigor mediante aprovação do Governo Federal” (Artigo 17).
A Constituição de 1937 traduz, enfim, o espírito autoritário e outorgante contra os Estados ao determinar que “as constituições estaduais serão outorgadas pelos respectivos governos, que exercerão, enquanto não se reunirem as Assembléias Legislativas, as funções destas nas matérias da competência dos Estados” (Artigo 181).
A Constituição de 1937 veio nominal e retoricamente a assegurar que “Os municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente (...)”, para citar, em seguida, entre uma de suas prerrogativas, a da “organização dos serviços públicos de caráter local” (Artigo 26, c). Determina ainda que “Os municípios de mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins” (Artigo 29, caput). Reforça o regime regulatório dos Estados ao prescrever que “Caberá aos estados regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituir-se, bem como a forma de sua administração”( Artigo 29, parágrafo único ).
O capítulo reservado à Educação e à Cultura, na Constituição de 1937, compreendido entre os artigos 128 e 134, não faz qualquer menção ao Município. A palavra Estado, como já dissemos em outro momento, também não é referente à entidade federativa, mesmo porque o golpe ditatorial getulesco não reconhece a República como sendo federativa, tendente à descentralização política, isto é, não reconhece a estrutura de organização estatal em Estados-Membros e, destes, em Municípios. O que existe é o Estado, uma unidade centralizadora política. A expressão peculiar interesse, tradicionalmente dirigida aos Municípios é, na Constituição de 1937, destinada aos Estados, quando se diz: “A cada estado caberá organizar os serviços do seu peculiar interesse e custeá-los com seus próprios recursos”( Artigo 8o ), o que sugere a redução dos Estados a condição inexpressiva de entidades não-federativas, à guisa dos Municípios.
No regime ditatorial do Estado Novo, os Municípios perderam sua autonomia emergente mais ainda do que no período imperial. Neste, pelo menos, as questões de interesse local eram debatidas nas Câmaras de Vereadores e levadas ao conhecimento dos governos ou das Assembléias Legislativas das Províncias, ao passo que, no sistema interventorial do Estado Novo, não havia qualquer “respiradouro” para as manifestações locais, visto que os prefeitos eram discricionários e governavam sem qualquer colaboração de órgão de representação popular.
1.5. Constituição Republicana de 1946
A Constituição liberal de 1946 traduz, no âmbito das competências da União, a centralização política, através da técnica explícita de competências exclusivas (Artigo 5o), entre as quais a matéria educacional, o que é aparentemente contraditório para uma Constituição de cunho liberal e federalista. Determina o legislador que compete à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (Artigo 5, XV, d). A competência exclusiva justifica, com certeza, o fato do governo federal, através do Ministério da Educação, ter enviado, em 1948, um projeto de LDB. Observamos, porém, que o artigo seguinte, ou seja, o artigo 6o, determina descentralizadamente que a competência federal para legislar sobre as matérias do artigo 5, que envolve nove matérias, entre as quais a de “diretrizes e bases da educação nacional”, não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar. Tem-se, na Constituição de 1946, a confirmação da tendência centralizante da União, ao se elencar, pelo menos, 25 matérias sob sua competência legislativa exclusiva.
Num estudo comparativo entre as Constituições de 1934 e de 1946, observamos que esta faz um enxugamento constitucional do Capítulo II(em ambas, contendo normas sócio-ideológicas para a educação), prescrevendo, apenas, dispositivos de ordem socio-ideológica e não fazendo, como a de 1934, a exposição de dispositivos orgânicos, relativos à organização do Estado. Essa tendência mais seletiva dos artigos que cuidam especificamente da educação e do ensino permanecerá nos textos constitucionais subseqüentes, especialmente o atual, de 1988
Na perspectiva dos Estados-Membros, a Constituição de 1946 assegura aos Estados a volta à condição de co-participantes ou coadjuvantes dos poderes ou competências da União podendo, para a matéria de diretrizes e bases da educação nacional, legislar de forma supletiva ou complementar , nos termos do artigo 6o: “ A competência federal para legislar sobre as matérias do artigo 5o, no XV, letra d (diretrizes e bases da educação nacional) não exclui a legislação supletiva ou complementar.”
Reza a Constituição de 1946 que, nos Estados, é vedado lançar imposto sobre instituições de educação (Artigo 31, V, b).
O capítulo II, do Título VI (Da Família, Da Educação e Da Cultura), específico da matéria educacional, reserva dispositivos sócio-ideológicos para a educação, determinado, entre outras coisas, que “anualmente os estados aplicarão nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção de desenvolvimento do ensino (Artigo 169), garantindo-lhes, também, a competência de organizar os seus sistemas de ensino (Artigo 171).
A participação dos Estados, na política educacional, reflete, enfim, o regime representativo, a Federação e a República, resgatados e consagrados pela democracia liberal dos constituintes de 1946.
No tocante aos Municípios, ao contrário da Carta de 1937, a Constituição de 1946 resgata o princípio de autonomia municipal. Assegura-se a autonomia das franquias locais sob pena de, uma vez não levada em conta pelos Estados, mover-se uma ação intervencionista do Governo Federal (Artigo 7o, VII, e). Os Estados, por sua vez, terão a prerrogativa do regime interventorial nos Municípios, nos casos de irregularidade de suas finanças. Determina-se, explicitamente, que “Os estados não intervirão nos municípios senão para lhes regularizar as finanças, quando (...)”, ocorrer os seguintes casos: (a) verificar-se a impontualidade nos serviços de empréstimo garantido pelo estado; (b) deixar o Município de pagar, por dois anos consecutivos, e sua dívida fundada (Artigo 23). O artigo 31, no que toca à tributação, veda aos Municípios lançar imposto sobre instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas, integralmente, no país, para os respectivos fins educacionais (Artigo 31, V, b).
O capítulo reservado à Educação e à Cultura, o que envolve os artigos 166 a 175, traz, como novidade, a alteração do percentual de recursos destinados, pelos Municípios, ao ensino. Os municípios, segundo o artigo 179, aplicarão nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, equiparando o mesmo percentual dos Estados e do Distrito Federal, enquanto os dez por cento a cargo da União. O Município não poderá, contudo, organizar o sistema de ensino, ficando o “ sistema federal de ensino em caráter supletivo, estendendo-se a todo o país nos estritos limites das deficiências locais” (Artigo 170, parágrafo único).

1.6. Constituição Republicana de 1967
A Constituição de 1967 veio a adotar o federalismo, mas uma forma de Estado Federal que deu maior expansão à própria União em detrimento dos Estados-Membros. O federalismo de 1967 não se caracterizou por partilha equilibrada de competências constitucionais. . Os poderes enumerados da União eram tantos que pouco restava de prerrogativa para os Estados-Membros da Federação. Confirmou-se, mais uma vez, a centralização política em torno da União.
A educação, como matéria exclusiva na União é posta, no texto constitucional de 1967, nos seguintes termos: “Compete à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e normas gerais sobre desportos” (Artigo 8o, XVII, q). Como competência que omite, no próprio texto, o qualificativo “exclusivo”, leva-nos a conjeturar, à primeira leitura, descentralização legislativa ao lermos a seguinte determinação: “A competência da União não exclui a dos estados para legislar supletivamente sobre as matérias “q “, e mais outras (c, d, e, n, v), respeitada a lei federal”. Na prática, tal descentralização se constituiu em retórica, em letra morta. Um dado a considerar, a respeito dessa desconfiança, está, também, na matéria do item “q”, é que as diretrizes e bases da educação nacional, agora, nivela-se a legislação que trata das normas gerais sobre desportos. O desportismo, peculiar à formação militar, passa a ter uma relação de contiguidade com a educação nacional laica.
A depender da estrutura normativa da Constituição de 1967, os Estados participam da competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, acrescida, ainda, das normas gerais sobre desportos. Determina-se, em substância, que “A Competência da União não exclui a dos estados para legislar supletivamente sobre as matérias das alíneas (...) (diretrizes e bases da educação nacional e normas gerais sobre desportos, respeitando a lei federal” (Artigo 8o, XV, parágrafo único).
A Constituição de 1967 garante que os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas constituições e leis que adotarem (Artigo 13), mas ressalva que, para auxílio da União aos Estados, estes deverão entregar, previamente, um plano de sua aplicação (Artigo 13 , §5o). Ou seja, os estados deverão justificar, com projeto de investimento, a solicitação de auxílio financeiro à União.
Com relação aos recursos a serem aplicados ao setor educacional, a Constituição de 1967 reafirma a obrigação compulsória dos Estados em aplicar nunca menos de vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino (Artigo 176, §4o). Os Estados organizarão os seus sistemas de ensino, garantida a assistência técnica e financeira da União, mas de modo que “Cada sistema de ensino terá, obrigatoriamente, serviços de assistência educacional, que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar” (Artigo 177, §1o e 2o).
A novidade, com relação à Constituição de 1946, refere-se à intervenção dos Estados nos municípios por questões de ordem educacional. A Constituição prescreve que a Constituição Estadual pode regular sobre intervenção nos Municípios em casos que ocorra a não aplicação dos recursos tributários no ensino primário. Propõe a intervenção estadual quando “não tiver havido aplicado, no ensino primário, em cada ano, de vinte por cento, pelo menos, da receita tributária municipal” (Artigo 15, f ).
No tocante aos Municípios, a Constituição de 1967, outorgada, assegura, nominalmente, a autonomia municipal, determinando o regime de intervenção federal nos Estados no caso de não respeito ao princípio já assegurado na tradição constitucional (Artigo 10, VI, e). A autonomia municipal será assegurada, segundo o texto constitucional, pela organização dos serviços públicos locais (Artigo 15, VI, e). Não descarta, porém, a intervenção dos Estados nos Municípios, regulada na Constituição do Estado, “somente quando o município não tive havido aplicado, no ensino primário, em cada ano, vinte por cento, pelo menos, da receita tributária municipal” (Artigo 15, §3o, f), de modo a assegurar a eficácia do dispositivo que determina, no capítulo contendo normas sócio-ideológicas, “Anualmente, a União aplicará nunca menos de treze por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino” (Artigo 176, §4o).
Levantemos, agora, uma questão a esse respeito: não seria um contra-senso o Estado intervir no Município no caso deste não aplicar vinte por cento da receita tributária municipal no ensino primário, se os Municípios, assim também como os Estados e o Distrito, estariam obrigados, anualmente, a aplicar nunca menos de vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino? Terá havido um cochilo da Junta Militar? Ou; a aplicação compulsória dos Municípios de aplicar vinte por cento, pelo menos, da receita tributária municipal, em cada ano, no ensino primário é de diferente interpretação quando se toma, como base de percentual tributário destinado ao setor educacional, o artigo 176 que diz:“ Os Municípios aplicarão nunca menos de vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino”?
A nosso ver, a correção dessa dúbia interpretação, gerada pela superposição e ambigüidade dos dispositivos constitucionais, será feita, no ordenamento constitucional, somente na Constituição de 1988, quando se diz que “O Estado não intervirá em seus Municípios quando não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino” ( Artigo 36, III ). O mínimo exigido, como determina a Constituição Federal, é de vinte e cinco por cento. A prioridade municipal será também condicionada: atuação prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar (Artigo 211, §2o )
1.7. Constituição Republicana de 1988
Tratemos, aqui, da Educação como matéria de competência Legislativa das Entidades Federativas, na Nova República , a partir da nova ordem constitucional de 1988.
A Constituição de 1988 persegue um fim último para o Estado brasileiro, que é o de torná-lo, juridicamente, uma República Federativa. A primeira providência jurídica nessa direção é a seguinte: a União, no Brasil, é um componente do Estado Federal. Temos um modelo de Federação por força do Direito. Na verdade, é uma abstração, dentro da teoria do federalismo clássico, compreender a União, no Brasil, como uma entidade federativa do Estado Federal. A história da Federação brasileira é particularmente excêntrica no contexto do federalismo internacional.
Comecemos pelo artigo 1o da Constituição Federal de 1988 que diz “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” e que tem, entre seus cinco fundamentos, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. É o artigo 1o uma espécie de cláusula de promulgação, portanto, um elemento formal de aplicabilidade, mas seu conteúdo atende mais a uma tradição formal de abertura do documento constitucional do que a uma exigência de ordem técnica e doutrinária do federalismo brasileiro.
Não é demais afirmar que a federação brasileira não resultou, como insistimos no presente trabalho, da união dos estados soberanos num Estado Federal como ocorreu com a federação norte-americana. Aqui, antes de proclamada a República, éramos províncias sem nenhuma autonomia político-administrativa, pelo menos formalmente, exceto aquela temporária e nominalmente adotada pelo Ato Adicional de 1834, mas sem nenhuma eficácia jurídica, e, por uma imposição de um novo regime político e ordenamento jurídico passamos a adotar, por decreto e, em seguida, confirmado constitucionalmente, o Estado Federal. Essa peculiaridade federativa, em nosso país, deve ser sempre levada em conta, para não dizer lembrada, quando abordamos a questão dos entes federativos e de suas competências constitucionais para os campos social e cultural, em particular, referente ao direto social relativo à Educação.
A tradição republicana e constitucional consagrou a federação brasileira, mas a questão central da Federação, isto é, a repartição das competências dos entes federativos e o estabelecimento de suas fronteiras legislativas sempre foram o nó górdio do nosso federalismo. Chegamos a tal ponto de reforçar, de forma redundante, o modelo de federação consagrado na evolução constitucional que não atentamos, no rigor técnico devido, para a tautologia do seguinte texto: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição” (Artigo 18, caput).
O que há no artigo 1o e no artigo 18 é a mesma coisa: a afirmação do federalismo. A repetição, portanto, é, rigorosamente, inútil, de um truísmo escancarado, mas o legislador a praticou, decerto, como elemento orgânico da Constituição. Diríamos, até mesmo, que houve uma preocupação de ordem pedagógica. No artigo 18, porém, se ampliarmos a leitura, observamos que, diferente do artigo 1o, indicar as entidades federativas revela uma intenção dogmática, doutrinária, de afirmação e reafirmação federalista, mesmo sabendo, a priori, que, historicamente, a União, os Estados federados, o Distrito Federal e os Municípios não são tão nivelados autonomicamente. Há modalidades de competências (exclusivas, privativas, concorrentes e comuns) que distinguem, hierarquicamente, as entidades federativas. Assim, dizer que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende as quatro entidades federativas é uma espécie de sentença jurídica, mas seu dogma é, historicamente, destituído de sentido. Há, ainda, um processo de construção do modelo de Estado Federal efetivamente federativo e democrático. Claro, no fundo, os constitucionalistas acabam por aceitar todas as intenções e manifestações do modelo federativo historicamente imposto e, juridicamente posto, na evolução constitucional do país; enfim, não há como negar que somos uma Federação e que temos um ordenamento jurídico que busca alcançar todos os princípios do federalismo internacional. Assim, enquanto, no artigo 1o, aceitamos a cláusula com a condição de nossa federação, o artigo 18 é uma obrigação que o constituinte nos impõe, compulsoriamente, por tradição. Fere a técnica, mas também a aceitamos sem reservas, por pura tradição na cultura do direito escrito no Brasil. E por manifestação plebiscitária já proclamamos nossa opção por uma República Federativa
Este Estado brasileiro, assim juridicamente construído, inviabiliza a existência de uma verdadeira Federação, que se efetiva por necessidades reais e práticas e não por simples proclamações jurídicas? E qual a repercussão desse modelo de Estado Federal para o setor educacional?
Comecemos pela primeira questão. A primeira conseqüência que apontaríamos e a que nos interessa, em particular, é a de termos a União (ou pelo menos aquela “união indissolúvel”) como um ente federativo e autônomo, que participa do Estado Federal e que se confunde, na prática, por sua longa tradição de centralização política, com o próprio Estado Federal. A União é federativa de Direito, mas não é federada de fato, o que pode ser traduzida na diferença de “estar federativa”, mas não “ser federada”, ou, em outras palavras, de não ter a mesma natureza federativa dos Estados-Membros.
Deixando de lado qualquer juízo de valor sobre a questão da federatividade , isto é, desta condição autonomista das entidades federativas, diríamos que as federação das entidades intergovernamentais, no Brasil, traz uma situação curiosa e sobre ela vale a pena nos manifestar. A União e os Municípios, previstos na arquitetura federativa, não têm, rigorosamente, federatividade, ou melhor, uma imanência de autonomia e de descentralização política plena. É uma questão de ordem histórica. Nós não construímos nossa Federação a partir da existência real dos entes federativos. Arquitetamos primeiro o Estado Federal para depois prescrevermos as competências constitucionais(residuais e não reservadas) de seus entes. A União é descaracterizada, historicamente, como ente federado por não resultar da soma de “soberanias parciais”, isto é, da autonomia prévia e reservada dos Estados-membros. A União soberana é que gera Estados autônomos. No caso dos municípios, a situação não é menos curiosa: a questão do poder local lembra historicamente autonomia, desde o período colonial, mas é incompatível com o conceito doutrinário de Federação. Nem teríamos, com os municípios, uma “federação de municípios” nem com a União temos uma “federação de União”. Quanto ao Distrito Federal, diríamos, que, na tradição do constitucionalismo brasileiro, esteve presente nas Constituições como Município Neutro. Sua particularidade reside no fato de, na República, o Distrito Federal ter um caráter simbólico de uma intergovernabilidade federativa e sua natureza governamental não nos permite vislumbrar qualquer outra forma de ente federativo, senão o de Estado-Membro muito especial com governador eleito e uma constituição própria, batizada, pela Constituição atual, de Lei Orgânica Distrital.
Agora, responderemos ao segundo questionamento, com base na reflexão acima. O Estado Federal sempre tendeu à centralização política, mas a União, como ente deste Estado, por não ser, efetivamente, uma entidade federada, não centralizou, nas constituições brasileiras, notadamente a de constituição Federal de 1988, a competência legislativa exclusiva da educação nacional.
Aliás, no caso brasileiro, a educação nacional nunca foi, a rigor, um monopólio do Estado Federal, pelo menos, estruturalmente, o que não quer dizer, no entanto, que não tenha tido iniciativa de projeto de lei no campo educacional, como ocorreu com a Lei 4.024/61, forjado durante 13 anos no Congresso Nacional, um espaço da sociedade política, que deu apenas tramitação à proposta da União; esta, por sua vez, nesse contexto, reduzida, conceitualmente, ao governo federal e este, por sua vez, reduzido ao Ministério da Educação. Na estrutura de poder em que a educação fosse monopólio do Estado, o caráter de abrangência repercutiria no conjunto de Ministérios, no Legislativo e no Judiciário. Destaquemos que o ensino superior, em que pese ter sido, historicamente, priorizado pela União, não caracterizou monopólio estatal posto que os Estados ofertaram , no âmbito de sua autonomia, o ensino superior estadual.
Entre as constituições nacionais, a de 1988 foi a única a tomar deliberadamente a Educação, enquanto dispositivo constitucional, como um elemento tipificador da Federação, manifesta no âmbito das competências legislativas das entidades federativas.
É a Educação, como matéria de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que favorece diversas modalidades de descentralização política, como podemos sistematizar aqui: a) Descentralização Legislativa Privativa Estadual por Delegação resultante da eficácia jurídica do Artigo 22(inciso XIXI), referente à competência privativa da União em matéria de diretrizes e bases da Educação Nacional; b) Descentralização Administrativa Intergovernamental resultante do Artigo 23(incisos V, XII) em que trata da competência comum material da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a partir de normas de cooperação a serem, estabelecidas a nível federal tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento do bem-estar em âmbito nacional e c) Descentralização Legislativa Plena resultante do Artigo 14 (inciso IX), referente à competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal que favorece uma descentralização plena aos Estados para atender suas peculiaridades regionais.
Na passagem da competência privativa à concorrente (Art. 22 ao Art. 14), a Educação é a única matéria comum para as quatro entidades federativas, registrando-se também um aumento progressivo de atribuições em favor das entidades federativas: a nível de União, atribuição no que tocam às diretrizes e bases da educação nacional: à nível de União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atribuições no que tocam à Cultura, Educação e Educação para o trânsito e a nível de União, dos Estados e do Distrito Federal, atribuições no que tocam à Ciência, Ensino e Desporto .Passemos agora para um estudo sobre cada uma das modalidades de competência prevista na Lei Maior.
Ao nos depararmos com a norma jurídica na Constituição Federal de 1988 que determina: “Compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional” (Artigo 22, XXIV) poderíamos fazer duas leituras: (a) uma leitura descentralista e (b) uma leitura centralista. Uma leitura federalista, como quer aparentemente o texto constitucional, e outra leitura unitarista, esta, resultante da secular tradição constitucional do País. Em outras palavras, a educação nacional como competência exclusiva ou particular da União produziria um regime unitarista, unilateral e autocrático, ao contrário do regime federativo em que há, como princípio, a participação dos entes federativos ou a intergovernabilidade.
O exame assim demorado sobre o artigo 22, inciso XXIV, mostrará que a competência privativa da União de legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional não exclui a participação ativa dos Estados na legislação sobre questões específicas da matéria educacional através de uma delegação conforme podemos depreender deste dispositivo constitucional: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo” (Artigo 22, parágrafo único). Neste artigo, pelo menos 29 matérias constitucionais poderão ser delegadas aos Estados-Membros, o que caracteriza, a nosso ver, um grau de descentralização.
Segundo Clémerson Merlin Clève e Marcela Moraes Peixoto (1989), a distribuição de poder na Constituição vigente resultou do reordenamento federativo, pela Assembléia Constituinte de 1987/1988, do Estado brasileiro, posto que a sociedade reclamava uma distribuição dos poderes de forma equilibrada, ainda que mantendo o princípio do federalismo cooperativo do Estado Providencial. É a partir desse novo ordenamento federativo que se estabelece uma lei da coordenação, isto é, uma relação contígua ou igual entre a União e as unidades federadas.
Com o estabelecimento de um nível de autonomia político-legislativa entre as entidades federativas, a relação entre União e entes federados passou a seguir, no plano das competências legislativas, uma regra da participação estadual no Governo federal a que se denomina lei da coordenação. A tendência do monopólio e a secundarização do papel do Congresso Nacional em matéria constitucional, por exemplo, praticamente foi descartada com a participação virtual dos Estados na co-participação e co-responsabilidade de legislar sobre matérias enumeradas.
Vemos na competência privativa da União de legislar a matéria constitucional do artigo 22, inciso XIXI, da Constituição Federal de l988, um indicador concreto de descentralização política. Tendente à centralização seria , na hipótese da competência referente ao Artigo 22, inciso XXIX, ser exclusiva, o que excluiria, decerto, a participação dos Estados-Membros, o que não é o caso. A técnica da repartição de competências enumeradas é uma herança constitucional dos Estados Unidos em que pese o texto norte-americano, no tocante ao educacional, não enumerar a legislação de uma “diretrizes e bases da educação nacional”.
Conforme salienta José Afonso da Silva (1992), a Constituição, ao adotar essa técnica de repartição de competências, que é complexa, busca realizar o que chama de equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União experimentada pelos Estados Unidos. A novidade brasileira é que nessa repartição de competências há um compartilhamento de poder ou de capacidade legislativa, uma vez que combina essa reserva de campos específicos com possibilidade de delegação de serviços de áreas comuns em que se vêem atuações paralelas entre as quatro entidades federativas.
Assim, o dispositivo constitucional que trata das diretrizes e base da educação nacional, uma lei complementar, resulta de uma competência privativa e delegável porque, como salienta José Afonso da Silva (1992), “Quando se quer atribuir competência própria a uma entidade ou a um órgão com possibilidade de delegação de tudo ou de parte, declara-se que compete privativamente a ele a matéria indicada” (SILVA:1992, p. 419). De modo que o constituinte ao outorgar à União a competência privativa de legislar sobre Educação Nacional utiliza-se do expediente de uma delegação parcial através de uma virtual lei complementar que autoriza aos Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no artigo 22.
Em substância: longe de uma leitura de que a expressão “compete privativamente à União legislar sobre” possa traduzir-se como um grau de centralização do governo federal, não se vê aí idéia de privação das demais entidades intergovernamentais, especialmente os Estados, que, ao contrário, podem, não tolhidos pela legislação federal, participar co-responsavelmente do processo legislativo. Essa “convivência íntima e solidária” entre as entidades intergovernamentais resultaria, assim da lei de coordenação e da regra de participação estadual na vontade nacional que caracterizam o Estado Federal.
Já a educação nacional, como competência comum, manifesta-se no Artigo 23, inciso V, da Constituição Federal de 1988. Por ele, determina-se que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. O parágrafo único do artigo, por sua vez, prescreve que ‘Lei complementar fixará normas para a cooperação entre União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (Artigo 23, parágrafo único).
O artigo nos remete à questão do sistema de execução de serviços na área educacional. Segundo José Afonso da Silva(1992) , a execução dos serviços de competência das entidades que compõem o Estado Federal é problema que integra a estrutura do federalismo. No tipologia do sistema de execução de serviços, o constitucionalista distingui três sistemas: (a) sistema imediato; (b) sistema mediato e (c) sistema misto .
Com a Constituição vigente, nos termos do artigo 23, parágrafo único, o sistema brasileiro de execução de serviços tende a ser imediato. As entidades federativas mantêm, cada qual, seu corpo de servidores públicos destinados a ações executivas das respectivas administrações, como determina os artigos 37 e 39, uma vez que podem ter um corpo próprio de servidores da administração pública, indireta ou fundacional, obedecendo Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, e, no âmbito de sua competência, um regime jurídico único com todas as garantias constitucionais para os servidores públicos. A Constituição, no entanto, vale salientar, para este sistema imediato, com autonomia funcional e administrativa, incumbe a lei complementar de fixar normas para a cooperação entre as quatro entidades, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, ou seja, o equilíbrio federativo.
A descentralização política, aqui, expressa-se entre os níveis de governo. Trata-se de uma descentralização referente às relações intergovernamentais. A lei complementar a fixar a cooperação entre as entidades federativas caracteriza o grau de centralização do sistema de execução de serviço na área de competência sócio-cultural (acesso à cultura, à educação e à ciência). Prevalece, decerto, a lei de coordenação e não a de subordinação política, técnica e financeira dos Estados, Municípios e Distrito Federal frente ao governo federal com tendência histórica à centralização. Uma política pública da educação que tem em perspectiva uma política social de acesso à educação, à cultura e à ciência passa, necessariamente, por um aparato financeiro e técnico-administrativo, o que pode levar as entidades subnacionais, se não amparadas por um dispositivo constitucional, a uma situação ou relação de subordinação e de dependência federal.
Assim, vemos, no artigo 23 da Constituição Federal de l988, uma descentralização financeira alternativa em que os Estados e os Municípios recuperam sua posição de agentes de governo e de serviços educacionais.
Uma outra compreensão que poderíamos fazer do artigo 23, inciso V, entre os doze serviços a serem executados, em comum, pelas entidades governamentais, é a de não exclusividade da União , portanto, a não exclusão das entidades federativas no cumprimento do preceito legal. Há uma co-responsabilidade, um compartilhamento da União com as demais entidades federativas na execução das tarefas. Certamente, tal repartição de ação comum não se fará de forma linear, com sobrecarga para a entidade mais débil financeira, mas uma ação em que todos estão envolvidos e viabilizam, no social e no regional, o preceito constitucional. A política de acesso à cultura, à educação e à ciência é, antes de tudo, uma política social, em que envolve todo o complexo estrutural da Federação.
A competência concorrente referente à Educação também merece de nós uma especial reflexão e tomada de posição. A Constituição Federal vigente, no seu artigo 24, inciso IX, determina que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar, concorrentemente, sobre educação, cultura, ensino e desporto. Na nossa compreensão, o primeiro momento do cumprimento deste preceito constitucional, dentro de uma perspectiva legal e superestrutural, ou seja, antes de sua eficácia como norma jurídica, está na Seção I (Da Educação), Seção II (da Cultura), Seção III (do Desporto), capítulo III do Título VIII relativo à Ordem Social da própria Constituição Federal de 1988. O que se reza no texto se cumpre, metalingüisticamente (ou se apelarmos para um outro neologismo falaríamos em metaconstitucionalidade) no próprio texto constitucional. O que se observa, no entanto, é a omissão na Constituição de uma seção relativa ao ensino stricto senso (faz sentido uma vez que tecnicamente não é matéria para o constituinte, e sim, para o legislador ordinário). O ensino (ensino escolar, formal e sistematizado) é tratado lato sensu sob o signo da Educação (ensino mais geral ou abrangente, isto é, social, que envolve a família e a sociedade de modo mais amplo) , com intenções genéricas de traçar as bases e diretrizes da educação nacional. Certamente, dá-se tal fenômeno jurídico (e não restrito ao setor educacional) porque, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, ou seja, principiológicas (Artigo 24, §1o ) , sem que nesta normatividade geral e principiológica haja um procedimento centralizador, de exclusividade e com a conseqüente exclusão das demais entidades federativas no que refere ao preceito concorrente. Assim, o constituinte determina que “A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados” (Artigo 24, § 2o) e nos demais parágrafos desfaz qualquer tendência à exclusividade, ao determinar que “Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades” (Artigo 24, § 3o) e ainda que “A superveniência da lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário” (Artigo 24, § 4o). a expressão normas gerais é nuclear para a compreensão dos parágrafos do artigo 24. Queremos dizer, de outro modo: as normas gerais da União se expressam na própria Constituição Federal, o que pode justificar, entre outras coisas, o detalhamento e o descritivismo do texto constitucional.
Insistimos ainda: a nosso ver, as seções I, II e III do capítulo III, no Título VIII, da Constituição Federal, são a primeira manifestação concreta e superestrutural de sua competência concorrente . Há um nível de metalinguagem no preceito constitucional que, uma vez manifesto naquelas seções, produz uma espécie de metanormatividade (ou de metaconstitucionalidade como propomos antes). Isto é, as seções contêm as normas gerais a que se referem os parágrafos do artigo 24. Estas normas jurídicas, ali expostas, são elementos constitucionais sócio-ideológicos que dão eficácia, no próprio texto constitucional, aos elementos orgânicos contidos no artigo 24 e, por isso, serão, fartamente, reproduzidos e adaptados nos textos constitucionais dos Estados-Membros, municipais e o Distrito Federal. Decerto, o equilíbrio federativo passa pela unidade ou harmonia de competências expressas na Constituição Federal. É a Lei Maior que contém as bases constitucionais da educação para as entidades federativas. São aquelas normas gerais da União que vão indicar os espaços em branco a serem suplementados pelos Estados-membros e estes, por sua vezes, oferecem as bases as normas infra-estruturais e indicarão, por sua vez, as brechas suplementares a serem preenchidas pelas leis orgânicas municipais. Esse “encadeamento” normativo que vai do respeito aos princípios da Constituição Federal à prerrogativa de construção, reconstrução e ampliação das normas constitucionais que darão a tônica do Estado Federal. Esses procedimentos foram engenhosamente postos em prática que as normas gerais, contidas na Constituição Federal vigente, com sutis modificações redacionais, são reproduzidas nas constituições estaduais de 1989 (e nas leis orgânicas de 1990) como veremos mais adiante e que comprovam a tese levantada por nós neste tópico.
Uma outra leitura poderia ser feita resultante também da eficácia das competências concorrentes no âmbito constitucional. Ver-se-ia, nas seções I, II e III do Capítulo III, do Título VII, da Constituição Federal, uma manifestação da competência privativa da União de legislar privativamente sobre diretrizes e bases da educação nacional, como determina o artigo 22, inciso XIXI, o que descartaria a necessidade de uma lei complementar. Em outras palavras, uma lei complementar contendo as diretrizes e bases da educação nacional, expressamente já contidas na própria Constituição Federal, não faria mais sentido ou, senão, teria pouco de ciência do Direito. Como diz Nicola Matteuci (1991), a ciência não pode afirmar tautologia. Para pôr ordem em seu material empírico, e a Constituinte, a nosso ver, é uma experiência concreta da sociedade civil e da sociedade política de construção do Estado. Assim, a “complementaridade” do que não necessita de regulamentação, resultaria em tautologia, em truísmo jurídico. Ainda observamos que o constituinte, como quer evitando tautologia ou truísmo jurídico, ordenou os títulos, capítulos, incisos e alíneas, valendo-se de seções diversas, no esforço de tornar a Constituição uma manifestação material da ‘própria estrutura da comunidade política organizada” (MATTEUCI: 1991, p. 247), lançando mão das classificações e tipologias. Outro dado que chamaríamos a atenção é o seguinte: em momento algum do texto constitucional se diz que o artigo 22, XXIV, é uma matéria cuja eficácia dá-se em lei complementar. Diz-se, sim, que “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo” (Artigo 22, parágrafo único). Além do mais, as bases e as diretrizes da educação nacional estão na própria Constituição, no seu capítulo específico de Educação. Este, sim, é passível de leis (não necessariamente complementares) para regulamentar diversos tópicos como a questão dos níveis de ensino, distribuição de recursos financeiros, gestão escolar e que podem, a nosso ver, ser pela via da legislação ordinária.
Em substância, estamos certos de que a norma jurídica contida no Artigo 22 não indica a lei complementar, mas movidos pela tradição, derivada do mesmo equívoco exegético na constituição Federal de 1946, fomos levados a crer que a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional é uma lei complementar à Constituição. Deixa-se de lado um positivismo jurídico em nome de um juízo de valor de ordem mais ideológica e que revela, na estrutura de poder, correlação de forças conflitantes e antagônicas, manifestas, como sabemos, no processo de discussão e elaboração e aprovação da Lei Complementar no 4.024/61, que, supostamente, deu eficácia a uma norma ou competência constitucional. Tal desconfiança procede, ainda, quando lembramos que a Constituição Federal de 1934, no seu artigo 5º, inciso XIV, refere-se a um “traçar as diretrizes da educação nacional”, mas sem que isso tenha conduzido a uma mobilização do legislador ou dos educadores para a promulgação de uma LDB. A Lei 4.024/61 e, agora, a Lei 9.394, de 20/12/96 atendem, historicamente, a interesses de ordem política, de ordem programática e governamental, do que a necessidades jurídicas ou exegéticas das normas constitucionais.
As considerações acima nos levam a crer o seguinte: a educação enquanto matéria constitucional manifesta-se, no âmbito dos dispositivos constitucionais, sem exclusividade na matéria por parte das entidades federativas, conseqüentemente, não há monopólio do Estado Federal ou centralização política e, por outra conseqüência, não se fala em descentralização da educação no âmbito das entidades federativas. A privatividade (normas privativas), a comunilidade (normas comuns) e a concorrencialidade (normas concorrentes) são indicativos, no âmbito das competências constitucionais, de descentralização política, uma vez que, nessa repartição de competências, há repartição de poder, de autoridade, posto que “na teoria do federalismo costuma-se dizer que a repartição de poderes autônomos constitui o núcleo do conceito do Estado federal” (SILVA: 1992, p. 433)

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