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Ensaios-->Santa Teresa e a questão dos anjos e demônios -- 24/08/2001 - 14:42 (Georgina Albuquerque) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Por ocasião de uma entrevista com Mário Quintana, o jornalista Hermes Rodrigues Nery formulou uma de suas perguntas baseado na afirmação de que 'Santa Teresa D Ávila alertou que deveríamos tomar cuidado ao tentarmos nos livrar de nossos demônios para que não perdêssemos, junto com eles, os nossos anjos...'. O poeta ficou surpreso, achando interessante a colocação da santa, para ele até então desconhecida.

A questão dos anjos e demônios, representando o bem e o mal, poderia estar fortemente banalizada, tantas as abordagens mitológicas ou religiosas existentes sobre o assunto. Uma delas toma como alicerce a grande paixão de Lúcifer por Deus, visto que a sua admiração por Ele atiçava-lhe um ciúme incontrolável, levando-o a ansiar por exclusividade. Outra concepção prega que Deus, sentindo-se muito só, criou um ser semelhante em força, mas surpreendeu-se depois com o resultado. As ideologias entre os dois haviam denunciado um contraste conflitante e Lúcifer ficou deveras magoado, o sentimento de rejeição alimentando sentimentos de vingança. Sentiu-se vítima da maldade do Criador, que não retribuiu o seu amor intenso. Apesar de lindíssimo e extremamente inteligente, o demônio carente amargava-se por saber que Deus só não o destruía por tê-lo, inadvertidamente, dotado da imortalidade.

De volta à Santa Teresa e resumindo a sua preocupação, verificamos que o seu temor maior seria relacionado à perda dos anjos particulares. E estabelece como condição, para que tal não ocorra, a administração dos nossos demônios submersos.

A questão existencial parece estar centrada nesse convívio de forças e, por extensão, a social também. O passado da religião católica, por exemplo, traçando metas excessivamente angelicais para a condição humana dos católicos, cometeu atos extremados de selvageria. Hitler , objetivando a pureza racial, utilizou-se de artifícios diabólicos (as famílias sobreviventes que o digam!), pregando uma réplica do espaço celestial na terra, repleta de anjos loiros de olhos azuis.

A questão do bem e do mal sofre múltiplas influências, inclusive antropológicas. A aldeia global, é claro, leva a uma maior uniformização cultural, tentando, por exemplo, abolir a extração do clitóris em tribos africanas.
As mulheres da região já oferecem muita resistência à prática, dada a legitimidade e o respaldo que a cultura mundial dominante lhes concede. O esvaziamento do sofrimento coletivo é como aquela historinha infantil, na qual a criança aponta para o rei e diz em alto e bom tom que ele está nu. Aqueles que se esforçam para ostentar admiração pelo que não vêem, sentem-se imediatamente aliviados com a súbita revelação.

Em Psicanálise, trabalha-se com o conceito de ganho secundário. Segundo ela, tudo o que fazemos seria resultante de uma estratégia particular ainda que inconsciente. Os que praticam a bondade e desenvolvem a ética estariam a agir de forma tão egocêntrica quanto os maldosos e invejosos, ambos atendendo a sua própria subjetividade. Até aí tudo correto? Sim, conceitualmente sim!... No entanto, tratando-se de seres humanos, um fator prepondera sobre todos os outros, com um peso esmagador: - o limite da dor!

Quando o sofrimento faz parte de um contexto cultural enraizado, pode ser que a resistência psicológica o minimize. Mas quando não, o mal fica claramente explicitado. Estivéssemos nós na condição de judeus num campo de concentração, nossa condição fragilizada fatalmente valorizaria os conceitos éticos de bondade e eqüidade. Sem precisar ir tão longe, teríamos o mesmo posicionamento caso nos encontrássemos abandonados num hospital público ou atingidos por uma tristeza súbita decorrente do desemprego. O bem e o mal estão , portanto, ligados a uma situação limítrofe de sensibilidade. Ao contrário dos exercícios conceituais, é aí que o contraste torna-se gritante e o antagonismo facilmente reconhecido.

Como vemos, é tudo questão de empatia ... A luta por determinados valores éticos não é, definitivamente, uma questão de apatia ou de atitude romântica e circunstancial. Ao contrário, é a percepção de que, sem a revisão dos freios, podemos ferir desnecessariamente o outro, devido aos nossos demônios internos. Lançá-los como explosivos, causando desconforto e amargura aos demais, não aplaca as nossas indisposições afetivas e existenciais. Além disso, quanto à brincadeira infantil de vislumbrar-se como a encarnação da maldade, não podemos tomá-la como uma forma prática de viver. A energia é dispersada inutilmente e o fato de o ser humano não contar com a supremacia de Lúcifer pode transformá-lo num zumbi inexpressivo, ausente nele o glamour do anjo ciumento e carente ao qual, inicialmente, Deus propôs parceria.






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