Estava ali, caído no convés. O mar cuspia-lhe vagalhões em longas gargalhadas. Estavam todos mortos, sobrevivera amarrado à sua sina de desventura.
Seus olhos pareciam vidrados, sem o mais breve piscar. A pele se enrugava em ritmo célere. A proa já afundava, serena. O som das rochas ciscando a madeira rasgada causava-lhe arrepios. Sentia o desenlace próximo.
Levantou um braço em direção à gávea, pedindo um alento final. Viu apenas um tremular, como uma bandeira em derradeiro adeus.
Chorou ao lembrar do desvario a que se permitiu, lamentou os companheiros que pagaram com a vida aquela impetuosidade - traíra-se e aos amigos.
Por que não resistiu? Que fraqueza dominou-lhe a mente? Não lhe bastaram os avisos, os alertas que, em vão, recebera?
A embarcação era jogada contra as pedras, a salvação já era impossível. O tempo se consumia no horizonte, arrastado pelo vento que soprava violento. Sentiu naquele momento que os deuses o abandonavam, deixando-o sozinho, na companhia do ermo.
O aguaceiro vomitava inclemente, fustigando-lhe qual chibata de agudos diamantes. O timão dançava enlouquecido, a preparar-lhe o ritual mórbido. Por um instante viu-se num altar, em pleno sacrifício, aguardando o golpe de prateada adaga.
Logo lhe voltou a consciência, e sucumbiu novamente ao desejo que o martirizara. Sentia a cabeça a girar em busca daquela imagem que o pôs a vagar sem rumo.
O tapete crispado já se acalmava, o céu dissipou-se. Pode ver o último fio dourado desaparecer sob as águas - anoitecia.
A visão lhe reencontrou os olhos. Uma calma narcótica foi-lhe tomando o controle dos músculos. Percebeu que os pés dormiam, em leves choques paralisantes. Foi-se entregando àquele torpor.
A água já lhe salgava a boca, o silvo ensurdecedor mantinha-se sem trégua. Deixou-se deslizar às profundezas.
No rochedo submerso a sereia sorria, e mergulhava em seu encalço.
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