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Ensaios-->LITERATURA BIOGRAFIA IDEOLOGIA E MODERNIDADE -- 07/07/2000 - 11:36 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


LITERATURA, BIOGRAFIA, IDEOLOGIA E MODERNIDADE
Notas à margem do 'São Cristóvão' de Eça de Queiroz


O 'São Cristóvão' de Eça de Queiroz é um livro pouco estudado, pouco comentado pela crítica literária e raramente colocado nos programas de nossas universidades quando se estuda o realismo e o naturalismo na Literatura Portuguesa. Esse livro foi publicado num conjunto hagiográfico intitulado 'Últimas Páginas' de onde constam também as narrativas 'Santo Onofre' e 'São Frei Gil'.
Devemos a Jaime Cortesão o destaque dado ao franciscanismo que se encontraria neste livro e ao grande mestre Agostinho da Silva o fato de nos ter alertado de que haveria no 'S. Cristóvão' uma possível autobiografia de Eça, considerando-a, ao mesmo tempo, uma 'obra amorável de um admirável escritor'.
Publicada como obra póstuma encontrada no espólio literário do autor de 'Os Maias',esta obra deve situar-se entre as que mostram um profunmdo pendor evolutivo da ideologia e modernidade de Eça de Queiroz. Uma obra que vai buscar seu núcleo histórico no Feudalismo e na Igreja Medieval e progride para a amostragem de um socialismo praghmático, que no funmdo se traduzirá num socialismo idealista e naturalista unido à ação. O personagem principal assumirá uma postura de paradigma, ao reprsentar um desejo de equilíbrio social através da ação, a partir de um comportamento irrepreensível próprio de um santo imbuído pela ideía de solidariedade e de bem-fazer. Esta seria a ideologia central do livro. A modernidade estaria na construção de um personagem que percorre um longo caminho de autenticidade e fidelidade a si mesmo, que desconstrói todas as estruturas podres das instituioções religiosas, políticas e econômicas e se inclina para a aliança contra o poder dominante, numa defesa dos humildes e dos excluídos, representados pelo grupo dos 'jacques'.
Em pleno século XIX, Eça assistira à fermentação das novas ideologias que partiram da idéia de revolução e de outros livros de Proudhon, e se solidificaram nas teorias socialistas e comunistas de Karl Marx e Engels. Nietzsche pregará uma transmutação de valores. Há uma dissolução de estruturas sociais e ideológicas tradicionais. Eça é, em Portugal, uma dos mais significativas inteligências desta transmutação, ao lado de Antero de Quental, de Guerra Junqueiro, Oliveira Martins e Ramaljo Ortigão. Sua teoria realista exposta nas conferências do Cassino Lisbonense em 1871, suas experiências literárias em 'O crime do Padre Amaro'(1876), em 'O Primo Basílio'(1878) e em 'Os Maias'(1888), são apenas parte de um processo literário vitorioso. Porque em 'O Mandarim' ele é outro Eça, outro estilo, já para-realista, já fantasioso, empenhado numa literatura de construção que respeite simultaneamente a realidade e o sonho, assim como em 'A Relíquia' onde é crítico de uma atitude falida de religiosismo 'depassé' representado pelo ultrabeatismo formalista da Titi de Teodorico, o Raposão. Ao escrever o S. Cristóvão e construir um paradigma de solidariedade social, Eça quis encontrar um remédio para o mundo, um remédio de profundo sentido ainda hoje, no último ano do século XX, século que debate com preocupação os trágicos índices de pobreza e exclusão social num ciclo de vida humana globalizante dominado pelos índices econômicos do capitalismo selvagem. Neste livro, Eça renasce e a modernidade torna-se atualidade e contemporaneidade.
S. Cristóvão opta por uma narrativa biográfica com todos os requisitos de modernidade e contemporaneidade. Ao mesmo tempo que é literária, ela é altamente ideológica, altamente política e altamente crítica, pela denúncia e pela apresentação do paradigma que é a ação de Cristóvão.
O quadro retratado reporta-se ao ambiente medieval dos castelos feudais, da igreja formalista, do ambiente das guerras da fome e da peste. O ambiente da sociedade explorada e sofredora. Eça quis fugir de uma literatura decorativa e empenhar-se na expressão de uma literatura denunciativa de combate, dirigindo sua escrita, essencialmente, a favor do homem explorado. Cristóvão é seu mensageitro, é sua voz. Cristóvão é alívio do povo, solidariedade humana, crítico dos poderosos, desconstrutor de ideologias podres e ultrapassadas.
Analisadoa em profundidade, esta narrativa leva-nos a todas as escolas interpretativas. Ela dá pábulo à escola sociológica enquanto é um livro de crítica social e de solução social. Satisfaz a crítica histórica enquanto desenvolve um núcleo histórico-biográfico de Cristóvão retratado no 'Flos Sanctorum', clássica coletânea de pequenas biografias de santos. Serve a escola psicológica enquanto retrata com profundidade a psiquê de um lutador social. E pode servir até os intuitos da escola estruturalista pelas estruturas significativas que apresenta. Quanto à escola estética, fácil será também interpretar o livro como uma obra essencialmente literária que tem toda a beleza da escrita de um mestre da língua como Eça de Queiroz.
Analisando a linha central do perfil de Cristóvão, vemos que fundamentalmente, se trata de um santo popular, bastante 'sui generis'. Ele age fora dos cânones da Igreja, e procura apenas ser úil e solidário com seu povo. Há nele a pureza e a inocència de um idealismo que põe em prática espontaneamente. Vai mostrar e denunciar o regrismo, a frieza humana e a falta de integração do ideal na vida entre frades; vai denunciar a trágica vaidade e a hipocrisia do eremitério onde estagiou. E ao descobrir carências, lutas e desespero entre o povo humilde, vai colocar-se ao lado dele, para aliviar suas dores e para o ajudar na luta contra a pobreza e exclusão. Perante a Igreja, não é preocupação de Cristóvão envolver-se em dsicussões sobre o que é ortodoxo ou heterodoxo. Cristóvão é homem de ação. Ação realista e naturalista. Seu Idealismo tem como objetivo a solidariedade e a libertação dos humildes e dos escravos sociais. Em termos de pressuposição, há uma luta contra o mal, tentando colocar na base do homem sua própria fraternidade, a redenção do homem lutador, como forma de equilíbrio social.Analisando os ideais democráticos de Eça, particularmente os ideais do Eça evoluído e entusiasmado pela 'História da Humanidade' de Michelet, tenderemos a ver em Cristóvão uma figura de santo leigo, popular, encarregado de estabelecer a comunhão feliz do homem com Deus, após ter derrubado os muros da ideologia formalista da sociedade egoísta de seu tempo. É sob este prisma que analisamos as ações de Cristóvão. Não é sob a lupa da demagogia que analisamos a participação do protagonista do livro na ação dos jacques contra os senhores dos castelos e nas marchas de reivindicação social, algumas delas violentas. Mais do que tudo, Cristóvão foi criado para agir em nome dos mais elevados valores do Homem. Nele, os ideais superiores se sobrepõem a egoísmos e interesses, mesmo consolidados. O fato de Cristóvão se colocar ao lado dos 'jacques' violentos deve ver-se como uma fase de sua luta para estabelecer na terra a justiça social total. Como santo popular, sua missão era agir como 'vassoura de terrenos sujos' e como presença da bondade na luta contra a maldade..
Do pontto de vista do autor, a narrativa 'S. Cristóvão' é simultaneamente a história de uma época e a história de uma consciência. Na verdade, o século XIX não só pretendia reformular instituições, como pretendia reconstituir uma visão histórica, acrescentando-lhe uma visão crítica, e ao mesmo tempo, uma visão de igreja mais inocente, mais pura, uma visão do homem e do mundo, dentro de um idealismo renovador. O S.Cristóvão de Eça representa esta nova consciência. É simbolicamente a proposta de uma nova Idade desejada, cuja alma é a solidariedade. Há um messianismo neste livro. Eça torna-se um autor so século XX, um autor que antecipa soluções apresentando um paradigma que o mundo de hoje discute: a solidariedade humana. Por este motivo, fui buscar este livro para lembrar aos meus leitores a atualiadde de Eça de Queiroz, um dos grandes mestres da Língua Portuguesa.

João Ferreira
Brasília
7 de julho de 2000





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