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Ensaios-->O CAPÍTULO DERRADEIRO -- 19/06/2000 - 11:56 (VIRGILIO DE ANDRADE) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Há muito que as chuvas não molhavam a terra vermelha e arrefecia o calor estafante da cidade. Este era um acontecimento comum naquela parte do país, mesmo quando estávamos na estação primaveril. Ali, basicamente, podia-se observar duas estações distintas: a das chuvas e a das secas.
No entanto, aquele novo dia não podia ser comparado ao anterior. Chovera a noite inteira. Uma chuva fina e constante.
Os primeiros raios de sol daquele dia maravilhoso feriam as poucas nuvens ainda adormecidas, e, tingiam sua textura fina com manchas de cor encarnada. Dando-me a impressão de que elas sangravam ao serem traspassadas pelas flechas de luz.
O orvalho pousado sobre as folhas das árvores e da grama miúda vaporizavam juntamente com a água da chuva. E neste processo, emprestavam ao ar seco a unidade tão desejada pelas narinas sensíveis.
Despertos pelo cantar dos pássaros diurnos, pessoas abandonaram o abrigo de concreto branco que guarnecia a entrada principal do grande campo. Com o semblante denunciando uma noite não dormida, puseram-se a andar por entre os jardins e alamedas floridas.
Já era dia. E ele desabrochou com toda sua pujança, possuidor que era do prenúncio dos dias festivos da primavera.
Não observei naqueles rostos desbotados nenhum traço de alegria. Nenhum regozijo com o encanto que a natureza graciosamente ofertava. E a todos, ela se oferecia sem fazer exigências. Só clamava por um olhar. Um olhar desejoso de esperanças.

À medida que os ponteiros do relógio anunciavam os minutos e os segundos das 07:00 horas, pequenos cortejos, tendo à frente um ataúde reluzente, começaram a trilhar o caminho dos pecadores. As idas e vindas dos andarilhos era tão constante que pensei que eles se revezavam naquela tarefa de derramar prantos.

A monotonia daquela rotina só foi quebrada com a entrada de um pomposo cortejo de carros reluzentes. E logo, toda calmaria se transformou numa autêntica festa holidiana, onde, o pipocar de flexes, e a luz incomoda dos refletores, denunciavam a importância dos novos visitantes.
Os homens da imprensa, enlouquecidos pelo desejo de um furo de reportagem, corriam de um lado para o outro. A equipe de segurança, inconveniente e atarracada, empurrava as pessoas menos importantes como se elas fossem uma corja de vagabundos. Cavalheiros portando o mesmo estilo do traje social de fino corte, perderam a pose impostada e correram atrás do cortejo. Damas obesas, sufocadas dentro de caros e vistosos vestidos, se esforçavam inutilmente para manter a elegancia do andar. Pareciam um bando de pavão manquitola desfilando em praça pública.
Após incontáveis atropelos, o cortejo parou antes de atingir o centro da grande praça circular. Atentos às ordens do chefe do cerimonial, tomaram o rumo da cova recém aberta escondida entre à vegetação de pequeno porte que cobre as margens da praça do cruzeiro metálico. Sob sua sombra, ardiam uma dezena de velas brancas.

Protegidos por aquele símbolo da fé, os lavradores de almas aravam a terra de cor vermelho-desbotado preparando o canteiro das novas sementes. Na parte sul, já se observa a germinação da semeadura do mês anterior. O pomar já florescia vistosas flores de lâminas de mármore reluzentes.

Já passava das 10:00 horas quando o ato fúnebre passou a ser administrado por um pastor de longas barbas e cabelo ralo. Uma nova ladainha de orações começou a ser desfiada. Gritos, clamores e lágrimas copiosas foram derramadas sobre o leito do moribundo em sinal de despedida. Só o bando de cigarras da notícia não se comoviam com a dor e apelos dos presentes. O show têm que continuar.

Um destacamento da polícia especial foi convocado para fazer uma guarnição de emergência. O tráfego à área interna foi bloqueado por uma barreira de homens. Por motivo de precaução um veículo de cor vinho teve sua passagem impedida. Nele uma jovem senhora de tez aveludada cobriu os olhos verdes com um fino vel de seda negra.
Após uma série de desentendimentos, o condutor do veículo conseguiu se fazer entender, e a passagem foi desimpedida. O veículo ganhou movimento e seguiu rumo à praça central. Quando parou, o motorista com a presteza que lhe era solicitada, abriu a porta do passageiro. Não teve como não se deliciar com o par de coxas roliças e bem torneadas que lhe ficaram à mostra.

- A madame quer que a acompanhe...?
- Pode deixar, Walter! Sei onde fica o mausoléu da família... - interveio com firmeza. E, não concluiu a frase indignada com a petulância do serviçal.

Conferir a maquiagem, aprumou o vestido de cor escura frangido com rendas da mesma cor, e adentrou na alameda previamente escolhida.
A nova visitante, possuía estatura mediana e a altivez das grandes damas da sociedade. Seu andar era discreto e elegante, como a de quem pisa em passarelas da alta corte. As curvas bem delineadas do seu corpo, por mais recatado que fosse o vestido, não podiam escapar a um olhar atendo e bisbilhoteiro dos transeuntes. E ela o sabia muito bem.
Chegou ao local almejado quando a voz do pregador disse amém e o coro dos presentes repetiu o mesmo refrão. Sua presença foi logo sentida. As luzes dos refletores e o pipocar dos flaches tomaram sua direção. Ela manteve-se incólume à sana burburinho que se fez ouvir no meio da multidão. Ainda mais altiva, cruzou o corredor humano que se abriu para a sua passagem. Comovida, externou pêsames aos parentes distante do moribundo. Com ternura, abraçou a progenitora que convusivamente caiu em prantos inconsoláveis. Procurando esconder um leve fraquejar, estendeu a mão ao cavalheiro de meia idade. Ele convidou-a para um abraço.
Correu um novo burburinho entre os presentes. O murmúrio só foi abafado quando o coral de vozes juvenis entoou salmos e cantos sacros.



- Pensei que não viesse! - disse ele, em tom intimo.
- Governador, este é um momento de grande pesar... não poderia faltar-lhe com os meus sentimentos.
- Ele era tão jovem... tinha tantas alegrias para viver...! - enxugou uma lágrima. - Não me conformo como tudo aconteceu...
- Acidentes acontecem, Hélio... Nenhum de nós está livre deles!
- Eu sei... Mas nunca se espera que seja com a gente...
- Você têm que ser forte... Muito mais forte do que tem sido até este momento! - disse, segurando uma ponta de amargura.
- Preciso de você...! Preciso! - murmurou em seu ouvido.

Ela recuou dois passos.
Não têm mais jeito... - concluiu, num aceno.

No seu íntimo, ela estava certa de que aquele acontecimento iria mudar a vida do governador. Aquele filho representava o que ele tinha de melhor. Representava a continuidade de seus sonhos e da sua própria felicidade. Por mais forte que ele pudesse ser, não haveria como negar que aquela perda lhe era irreparável.

“E tudo por causa de uma brincadeira... A imprudência: o excesso de velocidade!, advertiu-se.”

Recordou-se do último encontro que teve com o rapaz. Ele então contava com dezessete anos. Estava na flor da vida. Um jovem dinâmico, criativo e bonito; com toda moça deseja. Qualidades herdadas do pai, que assim também o era.

Aquela singela lembrança levou-a a percorrer caminhos mais distantes. Recordou-se do dia no qual conheceu o governador. E teve certeza, foi um mútuo sentimento de admiração e bem querer. Depois daquele dia, sua vida passou a ser de verdadeira felicidade. Uma felicidade que, a muito, se negara ou não se permitira possuir e viver.
Quando deu por si, já não era admiração ou trabalho que a mantinha junto daquele homem público. Era paixão, era carinho, era um desejo lascivo que os envolvia e que explodia em carícias e beijos furtivos. Secretos e dissimulados, mais sempre visível e transparente aos olhos dos invejosos e dos inimigos felicidade alheia.
O final, não poderia ser outro, reconheceu então. Sabia-o desde o começo. Para evitar a derrocada política e familiar do amante, romperam o relacionamento. E ela seguiu um velho caminho, retomou a clausura dos sentimentos.

- Madame! Madame! - uma voz pouco familiar interrompeu seus pensamentos.
- Pois não! - respondeu de sobressalto.
- Desculpe-me, Dra. Tânia... O cortejo do filho do governador já partiu!
- Não tem importância... - falou sem atinar para os motivos pelos quais ainda se encontrava diante do sepulcro recém-fechado. - Estacione o carro em uma sombra que vou me demorar um pouco... Preciso visitar o jazigo de parentes! - concluiu.

O motorista se afastou no desejo de cumprir o solicitado. Mas não pode deixar de notar que a jovem senhora estava transfigurada. Em nada lhe recordava a dama altiva e elegante que conduzira até aquele local, naquele dia 22 de março.
Enquanto executava o solicitado, sua mente advertiu-o de que não poderia tirar os olhos dela. Deveria seguir à risca as suas instruções.

“Não posso descuidar! Se algo lhe acontecer; vão arrancar minha cabeça!, Concluiu, e retomou o posto de observação.”

A dama solitária fez uma última prece. Aprumou o corpo e seguiu na direção quadras sepulcrais mais antigas. Observou que os jazigos possuíam o mesmo estilo de construção. Todos possuíam o mesmo formato retangular, só se distinguindo pela cor do mármore ou de uma ou outra escultura mais vistosa pousada sobre sua face superior.
As plantas que floriam nos jardim privativos daqueles aposentos, possuíam coloração e perfumes vários. No entanto, eles em nada poderiam favorecer ao visitante incauto o direcionamento seguro que tanto necessitavam. A localização de um endereço sem o auxílio de uma guia experiente, era uma questão de sorte.
Deixou-se guiar pelo instinto e, de vem em vez, pelas poucas placas indicativas que estavam disponíveis. Foi com grande alegria e alívio, que após transpor a quarta rua, vislumbrou uma placa indicativa na qual esta escrito: QUADRA 2.

“Estou perto!, previu. Já não falta muito... devo cruzar mais uma alameda e estarei no endereço procurado!”

E, contradizendo o sentimento materno, não chorou naquele momento. Sorriu. E não foi um sorriso tímido.
Uma paz de espírito invadiu seu ser. Sentiu-se a presença de pessoas amigas. Olhou ao seu derredor, mas não viu ninguém. E não poderia.

“Se aqui é a morada das almas, devem ser elas! pensou. E sorriu mais uma vez; sem esboçar temor.

Ao longe, o motorista vigiava seus passos como um raposa segue sua caça. Mantinha a pressa sob sua mira, e evitava não ser visto. Sem se dar conta do que estava acontecendo, notou que, logo após transpor um cruzamento, a senhora ficou em dúvida se deveria ou não ir por aquele caminho.
Imaginou que ela estivesse perdida. Mas evitou o desejo de se aproximar e oferecer seus préstimos. Ela não aprovaria!, Concluiu ele.

Após o breve momento de hesitação, ela teve certeza de que estava no caminho certo. Ficou grata à mão que guiara seus passos por entre as ruas daquela cidade do silêncio. Os jardins das pequenas moradas eram tão constante e assemelhados, que se tornaram monótonos aos seus olhos.

- Finalmente..., é encontrei! - murmurou. - Fica exatamente no final dessa rua! - concluiu ela.

Começou a andar a passos largos e festivo. Admitiu que o fato de encontrar o endereço procurado não motivo para tanta alegria. Contudo, estava. Estava radiante de alegria e não sabia o porque.
Acelerou o passo. Sentiu o toque de carícia da brisa nos cabelos e, sorriu do prazer que ela lhe proporcionou. Quando estava preste a transpor a última quadra que a separava de seu destino, parou. Parou e ficou estática. Como se houvesse uma parede intransponível à sua frente. Por mais que quisesse, não conseguia prosseguir. Dar um passo. Um passo sequer. Suas pernas tremiam. Não obedeciam aos comandos do seu cérebro. Não executavam o seu desejo de correr, de fugir daquele dali para qualquer lugar. Não conseguiu. Ficou plantada no solo como se fosse um pé de arbusto como tantos que ali existiam.

Vivendo o desprazer daquele momento infindo, sua mente lhe propiciou rever lembranças tristes e felizes da sua vida. A velocidade das imagens eram tão fantástica e alucinante, que ela não conseguia racionalizá-las à luz do seu consciente. Num gesto repentino, seus olhos pousaram no jazigo que esta à sua direita.
O mármore possuía a brancura do algodão e estava recém polido. As letras enegrecidas do livro póstumo lhe revelou um nome conhecido. Um frio doído correu por toda a espinha. Pensou em gritar, mas não pode. A boca estava estrangulada por mordaça invisível. O coração já lhe batia apressado. Respirava com frenesi. E o pavor tomou conta de suas emoções.
De súbito, retomou os comandos dos membros paralisados. De forma decidida, deu sete passos para trás, sem desviar os olhos do livro. Volteou sobre os calcanhares e esgueirou-se por entre a vegetação.
Após o longo e tortuoso volteio, ela atingiu o ponto desejado. Suas pernas estavam enfraquecidas. Encontrava-se abalada.
Jamais imaginara que uma simples lápide, entre tantas que lá existiam, pudesse lhe causar tanto desassossego e inquietação. Jamais pensara que carregava aquele fardo nos ombros. No entanto, reconhecia que era a sua herança.
Deixou-se cair sobre o pequeno e desconfortável banco que se encontrava ao seu alcance. Com os olhos em lágrimas, clamou em desespero:

- Filho, ajude-me... se puderes. Já não encontro forças... já não suporto carregar essa cruz! - e chorou copiosamente.

A brisa voltou a soprar. As flores exalaram um perfume cálido de jasmim e alfazema. Uma nuvem pesada encobertou o sol. Houve um silêncio. Um silêncio de anjos.
Sentiu um afago nos cabelos; não teve coragem de olhar para trás. Sentiu dois braços fortes envolver seu corpo e, experimentou a energia benéfica do amor e da afeição que eles lhe transmitia.
Pouco depois, uma mão menos máscula pousou no seu ombro; não soube precisar de quem era. Mas pressentiu que era uma mão amiga.
E tudo aquilo lhe fez muito bem. Fez-lhe forte, deu-lhe paz, harmonia e o conforto que tanto queria. Enquanto vivia aquelas emoções e sensações, presenciou a aproximação de um vulto indistinto. Mas, não teve medo desta vez. Não temia-o mais.
A figura misteriosa se aproximou e beijou-lhe a fonte. O beijo foi-lhe tão real que sentiu o hálito da boca miúda e de lábios grossos entrar em contato com sua pele...
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