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Ensaios-->O DUALISMO NA VIDA E NA POESIA DEBOCAGE -- 07/05/2000 - 16:51 (Paccelli José Maracci Zahler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O DUALISMO NA VIDA E NA POESIA DE BOCAGE

Paccelli M. Zahler

Ele era visto freqüentemente pelos bares de Lisboa bebendo, fumando, divertindo e impressionando a todos com seu estilo irreverente, suas poesias satíricas, eróticas, até mesmo pornográficas, que não poupavam os padres e as mulheres que fizeram parte de sua vida e lhe causaram grandes desilusões. Assim era Bocage, com seu temperamento irrequieto e insatisfeito com a mediocridade do seu tempo que não soube compreender a genialidade, a sutileza da sua mensagem e acabou associando-o, apesar de brilhante sonetista, à pornografia, hoje parte do anedotário popular.
Ele, mais que qualquer outro artista, sentiu na pele e soube expressar em rimas o dualismo que, não se sabe se por razões psicológicas ou por condicionamentos sócio-culturais e religiosos marcam a vida das pessoas. Assim, os sentimentos de vida e morte, felicidade e tristeza, paixão e desilusão foram captadas pela verve desse poeta, um dos maiores autores da língua portuguesa, cujos versos, mesmo os eróticos, parafraseando Octávio Paz, ensinam a nossa outra cara, a oculta e inferior, a realidade que está abaixo da cintura e que a roupa encobre e que a sociedade hipócrita finge não ver.
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em 15 de setembro de 1765 em Setúbal, cidade próxima a Lisboa. Com o pai, o advogado e magistrado José Luís Soares Barbosa, aprendeu o francês. Sua mãe, dona Maria Joaquina Lestoff du Bocage, filha de um vice-almirante francês, naturalizado e a serviço da marinha portuguesa, Gillet Hedois du Bocage, herdou o nome que o tornaria famoso.
Aos 5 anos de idade, Bocage começou seus estudos primários; aos 8, lia e escrevia com desenvoltura; aos 10, perdeu sua progenitora e foi estudar com o mestre espanhol Dom João de Medina, versado em latim, cujas lições foram úteis para que ele, mais tarde, exercesse o ofício de tradutor, com trabalhos bastante elogiados. No estudo do italiano, foi autodidata.
Aos 15 anos, decidiu servir como soldado no 7º Regimento de Infantaria de Setúbal. Em 1783, mudou-se para Lisboa, onde alistou-se na Academia Real de Guardas-Marinhas, permanecendo por quatro anos, período no qual iniciou sua vida literária e boêmia. Desertou por um curto período, mas, como na época a deserção não era um crime grave, voltou à vida militar, tendo sido enviado para servir na Índia em 14/04/1786.
Em sua viagem para Goa, a bordo da nau Nossa Senhora da Vida, Santo Antonio e Madalena, fez escala no Brasil, onde conheceu o Rio de Janeiro e foi hóspede do governador-geral do Brasil, Dom Luís de Vasconcelos. Chegou ao seu destino em 20/10/1786 e lá permaneceu por 2 anos.
Em Goa, freqüentou a Aula Real da Marinha, mas teve que interrompê-la por doença grave, supostamente em conseqüência do fumo e do álcool. Recuperado, manifestou-se, em versos, contrário à Conspiração dos Pintos onde os goeses pretendiam expulsar os europeus de sua terra. Por seu desempenho na repressão aos rebeldes, foi promovido a tenente em 25/02/1789 por 'merecimentos e serviços' e por 'viveza e bom procedimento', e transferido para Damão.
Suas impressões de Goa foram expressas no seguinte verso:
'Das terras, a pior tu és, ó, Goa!'
Em Damão, fez amizade com o alferes Manuel José Dionísio, viciado em jogo, e apaixonou-se por uma mulata, dona Ana de Montaiguy, casada com um mercenário francês e amante do vice-rei Dom Francisco de Sousa. A ela dedicou, no furor de seus 24 anos, efusivos versos de amor. Entretanto, rejeitado e desiludido, compõe para ela:

'Piolhos cria o cabelo mais dourado,
Branca remela o olho mais vistoso,
Pelo nariz do rosto mais formoso,
O monco se divisa pendurado.
Pela boca do rosto mais corado,
Hálito sai, às vezes bem ascoroso...'

Deserta e foge para Macau com seu amigo Manuel Dionísio, contudo, o navio em que viajava foi atingido por um ciclone no litoral de Cantão e ele, salvo porém faminto, é obrigado a mendigar, conseguindo chegar a Macau depois de muito sacrifício. Lá, obtém o perdão por sua deserção e volta pra a terra natal e para a vida boêmia, principalmente depois de encontrar Gertrúria (Gertrudes Homem de Noronha), sua primeira namorada, a quem dedicara os versos:

'Sonhei que nos meus braços inclinado
Teu rosto encantador, Gertrúria, via;
Que mil ávidos beijos me sofria
Teu níveo colo, para os mais sagrado'.

casada com seu irmão Gil. Então, compõe:

'Da pérfida Gertrúria o juramento
Parece-me que estou inda escutando
E que inda ao som da voz suave e brando
Encolhe as asas, de encantado, o vento.'

E intensifica seu relacionamento com mulheres de todo o tipo.
Em 1790, ingressa na Academia de Belas Artes ou Nova Arcádia, da qual é expulso quatro anos depois por conflitos e polêmicas com seus confrades.
Em 1797, devido ao poema 'Carta a Marília' que tem como verso inicial 'Pavorosa ilusão da eternidade', fica na prisão durante três anos. Julgado pelo Tribunal da Inquisição, é condenado e transferido para o Hospício das necessidades para ser doutrinado e reconduzido ao bom caminho. Na biblioteca, tem acesso a obras clássicas (Tasso, Voltaire, Ovídio) e inicia sua atividade como tradutor.
Em 1799, é libertado e publica o 2º volume de sua obra 'Rimas' que, como o 1º volume publicado em 1791, foi alvo de críticas e censuras.
Aluga uma pequena casa e vai viver junto com sua irmã Maria Francisca, passando a fazer trabalhos de tradução para a Tipografia Calcográfica e Literária, recebendo um parco salário de 24 mil réis por mês.
Em 1804, publica o 3º volume de 'Rimas' e sua saúde começa a ficar abalada depois de tantas noitadas de fumo, bebida e mulheres. Graças a um amigo e comerciante, José Pedro da Silva, seus versos são impressos e vendidos a amigos e admiradores. Com o dinheiro arrecadado, para as despesas com tratamento médico.
No ano seguinte, no dia 21 de dezembro, às 10 horas da manhã, seu espírito liberta-se do corpo, devido a um aneurisma.
Em seus 40 anos de vida, Bocage sentiu e exprimiu os extremos, e parece fazer parte daquele grupo privilegiado de artistas cuja existência aparenta ser pequena para os padrões considerados normais mas cuja obra é capaz de traspassar os séculos, deixando belas lições de sabedoria e com uma atualidade impressionante.



(Publicado na Revista BRASÍLIA nº 70, abr/maio/1996, p. 18 e 19)

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