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Contos-->Conto de Deandra -- 21/10/2002 - 10:06 (O Poeta das Sombras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Do alto da colina olhos atentos a observavam. Pés ligeiros moviam-se desesperadamente, ignorando as pedras e os espinhos no caminho. Pés frágeis que marcavam o solo de carmim, à medida que os passos avançavam. Do alto da colina olhos atentos a observavam. Por vezes o suor de seu rosto fazia arder seus olhos, resultando em inevitável queda. Vez após vez, ela levantava-se e continuava a correr sem rumo, fugindo de seu próprio temor.

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Deandra acordou em seu leito com o trinar dos rouxinóis. Estes costumavam visitar sua janela em todas as manhãs de primavera. Assim, podia levantar-se e avistar o nascer do sol através de sua janela, no alto da torre. Estes eram seus momentos mais preciosos do dia, onde podia despir-se e sentir a brisa do leste soprando em seu corpo nu. Bem sabia que as criadas entrariam em sua alcova apenas daqui a uma hora, quando o sol já estivesse bem mais alto que a copa das árvores da floresta que circundava o castelo. Fingia que o canto dos rouxinóis tornava-se o sussurar do seu amado, e se permitia descobrir o corpo com as mãos, buscando com abafados gemidos o prazer por entre suas pernas. Quando dava por si, corava e corria a vestir-se novamente, evitando que as aias a descobrissem naquela posição profana diante da janela. Poucos instantes depois entram as aias no quarto, a preparem-se para o banho da princesa. Muito embora o quarto tivesse apenas uma porta e uma janela, e estivesse localizado no alto de uma torre, as criadas montavam um biombo circular ao redor da banheira, para que nem mesmo o sol pudesse espiá-la em seu banho.

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O que Deandra ignorava, é que desde a madrugada os conselheiros haviam se reunido com seu pai, a pedido dos sacerdotes que viviam no alto das colinas mais próximas. Rhadow, o sacerdote-mor, havia enviado uma mensagem ao Conselho, com instruções claras de transmiti-las o quanto antes para o rei. Quando Deandra chegou ao átrio que antecede a Câmara de Reuniões, os membros do Conselho, bem como seu pai, saiam da sala com o semblante carregado de apreensão. Logo que a viu, seu pai procurou dissimular a preocupação que rondava seus pensamentos e dispensou o Conselho. Os nobres em suas largas vestes passaram por Deandra com a cabeça baixa, como que numa reverência, mas dirigindo-lhe um olhar furtivo, quase que de piedade.

Percebendo que algo não estava bem, indagou a seu pai o que estava acontecendo. Disfarçando, o rei procurou outro assunto para despistá-la, e falou de uma viagem que fariam no dia seguinte. Desconfiada, tentou prolongar a conversa, sem sucesso. Seu pai ordenara que subisse a seus aposentos com as aias e arrumasse sua bagagem.

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Durante a madrugada, um mensageiro a cavalo percorria o caminho entre as colinas de Drewin até o castelo. Dada a urgência da mensagem, fagulhas surgiam a cada vez que as ferraduras chocavam-se contra as pedras no caminho. As ordens recebidas pelo mensageiro foram tácitas: entregar a mensagem ao Rei e ao Conselho com extrema urgência. Ao chegar aos portões, apresentou o selo dos sacerdotes aos guardas e ganhou acesso imediato ao interior do castelo. Galgou a escadaria que conduzia à sala do Conselho e, uma vez lá, solicitou a um dos guardas que chamasse algum dos conselheiros. Grehwin, o mais velho dos conselheiros, foi quem o atendeu e recebeu de suas mãos o pergaminho com o lacre em cera rubra dos sacerdotes da colina. Imediatamente, o velho agradeceu e dispensou o jovem, e dirigiu-se aos aposentos reais. Sabia que a mensagem que carregava continha notícias desagradáveis, uma vez que o lacre rubro poderia ser aberto apenas pelo rei. E isso só acontecia em situações de extrema calamidade. Grehwin, entretanto, sequer podia conceber o conteúdo de tal mensagem. Quando o rei dispôs-se a recebê-lo, no átrio de seu quarto, entregou com as mãos trêmulas a mensagem. Ao notar o lacre, o rei empalideceu como que fosse a anunciação de sua própria morte. E sabia que poderia ser. Ao romper o lacre e desenrolar o pergaminho, seus olhos passaram a percorrer a mensagem. Seu semblante petrificou-se à medida que a leitura alcançava a extremidade inferior do manuscrito. Sério, e quase sem voz, ordenou a Drehwin que convocasse o Conselho.

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Os sacerdotes reuniram-se na formação de pedras que se erguia no alto da colina. Dali, a lua iluminava parcamente algumas frestas da floresta circuncidante, donde surgiam das trevas ora um, ora outro dos escolhidos. Uma fogueira fora acendida para aquecê-los, enquanto preparavam-se para a reunião que ocorria a cada lua cheia.

Nesta noite, em particular, o sacerdote-mor preparava-se para uma revelação pouco agradável. Com seriedade e pesar em seu semblante, transmitiu a notícia recebida através dos oráculos. A revelação abraçou a todos os sacerdotes como o forte abraço do inverno gelado. Todos contraíram seus músculos e permaneceram estáticos por instantes, com o olhar pétreo dirigido ao sacerdote-mor. Segundo este, os oráculos haviam revelado que havia chegado o tempo de o Mal reinar sobre vales, montanhas e mares. Havia chegado o tempo onde a escuridão tomaria o lugar da luz. Havia chegado o tempo onde o caos seria o mandamento final entre os homens. Havia chegado o tempo das trevas, onde todo o mal acumulado por séculos abriria fendas nos templos e nas edificações sagradas.

Havia chegado o tempo, segundo o sacerdote-mor, em que o Filho da Deusa Sombria viria aos mortais, reivindicar sua noiva. Assim, perpetuaria o reinado das sombras sobre a humanidade.

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Num tempo distante, uma criatura de grande poder formou-se do sangue de homens e mulheres sacrificados em fogueiras e guerras santas. Nos campos de batalha e nas cinzas fumegantes, o sangue derramado misturava-se ao pó e era absorvido pela terra. Por séculos, a matéria fecundada pelo ódio e amargura dos injustiçados amadureceu. Cresceu. Adquiriu poder.

E no dia em que a Lua encontrou seu amado, o Sol, a luz oculta dos céus deu vida à matéria amorfa que jazia sob o solo. Dela nasceu uma criança, uma menina. Fora encontrada pelos lobos da planície, próximo às florestas de carvalho milenares. Durante anos, desenvolveu seu corpo e seus poderes. Em suas veias pulsava o desejo de vingança contra os homens. Em seus músculos vicejava a força da luxúria. Em seus olhos, o brilho da luz oculta dos céus.

Quando adulta, tomou para si vários machos, dentre os homens e dentre animais. Fecundou em seu ventre um herdeiro, um filho imortal. Uma criatura maldita que sobreviveria aos séculos, ainda que ela viesse a perder a carne de seus ossos. Uma vez com a criança em seus braços, consagrou-a à escuridão, às trevas e às sombras, e toda sorte de maldade que existia por sobre a Terra. Por fim, ungiu seu filho com o sêmen recolhido durante anos e anos dos seus amantes humanos e animais. Seu filho então, depois de consagrado, sorriu para sua mãe, e devorou-a.

A lenda espalhou-se, e a criança jamais fora encontrada. Sua mãe ficou conhecida como a Deusa Sombria. A criança chamou-se Annagahamaz. Os homens daquele tempo diziam que um dia a criança, já crescida, voltaria para buscar dentre as virgens da Terra uma que fosse sua noiva. Uma que fosse fértil e nobre. Uma que lhe pudesse dar um filho. E essa criança seria ainda mais poderosa que seu pai, e reinaria por toda a eternidade sobre a humanidade.

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Deandra e seu pai ganharam a estrada logo que a noite caiu. Sabia bem ela que algo havia de errado, mas evitou de indagar a seu pai. Notava em seu semblante que estava consternado, e procurava evitar de aborrecê-lo. Fingiu estar contente por estar viajando, embora ignorasse o destino.

Do alto da colina olhos atentos a observavam. Desde a manhã, quando ainda sentia o calor dos primeiros raios do sol sobre seu corpo e procurava lascivamente atingir o orgasmo tendo suas mãos como amantes, olhos atentos a observavam. Deandra ficou o dia todo incomodada, sabia, mas pensava que fosse por ignorar a verdade que acontecia no reino.

O rei ainda trazia gravado nos olhos a mensagem que lera: "Fuja, ó meu Rei, junto com sua herdeira, para os vales mais distantes. A temida criatura está à solta, e sua filha é bela e virgem. Fuja". Nomeara um de seus conselheiros como seu substituto até o seu retorno. Mas, do alto da colina, olhos atentos observavam a carruagem. Quando então a noite caiu como um manto sobre o horizonte, e as únicas luzes eram as estrelas no céu e alguns pirilampos ali e acolá, um vulto desceu da colina, no encalço da carruagem que já ia distante pela trilha da floresta.

Deandra olhava para o negrume que cerceava seu transporte, sem nada enxergar. Ouvia ao longe o lamento dos lobos, e tremia junto a seu pai, que ainda não dissera palavra desde que saíram do castelo. Subitamente, ouviu um ruído que parecia vir de trás da carruagem. Olhou assustada para seu pai, que pelo olhar também ouvira. Cuidadosamente, olharam pela janela para o caminho que ficava para trás, e nada viram. Quando voltaram a acomodar-se na carruagem, esta foi violentamente sacudida e lançada para fora da estrada. Os cavalos que puxavam o carro fugiram apavorados.

A escuridão era total. Ouviram a voz do cocheiro a alguns metros de distância chamando. Deandra, com esforço, saiu do coche pela janela, a tempo de ver algo como um relâmpago no meio da estrada. Um raio de luz cortou a escuridão e não mais ouviu o cocheiro. Com o coração em pânico, gritou por seu pai, cuja resposta não obteve. Tateou dentro da carruagem, mas o rei ali não estava. Em desespero, saiu da carruagem novamente e correu pela estrada, na direção oposta à luz que vira. Sentiu que estava sendo seguida e, para tentar despistar seu caçador, embrenhou-se pela densa floresta que murava a pequena estrada. Diante dela, erguia-se uma colina. Enquanto corria, Deandra sentiu algo passar por ela, em direção à colina. Então, mudou de direção e continou a correr em desespero. Do alto da colina olhos atentos a observavam. Pés ligeiros moviam-se desesperadamente, ignorando as pedras e os espinhos no caminho. Pés frágeis que marcavam o solo de carmim, à medida que os passos avançavam. Do alto da colina olhos atentos a observavam. Por vezes o suor de seu rosto fazia arder seus olhos, resultando em inevitável queda. Vez após vez, ela levantava-se e continuava a correr sem rumo, fugindo de seu próprio temor.

Na última de suas quedas, levantou-se e o suor cegou seus olhos. Correu desesperadamente. Não notou que, à sua frente, um grande abismo abria-se para ela. De repente, pisou o ar. Com olhos assustados, sentiu o corpo despencar desfiladeiro abaixo. Sequer conseguira gritar. Do alto da colina, olhos atentos a observavam. No céu, um raio de luz riscou o manto da noite. A queda impedia Deandra de gritar. Fechou então os olhos e esperou pela morte iminente. Aguardou pacientemente que alcançasse o solo e seu corpo se desfizesse em pedaços. Mais um raio de luz riscou a escuridão da noite, agora a alguns metros da princesa. Ainda que conformada com a queda, o corpo de Deandra jamais tocou o chão novamente.
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