Consta que foi descoberto no porto de Santos um grande lote de fechaduras para agendas. Infelizmente para uns, o carregamento ficou preso durante mais de cinco anos, correndo o risco de enferrujar. Como consequência, as meninas do país ficaram impedidas de escrever seus diários pessoais todo este tempo. Um absurdo, privar toda uma geração do registro de suas impressões juvenis apenas em função de mera burocracia. A indústria metalúrgica paulista apoiou a medida das autoridades, mas não foi capaz de produzir uma alternativa.
O resultado está aí. Não se encontra mais aquelas agendas com uma fechadura na capa. Algumas em lugar da chave, tinham um segredo que podia ser estabelecido pelo próprio usuário. Uma maravilha.
Dr. Celso não teve opção. Nestes anos todos foi comprando agendas sem segurança e foi guardando no fundo do armário. Saiu de casa apressado e esqueceu o precioso histórico de sua brilhante carreira de executivo. No fundo isto revela o descaso que temos por nossa história, mesmo a individual. As agendas são de uma lealdade muito grande aos seus portadores e são capazes de passar anos no fundo de um armário na esperança de servir à história. Elas ficam imaginando o reencontro com seus donos que, em cadeiras de balanço, ficariam revendo as anotações de toda uma vida. Em cada página uma história, anotações de compromissos, receitas, despesas, todas as ações de uma vida dedicada ao trabalho. Endereços, telefones.
Dr. Celso foi ingrato com suas agendas, que lhe dedicaram toda a vida. Quando elas se deram conta que ele jamais voltaria para apanhá-las, sofreram muito. Sentidas, algumas podem ter ficado vingativas. Ele não tinha o direito e agora pode sofrer as consequências.
Nunca se sabe do que é capaz uma agenda magoada.
Escrita em 20.05.2000
Publicado na Seção Comentários do Cidade Virtual Brasília em 10.06.2000
