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Artigos-->Entrevisca com DJAVAN -- 09/02/2002 - 20:29 (Mensageiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Djavan









À REVISTA PLAYBOY





Entrevista







Uma conversa franca com o ídolo da MPB sobre

preconceito, música, crítica, uma paixão do passado e

estar separado mas não ser um bicho solto



Enquanto dava esta entrevista, Djavan foi interrompido

algumas vezes pelo toque do telefone celular. Eram

pessoas pedindo que ele conseguisse ingressos para o

show daquela semana no Canecão, a badalada casa de

espetáculos de 3000 lugares no Rio de Janeiro. Mesmo

sendo para pessoas íntimas, a julgar pelo acesso

direto que tinham ao cantor, a resposta teve de ser:

"Olha, não dá. Não tem mais nada. Quem sabe semana que

vem?" Casa lotada. Já havia sido assim em setembro, no

início da temporada do show de lançamento do disco

Bicho Solto, em São Paulo. Acontecia agora no Rio,

quando foi preciso acrescentar mais um fim de semana

ao período previsto. E provavelmente a história se

repetiria na seqüência da turnê: Florianópolis, Porto

Alegre, Norte e Nordeste do país, Montevidéu, Buenos

Aires e Santiago do Chile, o roteiro do cantor até o

final deste mês.



No mês que vem será a vez de algumas poucas cidades do

interior de São Paulo receberem Djavan, sua banda e

seu show, agora dançante. E, a partir de junho do ano

que vem, a programação atravessa de novo as fronteiras

do país, dessa vez indo bem mais longe: Europa,

Estados Unidos e Japão. No início dos anos 60, já

estava mesmo acertado que o Rio de Janeiro seria o

destino do alagoano de Maceió Djavan Caetano Viana. A

família queria vê-lo no Exército e ele deveria estudar

na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende

(RJ). "Mas eu já estava de olho na música", conta

Djavan. "Roberto Carlos estourando em tudo quanto é

lugar, os Beatles começando a acontecer, aquela

loucura e eu ia ser militar?" O jeito foi adiar por

uns anos a viagem para o Sudeste com uma fuga

estratégica para Recife.



Foi na capital de Pernambuco, numa estada de um ano e

meio, que Djavan enveredou de vez pela música. "Mas

antes de ir para Recife o violão já não me saía da

cabeça", conta. "Quando via alguém tocando eu

enlouquecia, perdia ali uma tarde se fosse possível."

Na volta para Maceió, num trocadilho típico da época,

fundou o conjunto LSD (iniciais do alucinógeno Ácido

Lisérgico, mas que no caso dele queria dizer Luz, Som

e Dimensão). Com essa turma, durante cerca de cinco

anos tocou guitarra e cantou Beatles em bares, boates

e aniversários. "Conheci o Estado de Alagoas inteiro

com essa banda", lembra-se o cantor.



Djavan nasceu no dia 27 de janeiro de 1948, filho de

uma lavadeira, dona Virgínia, e de um vendedor

ambulante, seu Virgílio. A mãe ele perdeu em 1968.

"Fiquei completamente desorientado", lembra-se. "Minha

mãe era uma mulher otimista, de uma alegria, de uma

felicidade... Uma mulher encantadora." O pai

desapareceu quando Djavan tinha 3 anos e nunca mais se

teve notícia dele. "A figura do pai para mim foi meu

irmão. Ele era meu ídolo." O cantor se refere a Djaci,

que hoje, aos 65 anos, mora em Recife e está

aposentado depois de ter ajudado a sustentar o irmão

vendendo peças da Mercedes-Benz.



Até os 12 anos Djavan foi criado por duas madrinhas -

Eulina, a "Té", e Eliete, a "Leta" - e um padrinho,

Edurval, o "Dada". Durante um período eles tinham sido

vizinhos da família. Quando a mãe de Djavan mudou-se

para outro bairro ele tinha pouco menos de 1 ano e os

padrinhos a convenceram a deixá-lo sob sua guarda.

Djavan visitava a família nos fins de semana e aos

poucos foi atraído pelo jeito mais suave da mãe na

educação. "Ela me deixava ficar mais na rua, brincar

com os meninos", conta ele, que acabou decidindo morar

ao lado da mãe, do irmão e da irmã, Djanira, que ainda

vive em Maceió, tem 61 anos e é funcionária pública

aposentada.



Em 1973, já casado com Aparecida, colega de colégio em

Maceió, pai de Flávia e com o segundo de seus três

filhos, Max, a caminho, Djavan mudou-se finalmente

para o Rio de Janeiro. Pela sua cabeça, obviamente,

não passava, como nunca passou, chegar nem perto de um

quartel. Trabalhou como crooner em casas noturnas até

que se lembrou do conterrâneo Edson Mauro, na época

contratado da Rádio Globo e que tinha sido locutor

esportivo numa emissora em Maceió. E a história foi se

encadeando. Mauro apresentou-o a Aldezon Alves, que

tinha um programa musical na mesma rádio, e Aldezon

acabou por levá-lo para a Som Livre, onde Djavan

começou a gravar temas de novela. O mais conhecido -

quem se lembra? - dizia: "O que fizeste sultão de

minha alegre menina". Era Alegre Menina, música de

Dori Caymmi sobre poema de Jorge Amado que foi tema da

novela Gabriela, apresentada na Rede Globo em 1975.



Em 1975 Djavan consegue o segundo lugar no Festival

Abertura, promovido pela Globo, com Fato Consumado

("Eu quero é viver em paz, / por favor me beija a boca

/ Que louca"). Muito mais do que a boa classificação e

de ter lhe rendido dinheiro suficiente para investir

na compra do primeiro imóvel, um apartamento em Vila

Isabel, o festival o aproximou de grandes nomes da MPB

e criou circunstâncias ideais para quem queria

deslanchar na carreira. Foi ali que ele conheceu, por

exemplo, Caetano Veloso e Dorival Caymmi. "Tenho até

uma foto do Caymmi dessa época", conta o cantor.

"Autografada por ele, me desejando sucesso e tudo." O

sucesso veio. Em 1977, com o estouro de Flor de Liz,

gravada pela Som Livre no LP A Voz, o Violão e a Arte

de Djavan. Em 1979 Maria Bethânia ganhou de Djavan

Álibi - e vendeu 1 milhão de cópias do disco batizado

com o nome da música. Em 1980, Roberto Carlos gravou A

Ilha, e Djavan recebeu de volta prestígio e mais um

enorme empurrão. E a música brasileira seguiu se

enriquecendo com a criatividade generosa de Djavan.



Ganhou mais sabor com Açaí, do disco Seduzir

(EMI-Odeon). Ganhou também mais luminosidade: já pela

CBS (hoje Sony Music, sua gravadora atual), em 1982

Djavan lançou Luz, produzido por Ronnie Foster nos

EUA. Nessa altura, já tendo gravado com o lendário

maestro e produtor americano Quincy Jones, o cantor

embala a carreira internacional e consegue a

participação de Stevie Wonder tocando harmônica na

faixa Samurai. Em 1984 veio a inspiração colorida de

Lilás, seguindo numa balada de sucessos cujo resultado

mais recente é o vibrante Bicho Solto. Quando recebeu

a editora especial de PLAYBOY, Goretti Tenório Nunes

para esta entrevista, Djavan foi mais uma vez

generoso, embora diga considerar delicado, por vezes

incômodo mesmo, falar de sua vida íntima. Sobre o

final do casamento de 25 anos ele conta que procurou

ajuda na terapia, durante quatro meses, para conduzir

o processo e que chegou a morar sob o mesmo teto com a

ex-mulher por cerca de um ano e meio, cada um deles

ocupando uma das cinco suítes do amplo casarão na

Barra da Tijuca.



O cantor foi veemente ao falar da crítica musical, de

preconceito racial e de política. Foi atencioso

também, desculpando-se por ter de deixar ligado o

celular, já que tinha detalhes do show para tratar com

sua equipe. Mostrou-se disciplinado e paciente, sem

nenhum sinal de irritação, apesar de se revelar

faminto ao fim das primeiras 4 horas de conversa -

que, afinal, só foi terminar quando faltavam menos de

2 horas para o show daquela sexta-feira no Canecão.

Nesse dia interrompeu a entrevista, que acontecia num

charmoso sótão da casa, apenas para pedir à empregada

um pouco de chá e para perguntar se ela havia

conseguido comprar romã: "Faz bem para a garganta",

informa. No segundo dia, a presença da fotógrafa que

trabalhava para PLAYBOY: desafiou a timidez de Djavan

e ele teve um pouco de dificuldade para relaxar. Mas

depois se entregou ao bate-papo, intercalado com

comentários sobre a chuva bonita caindo lá fora e com

a preocupação por um pardal que entrou pela janela

assustado e demorou um pouco para achar a saída. Foram

então mais quase 3 horas de conversa.



Djavan falou do passado pobre com tranqüilidade,

lembrou os primeiros anos no Rio e todos os endereços

em que morou, a começar pelo Catumbi, depois Flamengo,

Vila Isabel, Jacarepaguá, até mudar-se, em 1982, para

a casa na Barra. "Vou sair daqui", ele diz. "Se

reconstruir a minha vida com outra pessoa, não vou

querer morar aqui." Para os filhos que ficaram morando

com ele depois da saída de Aparecida, deve comprar um

apartamento - e fica tudo resolvido. A filha mais

velha, Flávia Virgínia, 25 anos, já lhe deu um neto,

Thomas, de 2 anos. Ela mora em São Paulo, onde é dona

do bar Garrafaria Bar e Arte, na Avenida São Gabriel.

É também parceira musical do pai, que, da produção de

ambos, já gravou Avô, do disco Novena (1994), e Be

Fair em Bicho Solto. O filho mais novo, João, de 20

anos, está pela casa no primeiro dia da entrevista. É

de sua bateria o som que entra pela janela durante

parte da conversa. Max, de 24 anos, é guitarrista e

agora faz parte da banda que acompanha Djavan. Sobre

os músicos, aliás, o cantor é categórico: "Eu não

existirei sem eles, então preciso que estejam

felizes". A julgar pela alegria com que sua trupe faz

uma divertida coreografia durante o show, ele não tem

com que se preocupar.



Mais entusiasmada ainda, a platéia - sobretudo a ala

feminina - atende prontamente ao chamado de "Vamos

dançar!", com o qual Djavan convida aos primeiros

acordes de Carta, o rap que resultou da parceria com

Gabriel, o Pensador. Nessa hora ele se aproxima da

beira do palco e cumprimenta algumas felizardas que

estendem a mão - e o segurança, atento, contém o

arrebatamento de uma fã que puxa temerariamente o

cantor. O show é mesmo uma festa. Djavan dança, mostra

resistência física e fôlego e prova como foi sábia a

decisão de parar de fumar, seis anos atrás. "Fumei dos

20 aos 45 anos. Parei quando comecei a me sentir

cansado." Se foi difícil? "Muito, mas sou determinado,

sou de botar uma coisa na cabeça e ir fundo,

entendeu?" Entendido. E o texto do encarte que

acompanha o disco Bicho Solto ajuda a medir o proveito

de tamanha determinação. Escrito pelo jornalista e

escritor Ruy Castro, autor, entre outros, do livro

Chega de Saudade, ele resume: "Não se passa um dia sem

que músicos sérios, americanos e europeus, se debrucem

sobre suas canções tentando descobrir o que torna suas

harmonias tão complexas. [...] O resultado é oleoso,

sensual, com uma temperatura de mormaço tropical."

Para poucos.



PLAYBOY - Você disse que quando tem que fazer uma

música se tranca num lugar e faz. É como se fosse um

trabalho qualquer. É isso mesmo?

DJAVAN - Mas é um trabalho, é um trabalho.



PLAYBOY - [Com um pouco de decepção.] Mas não é como,

por exemplo, apertar um parafuso. É um trabalho que...



DJAVAN - [Interrompendo.] Não é muito diferente disso.

As pessoas costumam fantasiar sobre a inspiração. O

que é a inspiração, na verdade? É você ter o dom de

fazer as coisas, ter a inclinação para determinada

profissão. O sujeito que faz música não é diferente

daquele que levanta uma parede. Ele precisa ter

disposição. O que é a minha inspiração? É eu precisar

compor, querer muito compor, sentar num lugar e forçar

a barra.



PLAYBOY - E como é que você faz?

DJAVAN - Você pega um instrumento e vai. É tirar leite

de pedra. Em geral, o começo é o mais difícil.



PLAYBOY - Você se senta num lugar, com o gravador ao

lado, e fica tentando?

DJAVAN - Fico tentando, fico trabalhando. Porque é o

tal negócio: como a gente já tem prática, como a gente

sabe fazer o negócio, é profissional disso, digamos,

para ser bem escrachado, sempre faz alguma coisa

quando tenta. O negócio é seguir com aquilo,

desenvolver, usar aquele início e tentar terminar.



PLAYBOY - Você estudou música formalmente?

DJAVAN - Hoje tenho a noção básica das cifras e tudo.

Não estudo, não sei música. Faço arranjo, mas sem

escrever. Quem escreve para mim é o computador, com

auxílio de um tecladista. Um teclado acoplado ao

computador e à impressora [com um programa de

computador que transforma em partitura o que está

sendo tocado].



PLAYBOY - Quando vem uma melodia à sua cabeça, como

você faz?

DJAVAN - Gravo [tocando no violão]. É assim que faz a

maioria dos compositores. Depois passo para os músicos

tudo o que eles têm que fazer. Porque o problema é

dizer o que você quer. E o que quero que os músicos

façam sei dizer exatamente.



PLAYBOY - E tem alguma música que você fez direto e

saiu legal?

DJAVAN - Tem várias. Meu Bem Querer, Flor de Liz, para

citar músicas famosas. Assim como também tem várias

que comecei e só cinco anos depois terminei. Está

vendo aquele monte de fitas cassete ali? [Aponta para

uma estante repleta de fitas.] Tem mais, aquilo é

fundo, aquilo é profundo, está cheio. E tem mais umas

três quantidades iguais àquela em outros lugares da

casa. Tudo de coisas que comecei a fazer e não

terminei.



PLAYBOY - E costuma voltar para ouvir depois?

DJAVAN - Não. A Flávia e o Max é que faziam isso de

vez em quando. Oceano, por exemplo, foi um pedaço de

música que eu tinha começado e a Flávia descobriu. Aí

terminei.



PLAYBOY - E a letra? Você escreve ou só grava também?

DJAVAN - Às vezes escrevo.



PLAYBOY - No computador?

DJAVAN - À mão. Ainda não estou informatizado. Uso

computador na hora da gravação.



PLAYBOY - Você rabisca muito, joga fora papéis

amassados?

DJAVAN - Muito, muito, muito.



PLAYBOY - E costuma ter sempre um dicionário ao lado,

por exemplo? DJAVAN - Tenho. Você precisa de um

dicionário até para sinônimos, embora eu tenha também

um livro de rima que é excelente. Se você pegar,

digamos, palavras terminadas com "ia", vai ali [ao

livro de rimas] e tem 500 palavras terminadas com

"ia".



PLAYBOY - Quem é a primeira pessoa para quem você

mostra uma música nova?

DJAVAN - Quem estiver perto. Em geral, os filhos.



PLAYBOY - E eles dizem se não gostam?

DJAVAN - Nossa Senhora! Eles são... [procura a palavra

e diz, rindo] meus algozes.



PLAYBOY - Você fica muito frustrado se a opinião é

negativa?

DJAVAN - Não, porque é valioso ter uma pessoa em quem

você confia. Mas ajo da seguinte maneira: se tenho

dúvida, peço opinião; se não tenho, não peço. A

ninguém. Não peço opinião e não quero saber.



PLAYBOY - No geral você é bem tratado pela imprensa,

não é?

DJAVAN - Acho que é uma coisa mezzo a mezzo. Não

reclamo disso. Não tenho a menor pretensão de agradar

a todos. Não quero, aliás, agradar a todos, isso não

me daria prazer.



PLAYBOY - Mas você sofre com opiniões negativas?

DJAVAN - Já sofri mais. À medida que você vai

entendendo como funciona o negócio, aí vai relaxando.

O cara não está julgando o seu trabalho. Quando ele vê

um sujeito que tem 23 anos de carreira, que nunca

parou de trabalhar, que é extremamente bem-sucedido,

que tem um mercado de trabalho concreto no Brasil, um

mercado concreto no mundo inteiro, que graça tem esse

cara para a mídia? Nenhuma. O jornal se interessa em

ter a ilusão de estar "fazendo" alguém.



PLAYBOY - E tem algum crítico que você sabe que não

gosta de você?

DJAVAN - Por exemplo, a Folha de S.Paulo é um jornal

que mantém alguns críticos com papéis específicos a

cumprir. Uma época foi o [Luiz Antônio] Giron. O da

vez agora é o Pedro Alexandre Sanches. Ele está

desempenhando um papel: o abusadinho da vez da Folha.

A Folha sempre manteve uma relação difícil com a minha

pessoa. Não sei o que acontece naquela redação. Eles

se acham as pessoas mais geniais do planeta. Têm como

praxe tentar execrar artistas consagrados. Não

conseguem. Porque, por exemplo, me espinafraram em São

Paulo e o show foi lotado.



PLAYBOY - Isso o irrita muito?

DJAVAN -De jeito nenhum.



PLAYBOY - Não?

DJAVAN - Não me irrita, não. Sabe por quê? Sou feliz,

tenho uma carreira, tenho uma vida maravilhosa, viajo

o mundo inteiro, tenho platéias imensas a me receber.

Parece uma coisa de vingança estar dizendo essas

coisas, mas não é, não. Não tenho por que ter mágoa de

ninguém ou perseguir ninguém. Esse é o trabalho deles.

O trabalho deles é perseguir.



PLAYBOY - E quem são os críticos que você considera

legais, com quem você aprendeu?

DJAVAN - Ah, tem vários. Por exemplo, o Tárik de Souza

[do Jornal do Brasil] é um crítico que tem alguma

lucidez. Ele já falou besteira e coisas certas ao meu

respeito. Um sujeito que era crítico e que não é mais,

e que falou coisas certas e coisas com que não

concordo, é o Zuza Homem de Mello. E um crítico que

mais gosta de música, que mais tem profundidade, é o

Mauro Dias, do Estado de S.Paulo. O Mauro já falou

coisas com que não concordo e muita coisa com as quais

me esclareci.



PLAYBOY - E quando o assunto é sua vida e não seu

trabalho, você costuma ter problemas?

DJAVAN - Olha, procuro relaxar. Porque não tenho nada

a esconder. Acho que o que acontece agora é: "O Djavan

sempre teve aquela imagem de pai, de família,

casadinho. Agora, não. Agora interessa a imagem dele.

Agora mudou, agora é bicho solto". Não é bicho solto

porra nenhuma. Eu sou o mesmo, só estou separado.



PLAYBOY - Você está namorando alguém?

DJAVAN - Ai, meu Deus! [Incomodado.] Deixa eu ver...

Tem uma pessoa com quem tenho uma relação, mas quero

evitar falar disso. Já há pouco tempo publicaram uma

entrevista que... A gente passou a entrevista toda

falando de outros assuntos e depois o sujeito citou

milhões de nomes de mulheres. Fiquei abismado.



PLAYBOY - Não é mais fácil então deixar claro assim:

"Eu estou namorando tal pessoa"?

DJAVAN - Pois é, [enfático] eu não estou namorando

ninguém, entendeu? Tenho o objetivo de uma hora, se

aparecer [a pessoa certa], até me casar de novo. Quero

ter filhos de novo. Mas por enquanto, não. Não posso

citar ninguém. Você está, digamos, interessado numa

pessoa. Se isso se torna público, fodeu. Fica tudo

muito mais difícil de administrar?



PLAYBOY - Mas é natural as pessoas se interessarem

pela vida de um artista.

DJAVAN - Claro. Com isso concordo plenamente.



PLAYBOY - E deve ter havido muita curiosidade em torno

de seus 25 anos de casamento...

DJAVAN - [Interrompendo.] Você quer saber? Eu sempre

fui muito casado mesmo [risos]. É muito simples, é

corriqueiro, mas fui casado a vida inteira, o que é

que eu posso fazer?



PLAYBOY - E era um casamento que exigia fidelidade?

DJAVAN - Acho que o que exige fidelidade não é o

casamento exatamente. Quando você ama não consegue

trair porque não se sente bem.



PLAYBOY - E isso pode durar 25 anos, por exemplo?

DJAVAN - Não estou falando de mim, estou falando em

termos gerais. Você, quando ama, não trai. Então, não

é o casamento que segura a traição, é o amor.



PLAYBOY - E foi assim no seu casamento?

DJAVAN - Eu amei realmente minha mulher por muitos e

muitos anos e ela também a mim. E a gente vivia muito

junto. A todo lugar que eu ia ela ia. Então, mesmo se

não a amasse, teria muito pouca chance de traí-la,

digamos assim.



PLAYBOY - Você está dizendo que não aconteceu nunca no

seu casamento... DJAVAN - [Interrompendo.] Aconteceu,

aconteceu. Aconteceu um caso nesse período que eu

contei para ela.



PLAYBOY - Era uma paixão?

DJAVAN - Eu me envolvi com uma pessoa [pausa]...

durante um tempo... Aí tive que contar para a minha

mulher. Porque a minha vida tornou-se um inferno

dentro de casa.



PLAYBOY - Quando foi isso?

DJAVAN - Foi em 1984... Em 83 ou 84. O casamento a

partir dali mudou radicalmente. É o tal negócio, como

ela [a mulher] me disse: quebrou-se nela algo que era

íntegro, depois dessa minha confissão.



PLAYBOY - Na época havia rumores de que você namorava

a Glória Pires. É dela que está falando?

DJAVAN - Não. O que aconteceu com a Glória foi que

houve uma época em que ela andava muito em busca de me

encontrar. Em todos os lugares que ela sabia que eu

estava, se pudesse estava lá também. Tinha esse

encantamento por mim. Eu a encontrava bastante nos

lugares aonde ia. Porque ela falava, demonstrava,

dizia para mim que me adorava. Mas não chegamos a

namorar, não.



PLAYBOY - E essa pessoa com quem você esteve era

conhecida também?

DJAVAN - Era. Mas não gosto de citar as pessoas. É

difícil, é difícil.



PLAYBOY - Você acha indelicado?

DJAVAN - Acho.



PLAYBOY - Não foi a Patrícia Pillar, como uma

reportagem do jornal O Globo recentemente insinuou?

DJAVAN - [Incomodado.] Eu fiz um filme com a Patrícia

Pillar [Para Viver um Grande Amor]. E me envolvi. Foi

com ela o envolvimento. Me envolvi com ela durante

quase um ano. Onze meses, para ser mais exato. Foi

muito difícil. Foi muito sofrido para mim e,

provavelmente, para ela também.



PLAYBOY - Você contou logo no começo para sua mulher?

DJAVAN - [Interrompendo.] Sabe quando você está

vivendo um conflito e quer resolvê-lo todos os dias,

todos os dias? É um conflito que se agiganta. Eu

queria contar em casa. Contar não é uma coisa que seja

uma solução, mas ao mesmo tempo ficava me sentindo mal

por estar vivendo aquilo e sabendo que a minha mulher

estava sofrendo. Você todo dia quer resolver e não

consegue. Um dia, você resolve. E resolver, para mim,

foi [pausa] terminar a relação e... [pausa] Contei

para a minha mulher e depois não tive mais condições

de continuar com a relação, é evidente.



PLAYBOY - Vocês têm contato ainda?

DJAVAN - Não, não. A gente [pausa] se ligou algumas

vezes. Nos procuramos uma vez ou outra para conversar,

mas não chegamos a manter uma relação de amizade

depois disso. Mas não ficou nada de ruim. Ela é uma

pessoa de quem eu gosto muito, e ela fala o mesmo

sobre mim. Se eu pudesse falar de um caso como esse

sem citar nomes, falaria até com muito mais

tranqüilidade, porque estaria só me expondo, entendeu?



PLAYBOY - A sua separação aconteceu de modo tranqüilo?



DJAVAN - Não. Não foi uma coisa tranqüila. Separação

não pode ser uma coisa tranqüila jamais. Não foi

tranqüila, mas foi construída. A gente preparou a

separação durante dois, três anos. Porque sabia que o

nosso casamento não valia mais a pena.



PLAYBOY - Vocês falavam claramente sobre isso?

DJAVAN - Falávamos, falávamos. E brigávamos. O que eu

pensava sempre era: "Aparecida e eu somos duas pessoas

excelentes, duas pessoas de caráter, de boa índole. E

a única forma de preservar isso é a gente se separar

porque, se nos mantivermos casados, vai dar merda". Um

casamento de 25 anos cria raízes profundíssimas e

desatar os nós fica difícil. É preciso que você tenha

muita força de vontade para se separar.



PLAYBOY - Os seus filhos deram opinião?

DJAVAN - Eles queriam que a gente se separasse, porque

sabiam que ia ser melhor para todos. Afetava muito os

meninos estar vendo aquele desequilíbrio por qualquer

coisa, discussão e tudo. Por mais que a gente segure a

onda, por mais que não queira afetar as crianças, por

mais que queira preservar a casa, o ambiente, os

empregados, às vezes não consegue.



PLAYBOY - Você falou que quer se casar de novo e ter

um filho porque acha que...

DJAVAN - [Interrompendo.] Um ou vários.



PLAYBOY - Você acompanhou o crescimento de seus

filhos?

DJAVAN - Acompanhei como se pode acompanhar dentro

dessas circunstâncias [de uma vida de artista].



PLAYBOY - Como você acha que contribuiu para a

formação deles?

DJAVAN - Eles é que são pessoas ótimas. A mãe deles

contribuiu muito mais do que eu. Mas não fui um pai

ausente, isso eles não dirão.



PLAYBOY - Você sabia, por exemplo, se eles estavam

namorando?

DJAVAN - Claro. Quando a Flávia menstruou pela

primeira vez, quando ela foi transar pela primeira

vez...



PLAYBOY - Ela contou isso?

DJAVAN - Não, ela... Conversamos muito sobre isso,

sempre conversamos. Esse desenvolvimento dos filhos

com relação a sexo, a drogas, a tudo, sempre foi

acompanhado. E até hoje a gente tem uma influência

enorme na vida uns dos outros. Agora, na minha vida de

solteiro, eles influem muito. Eu falo, peço conselhos.

Porque eles têm muito mais prática de namoro do que eu

[risos].



PLAYBOY - Você é um pai liberal, então?

DJAVAN - Não se trata nem de ser liberal. Sou prático.

Acho que é fundamental não existirem segredos entre

pais e filhos. E uma coisa que aprendi cedo e que acho

que contribuiu é: toda vez que for falar com seu

filho, procure se colocar no nível do olhar dele. Se

ele é pequeninho você se agacha para a criança nunca

ter que olhar para cima para conversar com você, para

existir essa igualdade. Fiz isso e acho que funciona

mesmo.



PLAYBOY - Você chegou a conhecer seu pai?

DJAVAN - Conheci meu pai. Ele morreu quando eu tinha 3

anos. Ou desapareceu, não sei... Acho que...

[Confuso.]



PLAYBOY - Como assim? Ele morreu ou desapareceu?

DJAVAN - É porque meu pai não se casou com a minha

mãe. Nem mesmo sei se viveram juntos.



PLAYBOY - Então não sabe sequer se ele está vivo?

DJAVAN - Não creio que esteja.



PLAYBOY - Você não tem nenhuma memória do seu pai?

DJAVAN - Tenho. Sei que meu pai era louro, tinha os

olhos azuis. Eu me lembro vagamente. Ele tinha o

cabelo grande, caindo no rosto.



PLAYBOY - Você nem sabe se tem outros irmãos, não é?

DJAVAN - Não sei.



PLAYBOY - Não é uma coisa que o incomode a ponto de

você...

DJAVAN - [Interrompendo.] Nunca me incomodou.



PLAYBOY - E se o seu pai estivesse vivo e o procurasse

agora?

DJAVAN - Eu ia achar isso uma coisa surpreendentemente

excitante. Acho que ia ser um evento espetacular na

minha vida [risos].



PLAYBOY - Talvez virasse uma música?

DJAVAN - Ia virar muitas coisas [animado], porque

nunca imaginei nessa altura do campeonato passar a ter

um pai. Meu pai de verdade aparecer na minha frente.

Ia ser genial.



PLAYBOY - Por falar em virar música, você se lembra de

uma música que tenha feito para um momento ou alguém

especial?

DJAVAN - Meu Bem Querer foi uma música feita...

[Pausa.] Não para uma pessoa, mas para uma memória,

para uma mulher linda que conheci. Mas não tive nada

com ela. O que não faço muito é me revelar nas minhas

canções. Estão inclusive associando agora uma música,

Passou [cuja letra trata de um fim de relacionamento

enfaticamente infeliz], ao fim do meu casamento. E não

é exatamente.



PLAYBOY - Não é exatamente ou não é?

DJAVAN - Não é, não é. Coloquei ali uma relação que

acabou de maneira ruim, porque a letra fala "preciso

sair, distrair um pouco / ser içado ao mundo do fundo

do poço". Nunca estive no fundo do poço, jamais

estive.



PLAYBOY - Não era previsível que as pessoas fizessem

essa ligação?

DJAVAN - Sabe que não pensei quando fiz? Não pensei.



PLAYBOY - E o nome do disco, Bicho Solto, também é uma

coincidência?

DJAVAN - Uma coincidência.



PLAYBOY - Você também não pensou que as pessoas fariam

a ligação?

DJAVAN - Não. Tem uma música chamada Bicho Solto e

achei o nome bom, instigante.



PLAYBOY - A sua ex-mulher ficou chateada?

DJAVAN - Não. Quando ela viu a música Passou perguntou

se eu estava realmente feliz. Porque achou a letra

pesada. Foi uma tentativa de fazer uma música que

expusesse duas circunstâncias completamente

extremadas. [Declama toda a música, que tem versos

como:] Tudo o que eu vivi é passado, escombros [...]

você sabe ser fria tanto quanto a Suécia / e eu o

Brasil das matas tropicais, mares de verão, cascatas

de foz, luar do sertão / e levo a vida bem melhor

ouvindo o meu coração.



PLAYBOY - Como é que os versos surgem quando você faz

uma música? DJAVAN - Quem está ligado com a poesia,

quem tem inclinação para a poesia, escreve sempre

enfocando as coisas de maneira mais lírica. E eu

sempre gostei muito de poesia.



PLAYBOY - Sua leitura é basicamente poesia?

DJAVAN - Gosto de ler romance, biografia, poesia. Leio

de tudo. Os poetas maravilhosos, [Vladimir]

Maiakovsky, Pablo Neruda, João Cabral de Melo Neto,

[Fernando] Pessoa, [Carlos] Drummond [de Andrade], a

minha amadíssima Adélia Prado. E o de cabeceira, que

estou lendo e relendo sempre, que é o [Federico

García] Lorca. E gosto muito de escrever, acho que não

saberia mais não escrever, fazer só a música. Mexer

com os sentidos, com as palavras, achar uma frase

luminosa é uma coisa maravilhosa.



PLAYBOY - Você percebe o momento em que tem um achado?



DJAVAN - Ah, sem dúvida. Sinto um prazer imenso. É o

gol, né? Fazer uma frase linda é fazer um belíssimo

gol.



PLAYBOY - E se lembra de um momento desses em que

comemorou?

DJAVAN - Sinceramente, me incomoda profundamente falar

de mim, das coisas que faço. Porque me divirto ao

fazer, depois não quero mais saber. Eu não escuto meus

discos.



PLAYBOY - Não escuta nunca?

DJAVAN - Não tenho tanto tempo para escutar discos. O

tempo que tenho vou escutar os dos outros, porque é

ali que aprendo alguma coisa.



PLAYBOY - A música apareceu na sua vida porque sua mãe

cantava muito para você e seus irmãos, não é?

DJAVAN - Eu cantava por influência de todos, porque

todo mundo cantava muito lá em casa. É um hábito meio

escravo, até: cantar para amenizar o dispêndio da

força que se tem no trabalho.



PLAYBOY - E quando você cantou a primeira vez em

público?

DJAVAN - Tinha 11 anos. Foi na formatura do primário.

Cantei Minha Oração, do Agostinho dos Santos, e não me

dei bem, não. Eu me engasguei. Sempre fui tímido e

fiquei com medo. E tem sempre uma facção que torce

contra, né? Um grupo de alunos invejosos e tal. Acho

que eles fizeram muita força nesse dia [risos].



PLAYBOY - Sua voz já falhou num show?

DJAVAN - Não. Mas já subi no palco sabendo que a voz

podia falhar, porque estava rouquíssimo.



PLAYBOY - Nesses casos, como você faz?

DJAVAN - Dou um jeito. Invento um jeito diferente. Se

uma nota é muito aguda e não vou poder alcançar,

invento outra e tal.



PLAYBOY - Durante um show já ficou irritado por alguma

coisa que gritaram para você?

DJAVAN - Na época do disco Luz, eventualmente alguém

gritava na platéia: "Bicha! Bicha!" Terminado o show

eu perguntava para a Monique Gardenberg, que era minha

empresária: "Monique, você viu o sujeito gritando na

platéia? Era comigo?" Ela dizia: "Claro, né, Djavan?"

[Risos.] Aí eu dizia: "Mas claro por quê? Eu tenho

jeito de bicha?" [Risos.] Mas é que você, artista, no

palco... Nego às vezes fica com ciúme por causa da

namorada, da mulher. Depois a pessoa vai se

acostumando com a gente, vai vendo que a gente não

quer roubar a namorada de ninguém.



PLAYBOY - Você se lembra de seu primeiro show

profissional?

DJAVAN - Foi uma coisa aterradora. Porque juntei com

um sacrifício enorme quatro músicos brilhantes,

extremamente requisitados. Era um timaço. Ensaiamos

uma semana sem eles ganharem nada, na maior boa

vontade. Aí marcamos o show, no Sacré Coeur de Marie,

um colégio que tinha na Rua Toneleros e que alugava o

teatro para shows. Você acredita que no primeiro dia

tinha uma pessoa? Que era parente de um dos músicos.

No segundo dia, não foi ninguém. Foi uma tristeza tão

grande...



PLAYBOY - Qual foi a maior dificuldade no início de

sua carreira?

DJAVAN - No início é muito difícil tudo. Emprego é

difícil [risos]. Imagine então um emprego desses, que

todo mundo namora porque você pode ficar famoso num

curto espaço de tempo! E tive grande dificuldade no

início porque era uma pessoa atípica.



PLAYBOY - Por que atípica?

DJAVAN - Porque fazia uma música atípica. Fazia uma

música diferente do que se fazia na época.



PLAYBOY - Você disse em entrevistas que não fazia a

música que se esperava que um negro fizesse. É disso

que está falando?

DJAVAN - Não. Essa era uma questão com a mídia. A

mídia dizia: "Como você veio de Alagoas, o Estado mais

pobre da Federação, filho de uma lavadeira, e

conseguiu uma formação, uma informação tão assim..."



PLAYBOY - ...mais sofisticada?

DJAVAN - Com grau de sofisticação. De onde vem essa

música?



PLAYBOY - E de onde veio?

DJAVAN - Essa música veio da minha formação mesmo.

Sempre fui muito curioso. Tive como base Luiz Gonzaga,

Beatles. Mas tive todo o resto, toda uma gama de

informação musical que busquei, como música clássica,

jazz, bossa nova, música italiana, música francesa,

flamenco, música africana. Sempre ouvi de tudo.



PLAYBOY - Quando começou a compor?

DJAVAN - Comecei a compor aos 19 anos, mais ou menos.



PLAYBOY - E se lembra da primeira música que fez?

DJAVAN - A primeira música é inesquecível. Era feia

pra caramba [risos]. Chamava-se Aquele Amor.



PLAYBOY - Você se lembra dela inteirinha?

DJAVAN - Não, essas coisas a gente esquece [risos].



PLAYBOY - Antes de ficar mais famoso, você chegou a

ser confundido com outra pessoa?

DJAVAN - Não. De vez em quando, ainda hoje, acontecem

uns casos e me divirto. Nego fala [grita, imitando]:

"Roberto Gil! Roberto Gil!" [Risos.] Nem é Gilberto

Gil, nem é Roberto Carlos. Acho maravilhoso. Quem me

chama de Roberto Gil eu adoro [risos]. O público, o

povo, tem uma inspiração maravilhosa, especial.



PLAYBOY - Quando o assédio não é tão divertido?

DJAVAN - Nem sempre você tem disposição. Mas já

aprendi a lidar com isso, a não me expor tanto.



PLAYBOY - Mas é bom ser famoso, ser reconhecido quando

passa?

DJAVAN - Faz tanto tempo que vivo isso que não sei

como é não ser famoso, entendeu?



PLAYBOY - E como você faz para driblar a vaidade e não

se achar uma pessoa melhor que as outras?

DJAVAN - Já passei da fase de ficar metido.



PLAYBOY - Ah, é? Então já foi? [Risos.]

DJAVAN - Não sei. Devo ter sido um dia. Ficar metido

ou não é uma questão de aprendizado. Mas quando você

tem uma certa lucidez descobre que está pisando na

bola, fazendo besteira, que está sendo arrogante.



PLAYBOY - Você já se percebeu sendo assim?

DJAVAN - A fama traz, entre outras coisas, situações

do tipo: você vai dormir convivendo com todos os

problemas de todos os mortais. Aluguel, gasolina,

dinheiro para o gás, o telefone. E acorda no dia

seguinte com tudo a seus pés. Você se muda de um

apartamentinho para um casarão. Fica famoso, começa a

ganhar dinheiro, em todo lugar a que vai é um mundo de

gente atrás. É uma mudança muito radical para que você

chegue do outro lado incólume, sem cometer nenhum

deslize. Mas aprendi rápido.



PLAYBOY - O fato de ter ficado famoso torna mais fácil

para você falar de sua história de menino pobre?

DJAVAN - Acho que é humano esconder ou tentar pelo

menos camuflar uma situação da qual [a pessoa] não

conseguiu se desvencilhar. Isso acontece um pouco

mesmo. Quando você conseguiu melhorar a vida, é mais

agradável falar do passado.



PLAYBOY - Como era a casa de sua infância?

DJAVAN - Era uma casa de cinco cômodos ínfimos. A

primeira de que me lembro era ainda coberta com palha,

aquelas coisas, de taipa. Depois foi melhorando.

Aliás, fica no mesmo lugar a casa onde minha irmã

mora. Hoje é uma casa melhor, de dois andares. Mas

está lá, no mesmo lugar [fala o endereço completo].



PLAYBOY - Foi construída pela sua irmã?

DJAVAN - Não, fui eu que construí.



PLAYBOY - Você ajuda os seus irmãos financeiramente?

DJAVAN - Sempre ajudei. Mando religiosamente uma grana

para todo mundo há quinze anos. O nordestino tem muito

isso. Porque a miséria une, não é? Mas ajudar não é

basicamente dar o dinheiro. Se eu puder, vou arranjar

um jeito de que a pessoa produza. Ajudar é isso: é

você fazer com que aquela ajuda não torne a pessoa

dependente de você.



PLAYBOY - E é assim que você age com a sua família?

DJAVAN - É assim que tento agir. Muitos dos

familiares, infelizmente, dependem apenas de mim.



PLAYBOY - Você viveu muito preconceito por causa de

sua cor?

DJAVAN - Muito, muito. No Nordeste o preconceito

racial é mais acirrado. Quanto menor o centro, menor a

cidade, mais preconceito existe, porque existe mais

desinformação, mais tradicionalismo, mais hipocrisia.

Sempre tive todas as dificuldades que o negro tem que

enfrentar na vida.



PLAYBOY - E hoje, famoso, ainda sente o preconceito?

DJAVAN - Ah, o preconceito não acaba. Eu não deixei de

ser preto, né? As pessoas que realmente têm

preconceito racial não vão passar a gostar de mim

porque sou famoso. Podem não se manifestar, porque

vivem numa comunidade em que aquilo não é admitido, ou

têm medo de uma represália, de um processo, mas não

vão gostar.



PLAYBOY - É hipocrisia dizer que no Brasil não há

preconceito racial como nos Estados Unidos?

DJAVAN -Preconceito existe e acho que pior aqui do que

lá nos Estados Unidos. Porque aqui ainda se tenta

tapar o sol com a peneira. E aí o que você faz?

Paternaliza. Lá é uma coisa muito mais segregada,

muito mais admitida por todos. Lá o negro está num

estágio em que não precisa esperar pelo conceito do

branco, pelo esquema do branco, pelo emprego do

branco, pela boa vontade do branco. Porque ele tem uma

comunidade negra, faculdade para preto, cinema para

preto, ônibus para preto, cidades inteiras de negros,

entendeu?



PLAYBOY - Isso é melhor?

DJAVAN - Não sei se isso é melhor ou pior. O que sei é

que não cabe hipocrisia numa situação como essa. Aqui

a hipocrisia é grande. Você vê uma vez ou outra uma

propaganda com um menininho preto. É claro que o poder

aquisitivo está na mão do branco, mas o preto também

consome. Ao preto é dado o caminho da tradição. Por

exemplo, a dificuldade de eu ser compreendido no

início [da carreira] é porque não fazia nem baião, nem

samba-enredo, nem samba de morro.



PLAYBOY - E isso era o que se esperava de um negro?

DJAVAN - É isso que é dado ao preto. Porque imagina o

preto fazer uma música que ninguém entende. O preto

tem que estar mostrando dupla capacidade sempre. O

próprio preto tem dificuldade, porque não sabe nem o

que fazer para sair dessa situação. Ele não tem acesso

a cultura, a bons livros, a bons filmes, a boas

escolas. O dinheiro que o preto consegue fazer no

Brasil é no máximo para sobreviver e, em geral,

sobrevive em circunstâncias péssimas, está sempre no

último vagão da sociedade.



PLAYBOY - E você enxerga uma saída?

DJAVAN - O governo que conseguir fazer uma boa reforma

agrária no Brasil e um projeto de educação realmente

sério estará ajudando negros e troianos. O Brasil

precisaria fazer uma reforma agrária [enfático] mesmo.

Séria. O que acontece nessas partilhas de terras

ridículas que o governo faz, assentando ali,

assentando acolá? Bateu a fome, bateu a miséria,

chegam os espertalhões, os atravessadores e: "Dou 500

na terra agora. Quer?" Aí o cara vai fazer de novo

daquilo um latifúndio. É preciso dar a terra, ensinar

a plantar, ensinar a manter, a colher, ensinar a

rejuvenescer a terra para ter um outro plantio,

subsidiar a cultura da terra.



PLAYBOY - Então você não votou em Fernando Henrique

para presidente.

DJAVAN - Não. Votei no Lula. Acho que o Fernando

Henrique está longe de ter feito o governo que

pretendeu fazer um dia. Porque é o tal negócio: não

adianta se iludir, não basta ter boa vontade. Não

adianta você ter um passado como tem o Fernando

Henrique e fazer as alianças que ele fez para poder

ascender ao poder. Então ele não fez o governo que

queria nem vai. Acho muito complicado ele fazer dentro

do caldeirão em que se encontra.



PLAYBOY - O Alceu Valença propôs seu nome para

candidato a deputado constituinte em 1986. Você chegou

a pensar em aceitar?

DJAVAN - Não. Ajudo melhor de onde estou. Não tenho

vocação para isso. A política não vive de

bem-intencionados. Por exemplo, o Lula é extremamente

bem-intencionado. A chance que ele teve na época do

[Fernando] Collor... O Lula perdeu aquela eleição no

final da campanha. Ele não foi bem orientado. É como

se o PT não tivesse vocação para o poder.



PLAYBOY - Você costuma participar de campanhas

políticas?

DJAVAN - Sempre fiz campanha para político. Já fiz

show em benefício dos sem-terra. Já fiz campanha para

o Lula, para o governador de Alagoas que acabou sendo

eleito agora, [o candidato do PSB] Ronaldo Lessa.



PLAYBOY - Você acha que Alagoas vai sair do buraco com

Ronaldo Lessa no governo?

DJAVAN - Acho que sai. Basicamente, depende de coragem

para enfrentar uma oligarquia [pensativo] doente,

difícil. Mas isso tudo está mudando. Antigamente todo

o Nordeste era de um coronelismo brutal. Hoje já não é

mais assim. A ascensão do Tasso [Jereissati] no Ceará

foi uma coisa que ajudou muito, porque ele é um homem

de bem. O Tasso é homem importantíssimo nesse processo

de descoronelização do Nordeste.



PLAYBOY - Você mantém seus vínculos com Alagoas?

DJAVAN - Não como poderia ser. Acho que quebrei um

pouco o meu vínculo quando vim para o Rio, porque

fiquei seis anos sem voltar.



PLAYBOY - Você foi educado por suas madrinhas e seu

padrinho. Eles eram rigorosos?

DJAVAN - Eu apanhei, apanhei muito. Gostava de futebol

e eles detestavam que eu jogasse. Diziam que aquilo

não dava futuro para ninguém. E também apanhei de

palmatória do meu padrinho. Ele era rigorosíssimo e eu

apanhava às vezes por causa de lição [de escola].



PLAYBOY - Você não gostava de estudar?

DJAVAN - Não posso me caracterizar como um vagabundo,

mas gostava era de brincadeira, de futebol. E sempre

fui capeta, sempre fui muito líder. Em todos os

lugares em que passei sempre fui o líder. De comandar

as turmas, de fazer e acontecer.



PLAYBOY - E fugiu mesmo de casa aos 15 anos para ir

para Recife?

DJAVAN - Fugir é maneira de dizer, evidente. Não fui

escondido, mas saí de Maceió contra a vontade de todo

mundo. Eu tinha um primo no Recife, o Severino. Ele

não gostava muito de mim, não gostava de criança. Mas,

como eu não tinha ninguém, fui para a casa dele.



PLAYBOY - O que você foi fazer no Recife?

DJAVAN - Fui para lá para trabalhar, arranjar um

emprego.



PLAYBOY - E o que fez?

DJAVAN - Trabalhei na Crush. Era office-boy. Eu amava

[o refrigerante] Crush. Enquanto consegui tomar Crush

trabalhei nesse lugar [risos]. Depois de um mês e

pouco já não agüentava mais o cheiro daquela fábrica e

saí.



PLAYBOY - E aí, fez o quê?

DJAVAN - Nada. Fiquei mais um ano em Recife.



PLAYBOY - Sem fazer nada?

DJAVAN - Só tocando violão com os amigos.



PLAYBOY - O seu primo devia achar que você era um

vagabundo, que não ia dar em nada.

DJAVAN - Não era muito mais além disso, não [risos].



PLAYBOY - De volta a Maceió, aos 22 anos você já

estava casado. Por que se casou tão novo?

DJAVAN - Porque, em geral, no Nordeste se casava novo.



PLAYBOY - E foi muito namorador antes de se casar?

DJAVAN - Sabe que eu não namorava muito? Para quem

tinha uma vida de cantor, de viver cantando, viajando,

não namorava muito, não.



PLAYBOY - Você tinha facilidade de chegar nas meninas?



DJAVAN - Não. Sempre fui tímido. Olha, dizem que a

timidez é um instrumento de sedução fortíssimo, não é?

[Risos.] Mas se é um instrumento de sedução eu nunca

soube usá-lo.



PLAYBOY - Quantos anos você tinha quando transou a

primeira vez?

DJAVAN - Devia ter uns 15 anos. Mas foi uma

circunstância horrível. Foi muito ruim.



PLAYBOY - Por quê?

DJAVAN - Porque transei, com mais um bando de meninos,

com uma mulher doida que andava... Sabe essas coisas

que acontecem no Nordeste? Ela andava pela rua,

assim... Imagina aquela coisa de menino: "Tu não é

homem". Sabe aquelas coisas?



PLAYBOY - E quando transar foi legal?

DJAVAN - Essa foi a única vez em que foi ruim. Mas não

foi traumatizante, nada disso. Só que não condizia com

a descrição da primeira transa que a gente já tinha na

cabeça.



PLAYBOY - Você esperava que fosse com uma namorada?

DJAVAN - Claro. Mas imagina! Comer alguma namorada

naquela época não dava [risos]. Levava tiro [risos].

Mas mudou. Eu viajo pelo Nordeste sempre. Mudou muito.

Nos artistas as pessoas chegam com mais desenvoltura.

Tanto homem como mulher chega junto e fala tudo o que

pensa.



PLAYBOY - As mulheres no camarim cantam você

abertamente?

DJAVAN - Não estou dizendo isso. Estou dizendo o

seguinte: ali a desenvoltura é maior. A pessoa diz

assim: "Esse cara [o artista] não conhece ninguém na

minha família, não conhece nenhum amigo meu, não sei

se vou vê-lo de novo. As coisas que tenho pensado

sobre ele, que tenho fantasiado, vou falar". Mas não é

todo mundo que chega e fala bobagem.



PLAYBOY - Já teve uma abordagem que o levou a sair com

uma fã?

DJAVAN - É. Já aconteceu. Recentemente, inclusive.

Recentemente, quer dizer, há um ano e pouco.



PLAYBOY - Ficou mais fácil depois que as fãs souberam

que você estava separado ou isso nunca interferiu?

DJAVAN - Nunca [risos]. Porque, na verdade, as pessoas

não querem se casar com o artista. Querem ficar um

momento com ele, conversar e tal. As pessoas têm

aquele amor porque você passa a fazer parte da vida

delas. Há vários Djavans no Brasil inteiro, tudo

pivetinho. Várias pessoas que têm filhos de casamentos

decorrentes de uma paixão por causa de uma música,

onde eu fui fundo musical. Quer dizer, acontece todo

tipo de relação entre as pessoas e os artistas.



PLAYBOY - Por causa do assédio, você já viveu uma

situação inconveniente? DJAVAN - Ah, tem casos assim.

Porque você está exposto a um monte de loucuras. Uma

vez uma pessoa de Brasília me ligou propondo uma coisa

absurda. Ela estava grávida de um namorado com o qual

não queria se casar. Então queria dizer aos pais que

estava grávida de mim. Porque todo mundo na casa dela

sabia que ela era apaixonada por mim, o quarto dela

era todo forrado de fotos minhas. E não iam exigir que

eu casasse, porque era casado e tal. E deu trabalho

desbaratinar essa coisa [risos].



PLAYBOY - No palco já aconteceu alguma situação

aflitiva?

DJAVAN - Um dia desses, um sujeito subiu no palco e me

deu uma gravata que quase me mata. Mas eu sentia

nitidamente que era o desespero dele de conseguir

cumprir o ato que tinha na cabeça. Ele sabe que, para

chegar até onde estou, vai ter que correr o risco de

ser antes agarrado por algum segurança. Então ele sobe

naquela loucura e agarra, tudo no desespero. Mulher

faz muito isso.



PLAYBOY - E as mulheres também jogam objetos para

você?

DJAVAN - De tudo. Muito anel, muito cordão, muita

pulseira, pedras semipreciosas.



PLAYBOY - E calcinhas?

DJAVAN - Peças íntimas, calcinhas, sutiãs, toalhas.



PLAYBOY - Fora do Brasil também é assim?

DJAVAN - Fora do Brasil também.



PLAYBOY - O seu público no exterior são os brasileiros

que estão vivendo fora?

DJAVAN - Não exatamente. Num país como os Estados

Unidos, por exemplo, eu tinha um empresário americano

e falava para ele: "Me põe mais nos lugares

tradicionalmente freqüentados por americanos, mesmo

que sejam lugares onde eu só consiga juntar dez

pessoas". Fiz muito isso e consegui um público

bastante americano.



PLAYBOY - Como a sua música começou a fazer sucesso no

exterior?

DJAVAN - Acho que sempre fiz uma música que gerou

interesse nas pessoas fora do Brasil, porque tem uma

melodia e uma harmonia que, segundo eles, é bastante

original em relação à música que eles fazem. A

harmonia da música brasileira é característica: usa

muito acorde. É uma música que abrange uma gama

harmônica bastante grande. E sou um compositor que tem

também essas características. Dizem muito isso: "Você

ouve e acha que a execução é facílima. Quando vai

reproduzir, vê que o buraco é mais embaixo". Em

Munique tem até uma escola que ensina música minha.

Vou fazer um workshop lá em julho. Acho a música

brasileira a mais interessante do mundo. E a gente tem

a vantagem de trabalhar com a rítmica sofisticada, uma

vez que tem um folclore intenso e diversificado em

cada região do país.



PLAYBOY - Isso explica também o sucesso de grupos como

É o Tchan, por exemplo?

DJAVAN - Acho que não. Ali é uma coisa do imediatismo,

que está gerando lucro aqui no Brasil e que se estende

para outros países. É uma fonte de riqueza momentânea.



PLAYBOY - É incômodo que esse tipo de música faça

sucesso?

DJAVAN - Absolutamente. Acho que a graça de estar

seguindo na minha profissão é exatamente manter-me em

um mercado completamente adverso, entre aspas, ao que

faço. Ter que cavar sempre um espaço em um mercado tão

repleto de axé music, de pagode, de uma música que

atende mais ao imediatismo do que a outra coisa, é uma

coisa excitante.



PLAYBOY - Essa música é passageira, vai acabar?

DJAVAN - Quem fica para sempre, em qualquer segmento,

é quem tem qualidade.



PLAYBOY - Quem são os bons desses grupos?

DJAVAN - Um cara que faz pagode, não tem muito a ver

com todos esses grupos por aí e que acho maravilhoso,

fantástico, chama-se Zeca Pagodinho. Eu preferia citar

só o Zeca porque ele é maravilhoso.



PLAYBOY - Da música baiana, quem são os destaques, na

sua opinião?

DJAVAN - Tem as pessoas que já fizeram seus nomes,

como Daniela Mercury, como a Banda Eva. Acho que, na

Bahia, quem surgiu nessa leva e tem maior talento é o

Carlinhos Brown. Porque ele tem capacidade de

desenvolver várias coisas. Ele tem mais talentos do

que todos dessa turma. Mas a Ivete [Sangalo] tem

talento, a Daniela tem talento.



PLAYBOY - Que disco de MPB você classificaria como o

melhor de todos os tempos?

DJAVAN - Não saberia dizer se é o melhor de todos os

tempos, mas é um disco que quando me perguntam eu me

lembro: é o Amoroso, do João Gilberto. Tem arranjos

belíssimos, o repertório é muito bom. O João cantando,

tocando, numa fase extraordinária. É um disco que eu

citaria.



PLAYBOY - E os nomes novos, como o Chico César? Você

gosta do trabalho dele?

DJAVAN - Gosto.



PLAYBOY - Já foi ver algum show?

DJAVAN - Ainda não vi show do Chico César.



PLAYBOY - E o Zeca Baleiro?

DJAVAN - Gosto. Acho que os dois têm um trabalho

semelhante. São compositores que têm talento. À medida

que o tempo vai passando eles vão criando coisas que

vão formando uma personalidade mais forte.



PLAYBOY - E a Daúde?

DJAVAN - Adoro. Adoro a Daúde. As gravadoras ainda não

conseguiram perceber isso, mas a Daúde tem um espaço

dela esperando. Ela é linda, tem uma voz linda, canta

bem, tem um feeling muito bom.



PLAYBOY - Você gravou com Gabriel, o Pensador. Você

gosta de rap?

DJAVAN - Adorei a parceria com ele. Foi uma coisa

instigante. Gosto muito dessas coisas que ainda não

fiz. E ter feito esse rap me deixou muito feliz. Acho

o Gabriel muito bom. Ele escreve bem, é antenadíssimo,

é fundamental o que ele faz. Faria falta se não

existisse.



PLAYBOY - Como você faz para sobreviver de música sem

tratá-la como um produto qualquer à venda?

DJAVAN - Sempre tratei a minha música como diversão,

porque é como consigo me relacionar bem com ela. É por

isso que tive a sorte de ter afastado todo tipo de

interferência que poderia existir no meu trabalho.



PLAYBOY - E conseguiu mesmo antes de ser famoso?

DJAVAN - Consegui impondo desde o início. E por isso

não fiz sucesso logo. Perdi várias oportunidades que

podiam ser boas porque queria me relacionar com a

coisa de maneira que pudesse conduzi-la. É claro, não

posso ignorar que produzo música e que para gravadora

isso é o produto. Mas vender mesmo eu não sei, quem

sabe é a gravadora.



PLAYBOY - Qual é o limite de interferência da

gravadora no seu trabalho?

DJAVAN - Na criação, na produção do trabalho, isso não

existe. Nada. Eu não aceito, realmente não.



PLAYBOY - E com o disco pronto?

DJAVAN - Aí, sim. Aí, por exemplo, a gravadora me dá

uma relação de coisas que ela acha que seriam

importantes fazer para veicular o disco.



PLAYBOY - E já teve coisa que você se recusou a fazer?



DJAVAN - No início [houve] mais, agora nem tanto,

porque a gravadora me conhece. A gravadora tem seu

mapa lá: fulano de tal, esse aqui faz isso, faz isso.

Ela sabe também com quem está lidando, então não pede

coisas absurdas para mim.



PLAYBOY - Por que você vai pouco à televisão?

DJAVAN - Televisão é uma coisa para se ir o

necessário. Vou o necessário. E tive sempre uma

timidez grande, que me atrapalhou muito. Sabe o que é

você não ter muita naturalidade na televisão? Isso é

terrível.



PLAYBOY - É fácil trabalhar com você?

DJAVAN - É facílimo. Embora eu tenha agora entre os

músicos três novos, em geral são pessoas que a gente

já conhece, já sabe por onde chegar. A gente faz turnê

de 46 dias pela Europa dentro de um ônibus fechado. É

um ônibus que se está usando muito porque todo mundo

descobriu que fazer turnê de avião é roubada. [O

ônibus] É uma carreta enorme, com dezesseis camas, com

salas de jogos, banheiro, cozinha. Não tem stress de

vôo. Sai do hotel, vai para outro hotel em outro país,

vai de bermuda. É uma delícia. Então, para ficar 46

dias trancado em um ônibus desse, um monte de gente, é

preciso que tudo esteja funcionando bem. E é isso que

tem acontecido.



PLAYBOY - O fato de seu filho ter entrado para o grupo

não mudou nada na sua relação com os músicos?

DJAVAN - Você não sabe como para mim foi um

aprendizado maravilhoso ter colocado o Max nessa

trupe! Porque o que eu queria exatamente era que ele

entrasse e nada se movesse do lugar. O equilíbrio, as

suscetibilidades, o envolvimento de cada um comigo,

com o trabalho. E nada se moveu, absolutamente. Porque

os meus filhos são pessoas que tiveram boa formação e

aproveitaram essa boa formação.



PLAYBOY - Nessa formação, como você tratou com eles

sobre drogas?

DJAVAN - Acho que a relação com as drogas tem que ser

uma coisa de completo entendimento. Se você não tem

estrutura, não pode ter envolvimento com droga

nenhuma. Porque a maconha puxa uma coisa, que puxa

outra. A maconha em si não sei se é nociva ou não. Se

um filho me perguntar: "O que é que você prefere? Que

eu beba ou fume maconha?" Eu vou dizer: "Fume

maconha". O álcool é uma praga e, no entanto, todo

mundo adota.



PLAYBOY - Que tipo de droga você experimentou?

DJAVAN - Fui experimentar maconha quando tinha 35 anos

de idade. Porque nunca tive interesse. Assim como

nunca tive interesse em experimentar outra droga. Não

saberia fazer discurso nem contra nem a favor de

drogas, porque não tenho nenhuma experiência com elas.



PLAYBOY - Em 1990 você foi preso no Rio com maconha,

não foi?

DJAVAN - Exato. Eu tinha acabado de chegar de um show

no Nordeste e tinha ganho uma bagana. Botei no bolso e

me esqueci dela. Ele [o policial] me perguntou: "O que

você tem aí?" Eu disse: "Não tenho nada". E ele:

"Deixa eu ver". "Deixa que eu mesmo mostro". Aí saí

esvaziando meus bolsos assim [mostra como fez, puxando

para fora os bolsos da calça]. Aí peguei o negócio e

puxei. Estava envolto num papel. Fiquei tão surpreso

com o que aconteceu que quase dou a mão para ele me

algemar [risos].



PLAYBOY - Teve outro episódio em que você também foi

preso em São Paulo.

DJAVAN - Aí foi outra coisa. Estava no comecinho da

minha carreira. Ficou claro que o cara estava me

prendendo porque eu era uma figura estranha e ia

entrar numa loja de piano. E estava com outro negro, o

divulgador que estava ao meu lado.



PLAYBOY - Você ficou com medo?

DJAVAN - Fiquei, porque quase me botaram numa cela que

estava cheia de presos. Ele [o policial] mesmo disse:

"Olha, só não te boto ali porque estou achando que tu

não fizeste nada pra tá aqui". Aí a gravadora, na

época a EMI, mandou um advogado lá e o cara me soltou.



PLAYBOY - Você falou há pouco em medo em sua primeira

prisão. Você tem medo da morte? O que é que mais o

apavora na vida?

DJAVAN - A morte não me assusta, não. Mas [achando

graça] toda vez que vou para lugares onde tem

terremoto... A última vez em que fui a San Francisco,

há uns oito meses, me hospedei no 42º andar do hotel.

Nossa! Você não acredita como é que eu ficava [ri]. Já

peguei alguns tremores, lá mesmo. A cama treme...



PLAYBOY - Por que você não tem medo de morrer? Alguma

religião o ajuda nisso?

DJAVAN - Não tenho medo de morrer porque a morte é

inevitável [rindo], não adianta correr dela. Tive uma

formação católica, cheguei até a estudar em colégio de

franciscanos, mas não sou católico.



PLAYBOY - E acredita em Deus?

DJAVAN - Claro. Profundamente. Acredito em

reencarnação, acredito nas vidas passadas, vidas

futuras. Por exemplo: sei que tenho ascendência árabe.

Já fui um tuaregue. Já me disseram que fui um nômade,

fui um chefe de tribo no deserto.



PLAYBOY - Quem disse isso?

DJAVAN - Um esotérico.



PLAYBOY - E você acredita mesmo?

DJAVAN - Acredito piamente. Pô, a primeira vez em que

estive em Sevilha, que é a região da Espanha bem mais

árabe, nossa! Você não sabe como fiquei. O cheiro da

cidade, como aquilo me deixou enlouquecido. Hoje já

conheço toda a Andaluzia [região do sul da Espanha

cuja capital é Sevilha], amo flamenco. Conheço também

uma parte da Argélia, conheço um pouco a África árabe.

Amo aquilo tudo e até fiz uma música neste disco

[Bicho Solto] que se chama Você É e que fala um pouco

dessas minhas entidades que são o árabe, o cigano, o

negro e o índio. As religiões com as quais mantive

maior contato por mais tempo foram as de ascendência

africana.



PLAYBOY - A umbanda?

DJAVAN - Umbanda, candomblé. Porque gosto de tudo.

Gosto do ritual, das músicas, das pessoas que

freqüentam. Acho que a hipocrisia ali é muito menor do

que na Igreja Católica. A minha religião é fazer as

coisas que me parecem corretas. Eu rezo quando vou

dormir. Pensa bem: quando você reza um Pai-Nosso, por

exemplo, milhões de pessoas no mundo estão rezando

aquilo naquele momento. E aquelas palavras ecoam no

universo. Aquilo causa um efeito, gera uma corrente de

energia para sedimentar os seus desejos.



PLAYBOY - Qual é então a sua dificuldade com a

religião católica?

DJAVAN - Acho que ela existe sob uma aura de certezas

absolutas. E a Igreja tem algumas posições claramente

mais ligadas a beneficiar o seu poder do que ao

bem-estar das pessoas. Ela acaba não fazendo a coisa

certa quando a mulher que foi estuprada tem que ter o

filho porque a Igreja não admite o aborto em

circunstância nenhuma. Isso é um erro.



PLAYBOY - Para uma pessoa que acredita em

reencarnação, o aborto não estaria impedindo então o

processo de se viver uma outra vida?

DJAVAN - Eu acho que o aborto é, sem nenhuma

hipocrisia, impedir que uma vida evolua. Isso não pode

ser ignorado realmente, mas tem milhares de outras

questões.



PLAYBOY - Você concordaria que uma mulher que

estivesse esperando um filho seu fizesse um aborto se,

por exemplo, não tivessem condições de sustentá-lo?

DJAVAN - Acho que a resposta mais fácil seria: "Claro

que não concordaria". Mas não sei. Se digo não, seria

apenas politicamente correto. Se digo sim, seria

leviano. Porque depende: se é uma mulher que não quer

ter um filho meu, e quero muito que ela tenha, vou

dizer imediatamente: "Não tira". Mas se é uma mulher

que quer ter um filho meu e não quero que tenha,

provavelmente vou dizer que ela não tenha. Mas ao

mesmo tempo vem o questionamento: se não queria ter um

filho com ela, por que transei sem camisinha? Enfim, é

uma questão muito complicada.



PLAYBOY - Por que você fala tanto em se casar e ter

filhos de novo?

DJAVAN - Porque o indivíduo é muito mais íntegro com a

família. A família é tudo: é o princípio, é a

referência, é o meio, é o fim, é a conclusão de um

projeto.



PLAYBOY - Mas com o final do casamento você não sentiu

em algum momento a alegria de estar solto?

DJAVAN - Não. Nunca me senti preso no casamento.

Continuo fazendo as mesmas coisas que sempre fiz. Mas

quando você está vivendo um casamento que está se

desfazendo, às vezes depara com pequenas mentiras. E

não precisar mentir, não precisar sentir culpa, é a

melhor coisa da separação. Mas me separei num momento

em que não é primordial para mim essa coisa de estar

solto e sair comendo todo mundo. Nunca fui assim.



PLAYBOY - Não era por causa do casamento?

DJAVAN - Bom, ser casado... [rindo] ser casado me

conduziu a ser uma pessoa com essas características,

não posso negar. Porque a oferta sempre existiu. Quem

tem uma vida assim, muito exposta, sempre tem uma

oferta muito maior.



PLAYBOY - A Sônia Braga falou recentemente da vontade

que tem de agarrar você. Isso é uma coisa muito boa de

ouvir, não é?

DJAVAN - Da Sônia, sim. [Rindo.] Além de ser minha

amiga, é uma pessoa deliciosa, maravilhosa.



PLAYBOY - Ela falou isso para você pessoalmente?

DJAVAN - Quinhentas vezes, já [rindo muito].



PLAYBOY - Mas agarrou ou não?

DJAVAN - Estive com ela recentemente no [meu] show.

Ela é uma pessoa que amo, uma pessoa linda. Quando

você recebe um tipo de lisonja... Mas nunca fui

vaidoso nesse sentido. Nunca vi em mim esse tipo de

qualidade, de despertar grandes paixões.



PLAYBOY - Que tipo de mulher chama a sua atenção?

DJAVAN - Gosto da mulher que se veste bem, com

discrição. [Enfático.] A discrição é a qualidade

primordial numa pessoa. E uma mulher com quem a gente

possa conversar, trocar idéias, se deleitar com o

diálogo.



PLAYBOY - Não tem uma mulher que você considere um

padrão de beleza?

DJAVAN - Não, imagina! O Brasil é um show de mulheres

lindas, de tudo que é raça. Ruiva, morena, negra,

branca, loura. É um show.



PLAYBOY - Você se acha bonito?

DJAVAN - Acho que tenho um conjunto agradável. Sou um

ser que tem um semblante exótico. Tenho uma mistura,

meu pai era louro, tinha os olhos azuis, minha mãe era

negra, negra, negra. Tenho uma mistura boa, então,

digamos.



PLAYBOY - E se preocupa com a aparência. O seu cabelo,

por exemplo, como você faz para ele ficar desse jeito?



DJAVAN - [Mexe no cabelo com dreadlocks.] Teve um

tempo em que a Aparecida fez. Porque tenho um cabelo

com uma predisposição de se enrolar. Aí vai, dá uma

força aqui, enrola aqui na raiz, ele vai crescendo e

vai tomando esse rumo.



PLAYBOY - E quando você lava ele continua enroladinho

assim?

DJAVAN - Continua. O pé é que se desfaz um pouco, aí

você vai e enrola de novo. Lavo normalmente, passo um

creme depois para amaciar.



PLAYBOY - E usa creme para pele também?

DJAVAN - É. Porque tem que cuidar, senão... [Risos.] O

tempo come mais rápido, né? Uso um creme no rosto e na

região dos olhos.



PLAYBOY - E você está satisfeito com a sua aparência?

DJAVAN - Estou. Porque tenho 50 anos e me sinto muito

bem. Procuro não engordar, como de uma maneira mais ou

menos saudável, tomo muita água, não fumo, não bebo.



PLAYBOY - Você achou perturbador quando virou avô?

DJAVAN - Não era perturbador. Era uma coisa a que

estava me adaptando. Porque é um dos tabus do homem.

Quando ele faz 20 anos, quando se casa, quando tem o

primeiro filho, quando tem 30 anos, quando faz 40 e

quando vira avô. Acho que o do avô é um desses tabus

mais fortes, mais difíceis, né?



PLAYBOY - Por causa da idade?

DJAVAN - Não. Porque o avô sedimenta uma certeza. Você

é avô, não joga mais nem no time dos solteiros nem no

dos casados [risos]. Ou fica no banco. O avô define

uma situação irreversível. Muita gente sofre. Eu não

sofri nada. O Thomas nasceu e não doeu nada. É

encantador estarmos juntos quando a gente consegue.



PLAYBOY - Ele o chama de avô ou de Djavan?

DJAVAN - Chama de vovô.



PLAYBOY - Você tem apelidos?

DJAVAN - A família toda me chama de Dêja. Os amigos me

chamam de Dija, de Djava. Alguns chamam de Djazinho,

outros de Djavaninho.



PLAYBOY - É verdade que houve uma época em que você

detestava seu nome?

DJAVAN - É verdade. Porque as pessoas no colégio, por

exemplo, faziam brincadeiras com o meu nome, as

professoras não sabiam chamar direito. Eu não entendia

por que precisava ter um nome tão diferente dos outros

meninos [ri].



PLAYBOY - E por que tem esse nome?

DJAVAN - A minha mãe contou uma história de que quando

estava grávida de mim sonhou com um navio que se

chamava Djavan. Essa foi a história que ela contou. É

uma história linda, portanto...



PLAYBOY - ...você adotou.

DJAVAN - Adotei [rindo].



PLAYBOY - E quando fez as pazes com o seu nome?

DJAVAN - Fui me acostumando. Quando cheguei a me

profissionalizar no Rio, houve opiniões de trocar ou

modificar meu nome.



PLAYBOY - E o que sugeriam?

DJAVAN - Eu me lembro, por exemplo, de quererem

colocar um "e" entre o do "d" e o "j". Ou outra letra

depois do "n" final. Não me lembro se era "y".



PLAYBOY - Djavany?

DJAVAN - Era algo assim.



PLAYBOY - Você conhecia o Roberto Carlos quando ele

pediu que você fizesse uma música [A Ilha] para ele

gravar?

DJAVAN - Não. Eu gostava do Roberto, sempre gostei. A

primeira música que aprendi a tocar no violão era Que

Tudo Mais Vá pro Inferno.



PLAYBOY - Ele mesmo o procurou para pedir a música?

DJAVAN - Me ligou. Imagina o que é você estar em casa

e receber um telefonema do Roberto Carlos. Aí acha que

é trote. Aconteceram dois telefonemas assim na minha

vida, que achei que fossem trote. Dele e do Chico

[Buarque]. Com o Roberto foi isso: ele me ligou, com

aquela voz inconfundível. Mesmo assim você acha que é

alguém imitando. [Imita o jeito de falar de Roberto

Carlos] "Eu queria que você fizesse uma música para

mim". Será? Depois você acaba constatando que é

verdade.



PLAYBOY - Na época foi muito grande a responsabilidade

de fazer uma música para o Roberto Carlos?

DJAVAN - Eu sabia que tinha que fazer uma música para

o Roberto de que ele gostasse. Evidentemente ele

gravar uma música minha seria uma força grande. E fiz

A Ilha. É uma música que amo e que também gravei.



PLAYBOY - Ele gostou de primeira?

DJAVAN - Só mudou uma ou duas palavras. Porque tem

palavras que ele não fala. [Canta] "Um facho de luz

que a tudo seduz por aqui / Estrela cadente

reluzentemente sem fim / E o cheiro de amor empestado

no ar". Ele tirou o "empestado". Canta "espalhado".

Teve uma outra palavra que ele trocou que eu não me

lembro.



PLAYBOY - Você já ofereceu alguma música para alguém

gravar?

DJAVAN - Não, imagina! Tímido como sou! Se eu

dependesse disso para conseguir alguma coisa na vida,

acho que estava perdido.



PLAYBOY - E como teve coragem de pedir ao Stevie

Wonder que tocasse com você no disco Luz?

DJAVAN - Quando fiz Samurai, e sabendo que ia gravar

nos Estados Unidos, tive a idéia de ter o Stevie

Wonder tocando harmônica. Mas me parecia até certo

ponto uma idéia um pouco longínqua, difícil de ser

concretizada. Só que o Ronnie Foster, que era o

produtor do disco, era amigo dele, tinha sido músico

da banda dele. Ronnie falava que o Stevie Wonder já me

conhecia, tinha fitas, gostava e tudo. Quando chegamos

a Los Angeles, pedi para o Ronnie convidá-lo. E ele

topou com a maior naturalidade.



PLAYBOY - Ficou muito nervoso quando foi apresentado a

ele?

DJAVAN - Foi incrível isso: não fiquei nervoso. O

Steve é uma pessoa muito simples, tranqüila. Ele

chegou, ouviu a música [Samurai] umas três ou quatro

vezes, tocou umas duas ou três vezes e falou: "Vamos

gravar". E gravamos. Depois ele pediu para ouvir o

disco todo. Ouviu tudo, adorou, ficava dançando.



PLAYBOY - É verdade que o Michael Jackson queria

gravar uma música sua? DJAVAN - Conheci o Michael

Jackson por intermédio do Quincy Jones. Michael

Jackson estava mixando Bad. Fomos eu, Max e Flávia

conhecê-lo. Ele é uma pessoa também muito tímida.

Estava na ocasião todo maquiado de vermelho, parecia

um apache. E com um boné verde da Disney.



PLAYBOY - E ele queria mesmo gravar alguma música sua?



DJAVAN - Exato. Cheguei a mandar a música. Mas mandei

com atraso, porque ele fazia a produção com mais de um

ano de antecedência e mandei dois meses antes de ele

entrar em estúdio. E era uma música completamente

inadequada para ele.



PLAYBOY - E o Chico Buarque também ligou pedindo

música?

DJAVAN - Não. O Chico me ligou para irmos a Cuba.



PLAYBOY - Você nunca tinha falado com ele antes?

DJAVAN - Nunca. Não se podia ir a Cuba na época, 1979.

Não havia relações diplomáticas com o Brasil, então

tinha que ser uma viagem clandestina. Fiquei

excitadíssimo. Fui para Lima, no Peru. Ali tinha um

Tupolev, um avião russo, nos esperando. E russo acha

que avião precisa só voar [risos]. Se voa, é avião.

Fui sentado numa cadeira que tinha um ferro aqui

[mostra um lugar atrás das costas]. Quando voltamos da

viagem fizemos, Chico e eu, Alumbramento, que é nossa

primeira parceria. Depois disso, também com o Chico e

mais um grupo grande de artistas, como Martinho da

Vila, fomos a Angola.



PLAYBOY - Foi a primeira vez que você foi à África?

DJAVAN - É. Fomos para Angola e foi outra viagem

encantadora. Pude conhecer a África e me identificar

com a música, com aquela história, aquele visual,

aquela plástica. Eles apresentaram o folclore de todo

o país, uma coisa enlouquecedora.



PLAYBOY - Você só viaja a trabalho. Nunca tira férias?



DJAVAN - Nunca viajei de férias. Não tenho essa

impetuosidade. Como vou de qualquer modo, acabo

perdendo o ímpeto. Eu me divirto no trabalho.



PLAYBOY - O que você gosta de fazer quando viaja?

DJAVAN - Em todos os lugares a que vou, lá pela

meia-noite, 1 hora da manhã, pego o carro com um

motorista e vou dar uma volta. Vou ao centro, para ver

os monumentos antigos, a arquitetura antiga, vou ao

bairro mais rico e ao mais pobre da cidade. Seja na

Europa, seja no Brasil, faço isso. E nesses momentos

acontecem coisas inusitadas.



PLAYBOY - Que tipo de coisa?

DJAVAN - Um dia desses aconteceu uma coisa muito

engraçada em Sergipe, em Aracaju. Entrando por um

bairro pobre, a rua toda enlameada, passamos por uma

casinha e falei para o motorista: "Aquilo era um

altar?" Aí ele deu a ré. Tinha duas senhoras na porta

conversando. Parei e falei para elas: "Isso é um

altar?" "É um altar, sim. É que aqui está tendo novena

de Santo Antônio". Fiquei doido, porque novena é uma

coisa que adoro [ri]. E ela explicou: "Quando acaba a

novena a gente tira o Santo Antônio e guarda. Vou

buscar, venha cá". Entrei na casa, ela foi buscar o

Santo Antônio, tirou umas fotos comigo. Só que tinha

um forró lá no quintal e começou a vir gente, gente,

gente. Veio um bêbado e falou: "Djavan! Não sabia que

você tinha sido convidado!" [Risos.] Isso é uma

delícia, é maravilhoso.



PLAYBOY - Qual foi o momento de maior alegria de sua

vida?

DJAVAN - Foi quando ouvi a minha voz no rádio pela

primeira vez. Inesquecível. Foi em 1974 ou 75, com uma

música chamada Qual É?, do Marcos e do Paulo Sérgio

Valle. A Som Livre, a gravadora, me prometeu que ia

tocar no rádio e fiquei uma semana esperando

ansiosamente. No dia em que aconteceu, foi uma

choradeira. A música falava [cantarola]: "Mas qual é,

de que lado estás? / Vou pra frente, tu vais pra

trás". Uma gracinha [e continua cantarolando]. Uma

graça essa música. Eu devia até cantar em show

qualquer hora dessas.





Comentarios

bom  - 14/09/2022

ruim

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