Somente a arte pode explicar o Homem. A ciência, a filosofia, sequer a teologia, o podem. Não há dúvidas de que há, hoje em dia, um volume de conhecimento tamanho que tem condições de nos levar uma análise em seus mais íntimos detalhes.
Eis um problema: o particionamento necessário, versus uma interseção inevitável de todas essas ciências, acaba por seccionar demais o indivíduo, deixando-o à mostra; o que já é uma contradição, pois “indivíduo” é aquele que não pode ser dividido. Então, esquecem-se do âmago.
Mesmo as ciências humanas não são capazes de dar conta de uma inquisição satisfatória. A filosofia, por se preocupar com a natureza do indivíduo, refletiu durante séculos o embate histórico entre o racionalismo e o não-racionalismo; a teologia, adaptando-se à medida de suas necessidades, ficou durante anos à margem dessa discussão, devido à natureza dogmática de seus ensinamentos; a ciência racional trouxe com ela a estrada atual por onde a análise escorrega de tempos em tempos, já que nada é imutável, sendo esse seu critério de acomodação, se não o principal, seu único valor. No entanto, a ciência necessita ser despojada de qualquer escrúpulo para que seus métodos e meios sejam validados.
Chegamos então ao estudo do homem pela arte. Estaria essa vertente, atualmente fraca e opaca, imune ao historicismo e à oscilação universal de correntes racionalistas e não-racionalistas? A resposta é não. Não há dúvida de que a arte reflete a sua época, mas é justamente neste ponto que reside o seu mais forte argumento: retrata não somente uma época, mas também a época de seu interior. E qual vertente de conhecimento se sobreporia neste caso?
O conceito de arte está absolutamente vaporizado. Contudo, não podemos nos esquecer da força perdida da palavra: nesse caso, o que nos importa é o sentido filosófico dela. Arte é, pois, “sinônimo” de estética. Partindo dessa definição, não haverá arte boa ou ruim. Haverá arte e não-arte. E cada uma definiria a outra. Será verdade, então, que a arte estaria morta, como recentemente declararam? E se está, seria por conta de uma desagradável valorização do conceito de que arte é puro entretenimento, o que terminou por colocá-la como algo absurdamente comercial? Sim, não há dúvida. Pois para que serve a arte? Não é, com certeza, para entreter. Não é, com certeza, para iludir sem deixar um caminho, mesmo ínfimo, de retorno mutável à realidade. A arte, de forma prática, em um mundo prático, não serve para nada. Nada que tenha sentido no mundo objetivo. Esse nada é muito: é o início da conscientização humana. Nasce assim o pensamento filosófico mais primitivo. Pois, como se vê, a arte está no berço dessa linha filosófica que, seja em qualquer ramo da filosofia moderna, estará sempre presente.
Se a arte nada vale, o que ela reflete é o mínimo do ser humano: o seu nada. Insistirei nesse nada, e sei que a força da significação dessa palavra (sua capa dura) é algo difícil de ser quebrada. Mas é preciso, a fim de que se entenda o mínimo necessário.
Diante de sua insignificância, a humanidade do ser tendeu sempre a revelar-se da forma mais abstrata possível. Quando falo em arte, não me refiro a técnicas, refiro-me a conteúdo e forma. Daí, desde o plano estático do Renascimento, passando pelos contrastes barrocos, pelas harmonias clássicas, chegando até o subjetivismo exacerbado do romantismo, a explicação do Homem está marcada em pintura, escultura, música e textos. Cada um com sua característica principal, mas sempre lá. A conclusão fica fácil se atentarmos para os detalhes das obras. E nem precisamos recorrer a muitas, pois a nossa aliada história nos provê. O Homem está visivelmente exposto em suas mais íntimas interrogações. E ao invés de aprender com isso, com a arte, deixou-a de lado e a transformou em algo inútil para si, para seu próprio divertimento. Corrompeu seu próprio destino, armando uma miragem protetora de si mesmo; de seu nada tão importante. Sobrepujou seu íntimo com os vários Homens: Homem-ciência, Homem-filosofia, Homem-Teológico. Escolheu para si o não-buscar-se, mas buscar-se em ídolos e em idolatrias baratas, muito, hoje em dia, impulsionadas pela mídia. O que deveria ser um instrumento de conhecimento transformou-se em um poderoso armamento ideológico. Há, sim, a liberdade de escolha, mas não há a necessária conscientização de como buscar a informação; e a arte não escapa desse entojo artificial. A arte como retrato, como documento, como subsídio para a formação de gerações não mais existe na consciência. E se não existe, o Homem fica inexplicável.
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