Algumas vezes, cobro da pessoa em que me tornei, essa distância entre meus momentos de escrever.
Trago sempre ao lado, bem à vista, lápis e papel, quando percebo que minha mente começa a receber imagens, ora rápidas, e às vezes, nostálgicas.
Ouço o tropel do tempo e, quase diviso um corcel garboso, crinas ao vento, correndo em seu galopar, deixando a estradinha de terra e alcançando o campo, onde o verde parece um mar de energia à luz do sol...
Divago... A mão tateia em busca da caneta que, encontrada, rola entre meus dedos.
A mente já não se faz tão calma... As palavras galopam eufóricas, antes que eu me dê conta. Mas, o corcel, o último a passar por mim, ali está, batendo a pata dianteira na grama e a soltar seu som rouco, quase a relinchar.
Pensei: - o assunto veio à lembrança, rápido como aquele amigo, e passou, como uma lufada de vento. Mas, o essencial ficou, cheio de vida, de cor, de força! Ele representa parte de nossa vida, essa rajada intempestiva, um raio azulado, diáfano, que relampeja com tal fragor, iluminando tudo.
É a Inspiração!
A musa veio trazida por um animal pousar ante minha visão sensível.
Sempre foi assim. Escrever, para mim, é manifestar a visão que se projeta no imaginário, rica de nuanças, marcando o seu tempo, sua vida, deixando impregnada na nossa retina, aquele momento fugaz, como se fosse a ponta de um cordão, cujo enovelado está à disposição.
Não vejo as horas, nada ouço no momento ao atravessar esse Portal maravilhoso. Meus olhos contemplam a alma das coisas. Não é ilusão, mas apenas um momento de viver, tão rápido como um suspiro ou minutos de sono.
O tempo aí se dividiu, ao fixar a cena que narro em palavras, os flashes que vão pipocando, mostrando a estrada nova que estamos percorrendo. Estradas cheias... Cheias de ontem, de meninice silenciosa e sonhadora, aquela vontade de poder reter o momento nas páginas que eu buscava.
Já não era eu que narrava, que falava. A menina de então, teria mais idade, mais segurança, e mais assunto.
Agora, sentindo a presença desse passado, não tenho apenas meus onze anos... Nem quinze... Nem vinte...
A cavalgada, que chamou minha atenção, levava números velozes, rostos, lugares... Fazendo-me escrever.
Sinto que estou atrasada. Deixei folhas à espera, muitas folhas, idéias, poemas, canções de amor e saudade. Deixei os versos pequenos, as narrações imediatas, enveredei pela vida seguindo as novas datas, locais, histórias.
Fiz a ronda da fantasia... A história em metáforas... Fugi da harmonia dos meus versos, e alcancei o inverso da pretensão.
Entrei na realidade, conheci pessoas, problemas, desassossegos, temores e desencantos. Todos estavam à minha espera para ouvir e narrar. Encontrei, nesse mundo, as diversas formas de amizade, o que era a fidelidade, ansiedade, a luta para desvendar os seus eus. Ai também, eu vi o amor e com ele a abdicação, a frustração, inveja e sedução... A vergonha, a vaidade... Enveredei por vários caminhos distintos e senti a vida de cada um.
Conheci famílias e seus mundos, senti simpatia e piedade, angústia e solidariedade.
O romance é uma grande lição. Penso comigo: essa é a função do escritor!
Os versos são flores lindas, onde saudade e esperança se misturam. São histórias íntimas cantadas de maneira rica e sonora...
Mas o viver tem histórias profundas, momentos bons, outros não. Mas estão lá, onde vou buscar, esperando para contar as suas vidas, sonhos, esperanças, tristezas. Tudo já foi plasmado, vivido, e agora já fazem parte de mim. Estão à espera de que os traga à luz.
A mão está sempre à disposição... Também a mente e a visão.
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Luzia Stella - autora dos romances: Eulália e Amor Sem Fronteiras.
(03-XII-2010)
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