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Contos-->Fama & Notoriedade -- 12/10/2002 - 02:29 (Túlio Pires Bragança) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
FAMA & NOTORIEDADE

John era apenas mais um cara normal, igual a qualquer um transeunte que passa pela vista das janelas. Também tinha uma aparência normal, as garotas o achavam simpático, nada de muito atraente, uma hora ou outra aparecia alguma moçoila e se apaixonava. Seu maior desejo na vida era ser lembrado, ser um nome no livro de história, um nome de rua, uma personalidade importante e influenciadora, um político, um jogador de futebol, um artista, enfim, alguém que é conhecido não só pelos seus parentes, amigos, colegas e conviventes, mas por pessoas que moram em Doutor Pedrinho, pessoas que gostem de Engenheiros do Hawaii, admiradores do Maluf, neopositivistas, fumantes, pontepretanos, macapenses, teatrólogos, jacus, roadies, asmáticos, admiradores de Fanta Uva, leitores de Hannah Arendt, etc...

O problema é que de uns tempos pra cá, John andava preocupado, já estava com quase 25 anos e achava que não tinha feito coisa nenhuma para ser lembrado. Andava pensando em entrar para a mídia, afinal, quem aparece na TV vira assunto das famílias, comentários sobre televisionados são do mesmo teor dos que são feitos sobre tios e primos: Nossa, você viu o Luigi Barricellii, que cachorro, foi visto com a Vera Fischer num iate, tadinha da Giovana Antoneli, ela tá sofrendo tanto. Até parece que se está se comentando de um cunhado safado, da vagabunda da vizinha e da pobrezinha da irmã. Se conhece tanto da vida dos astros, ou se acha que se conhece, que todos podem comentar da vida deles, julgá-los, condená-los, amá-los ou odiá-los pelos seus feitos, que nem se fazemos com o Tio Doca.

Bem, mas enfim, o John queria virar um ator ou mesmo um apresentador, chegou a fazer um cursinho de teatro e tal, mas não deu certo, ele não tinha os contatos, não tinha as manhas do negócio. Mesmo assim conseguiu aparecer como figurante em um comercial de cotonete e isso o fez muito feliz. Diziam que ele não tinha o perfil, não era bonito, nem bom ator, nem feio demais para chamar atenção.

Sua mãe, Dona Luzia até que tentava incentivar o rapaz, mas não queria iludi-lo, conhecia a realidade. Estava orgulhosa de seu filhote, John nunca se envolveu com drogas, nunca ficou bêbado e fazia sexo seguro. Um verdadeiro exemplo para a sua geração.

A busca da marca histórica de John continuava e ele tinha plena consciência do que podia fazer para aparecer na mídia. De tudo tentava, desde o teatro a beber 17 litros de refrigerante num programa popular, coisa que nem chegou a acontecer, estava tudo marcado para John, no dia 2 de abril ele teria 10 minutos no programa do Castor, horário nobre, 10 minutos para mostrar o seu talento. Acontece que faltando 3 dias para a sua aparição estelar, enquanto treinava, teve um ataque de gastrite e foi levado ao hospital, foi obrigado a ficar de observação por 4 dias e teve um baita de um prejuízo financeiro, o programa tinha bancado 100 litros de refrigerante para John usar em seu treinamento e como tudo acabou na beira da UTI, John teve que bancar 150 reais para a produção. Nem sequer uma matéria caçoando dele no programa saiu e olha que John insistiu, podiam contar a história toda, o que ele ia fazer, como ia fazer, seu treino, seus problemas, John autorizaria o tom debochado, mas nem rolou nada.

John estava obstinado agora, ou faria algo memorável antes de completar 25 anos ou... bem, ele nao tinha a outra alternativa. Lembrou dos loucos suicidas que vão pro topo dos prédios, gritam as razões do seu suicídio e pulam. Eles sempre apareciam na TV. Tudo tinha que ser muito bem organizado: horário de pico, região central, prédio importante. E ainda era ano de eleição! Perfeito. Óbvio que John não iria se matar, provavelmente se jogaria naquelas redes, ou super colchões que sempre acabam aparecendo numa hora daquelas. Ele ainda iria pensar nos detalhes. Depois de uma semana de planejamento estratégico, estava tudo certo, John iria para o topo do prédio do Banco W. Sons, esperaria um repórter ou mesmo um bombeiro, e daria suas razões. Já que era ano de eleição e o candidato do PSJ estava disparado nas pesquisas, coisa que ele não gostava nenhum pouco, ele diria que era contra o candidato do PSJ e a favor do PB. Pensava ele que era uma atitude memorável, um brasileiro que luta pelas suas convicções, seria notícia de todos os jornais, apareceria no horário político, seria até usado para significar alguma coisa, algum termo psicológico, sociológico, analisariam o povo e diriam: “do jeito que está a sociedade deste lugar, não seria surpresa se o efeito John aparecesse”. Perfeito!

Tudo combinado então, no fim da tarde de 18 maio, estava lá o futuro famoso John no prédio do W Sons. Uma multidão muvuquenta lá em baixo, com os gritos de sempre: Pula logo cara que eu tenho que ir pra casa, Pula logo viadão. Somente frases de incentivo. 15 minutos atrás de John chegam os primeiros repórteres, câmeras apontadas para o maluco lá em cima. O maior medo de John era que algum bombeiro highlander o puxasse do parapeito e o imobilizasse, ele deixou claro que se alguem chegasse perto ele se jogava. Estava dando certo, ele gritou suas razões por mais de 20 minutos, notícia garantida, seria ele um eleitor maulco? Alguém pago pelo candidato do PB? De tudo já se especulava. Depois de meia hora John avistou aqueles colchões amortecedores, como previsto, só esperava o momento certo. Depois de ter dado 4 entrevistas, já estava mais do que na hora de pular e ele pulou. Pulou sem titubear, como um homem, em direção ao colchão anti-suicídio. Os bombeiros nem precisaram direcionar o colchão, John veio certinho, na mosca. Sucesso Total. Pelo menos até o impacto no colchão de ar. O colchão não segurou John direito, John veio como uma agulha furando-o sem resistência. Morreu estatelado, o tal do colchão não amorteceu nada. Um grande silêncio dominou a avenida. Bombeiros se entreolharam pasmos. John tinha planejado tudo tão bem, sõ não contou com a péssima qualidade dos colchões anti-suicídio Superflex. Morreu naquele início de noite.

No mesmo dia os jornais da noite contaram sua história, uns o rotulavam de louco, outros de patriota. No horário político do dia seguinte, seu drama também foi contado, o canditado do PB usou seus 7 minutos inteirinhos relatando a história do mártir John, um brasileiro que lutou por seus ideais até o fim. Sua história foi capa das revistas semanais, apareceu até na CNN. Virou história, virou famoso. Seu funeral e enterro foram de pop star: políticos, empresários e artistas compareceram para o último adeus, assim como uma multidão estimada em mais de dez mil pessoas, jornalistas cobriam seu caso. Dizem que já existem teses de mestrado analisando a sua vida, analisando a sua influência no destino das eleições, na economia, na sociedade. Dona Luzia já apareceu em tudo que é programa dominical falando do filho e de como ele era um exemplo para a geração, jogadores da seleção brasileira entraram com uma faixa com alguns dizeres em sua homenagem em campo. Atualmente Dona Luzia está muito bem de vida, processou á fábrica de colchões Superflex e ganhou uma bolada em dinheiro. Hoje ela trabalha numa ONG e a mídia, todo ano, em maio, lembra a vida de John com matérias, programas e dossiês. A rua em que sua mãe mora trocou o nome de Saturnino de Britto pra John, há uma rodovia ligando a capital ao interior que se chama 18 de maio, no prédio do W Sons há um busto de John e o seu túmulo, no Jardim Eterno, é o mais movimentado. Para se conseguir algumas coisas é preciso renunciar a outras.

Túlio Pires Bragança
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